Dragon's Son escrita por Starkiller


Capítulo 2
O selo das Eras




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O dia seguinte seguiu tranquilo. Não produzi nada na aula de Encantos. Me saí razoavelmente bem em rituais. Botânica não era meu forte, mas tinha um certo jeito para lidar com plantas e animais. Talvez um dom, como dissera Daniel. À tarde não prometia nada assim tão bom. Exceto cuidar do Trovão Negro, nome que escolhi para o pegaso, as aulas vespertinas eram cansativas e tensas. Hoje tivemos o nosso primeiro contato com uma forja. Aquilo parece um inferno, deveriam proibir as escolas de obrigar os alunos a ir a esse tipo de lugar. Embora a aula de natação fosse na água, a tensão entre os outros alunos e eu era visível. Eles não me desejavam ali, e eu não desejava ser desejado. Ser aceito como um deles, arruinaria meus planos. O professor achou conveniente fazermos uma pequena competição entre nós, para verificar o quanto melhoramos. Era minha segunda aula, o que eu poderia ter melhorado? O sorriso no rosto de Raphael, dizia que a idéia era dele.

— Em suas marcas. - gritou o professor. - Vai!

Saltamos na água. Eles eram rápidos. Muito rápidos. Acompanhá-los me custou muito. Eu não admitia perder. Desde pequeno, água foi a minha área. Nenhum dos meus irmãos podia me vencer. E eles eram excelentes em tudo. Não podia perder para esses caras. Como iria encarar meus irmãos se perdesse. Uma sensação estranha correu meu corpo, revitalizando minhas forças, impulsionando meus músculos. Na curva de retorno passei um deles, logo depois outro. Ainda havia mais dois, Raphael e um desconhecido. Aumentei o ritmo das braçadas e das pernadas. Perdi a necessidade de respirar, segui mergulhado, como um torpedo. Passei o segundo lugar. E estava quase ultrapassando Raphael quando a piscina acabou. Ele venceu. Pulou da piscina para comemorar. Eu estava furioso, ainda embaixo d'água dei uma cambalhota e impulsionei o corpo chutando a parede da piscina. Deslizei até o meio do caminho e ergui o corpo, subindo para a superfície até saltar sobre a água e mergulhar de novo. Parece esquisito, mas desde que encontrei o dragão eu tenho essa espécie de ligação com os animais. Eu vi um golfinho fazer isso uma vez, estourar na superfície da água e mergulhar de novo. Não sei como, mas sabia que estava reproduzindo o que tinha visto. Nadei um pouco mais. Então pulei para fora d'água, sentando na borda da piscina.

— Belo salto. - elogiou o professor.

— Obrigado. - eu disse sem emoção. - Mas eu perdi. É isso que conta. Você nada muito bem, Raphael. Parabéns!

O garoto virou o rosto. Ignorando minhas congratulações e saindo para os chuveiros. Os outros pareciam impressionados, mas seguiram ele sem dar um pio sequer. Esbocei um sorriso, me levantei e cai na água de novo. Aquela sensação de liberdade era idêntica a que senti nas costas do pegasu. Me perdi em meus próprios pensamentos até notar que a luz se fora. sai da água e fui tomar banho. Me troquei e fui direto para o refeitório. Não encontrei ela em lugar algum, então enchi minha bandeja com frutas, iogurte e suco, e fui me sentar com meus irmãos. Senti diversos olhos em mim, mas resolvi ignorá-los. Novamente me senti como o irmão dos Starkiller, a sombra sem importância. Ninguém falava comigo ou ria para mim. Não entendo por que Alex me queria aqui. Nem mesmo ele me dava atenção.

— Eu não sei. Acho que deveriam domá-lo sim. Afinal, um animal desses seria muito útil à escola. - um dos amigos discutia com Alex.

— Não sei. Pegasus são animais selvagens demais. Acredito que ele não sobreviva em cativeiro.

— Que nada! - uma terceira voz disse. - Imagina como seria maneiro montar naquele bicho.

