Dragon's Son escrita por Starkiller


Capítulo 1
Academia de Magia Sevens




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Era uma manhã excepcionalmente ensolarada, mesmo com o vidro fosco meus olhos ardiam com a luminosidade incomum. Pior que isso era aguentar uma viagem de quatro horas num carro com meus dois irmãos mais velhos. Alex era o mais velho de nós, era incomum agir como um idiota como fazia agora, mas ao que parece a viagem longa e tediosa causou uma temporária regressão em sua idade mental. Gabriel sempre foi um perfeito mané, não deixando passar uma única chance de me encher. Agora eu estava preso com eles dentro do carro, tendo ainda que ouvir nosso pai me pedir calma. Era frustrante. Eu retirava paciência não sei de onde, utilizando meu manjado truque de respirar compassadamente. É claro que isso só dava mais uma arma para Gabriel seguir com suas gozações. Então avistamos alguma coisa nova, para mim pareciam séculos depois, ainda longe para definirmos, parecia que existia um muro de pedra enorme no meio do nosso caminho, então tudo foi tomando forma, até o castelo antigo, mas intacto, surgir aos nossos olhos. Eu podia adivinhar que era o único do banco de trás do carro que sentia tanta empolgação, afinal para meus irmãos aquele colosso significava apenas uma coisa: o fim das férias. Meus pais talvez pudessem compartilhar da minha felicidade, afinal o castelo significava que suas férias começavam, dessa vez de modo completo, já que eu também seria deixado para trás. Estacionamos e seguimos para a recepção. Um cara truculento, pilotando uma espécie de carrinho de golfe parou perto do nosso carro e levou nossa bagagem. Entramos num átrio imenso, oposta a entrada havia um batente em forma de arco que dava para um pátio interno. Na recepção havia várias famílias algumas com crianças tão curiosas quanto eu, outras com pais aliviados em deixar seus filhos nas mãos capazes dos professores. Achei aquilo engraçado e esbocei um sorriso.

— O que foi Erik? - me perguntou meu pai.

— Nada. - respondi.

— Nervoso? - perguntou Alex, parece que ele voltara ao normal, tinha uma ar sério no rosto, quase responsável. Aquilo me fez rir ainda mais.

— Um pouco, mas não é isso. Só estava olhando em volta.

— Sim, a primeira visita impressiona, mas espere até conhecer os professores. – Gabriel tentou me intimidar, como ele conseguia ser tão previsível ainda era um mistério para mim.

Dei de ombros, ignorando-o por completo. Nossos pais foram até o balcão e conversaram com a recepcionista, senti a conversa ficar tensa até se tornar uma discussão.

— Mas eles são irmãos! – exclamou papai. – Qual o problema em ficarem juntos?

— Sinto muito senhor, mas segundo as normas do colégio, calouros e veteranos não podem dividir alojamento. – respondeu a moça do balcão, muito calmamente.

Droga, eu mal cheguei aqui e ele já está me fazendo passar vergonha, quando todo esse protecionismo descabido vai acabar. Ele pretende mesmo me monitorar durante todo o ano letivo. Felizmente ele percebeu que não poderia argumentar e desistiu. Eu iria dividir o alojamento com outro calouro, como todos os demais calouros.

— Alex, estou confiando em você. Fique de olho no seu irmão e não deixe que ele se meta em problemas. – eu ouvi papai dizendo em voz baixa quando se despedia.

Ótimo! Eu vou ter uma babá na escola. Achei melhor não questionar. Poderia ser pior. Ele poderia ter pedido ao Gabriel para cuidar de mim. Eles se foram e a fachada ruiu.

— Te vejo no quarto mais tarde Alex. Boa sorte com seu colega de quarto Erik. – Gabriel saiu correndo para os corredores.

— Vamos, te mostro um pouco do colégio antes de irmos pros alojamentos. – Alex me estendeu a mão.

Fulminei a mão dele com um olhar de incredulidade. Ele desculpou-se e seguimos para o pátio onde os outros conversavam. Cinco passos foi tudo que conseguimos dar depois de atravessar o arco. Um grupo de garotos da idade do meu irmão o parou e eles começaram a conversar. Alex se empolgou tanto que nem se deu ao trabalho de me apresentar ou sequer me notar ao seu lado. Resolvi continuar sozinho, afinal, era uma escola, não ia me acontecer nada. Ou pelo menos eu acreditava que não. Assim que me distanciei do grupo de veteranos um segundo grupo, de apenas três garotos, se aproximou.

