Princess Vs Witch escrita por L e P da LAP


Capítulo 1
Capítulo 1 - Majoristanilouvan Sem Volta




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/340329/chapter/1

De todas as coisas que eu odeio, ser do Reino da Chuva não é uma delas.

Mesmo vivendo na Floresta dos Sem-Voltas, depois das armadilhas de areia movediças e do Vale dos Espinhos, nos pântanos, é melhor aqui que o Reino do Sol.

No Reino da Chuva temos um período maior de frio, tempestades constantes e o predomínio de tempo encoberto. Já o Reino do Sol é um lugar sufocante, quente e cheio de brilho, aaarrrrgh, sem importar a estação. Dizem que até as chuvas são brilhantes por lá!... Quando chove, é claro – coisa muito rara.

Eu não suportaria viver em um lugar assim. Ficaria espreitando nas sombras por todo o meu sempre.

No Reino da Chuva posso andar livremente pelas ruas sem ter que me esconder, e isso me garante todas as possibilidades que as bruxas do Reino do Sol não têm.

Ah, sim. Sou uma bruxa, isso é importante contar.

Meu nome é Majoristanilouvan.

Ou simplesmente Majori, para facilitar.

Mui, meu corvo, se recusa a falar meu nome inteiro, então é preciso simplificar de algum forma.

Às vezes – na maioria delas –, Mui não é muito esperto... Mas é um bom amigo! Tudo o que eu preciso para não ser como outras bruxas da Floresta, que acabam falando apenas com plantas, árvores e Sem-Voltas estranhos... Tipo o Morfeu. Ele com certeza é um Sem-Volta estranho. Mesmo assim, deixo ele falar para os outros que é meu amigo.

Enfim, a Floresta dos Sem-Voltas é bem populosa em questão de seres estranhos. É para lá que todos os estranhos vão... ou os que são abandonados, como eu.

Sim, sou uma bruxa do Reino da Chuva e faço parte dos Sem-Voltas, já que fui abandonada na Floresta que Limita os Reinos. Não, não me perdi e não me esqueceram. É isso que acontece com crianças que nascem amaldiçoadas: os Reinos não permitem que elas vivam perto dos normais desde sempre. Então somos mandados para os limites, onde ser anormal é permitido… e, se tivermos sorte, alguém nos adota – como foi o meu caso.

Eu tive sorte.

Burildamar resolveu que poderia ser um passatempo divertido criar uma criança com uma marca de maldição bem visível em forma de cabelos roxos. Assim, ela teve alguém para ensinar todos os seus segredos e eu aprendi com a melhor bruxa dos Sem-Voltas.

Parece que houve uma reunião dos representantes de cada tipo de Sem-Volta quando me encontraram. Acho que muitas discussões aconteceram e eles guardaram um ressentimento daquela época, já que sou meio que uma excluída entre os mais velhos aqui.

Mas não me importo com nada disso!

Hoje estou oficialmente no lugar da Burildamar como bruxa residente na Mais-do-que-velha-e-gigante, a árvore que diz ser a mãe de todas as outras aqui (diz, não confirma). Desde que minha mestre partiu, com sua vassoura e uma mala enorme (anunciando que daria uma volta por todos os outros domínios além dos Reinos e talvez nunca mais voltasse), ela declarou que eu já era adulta e poderia fazer o que quisesse.

Isso foi há dois meses.

Desde então, meu maior divertimento foi aumentar a minha variedade de sabores de pirulitos caseiros e ir disfarçada para a praça principal do Reino da Chuva – o lugar da concentração do comércio –, e pregar peças nas pessoas.