— Isso é verdade. - Gabriel concordou.

— Daria tudo para montar nele e mostrar quem é que manda.

Animal. Bicho. Mostrar quem manda. Aquilo foi demais para mim. Foi impossível deter minha boca.

— Idiotas! - exclamei em voz alta, falando pela primeira vez desde que sentei. - Vocês não passam de crianças imbecis! - reforcei minha opinião. - Não fazem idéia do que estão falando. Nem sequer podem compreender o que é estar enclausurado.

— Erik... - Alex tentou me parar, mas era tarde.

— Nós somos crianças? Não me faça rir fedelho. - o amigo de Gabriel respondeu.

— Se você não entende a solidão que aquele ser vivo está passando. Se você não entende o que significa esconder quem você é. Se você nem mesmo é capaz de imaginar o quanto ele foi maltratado. Sim! Você não passa de uma criança. E das piores diga-se de passagem. Vocês me enojam. Quem pensam que são para se acharem no direito de privar qualquer ser vivo que seja de sua liberdade?

— Erik, chega! - Gabriel gritou comigo.

— Você tem razão. Chega! Não há motivos para desperdiçar meu tempo. - eu disse me levantando, e quando estava a ponto de sair da mesa disse em meio tom. - Vocês humanos não merecem este planeta.

— O que disse? - ouvi Alex perguntar, mas ignorei, afinal nem mesmo eu sabia do que estava falando. Desde quando eu deixei de me considerar um humano.

Fui direto para meu quarto, tudo que desejava era dormir. Quando me aproximei da porta ela saiu das sombras. Um sorriso estonteante, ela era incrível. Minhas preocupações e frustrações sumiram no instante que a vi. Ela me recebeu em seus braços, me apertando junto a si. Nossos lábios se encontraram com urgência, num beijo ardente. Ficamos na porta do quarto, abraçados, rindo do nosso dia, curtindo aquele momento.

— Kamilla, você não deveria estar comigo.

— Ahn? O que disse?

— Eu... eu não sou como você pensa. Eu tenho medo de te decepcionar mais tarde.

— Engraçado. Não foi essa conversa que a gente teve ontem a noite?

— Hahaha! - não pude segurar o riso. - Você tem razão, parece que trocamos os papeis.

— Tudo que eu preciso saber é se você vai continuar gostando de mim independente do que acontecer.

— Claro que vou. Você é o que de melhor tem me acontecido.

— Então, não importa. Nada mais importa. Sua aparência, seu jeito de ser, nada.

— É com isso que estou contando. - disse apertando os braços em volta dela. - Briguei com os meus irmãos agora a pouco.

— Estranho. - ela franziu o cenho. - Achei que vocês três fossem inseparáveis.

— Tecnicamente, somos. Ainda assim, temos modos diferentes de ver o mundo.

— Hum... Posso saber o motivo da briga?

— Aparentemente eles e seus amigos pensam que os outros seres vivos não são dignos de liberdade, afeto ou qualquer outra coisa. Eles estavam falando sobre o pegasu negro. Discutindo como seria interessante montá-lo e que a escola deveria se empenhar mais em domá-lo.

— E você não concorda.

— Você já viu o que eles fizeram com ele?

— Sim. É horrível. Não entendo como a Profª Persephone aprova algo assim. Ela ama aqueles animais.

— Desespero.

— Como?

— Ela tentou de tudo com ele. Todas as maneiras amistosas de domar um cavalo falharam. Ela já não sabia o que fazer.

— Isso não justifica.

— Sim. Não justifica.

Demos um ultimo beijo e ela foi dormir. Entrei também, mas não consegui dormir. O episódio do refeitório girando em minha cabeça. Eu sabia que podia de alguma formar sentir e compreender os animais, até mesmo replicar algumas coisas que eles fazem, como o salto do golfinho, mas era a primeira vez que me sentia daquela forma, como que eu fosse um deles. Será que era por que eu sabia que o selo estava com os dias contados. Já era quarta-feira.

