Oito anos. Foi o tempo que Ikki demorou para dizer à Shaka o que sentia por ele. E quando disse, as coisas aconteceram muito rápido. Num momento eles se viam pouco, sempre tímidos, e em outro, se amavam ardentemente, sem pensar em nada. Conviver com o virginiano era extremamente difícil, e às vezes extenuante, mas valia a pena. Ikki o amava demais, e nunca se importou em sentar-se encostado à uma das paredes do templo enquanto o observava meditar. Como prova de ser amor, esculpiu na madeira uma pequena placa com o símbolo de seu apelido, “Ki”, e o prendeu no pulso do loiro em uma pulseira trançada. Fizeram juras de amor, riram e choraram juntos. Ikki encontrou um pequeno cachorro, que Shaka batizou de Devdan, e depois presenteou o mais velho com um gatinho, que nomeou “Taiyou”, pela cor alaranjada de seus pelos. Deu-lhe de dia dos namorados uma tornozeleira com um elefantinho, e criaram uma tradição de comerem bolinhos de arroz.

Até que as coisas começaram a complicar. Ikki tomou consciencia de seu deus interior – Garuda – e Shaka, ao sentir seu deus interior, Vishnu, pelo pecado de relacionar-se à uma alma que não fosse de Lakshmi, juntou-se à Ikki no Svarga – um dos céus, onde os justos vivem antes da próxima reencarnação – para entender sua natureza. Mas a volta do Svarga foi desastrosa.

Shiva, irmão de Vishnu, o acusou de traição, assim como sua esposa Lakshmi, e para que o mundo fosse salvo de uma destruição dêitica, Shaka entrou em colapso. O leonino e o loiro tinham muitas brigas e por fim, o cavaleiro de virgem o mandou embora. Sentindo-se abandonado, com raiva e sozinho, Ikki decidiu viajar para Veneza.

Até que não mais sentiu o cosmo do amado.

E foi nesse momento que ele soube que Shaka tinha sacrificado sua própria vida em prol da terra, entregando seu corpo à deusa da morte, Kahli. E, sentindo sua alma morrer, Ikki começou a escrever.

Pois se não escrevesse, morreria.

=x=

Ikki estava parado, sentado num alto degrau em uma escadaria velha de pedra, que terminava num largo rio. Várias pessoas atravessavam esse mesmo rio em boléias, e a cidade parecia atulhada de gente. Ele passou a mão pelos cabelos, que estavam mais compridos, na altura do pescoço, e puxou um caderno de capa de couro negro, junto com uma caneta, abrindo-o na terceira página. Depois de algum tempo olhando para as folhas do papel, começou a escrever.

Eu parei de sentir o seu cosmo. É estranho, porque era isso que me guiava e… Aparentemente eu perdi o caminho. Estava pensando em te mandar uma carta, dizer o quando Veneza é bonita e pedir pra você vir pra cá comigo, esquecer esses tormentos que eram nossa vida. Acho que demorei demais…

Notei muito tarde que eu não deveria ter feito o que você queria e saido do seu lado.

Agora você não está mais aqui.

Eu achei que fosse me esperar. Que iriamos para o Svarga juntos, mas aparentemente você não quis. Quis se tornar um deus logo e me abandonou… Não que eu ache que seja ruim da sua parte, mas Kami… Eu achava que tínhamos uma promessa.

Sempre juntos, esqueceu?

Agora não há nada em que eu possa me agarrar para fugir dessa minha realidade horrível. Você não está comigo, e eu estou mais uma vez sozinho. Me recuso a amar novamente, assim como me recuso a esquecer de ti. Você foi precioso demais, amado demais… Você era parte de mim.

Talvez eu tenha sido muito bruto.

Quem você deixou cuidando do Taiyou? Ou abandonou ele também? O Devdan está num canil aqui perto… Não achei que fosse bom ficar passeando de barco com ele. Saimos de Veneza em dois dias, e depois vamos à qualquer outra cidade que seja boa pra nós.

De qualquer forma, meu amor, espero que esteja bem onde quer que esteja…

Eu sinto muito… Muito a sua falta…

Ikki fechou o caderno, limpando as bochechas molhadas. Mordeu os lábios, respirando fundo. Precisava aceitar. Precisava aceitar ou isso o mataria. Escrever era o primeiro passo… Ainda viriam vários, vários…