Sim, sair da Floresta dos Sem-Voltas não era algo que eu pudesse anunciar publicamente que fazia. Até porque Morfeu e Tronco viviam pedindo para que eu usasse meus truques para aprontar com eles além dos limites que eram permitidos, e sempre ouviam a minha recusa. Claro que eles continuavam insistindo, e por muitas vezes eu quase não resisti à vontade. Acontece que eu não podia dar para Mah uma chance de ter um argumento contra a minha pessoa. Bastava um para que ela realizasse o seu desejo de tornar a minha vida entre os Sem-Volta um tormento. Por isso apenas deixava que os dois se empanturrasem com pirulitos até esquecerem da vontade de se aventurarem.

Por isso, a viagem da Burildamar abriu uma possibilidade irresistível: eu poderia ir para o Reino. Passear, aprontar como nunca antes pude fazer com meus amigos, conferir como era um mundo diferente do meu.

Durante todos meus passeios surgiam oportunidades de fazer objetos flutuarem e trocarem de lugar, pintar gatos com cores bizarras, tomar doces de crianças, empurrar carrinhos carregados nas descidas, dar dentes de verdade para plantas carnívoras e, é claro, fazer as compras da semana para variar meu repertório de experimentos culinários. Foi assim que descobri que as pessoas dos Reinos não são tão especiais como pensam que são.

Seres fracos.

Eles não têm coragem de sair das muralhas e vivem apenas em torno do que já conhecem.

A propósito, minha especialidade nesse comércio informal são os doces de amoras silvestres. Balas, gomas e pirulitos!

Sim, sou uma bruxa que faz doces para comercializar com o Reino da Chuva, aprendi e vivo bem com esse fato. Vivo bem, obrigada, moral e financeiramente.

E se você achava que doces são assuntos exclusivos de fadas, saiba que isso não está escrito em nenhum lugar… Burildamar me garantiu!

Então, naquele dia em especial, dois meses depois da minha mestre partir e depois de eu fazer a minha troca comercial da semana no Mercado do Fosso – lugar onde pessoas suspeitas não se importam em negociar com uma Sem-Volta e sua sacola cheia de doces –, aproveitei para passear pela capital do Reino da Chuva em busca de algo divertido para fazer.

Ultrapassar os portões do reino e andar pelas ruas, mesmo que sob minha capa de chuva, só é possível graças a uma coisa: pelo já mencionado fator climático. Por quê? Ora, é bem simples. Sou uma bruxa, e tenho aversão permanente à luz do sol. Provavelmente foi por preferir as sombras (e pelo meu cabelo roxo) que meus pais desconhecidos descobriram que eu deveria ser mandada para a Floresta, conforme Burildamar explicou uma vez.

Enfim…

Foi nesse dia visitando a praça principal do Reino da Chuva que fiquei sabendo de uma terrível novidade. Imediatamente voltei para a Floresta e me tranquei dentro de casa. Naquele dia, Mui não foi comigo, já que tinha marcado com o Tronco de caçarem minhocas-bolhas. Por isso, quando voltei, ele perguntou assustado ao me ver entrar, pulando no mesmo lugar em seu poleiro:

— Que foi?

Fechei a porta com força e a segurei com as costas, como se todo o Reino da Chuva tivesse acendido tochas para me perseguirem até ali.

— Que foi? Que foi? Que foi?

— O sol! – foi tudo o que eu consegui dizer, ofegante.

— QUE FOI?! – ele insistiu.

Larguei minha vassoura em um canto (ela reclamou e voou para o teto, revoltada como sempre, por não gostar de sair na chuva), depositei as poucas compras que tinha feito com cuidado no chão – alinhadas por ordem de tamanho –, e corri para a despensa. Voltei de lá arrastando o pesado espelho da Burildamar, e o escorei no meu caldeirão – alinhado com o buraco do teto, portanto, bem no meio do ambiente. Mui se aproximou voando enquanto eu recitava o encantamento para fazê-lo funcionar. Claro que no meu apavoramento eu não iria acreditar totalmente nos fuxicos do comércio do Reino da Chuva. Mas, se o espelho confirmasse a terrível notícia…

Quando a imagem surgiu e iluminou todo o local com seu resplendor dourado, precisei me esconder sob o capuz da minha capa.