Estranhamente o dia seguinte foi tranquilo, suspeitosamente tranquilo. Fui as aulas, fingi que aprendia e que tentava mesmo fazer algo em feitiços, lemos um capítulo do livro base de rituais, transplantamos Lotus para um vaso maior essas coisas. Na aula de natação continuei sendo ignorado, mas foi só isso, nenhuma provocação. Depois do jantar fui me deitar cedo. Na sexta o professor de feitiços pediu para que eu ficasse depois da aula, pois queria falar comigo.

— Olha Erik, eu sei que deve ser difícil para você ouvir algo assim, mas é meu dever como professor ajudar e alertar vocês. Tenho prestado atenção em você durante a semana e percebi algo muito intrigante. Conversei com alguns professores e eles me disseram que você tem ido bem com eles.

— Eu não estou entendendo professor. - me fiz de desentendido. - Do que estamos falando?

— Erik, não tem um jeito fácil de dizer isso, então... Erik, seu sangue mágico não se desenvolveu o suficiente e isso significa que você não pode realizar magia, de natureza alguma. Eu sinto muito, mas é a verdade. Em uma semana você não foi capaz de realizar nenhum dos conceitos mais básicos da magia. Você não possui magia ativa dentro de si.

— Professor... - eu quase discuti sobre isso com ele, mas então senti a presença de alguém ouvindo escondido e recuei. - Na verdade não é assim tão surpresa, quando eu fiz 14 anos ano passado e não comecei a usar magia inconsciente como os meus irmãos me disseram que foi com eles, procurei algo nos livros, escondido dos meus pais. Eu sabia que essa era uma possibilidade. Mas eu quero tentar, quem sabe eu só preciso de mais um tempo. Por favor! Não desista de mim ainda.

— Claro que não, só quis conversar com você sobre isso, pois sei que se algum dos alunos perceber vai te transformar em alvo de piadas.

Percebi que sua preocupação comigo era sincera, agradeci a ele, peguei minhas coisas e segui para a aula. No almoço, as risadas e olhares na minha direção partindo da mesa da equipe de natação deixaram claro quem estava espiando. Canalizei a raiva com sucesso, nem mesmo meus irmãos notaram. Almocei rápido, queria sair dali antes que estragasse tudo. Todas as aulas seguiram bem, até mesmo o treino no fim do dia. Quando o treinador nos dispensou todos saíram apressados da água e foram pro vestiário. Ignorei a algazarra e continuei nadando, quando fiquei sozinho na água, parei de nadar, e me deixei afundar, deitando no fundo da piscina, sentindo apenas o leve movimento que o vento fazia na água. Depois de um tempo meditando, sai da água, tomei uma ducha, troquei de roupa e segui para o refeitório usando o caminho de sempre. Sabia que tinha alguém me seguindo, e que outros estavam escondidos ao longo do caminho, mas nenhum deles valia a pena, nenhum deles era o meu alvo. Próximo ao cercado das aulas de montaria, encontrei com Raphael. Ele ainda estava com a mesma roupa de quando saiu da aula, o que dizia que ele esteve me esperando. Segui caminho, como se fosse passar por ele. Ele mudou de lugar, ficando no meu caminho de novo. Entrei no joguinho dele.

— O que foi agora? - perguntei tentando passar e ele me bloqueou de novo.

— Acho que agora você já sabe se defender. - respondeu ele.

— Talvez. - provoquei.

— Hoje não vai ter salvamento heroico fraterno. Protego Alamus!

Era um feitiço protetor, a série Protego era extensa, eu não conhecia esse particularmente. Mas não fazia diferença, a proteção iria ruir se ele ficasse desacordado. Mal a cúpula de energia nos fechou dentro de si, os amigos dele chegaram, ficando em volta para assistir a briga. Mas eu precisava de mais, pelo menos algum dos professores e os meus irmãos. Então no meio da multidão eu a vi. Ela deve ter vindo encontrar comigo, viu a aglomeração e veio conferir. Nossos olhos se encontraram por um segundo e ela saiu correndo para o refeitório. Pronto, agora só preciso esperar ela contar a eles. Uma lufada de ar acertou meu rosto com a força de um soco.

