Marcela recebeu Lia em sua casa, a convidando sutilmente para tomar um banho, depois de ter mergulhado no lixo. Fez um "café da noite" para as duas, aproveitando que Lorenzo estava no hospital e Gil, na casa de Ju.

 - Não é nada do que você tá pensando.

- Olha, eu não tô pensando em nada. Tem como pensar? - Riu Marcela.

- É uma longa história, Marcela...

- Eu imagino. Por longa história, quer dizer que não quer falar disso.

- Nem é isso. Sabe quando você descobre que alguém mentiu pra você e depois se questiona sobre o que era verdade? Se é que teve alguma verdade?

- Sei sim, querida. Foi assim com o pai do Gil. Não tem muita receita, Lia. Mas às vezes as pessoas cometem erros que não as definem. Todo mundo tem lado bom e lado ruim. Tenta ver qual é o real lado bom.

- Se ele existir.

- É... Ele provavelmente existe.

A semana passou rapidamente e logo era sexta-feira pela noite. Lia havia insistido que não iria, durante a semana, mas Sal tinha um plano pra arrastar ela pra festa. Vitor não tinha animo algum para ir, mas acabou aceitando quando Sal disse que não iria sem ele. Fora isso, queria mostrar superioridade com Dinho e, quem sabe, até estragar sua festinha. Os dois foram um dos primeiros a chegar, e logo Vitor achou um cantinho excluído para poder ficar sem ninguém encher o saco. Logo que Fatinha chegou, ele já se animou mais, mesmo com o fato de que a amiga que ela trouxe estava se jogando pra ele descaradamente. 

Algum tempo depois, Dinho chegou, trocando olhares com Vitor, que não mostrava expressão alguma ao vê-lo. Além da satisfação que tinha de ter conseguido ir até a festa do seu 'inimigo', Vitor não queria provocações. Lia não estava ali, o que tornava fingir estar interessado na conversa da amiga de Fatinha, ser uma tarefa ainda mais difícil. Apesar da menina ser bem bonita, Vitor preferia que o papo fosse somente entre ele e Fatinha.

- Vou lá pegar uma bebida, querem alguma coisa? - Ofereceu a menina.

- Uma cerveja? - Disse Vitor.

- Não tem não. - Disse Orelha, quando passava por ali.

- Isso é que é festa. - Ironizou Vitor. 

- Ouvi cerveja? - Disse Sal, se aproximando do grupo.

- É. Não tem isso aqui.

- Ai ai, esses adolescentes. Vou lá buscar pra gente, pode ser, irmão? - Perguntou Sal.

- Demorou! - Disse Vitor.

Enquanto Sal estava fora, rolava o usual verdade ou consequencia, que Vitor insistiu em não participar, conseguindo essa imunidade devido ao seu estado. Era um jeito também de se livrar um pouco da amiga de Fatinha. 

Quando Sal voltou, passada uma meia hora, percebeu que o irmão não estava só acompanhado de cervejas mas também trazia Lia. Sal havia insistido pra ela vir, usando o argumento de que Ju e todo o pessoal estava lá se divertindo e que ele poderia até liberar umas cervejas pra ela, já que ela jurava que sabia se controlar com bebida. Obviamente, Sal não conhecia Lia.

Um tempo depois, quando a maioria do pessoal ainda se encontrava sentada no chão, a amiga de Fatinha foi até Vitor, que agora tinha total vontade de incluir ela na conversa e até se jogar pra cima dela. Lia se irritava muito com a proximidade da amiga de Fatinha, que tinha aquele típico jeito de menina de apartamento que Vitor costumava pegar. Mas decidiu se segurar e mostrar superioridade, fazendo Vitor nem notar que ela estava realmente com ciúmes da cena.

Depois de um tempo sentindo falta de Fatinha, Vitor foi até a cozinha, procurar qualquer coisa pra fazer... Ou beber. Ou até, quem sabe, um tempo pra pensar. Foi quando abriu a porta e deu de cara com Fatinha tendo uma conversa séria com Dinho. Quando ameaçou sair, Fatinha insistiu para ele ficar.

- Vitor, fica. Tem a ver com você.

- Fatinha! - Disse Dinho, a reprimindo.

- O que tem a ver comigo? - Perguntou Vitor.