Que foi?! – Mui virava a cabeça daquele jeito esquisito de pássaro, muitas vezes e muito rápido, tentando entender.

— É mais do que terrível! – eu chorei. – Vão trazer o Sol para o Reino da Chuva!

— Sooooooool! – Mui pulou para trás, gritando com sua voz estridente, e também procurou um lugar para se esconder.

Andando pelas vielas do reino, foi inevitável não ficar curiosa diante das notícias que os habitantes traziam da praça central. Ouvindo aqui e ali, consegui juntar todos os pedaços da novidade. Aparentemente, a princesa Yuria ficaria noiva... do príncipe do Reino do Sol! E ele viria para os domínios da Chuva dentro de alguns dias!

Solucei.

Calma, entenda o meu desespero.

Eu disse que adoro o clima do Reino da Chuva, sombras e tudo o mais, não?

Pois bem, esse príncipe do Reino do Sol é famoso por ser... brilhante!

Insuportavelmente brilhante!

E, o pior de tudo: o dito noivo é o segundo príncipe do Reino do Sol, já a Princesa Yuria é a única herdeira do Reino da Chuva. Isso significa que se eles casarem, ELE SERÁ O PRÓXIMO REI! Um reinado de luz dourada brilhante no Reino da Chuva! Isso é terrível! Por que justo quando eu estou viva algo assim tinha que acontecer?!

Rastejei até perto do espelho, tentando suportar aquela sensação de queimar que eu odiava, e tentei ver o que o espelho mostrava além do brilho. Procurava, meio que inconsciente, por algum lampejo de esperança.

E lá estava o príncipe.

Uma imagem clara e iluminada, com cabelos dourados e olhos bri... Não suportei ver mais do que isso.

Em um impulso corajoso, pulei no espelho e o derrubei, para que caísse e a luz cessasse.

Sim, ele quebrou nesse processo.

A bronca que eu levaria da Burildamar só não era tão assustadora quanto a visão de cacos de vidro espalhados desordenadamente pelo chão.

— Sol! – lamentou Mui, entendendo a gravidade da situação.

— O que vamos fazer? – perguntei, completamente desanimada.

Se o sol viesse para o Reino da Chuva, traria consigo o tempo bom? Se sim, as nuvens iriam embora, as sombras seriam expulsas e eu perderia minha liberdade. Seria apenas... a Majoristanilouvan condenada a ficar nos limites das sombras da Floresta dos Sem-Voltas para sempre.

— Não! Isso não pode acontecer! – fiquei de pé em um impulso determinado. – Temos que fazer alguma coisa! MUI! – o corvo se endireitou, se mostrando atento ao meu chamado. – Pense! Precisamos de ideias para estragar tudo isso da pior forma possível!

E com um estalar afirmativo do seu bico negro, ele saiu voando pela janela. Provavelmente não voltaria naquela noite e ocuparia o seu tempo em sondar Sem-Voltas, tentando ter alguma ideia para lidar com a situação. Obviamente ele não traria nada de útil, como sempre. Tudo bem, eu só precisava ter a impressão de que havia alguém mais me apoiando.

Eu, por minha vez, recorri à minha única fonte de informação confiável: o velho livro de feitiços de Burildamar.

Mas primeiro eu tinha que limpar os cacos de vidro do espelho. Só assim eu iria conseguir sentar e ler, sem aquela sensação incômoda de que estava imersa na desordem.

***

Assim como era esperado, Mui não ajudou em nada.

Ele é um pássaro, com cérebro equivalente. Ele apenas voltou sem lembrar mais do motivo de ter saído.

Preciso aprender de vez que não posso contar com ele para coisas complicadas. A irritação posterior nunca supera a impressão de que não estou sozinha. E a irritação naquele momento estava em seu extremo, porque eu estava lendo.

Dentre as coisas que eu odeio fazer, ler é uma das primeiras.