— Concentre-se garoto! - zombou Raphael. - Asism nem vai ter graça.

Como no primeiro dia, ele usou a força do vento para me derrubar. Ele só estava brincando, me humilhando na frente de todos. Resolvi dar a ele um pouco mais de trabalho. Me ergui e concentrei na natureza ao meu redor, sentindo a terra, o ar, a água, as árvores, tudo a minha volta. Aprendi esse ritual a um tempo. Era coisa simples, um ritual de proteção. Se eu não atacasse, magia elementar não me acertaria. Terminei o ritual, precisava apenas de um sacrifício.

— Vamos parar com a brincadeira. - disse ele erguendo um braço e descendo, imitando uma lâmina cortando o ar.

Uma rajada de ar passou por mim, cortando meu braço esquerdo quase na altura do ombro, levei a mão ao corte, tentando parar o sangramento. Raphael ria de sua travessura. Conveniente ou não, era o que eu precisava, deixei o sangue correr pelo meu braço e gotejar no chão, uma oferenda poderosa. Geralmente usa-se sangue de outras vidas em sacrifícios, mas o sangue do próprio conjurador é muito mais poderoso. Senti uma energia morna correr meu corpo, conhecia aquela sensação, já havia usado esse ritual antes. Ele nunca falhava. Continuei parado, inerte. Raphael se demonstrava triunfante. Ergueu os braços, lançando mais uma rajada de ar. O vento simplesmente se desviou na minha frente, como se houvesse um obstáculo. Ele insistiu mais uma vez. O vento se desviou novamente. Ele mudou de tática, fazendo algumas pedras levitarem e voarem sobre mim como projéteis. As pedras pararam a minha frente e caíram, como se a influência dele sobre elas fosse cortada. Agora era eu que esboçava um sorriso. Ele se irritou, mudando de elemento outra vez, senti o ar se aquecer, ele ia usar fogo, naquela cúpula fechada, era um risco.

— Vamos ver se você tem sorte com isso. - Raphael direcionou as mãos para mim, imitando uma espécie de canhão.

Uma esfera de fogo surgiu diante suas mãos, e disparou uma rajada de fogo potente. Vi meus irmãos e alguns professores chegarem juntos naquele momento. O fogo atingiu o lugar onde eu estava, labaredas cobrindo tudo, fiquei sob as chamas, incapaz de ver ou ser visto, ouvi um grito. O fogo baixou, e eu estava intocado novamente.

— Mas que merda é essa! Por que nada atinge esse garoto? - um dos amigos dele perguntou de fora da proteção.

— Por causa daquilo. - ouvi alguém responder. - Aquilo no chão é um selo, desenhado com o sangue do braço dele.

— E o que é aquele selo?

— Um selo de ritual. - essa era a voz da Profª Helena. - Ele ofertou o sangue dele a Ceres, senhora da natureza. Enquanto ele não erguer os punhos em batalha, ele não será atingido por magia elementar. O intrigante é onde ele aprendeu esse ritual. Ele não é ensinado nas escolas de magia.

— O nosso irmão tem uma ligação fora do comum com a natureza, não me estranha se ele aprendeu sozinho. - Gabe me elogiava.

— Esse não é um ritual complexo, mas é preciso coragem para lançá-lo sem um conhecimento tecnico, ainda mais usando o próprio sangue de oferenda.

— Sim. Isso foi arriscado e irresponsável. - Alex me criticou.

Enquanto isso, Raphael ouvia, entendendo por que não podia me atingir.

— Então não posso brincar com você usando magia. Que pena, isso vai reduzir a diversão pela metade, mas não se preocupe ainda não acabou.

O garoto uniu as mãos e se concentrou por um tempo. Então eu vi o triunfo em seus olhos.