— Ora, ora, o que temos aqui? Você não seria irmão do Alex seria?

— Sim. – respondi, imaginando que eram amigos do meu popular irmão mais velho.

— Que interessante. Ele e o Gabriel são bem conhecidos por aqui.

Isso foi suficiente para perceber que eles não eram amigos do meu irmão. Embora fossem irmãos e dividissem alojamento, Gabriel e Alex tinham grupos de amigos completamente diferentes. E se esses três conheciam os dois, só podiam ser encrenca. Incrível como eu tenho um ímã para essas situações.

— Vamos ver se você também partilha do talento deles.

O garoto que estava à frente estendeu uma mão em minha direção e uma lufada de ar me atingiu como um empurrão. Magia, ele estava usando magia para me atacar, claramente um nível básico de magia, já que ele não utilizou encantos e o vento nem foi forte o suficiente para me derrubar. Ele certamente não esperava que eu reagisse tão naturalmente.

— Assopro Marinho! – lançou ele estendendo a outra mão também.

Uma rajada de ar bem mais forte me içou e jogou no chão. Junto com o ar pude sentir o cheiro e o sabor do mar. Levantei-me e ele estava rindo.

— O que foi? Não vai revidar? Assopro Marinho!

Ele me jogou no chão uma segunda vez. Aquilo estava começando a ficar dolorido e muito irritante. Pela primeira vez em muito tempo eu sentia meu sangue ferver, eu sentia o instinto de batalha se sobrepor ao de auto-preservação. Bastaria uma palavra para me libertar, uma única palavra, e eu poderia revidar. Eu já estava com ela na ponta da língua quando tudo aconteceu ao mesmo tempo. O garoto lançou o encanto pela terceira vez, mas antes de ser lançado no ar, um borrão entrou na minha frente.

— Escudo Anti-magia! – era a voz do Alex.

Ele estava olhando para mim, não para o garoto, apenas apontou a mão na direção da rajada de vento, impedindo que avançasse. Ele me olhava nos olhos, sabia o que estava prestes a acontecer, mas não sabia como. Eles podiam sentir quando minha prisão enfraquecia, era um alerta para me encontrarem e me acalmarem. Gabriel chegou quase um segundo depois, seus olhos verdes tingidos de vermelho, expressavam a mesma incredulidade. Um segundo depois de sua chegada, os dois se viraram para os três garotos que me atacaram.

— O que pensa que está fazendo Rafael? Sabe que é contra as normas atacar calouros com magia.

— Calma Alex! – exclamou o garoto rindo. – Estávamos só nos divertindo, um trote de inicio das aulas.

Eu sentia todo o meu sangue ferver, se não fosse a barreira, meus olhos teriam mudado de cor como os de Gabriel.

— Um trote. Dessa vez vai passar, mas espero que não use mais magia contra os calouros, nenhum deles, pelo menos até eles aprenderem como se defender.

Droga, eu não acredito que tive que aceitar ajuda dos meus dois irmãos para lidar com aquele imbecil. Eu sentia vontade de gritar, não mais que isso, eu queria atacá-lo, diversas vezes. Respirei fundo, tentando oxigenar o cérebro e me acalmar. Senti um aperto no braço direito, Alex me agarrou e me arrastou para longe com Gabriel logo atrás, evitando que curiosos nos seguissem. Longe dos olhos dos demais, Alex lançou um feitiço sobre mim, fazendo uma marca surgir em minha testa.

— Está intacto. – suspirou ele aliviado.

— Então... o que foi aquilo? – perguntou Gabriel, ainda parecendo assustado. – Por que sentimos o selo se partir?

— Desculpem! – implorei, agora a ponto de chorar. – Foi minha culpa, ele começou a me atacar e eu perdi o controle, deixei a raiva me dominar por alguns segundos e quase estraguei tudo.

— Você estava sendo atacado repetidamente. É natural se enfurecer. – interveio Gabriel.