Eu poderia contar com prazer todas as palavras, frases e parágrafos que um livro tinha.

Ler e construir significados a partir de tudo isso era um tormento.

Burildamar não tem muitos livros em casa. Ela diz que tudo o que é necessário aprender pode ser aprendido apenas observando – ou seja, ela também não é adepta da leitura. Meu aprendizado, desde falar até usar minha magia, foi observando o que minha mestre fazia. Porém, como somos bruxas, existem coisas que não podemos executar constantemente para que outro aprenda observando. Por isso, livros ainda são uma necessidade.

Não tanto quanto vassouras, mas são. Infelizmente.

No nosso caso em especial, os mais importantes são o Livro de Feitiços Complexos que Toda Bruxa Deveria Saber e o Grande Livro de Receitas – porque, às vezes, comer só sopa de cogumelos e pescado do pântano todo dia enjoa. Também havia um livro que falava sobre a História dos Reinos, mas esse foi junto com Burildamar, e desconfiei que isso seria para o caso extremo de ela não saber voltar para casa e precisar dos mapas.

Quando voltasse para casa… se voltasse.

Enfim.

Li.

Li a tarde inteira, até ficar muito escuro. Então, peguei a minha lamparina, me arrastei com aquele livro pesado para o meu buraco (uma imperfeição no tronco da Mais-do-que-velha-e-gigante, que se tornou o meu recanto perfeito) e acendi uma chama roxa com um estalar de dedos – as chamas são minhas! Burildamar não me ensinou isso! Minhas chamas eram toda a luz que eu precisava. Mais iluminação seria um incômodo que não ajudaria em nada o meu humor.

Folheei o livro, respirando aquele cheiro de coisa velha e guardada por muito tempo, lendo o título e a primeira linha da explicação, tentando superficialmente identificar algo que pudesse ajudar. Caso não encontrasse nada usando esse método até a última página, voltaria e faria o grande sacrifício de ler também a segunda e a terceira linha. Mas para o meu contentamento, na página 621 encontrei algo que me fez abrir um sorriso.

Era exatamente o que eu precisava!

Li a página inteira.

Não, não sou a maior ou a melhor bruxa que existe. Talvez Burildamar fosse... ou não. Talvez, a maior bruxa que tenha existido foi a que conseguiu ter paciência para escrever aquele livro com tudo o que nós, bruxas, precisamos saber sobre feitiços e poções. E, naquele momento, eu era extremamente grata por ela ter se dedicado a esse trabalho (apesar de sua letra desordenada).

Mesmo não sendo um exemplo de leitora, sou muito boa em seguir instruções, e isso deveria contar tanto quanto ler.

Eu conhecia todos os ingredientes. Tinha alguns na despensa e outros poderiam facilmente ser encontrados na Floresta. Entretanto, alguns deles tinham detalhes chatos, como desenterrar a raiz na época de lua cheia, colher a última gota que cai antes do romper da aurora... Quando era a lua cheia mesmo? No tempo nublado da região Reino da Chuva eu teria que fazer cálculos para definir esses dias. E o romper da aurora, então?

Pois é. A bruxa que escreveu o livro, mesmo supostamente sendo a maior de todas, definitivamente não vivera naquele pedaço de Floresta dos Sem-Voltas.

E ainda bem que cálculos era uma das poucas coisas que eu não odiava!

Mui teria que me ajudar nisso, conseguindo alguns ingredientes enquanto eu focava no preparo meticuloso da poção. Ainda, eu teria que perguntar – disfarçadamente – para Morfeu quando seria a próxima lua cheia... Mas, no geral, seria possível! Levaria três dias para tudo ficar pronto, e isso ainda me daria algum tempo de folga antes da grande festa de recepção do príncipe dourado.

Tudo poderia ser milimetricamente planejado...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

https://selolumus.wordpress.com/2015/03/17/livro-princess-vs-witch/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Princess Vs Witch" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.