— Eu convoco o Rei dos Trovões! Que venha a tempestade e faça tremer! Raio de Júpter Ressoe!

Um raio desceu dos céus e atingiu Raphael, então a descarga elétrica percorreu seu corpo e saiu por suas mãos unidas, se elevando aos céus outra vez, uma lâmina reluziu nas mãos dele, brilhando tanto quanto os raios. Era uma visão deslumbrante e aterradora ao mesmo tempo. Ele brandiu a espada e a segurou com ambas as mãos novamente.

— Vamos ver como você se sai contra o meu brinquedinho. Bonita não? Presente do meu pai, forjada com uma amalgama de mithril e pedra trovão, nunca perde o fio, nunca enferruja e ainda pode descarregar eletricidade.

Aquilo era um problema, se ele se aproximasse de mim eu seria fatiado. Os professores ficaram tensos, finalmente viram que aquilo era mais sério que uma briga de alunos. Meus irmãos estavam furiosos. Eles iam atrapalhar tudo.

— Raphael! - Alex gritou. - Pare com essa brincadeira imbecil antes que você se machuque. Desfaça esse campo de energia e deixe o Erik em paz.

— Alex, Alex, Alex! Você acha mesmo que eu faria tudo isso para parar agora? E que papo é esse de me machucar, deveria estar preocupado com o seu irmão, ou com o que sobrar dele depois que eu fatiá-lo.

— É sua última chance! - Gabe agora gritava tentando proteger o selo. - Vamos lá. Tem nossa palavra que não faremos nada. Até convenceremos os professores a não aplicar um castigo. - Vi os professores concordarem, qualquer coisa para me tirar de lá ileso. - E você Erik, fique calmo, não faça nada.

Ele estava preocupado com o selo. Ou melhor, os dois estavam desesperados, por que eu fiz questão de forçar o selo ao máximo que pude, deixando minha magia fazer força sobre ele, tentando se expor a qualquer custo. Eles sabiam que se eu ficasse mesmo com raiva, o selo não seria suficiente, eles acreditavam que se eu rompesse o selo numa briga como essa eu mataria sem hesitar, e que não iria mais parar até satisfazer minha raiva.

— Não adianta! - Raphael respondeu. - Eu não vou desistir. Eu quero o sangue Starkiller na minha lâmina. E esse garoto está disposto a me ceder o dele de bom grado.

Vi Alex perder a paciência. Seu corpo se tensionou e o soco carregado de magia atingiu a cúpula de energia. Seu braço ficou parado, o punho em contato com o campo. Achei que ele ia quebrar a barreira, mas então meu corpo paralisou. O braço do meu irmão foi impulsionado de volta, com a mesma força que foi usada no soco. Estava tão concentrado nele que senti o osso se partir antes mesmo do berro de dor que ele deu. O campo de força além de me manter preso, refletia qualquer ataque externo. Alex caiu ajoelhado segurando o braço, ainda reclamando de dor. Vi dois professores se aproximarem para ajudar. Os olhos de Gabriel queimavam de ódio. Embora fôssemos completamente diferentes, éramos muito ligados, unidos além dos laços fraternos, nos protegendo e cuidando. Antes mesmo dele decidir, vi o que ele ia fazer, ele ia se machucar também. Usei toda a fagulha de magia que consegui reunir no meu corpo para impor poder na minha voz.

— Não Gabriel! - gritei para ele e ele recuou. - Cuide do Alex! Ele é meu!

Gabriel não discutiu, foi tentar fazer algo por nosso irmão.

— Eu sou seu? Não me faça rir garoto. Você não é nada. Eu sei que você não pode usar magia, ouvi o professor falar com você hoje. E sem magia seu trunfo era essa proteção, mas ela não pode ajudar mais. Você não passa de um humano, frágil e comum. Vou te fazer um favor, mandando-o para a enfermaria pelo resto do ano.