— Não se culpe tanto. Poderia acontecer com qualquer um. – confirmou Alex.
— Você não entende! – eu gritei, cheio de frustração. – Não falo de uma raiva comum. Eu senti meu sangue ferver, senti vontade de atacar para destruir, não para me proteger.

Não estranhei a cara de espanto deles, eram poucas as vezes que eu me sentia assim, e a primeira vez que falava sobre o assunto. Pra ser sincero, esta era a segunda vez que me sentia assim. A primeira vez foi o que levou nosso pai a fazer o selo. Foi há dois anos, durante as férias do segundo ano de Alex na escola e do primeiro ano do Gabriel. Eles me mostravam vários encantamentos que aprenderam na escola, e eu sempre assistia eles praticarem um contra o ouro. Estávamos numa viagem pelas montanhas. Então resolvi explorar os arredores da casa. Bem próximo a lateral da casa tinha um bosque com árvores altas e copas densas, entrei sem hesitar. Andei em linha reta para não me perder, então, depois de cinco minutos de caminhada, eu ouvi o urro de dor. Meu coração deu um salto e sem entender porque, corri na direção da criatura sofredora. Foi como se não houvesse tempo, no período de um piscar de olhos eu estava no local. Prendi a respiração, era inacreditável, pessoas do mundo todo dariam a vida para ver algo como aquilo. Bem ali na minha frente, pele coberta de escamas arroxeadas, olhos negros como a noite, asas membranosas, cauda repleta de espinhos córneos, como os chifres da cabeça, o grande lagarto estava caído, acuado. Nunca imaginei que veria um dragão naquela situação. Então eu os vi, um grupo de humanos, armados com lanças, disparando contra o colosso que tanto me encantava. Novo urro de dor e senti meu coração ser lacerado junto com a pele do animal. Eles não queriam aprisioná-lo, os ataques eram para abater. De repente uma lágrima correu dos meus olhos, como eles ousavam atacar uma criatura tão magnífica, mas o dragão não revidava, ele não era agressivo como os que vi nos livros. E o que era aquilo que corria pelo rosto dele, pensei que fosse sangue, mas o liquido vertia de seus olhos. Chorando. O enorme animal estava chorando. Então eu vi, debaixo do dragão, protegido do ataque dos humanos, um ovo enorme, quase do meu tamanho. Era uma fêmea, protegendo o ninho e o filhote que logo viria ao mundo. Era isso que queriam, o ovo, um dragão recém nascido para domesticar. Imperdoável. Aquilo era imperdoável. Aquela cena me fez questionar quem era o monstro afinal, nós humanos ou os dragões. Um poderoso sentimento tomou conta de meu corpo, um ódio como nunca fui capaz de produzir antes, sentia meu coração pulsar acelerado, sincronizado com outras batidas, as do coração do dragão. Um segundo foi tudo que aquilo durou, com toda a força que meu corpo pode transformei aquele ódio em um encanto. Nada muito elaborado eu admito, mas eficaz. Os magos nem tiveram chance de se defender, atingidos instantaneamente. O problema é que eu estava fora de controle, mesmo detendo os humanos cruéis, minha raiva não cessou. O dragão me olhou com gratidão e partiu levando sua cria. Mas eu precisava destruir mais, precisava deixar toda essa raiva esvair do meu corpo. Um aceno e dezenas de árvores a minha frente foram dizimadas. Senti o tempo se fechar, uma chuva branda caiu sobre meu corpo, eu arfava com o stress, meu corpo completamente tenso. Então rápido como uma bala um corpo me atingiu, me envolvendo com os braços e sussurrando em meu ouvido, me pedindo calma. Era meu pai, reconheci a voz. Ele começou a sussurrar uma espécie de prece em meu ouvido e eu vi meus irmãos se aproximarem, ajudando a me conter, suas vozes se juntaram a do meu pai. Apaguei. Acordei na minha cama, sentindo o corpo pesado e dolorido, como se tivesse feito exercícios físicos por horas sem qualquer preparo. Com dificuldade me levantei e fui até a cozinha, estava faminto. Meus pais e meus irmãos estavam sentados na mesa. Seus olhos me encararam no segundo em que entrei. Alertas, cautelosos.

— O que foi? – perguntei com um sorriso.

— Estamos indo embora. – disse meu pai naquele tom que não permite discussão.