- Fala pra ele, Dinho. - Mandou ela.

- Eu não vou falar nada!

- Então eu vou falar! 

- Dá pra alguém falar?? - Gritou Vitor.

- Tá bem. - Disse Dinho, sem vontade. - A Fatinha te conta. 

- Ahh, que droga mesmo! Tá bom, lá vai. Esse otário desse meu amigo... - Disse ela, apontando para Dinho. - ... beijou a Lia à força aquele dia lá da foto do TV Orelha, Vitor. Ele admite, não admite, Adriano?

- Sim. Eu beijei ela a força.

- E daí? Ela correspondeu, não foi?

- Ai, como você é burrinho às vezes, Vitor! - Disse Fatinha. - Óbvio que não!

- É. Ela não correspondeu. - Disse Dinho, fazendo Vitor começar a ficar muito nervoso.

- Aquela foto foi estrategicamente tirada naquele momento pra eu terminar com a Lia, não foi, Dinho? - Perguntou ele.

- O que você acha? 

Fatinha, sentindo que Vitor pularia no pescoço de Dinho a qualquer segundo, gritou por Sal de dentro da cozinha,  mas foi Fera que chegou quando Vitor estava a poucos metros de Dinho, ameaçando o bater mesmo com as duas mãos ocupadas com as muletas.

- Se você conhece um pouco a Lia, sabe que dizer pra ela tudo isso não vai adiantar nada. A humilhação que você fez ela passar foi culpa sua e você vai continuar pagando por ela.

- Cala essa boca! - Disse Vitor, cheia de raiva, ainda mais porque sabia que Dinho tinha uma certa razão. Sal não segurava Vitor com dificuldade e Dinho parecia não ter a mínima intenção de bater em Vitor.

- Nem esquenta, cara. Não bato em aleijadinhos. - Disse Dinho. 

Da sala se ouvia gritos de comemoração, pela possível briga que acontecia no outro cômodo. Logo todos já estavam na porta, o que fez os dois pararem de falar. Vitor não queria mais exposição ainda para a história.

- Quero ver você consertar todo esse estrago agora. - Disse Dinho.

- Quero ver você consertar essa sua cara depois que eu quebrar ela! - Disse Vitor, tentando avançar pra cima de Dinho, que só sorria.

- Chega os dois! - Disse Sal, se metendo no meio de todos para conseguir passar pela porta. - Que que tá rolando aqui?

- Hora de ir embora. - Disse Vitor, se soltando de Fera e tentando passar por todos, que abriam espaço. 

Sal o seguia, dizendo para Fatinha e Lia que tentaria voltar, mas que largaria o irmão em casa primeiro e tentaria entender o que estava acontecendo. Fatinha foi junto com os dois, tentando acalmar Vitor. Dinho, que continuou na festa, não deu maiores explicações pra ninguém sobre o ocorrido, só repetia que nunca tinha ido com a cara de Vitor.

Quando Fatinha e Sal tiveram certeza que Vitor estavam bem, voltaram para a festa. No caminho, Fatinha inventou qualquer desculpa sobre a implicância de Vitor com Dinho, despistando o irmão de Vitor sobre o real motivo da briga: Lia. Para Sal, o irmão considerava Lia apenas mais uma conquista e isso era fácil de se deduzir, baseando-se no histórico do irmão.

Os dois subiam o elevador quando Lia estava esperando pra descer, com o celular na mão, pronta pra ligar para o pai. Sal tirou o celular da mão dela e ofereceu uma carona. Inacreditável um cara tão legal. Ao chegar na frente da casa de Lia, Sal estacionou a BMW na calçada.

- Entregue. - Disse Sal, tirando o cinto. - E aí, você sabe se é besteira mesmo o que rola entre o Dinho e o meu irmão?

- Ah, Sal. Eles nunca se entenderam, sei lá. - Disse Lia, que também estava de saco cheio de não entender a história, querendo apenas ir pra casa e parar de pensar. - Bom, vou indo nessa.

- Certo. Até mais. - Disse Sal. Em um impulso mal-intencionado, Sal acabou dando um selinho em Lia, ao invés de um beijo normal no rosto dela, o que fez ela o olhar confusa. Ela soltou o cinto e foi em direção ao prédio, tomada pelo susto que o ato de Sal proporcionou.