— Garoto. - usei a calma que me restava. - Não sei por que você decidiu me atacar desde o dia que cheguei aqui, mas estava disposto a aceitar isso e receber cada golpe que você desejasse dar. Só que agora você atravessou um caminho sem volta, acabou de mexer naquilo que mais prezo na minha vida. - minha calma esgotou, comecei a gritar. - Você não faz idéia do quanto meus irmãos sofreram por minha causa. Não vou deixar que você machuque eles novamente. Não admito que você toque em um fio de cabelo sequer deles.

— E o que você pode fazer para me impedir?

— Quer mesmo saber? Então prepare-se.

— Erik não! - Alex e Gabriel exclamaram. - Não vale a pena. Por favor!

Eu os ignorei, não ia mais ouvir eles. Era hora de assumir controle sobre minha vida de novo.

— Eu convoco a senhora do Tempo e do Espaço! Conceda-me uma audiência e ouça meu pedido!

O tempo se fechou, escurecendo tudo a nossa volta, uma nebulosa de luz surgiu sobre mim e dela uma voz.

— Sim minha criança, cá estou para ouví-lo.

— Mãe! Senhora de tudo e todos. Sua oniciência é louvada então poupo-lhe de minha história passada. Desejo sua benção para um ritual sagrado.

— Tu és a criança escolhida, tocada pela dor, dominada pelo desejo de justiça cega, foste marcado como um igual por uma criatura de imenso poder. Por que precisa de minhas bençãos para algo que tenciona realizar?

— Antes de tudo isso, antes mesmo de minha existencia mundana, vós sedes minha mãe. É natural que deseje vossa benção em momentos importantes.

— Filho meu. Tua humildade tem me causado admiração a muito tempo. Abençoado seja.

— Abençoada seja também! - respondi me curvando, enquanto a presença divina esvaia deixando uma neblina morna sobre mim.
Abençoado pela Deusa do Tempo e do Espaço, dei início ao ritual que precisava.

— Eu convoco as essências do nosso mundo. - disse com a voz firme, desenhando um pentagrama no ar. - Vinde a mim forças mágicas ancestrais. Vento, Fogo, Água, Terra e Espírito. Sois vós que conduzem este ritual, sois vós que revelam o caminho. Sol, astro rei, que seu brilho refletido no corpo de sua irmã Lua energize meu corpo.

Um feixe de luz da Lua incidiu sobre mim, senti uma ventania soprar, partindo do chão sacudindo meus cabelos e minha roupa. Senti o cordão com o selo se remexer dentro da camisa, então o botão da minha camisa arrebentou libertando o pingente em forma de lágrima roxa, que sacudia violentamente, antecipando a liberdade. A luminosidade intensa sobre mim fez o cordão de prata brilhar e expor as estranhas inscrições antigas. Finalmente, depois de dois anos usando aquilo e lendo tudo que pudesse por as mãos, eu poderia quebrar o selo.

— O que é essa coisa? Eu nunca tinha visto essas marcas antes. O que você está fazendo?

— Por dois anos carreguei este selo no pescoço, me privando de grande parte do meu ser. Obrigando a todos ao meu redor a nunca relaxar, me vigiando sempre. Selo das Eras! Apresento as chaves para interromper seu fluxo. A Era do Vento, dominada pelos grandes voadores que caçavam tudo aquilo que respirava, eu lhe apresento o elemento Ar e assim abro o primeiro Lacre. A Era do Fogo, quando os grandes vulcões derramaram sua ira sobre a terra, eu lhe apresento o elemento Fogo que abre o segundo Lacre. A Era da Água, com as tempestades e a fúria dos oceanos destruindo tudo, eu abro o Lacre de número três com o elemento Água. A Era da Terra, dominada pelas montanhas e pelos seres da floresta, com o elemento Terra esse Lacre será aberto. A Era do Espírito, quando os humanos surgiram e seus monges e sacerdotes eram o centro do poder, que o meu espírito quebra o quinto Lacre. A Era do Sol, senhor de fogo e terra, essa foi a era do calor, do poder puro e bruto, da magia branca, com a luz do sol eu desfaço esse lacre. A Era da Lua, mestra de vento e água, foi a era da calma, da força comedida, da magia oculta, com o resplendor do luar esse lacre se rompe. Agora com os sete selos quebrados, que o sangue mágico do meu corpo volte a correr, que a energia das sete eras se espalhem sobre meu corpo e que o selo das Eras seja desfeito.