— Embora? – achei estranho. Tentei me lembrar do que poderia ter causado aquela decisão, mas nada, o dia anterior era um borrão. – O que... O que aconteceu? Por que não me lembro de nada da tarde de ontem?

— Não aconteceu nada. Temos que ir. – disse meu pai depois de trocar olhares com o resto da família.

Alguma coisa havia acontecido, e eu não conseguia me lembrar, mas o que seria tão grave a ponto de cancelar nossas férias. Corri para fora da casa, mas estaquei ao abrir a porta. Toda a floresta havia desaparecido, ou melhor, estava lá ainda, no chão, entretanto. Nenhuma árvore de pé para contar a história. Então todas as lembranças terríveis vieram como um flash. Eu... eu... Eu havia deixado o bosque naquele estado lastimável. Mas pior que isso, me lembrei da dor, do ódio, me lembrei que tentei atacar meu pai, meus irmãos. Lembrei-me deles me contendo, tentando me acalmar até que eu desmaiei. Caí de joelhos no chão, lágrimas de remorso e culpa dominando minha face, minha testa latejando. Papai se aproximou e colocou a mão em meu ombro. Meus irmãos vieram tentar ajudar, mas foi para ela que corri, foi com ela que fui me consolar, implorando seu perdão, tentei machucar aqueles que ela mais ama, e isso me feria como ferro em brasa. Mamãe me abraçou e disse que ficaria tudo bem, que agora estava tudo resolvido. No carro, enquanto voltávamos para casa, contei o que acontecera e ouvi de papai sobre o selo que ele lançara em mim. Impedindo que o meu sangue mágico se manifestasse. Foi assim que tudo começou, com o selo. Agora na escola, olhando meus irmãos nos olhos enquanto me lembrava disso tudo, percebi que embora eu estivesse “preso” não era eu que sofria as privações. No momento que recebi o selo, meus irmãos perderam qualquer liberdade, tendo que estar sempre atentos a mim, cuidando para que o selo não se rompesse nos dias de fragilidade. Nunca mais lhes foi permitido relaxar, exceto talvez aqui na escola. Longe da responsabilidade, eles poderiam voltar a serem garotos, a se divertir sem se preocupar com nada. Mas agora estava eu aqui, tomando deles até mesmo esse breve momento de paz.

— Desculpa. – pedi de novo. – Alex, poderia me mostrar onde é o meu alojamento?

— Claro! Vem comigo. – Alex não entendia o tom triste do irmão. No que ele estava pensando.

— Alex... Eu realmente sinto muito.

— Já disse para não se preocupar tanto.

— Não, não é por hoje. É por tudo, por esses dois anos. Graças a minha condição você e o Gabriel tiveram que ficar de sentinela, sem poder relaxar ou se divertir. Eu sei que aqui era o único lugar que esse fardo aliviava, mas agora estou aqui também. Sinto muito mesmo! Prometo que vou tentar evitar problemas, vocês não precisam sofrer junto comigo.

— Erik! – Ele me segurou pelo braço e me fez olhar em seus olhos. – Somos irmãos! É inevitável que soframos uns pelos outros. Olha só pra você, tão jovem e com uma carga tão intensa de pesar e culpa. Você não é um fardo! Nunca mais repita isso entendeu?

Confirmei com a cabeça. Ele tinha razão. Eu não era um fardo, não mais. Eu já devia ter feito isso, mas tinha medo da reação deles. Agora era hora de cuidar de mim mesmo. Chegamos ao alojamento e me despedi dele, liberei ele de sua sentinela para que fosse ficar com seus amigos. Entrei e encontrei outro garoto dentro do quarto.

— Oi! – cumprimentou ele com um sorriso. – Daniel Black, muito prazer!

— Oi! – respondi seu cumprimento com outro sorriso. – Erik Starkiller. É um prazer também.

— Starkiller! Você não seria irmão do Alex, seria?

— Culpado! – disse sorrindo de minha própria piada.

— Meu irmão estuda na turma dele de botânica.

— Sim, acho que já ouvi o Alex falar dele... É... – eu tinha que me lembrar do nome. – Guilherme, Guilherme Black não é isso?

— Sim, esse mesmo.

— Meu irmão disse que ele era muito bom com plantas.

