Ikki alisava o gato laranja deitado em cima da sua barriga, pensativo. Olhava para o teto branco do quarto, sem saber realmente o que fazer. Estava num daqueles dias em que mesmo a coisa mais legal do mundo parecia chata e entediante. Suspirou. Havia dias que não escrevia nada no diário, e estava começando a se sentir culpado por isso.

- Tai… Hora de ir dormir na sua almofada. - Falou, pegando o gato pela pelezinha do pescoço e colocando-o no chão. Taiyou soltou um miadinho chateado, antes de andar até o outro lado do quarto e deitar-se em cima de uma almofada vermelha com bordados dourados.

O moreno girou os olhos, com um risinho. “Abusado como o dono”, pensou, antes de sentar-se na cadeira da escrivaninha e puxar o diário, abrindo-o numa página em branco e pegando a caneta novamente.

Estou sozinho, como sempre. É engraçado que eu tenha ficado tão recluso depois do que aconteceu. Quero dizer, enquanto eu estava com você, acabei ficando mais feliz e animado do que já fui em toda a minha vida, e agradeço por isso. Hoje em dia eu só… Falo com a Fox.

Certo, a Fox. Como é que eu digo isso?

Estamos… Tendo um relacionamento estranho. Somos quase como melhores amigos que se gostam, mas… Eu tenho medo de tantas coisas, Shaka. Eu tenho medo de gostar de alguém que não seja você. Eu tenho medo de entregar meu coração - ao menos o que sobrou dele - pra alguém que não é você. Eu tenho tanto, tanto medo de te trair que fico acordado à noite, sem saber o que fazer. Eu estou confuso, amado… Estou confuso porque não tenho sua luz pra me orientar.

Você provavelmente diria: “Faça tudo pela sua felicidade, Ikki. Você deve renascer das cinzas e aceitar meu sacrificio como algo necessário”, e blablabla. Você sabe que eu não faria isso nem vivo, nem morto, nem no limbo ou na danação eterna, seja lá como vocês religiosos falam. Você sabe que nunca amarei ninguém como te amei, e ainda te amo, mas isso me deixa com o coração apertado. É como se… As coisas estivessem erradas, mesmo que elas deem certo.

Dá pra me entender?

Ou tô parecendo muito adolescente de 13 anos?

De qualquer maneira… Eu queria te dizer isso, sabe? Porque acho que você deveria saber, de qualquer forma. Amor meu, pessoa que mais amo no mundo, criatura divina pela qual me apaixonei perdidamente desde a primeira vez que eu te vi… Não importa o quanto eu amei depois de você. Nem que eu me entregue, ou case com outra pessoa, ou viva por ela, e aja da mesma forma carinhosa que eu agia com você… Saiba que você é único, amor…

Ikki olhou para a mão e o braço tatuados e deu um leve sorriso, uma lágrima caindo no papel, a qual ele enxugou rapidamente.

Eu nunca me arrependi de ter tatuado permanentemente o Tenbu Horin em mim. Nunca. E hoje agradeço aos céus por tê-lo feito. Ele é a recordação permanente que você já foi meu um dia. Shaka… Foi você quem desenhou essas marcas em mim. Você quem pôs o esforço de imaginar isso e colocar na minha pele. É uma parte da sua imaginação e da sua personalidade. Nem que eu tivesse seu cabelo, suas vestes ou aquela sua tornozeleira que eu amava, seria a mesma coisa. Sinto como… Se eu tivesse você ao meu lado sempre que olho pra mim mesmo.

Obrigado, meu anjo, meu deus, meu homem… Meu dono. Obrigado por ter existido em minha vida, e por seus conselhos silenciosos. Espero um dia voltar a sonhar com você novamente.

Ikki fechou o diário, respirando fundo. Sempre ficava horrivelmente depressivo quando escrevia, mas aos poucos aquela sensação se arrefecia, e ele se sentia livre. Era algo difícil e contraditório, mas o leonino gostava de sofrer, porque sabia que depois, se sentiria mais leve.

Levantou-se e foi tomar um banho. Precisava de calmaria antes de uma noite de sonhos vazios