Terminado o ritual, senti a magia do meu corpo se espalhar forçando uma barreira invisível. Então o brilho das inscrições aumentou e o cordão se desfez, dissolvendo em poeira e energia. Foi como tirar um peso das costas, me sentia leve, forte e capaz. O pingente, única lembraça do que me aconteceu aquele dia no bosque, continuava a flutuar a minha frente até um laço de luz prateada enlaçá-lo e envolver meu pescoço. Um novo cordão, feito em prata lunar, sustentava a pedra lágrima. Olhei ao meu redor. Sentia todos me olhando e ouvi a voz de Alex.

— Professora Helena, tem que tirar ele de lá. Se não fizermos algo ele vai morrer.

— Calma Alex, seu irmão vai ficar bem.

— Não é ele que nos preocupa. - disse Gabriel. - Pelo menos não nesse momento. Eu vi o meu irmão destruir uma floresta inteira, antes mesmo dele entender o que era magia.

— Agora que ele tem conhecimento do poder que o rodeia. - Alex completou. - Isso vai ser desastroso.

— Vocês dois passaram tempo demais preocupados em protegê-lo. - era a voz do professor Ryo. - Isso cegou vocês. A muito tempo Erik não é mais um garotinho assustado. Ele é o garoto mais calmo e centrado que já conheci. E tenho certeza que a professora Helena vai concordar comigo, aquele não é um ritual qualquer, seu irmão não o descobriu a pouco tempo, ele está com aquilo na cabeça a meses, só esperando um meio de provar que ele é digno de liberdade.

— Meses... - Alex admirou-se. - Meses sabendo como quebrar o selo.

— E mesmo assim não o fez. - disse Gabriel. - O quanto nosso irmão sofreu, sendo super protegido por nós enquanto ele podia cuidar dele mesmo.

— Agora entendo o que ele disse. Por que ele se achava um fardo. Por que ele pensava que estavam todos se sacrificando por culpa dele. - disse a professora.

— Erik... meu irmão... você sempre se culpou nesses dois anos, mas... na verdade, fomos nós que não soubemos enxergar o quanto você cresceu e ficou forte.

— Ele sempre confiou em nós, permitindo nossa presença por onde ele fosse. Como não pude ver que você só queria ser livre. Erik! - Gabriel gritou. - Eu confio em você! Mostre a todos que você é mais forte que isso! O papai já deve estar chegando aqui. Faça ele entender que você não é mais um garotinho!

— Isso mesmo! Estamos com você! Não vamos deixar ninguém atrapalhar você.

Eles finalmente entenderam, finalmente perceberam que eu havia crescido. Agora era hora de mostrar que eu era tão capaz quanto qualquer um deles, provar que eu também era digno do sobrenome Starkiller. Estava tão absorto em pensamentos que não vi Raphael se aproximar. Ele se lançou contra mim e brandiu a espada. Desviei do ataque, mas um pouco tarde, ele cortou meu braço outra vez, fazendo meu sangue escorrer. Me afastei dele.

— Ao que parece você não está assim tão diferente. Continua sendo o pirralho de antes.

— Acredita mesmo nisso. - respondi com um sorriso no rosto. - Você se gaba por esta espada, presente do seu papai rico. Agora é minha vez de me gabar um pouco.

— Do que você está falando?