Saber que meu popular irmão achava o irmão dele bom em algo parece ter sido suficiente para nos tornarmos amigos. Conversamos mais enquanto arrumávamos nossas coisas. Naquela tarde teríamos uma espécie de passeio pelas dependências da escola para conhecer os lugares, saber aonde ir para as aulas, esse tipo de coisa. Depois do almoço saímos animados, guiados por um professor altos, cabelos longos e loiros, que lecionava Encantos. A primeira parada era o estábulo. Onde teríamos aulas de equitação e trato de cavalos. Interessei-me e me aproximei da linha de frente. Dentro do cercado havia um belo garanhão negro, correndo em círculos. No centro um homem gritava sem parar, estalando um chicote. A cena me causou horror. Sem me dar conta saltei a cerca e corri até o tratador.

— Pare! Não vê que só esta deixando ele mais nervoso. Se continuar a gritar e chicotear ele vai se machucar.

— Garoto, não me diga como fazer meu trabalho. Saia daqui agora. Esse animal é perigoso, já machucou outros tratadores.

Era inútil falar com ele. Então resolvi tentar com a outra parte envolvida. Cuidando para ficar entre o homem e o cavalo, fui me aproximando, braços abertos para mostrar que não ia machucá-lo. O cavalo estacou, me deixando chegar perto até poder tocá-lo. Ignorava os gritos do professor guia e do tratador. Agora só existíamos eu e o corcel negro. Com um carinho em seu pescoço e sua testa fui me aproximando mais até estar colado a ele. Acariciando sua face comecei a sussurrar.

— Calma amigão, ele não vai mais te fazer mal. Eu prometo. – a respiração do cavalo se acalmou. – Isso! Vamos, não tem por que ficar tão arredio. Assim!

De repente o cavalo se curvou. Era um convite. Ele queria que eu montasse. Ignorei os novos gritos do tratador para eu me afastar e montei. Era mágico. Como se tivéssemos nascido um pro outro. O animal corria em círculos, tão feliz quanto eu. Vi uma mulher entrar correndo pelo estábulo, parando em choque quando viu um dos calouros montado no corcel selvagem. O cavalo parou de andar. E olhando para a mulher no extremo oposto, disparou a correr. Era muito rápido, mais rápido do que eu podia me lembrar. Então ele saltou, mas não pude ouvir suas patas tocarem o solo novamente, apenas os gritos de espanto dos espectadores, uma coisa roçou minhas pernas e eu vi de relance, um par de asas negras arfando ao meu lado, era um cavalo alado, o corcel não se adaptava às ordens do tratador por que não era de sua natureza correr ou galopar em terra. Com uma curva fechada em retornou de pousou no cercado se curvando para que eu descesse.

— Obrigado pelo passeio. – agradeci sorrindo. – Foi um prazer te conhecer.

Antes que eu pudesse voltar para junto dos outros garotos a mulher que entrara no cercado agarrou meu braço.

— O que pensa que estava fazendo?

— Seu domador estava machucando ele. – acusei puxando meu braço do aperto dela. – Muito me admira uma tratadora tão experiente não ter notado o estado em que seus subordinados deixavam o animal.

— Você me conhece?

— Perséfone Stark, renomada tratadora, conhecida mundialmente como a melhor do ramo. É, acho que te conheço.

A professora sorriu e me deixou ir. Ainda ouvi um sermão do professor de Encantos que nos guiava. Passamos pelas estufas, sala das armas, sala de encantos, ginásio esportivo, e vários outros. Ao que parece seria um longo ano letivo. No fim do dia meus irmãos vieram me ver.

— Ótimo primeiro dia maninho. – o sarcasmo do Gabriel era quase tangível. –

Uma briga com um veterano, um desentendimento com a professora mais linha dura do colégio. Assim você vai longe.

— Erik, o que escutamos é verdade? Você montou o corcel negro em pêlo?

— Não. – disse contendo a emoção. – Porque não era um corcel, era um pegasus, um cavalo alado.

— O que?! – sabia que Alex ia reagir assim.

— Foi mal, é que aquele tratador imbecil estava chicoteando ele, não deu pra evitar, foi tão... tão parecido... – eu não queria lembrar daquilo, não hoje. – E quando eu vi já estava voando com ele.