Ignorei a pergunta, concentrando minha atenção na energia ao meu redor. Procurava o fluxo de magia natural, que corria por toda a Terra. O pingente em meu pescoço emitiu uma pulsação luminosa, se alimentando da magia natural que eu atraía. A pedra se partiu em duas, ficando uma metade em cada lado da corrente prata. Com um flash de luz, corrente e pedras aumentaram de tamanho e os cristais se tornaram duas espadas idênticas, com os punhos ligados por uma corrente.

— Esse é o meu brinquedinho. Essas lâminas foram forjadas do cristal mais raro do nosso planeta, a dragonita. Capaz de se adaptar ao estilo de luta daquele que a possui.

— Dra-dragonita? Mas isso é... isso é...

— Exatamente! Uma amálgama de lágrima de dragão e sangue humano na forma cristalizada. Agora é minha vez de me divertir.

Avancei sem piedade sobre ele, atacando com ambas as espadas, usando a corrente para me defender. Raphael apenas conteve os ataques e recuou. Pressionado pelas minhas investidas, o garoto saltou, tomando distância.

— Flammas! - disse ele lançando uma esfera de fogo.

— Fraco. - falei desviando as chamas com as espadas. - Eu tenho estudado magia desde que fui selado, acha que algo tão básico vai me deter. Maximum Ignis!

As espadas pegaram fogo e à medida eu as movia, ia lançando rajadas de fogo. Nenhuma delas era direcionada ao inimigo, pretendia atingir pontos próximos, criando uma parede de chamas, limitando os movimentos de Raphael. Quando as chamas estavam por toda parte, parei e as espadas apagaram. Encurralado, Raphael tentava encontrar uma saída, mas era inútil. Seu próprio campo de energia causou sua prisão. Andei em sua direção, chegando cada vez mais próximo ao círculo de fogo que o cercava. Com um movimento de mãos, um portal se abriu entre as chamas me admitindo. Novo aceno e a entrada se fechou. Eu sorria, debochando dele.

— E então, continua acreditando que eu não sou ninguém. Esse feitiço se chama Jaula de Fogo. Ele exige que o usuário tenha total controle sobre as chamas, pois um deslize e... bem, não vai haver deslizes.

Raphael parecia realmente amedrontado. Buscava a todo custo uma saída dali. Viu então sua chance saltando sobre as chamas. Foi fácil perceber sua intenção. Usei o controle que tinha sobre as chamas lançando arcos flamejantes sobre nós, fechando a área. Era hora de me divertir de verdade. Concentrei a magia na corrente da espada e lancei uma delas. A corrente se esticou como um elástico, criando mais e mais elos à medida que a espada viajava. Ele deu um passo para trás e acertei exatamente o lugar onde ele estava, a lâmina fincada no chão. Um puxão na corrente em minha mão e a espada foi puxada de volta. Continuei repetindo o movimento, acertando sempre o ponto onde ele estava anteriormente. Até que me cansei e resolvi terminar com isso. Lancei a espada uma vez mais, agora realmente na direção dele.

— Sagittae Infinitate! - com o feitiço a espada se multiplicou, seguindo em várias direções, impedindo que ele se esquivasse.

Vi em seu rosto o medo da morte, então no último segundo, segurei a corrente. Todas as lâminas atingiram lugares ao redor do garoto e a lâmina que perfuraria seu coração estava parada a centímetros dele. Recuei com a espada e as outras desapareceram.

— Cansei dessa brincadeira de criança. Estou cansado e com fome, vou pro meu quarto.

As chamas se extinguiram e com um movimento flúido as espadas voltaram a ser o pingente do meu pescoço. Raphael caiu de joelhos no chão, completamente derrotado, uma expressão de puro pavor no rosto. O choque quebrou sua concentração e o escudo que ele lançara se desfez. Minha visão ficou turva de repente. Senti minha consciencia falhar e apaguei. Finalmente estava acabado, sem o selo, meus irmãos poderiam seguir em frente sem se preocupar comigo. Eles me entenderam, compreenderam o sofrimento que passei e o quanto eu cresci com isso. Mas ainda havia um problema, e eu sabia disso.

Meu pai.


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