Eles obviamente entenderam com o que a situação se parecia. Mudaram de assunto falando de seu dia até nos despedirmos e eles foram para seu alojamento. Fui me deitar imediatamente. O dia seria longo. Principalmente se eu fosse colocar meu plano em ação.

No café da manhã recebemos os horários.

— Feitiços, Rituais e Botânica pela manhã. – disse Daniel animado.

— É. – eu confirmei. – Ferraria, Equitação e Esporte a escolher durante a tarde. Esporte a escolher?

— Sim. No primeiro ano você pode escolher um dos esportes disponíveis na grade. Natação, corrida, futebol e boxe. Se você for seguir seus irmão você vai para...

— Nem pensar... tenho minhas próprias prioridades. – o interrompi com um sorriso. – Eu vou fazer natação.

— Desculpe, pensei que iria gostar de ficar com Alex no futebol ou com Gabriel no boxe.

— Realmente esses são a cara deles, mas eu prefiro algo com menos contato humano e sempre gostei de nadar.

— Boa sorte com os caras da equipe de natação. Dizem que eles não aceitam qualquer um.

— Valeu. E você vai ficar com o que?

— Corrida. Fazia parte da equipe no colégio anterior.

— Ok.

Seguimos para a aula de Encantos, com o professor que nos mostrou o castelo ontem.

— Olá senhores. Como vocês já sabem me chamo Ryo Saito, o Professor Saito. Leciono Encantos. Nessa disciplina aprenderão como converter a magia que corre em seu sangue em fenômenos físicos ou químicos. Alguns desses fenômenos dispensam o uso de palavras, por representarem os elementos básicos da natureza. – o professor estendeu a mão para o lado. – Vento, fogo, terra, água. – seguindo sua explicação surgiram os quatro elementos da mão esticada. – Para um encanto mais elaborado, vocês precisam evocar palavras de poder. Por hora vamos praticar apenas o básico. Quero que peguem a placa embaixo de suas mesas e coloquem-na de pé a sua frente. – enquanto explanava, o professor fazia uma demonstração. – depois estendam a mão na direção da placa e concentrem-se em soprar o ar para derrubá-la.

Aquilo parecia bem fácil, mas eu já sabia qual seria o meu resultado. Nulo. Não importa quanto tempo eu me concentrasse em soprar a placa, ela nunca iria cair. Por que eu estava impossibilitado de usar magia. Pelo menos por enquanto. Foi uma experiencia bastante entediante assistir todos se esforçando até realizar a tarefa, enquanto eu fingia me concentrar. Pior ainda foi ver o rosto de triunfo do professor quando percebeu que eu não conseguia. Ele com certeza se lembrava do episódio nos estábulos. Restando dez minutos para a aula terminar eu alcancei meu limite, me levantei e com um empurrão leve, derrubei a placa do exercício. Saí da sala sem olhar para trás. Uma sensação de incapacidade rondando minha mente. Uma desculpa. Era tudo que eu precisava. Um motivo qualquer que justificasse o rompimento do selo. Segui para a próxima aula, segundo meu horário, Rituais. Ainda não conhecia o instrutor daquele conteúdo, mas pelo pouco que conhecia de Rituais, eles não exigiam uso de magia. Pelo menos eu poderia me divertir tentando dessa vez. Cheguei à porta da sala, mas não queria entrar. Poderia interromper alguma coisa importante. Me escorei na parede ao lado da porta de cabeça baixa. Senti uma pessoa se aproximar, mas ignorei-a até que um objeto zumbiu se aproximando com alta velocidade e precisão. Iria acertar a cabeça do desconhecido. Sem pensar muito, puxei o braço do individuo e girei colocando-o atrás de mim enquanto aparava uma espécie de disco com a outra mão.

— Desculpe! - ouvi alguém gritar de longe.

— Sem problema. - respondi e arremessei o disco de volta.

Me vierei para olhar quem eu havia salvado e meu coração parou de bater. A centímetros do meu rosto, estava a face assustada de uma garota. Pele clara, cabelos negros e lisos. Olhos amendoados. Meio abobalhado, larguei seu braço e me desculpei pelo susto. Ela ainda olhava apavorada para meu outro braço, o que detera o estranho objeto. Eu não entendia qual era o problema. Choque, não. Medo, não. Aquele olhar era... preocupação. Eu o conhecia bem. Havia dois anos que minha família me olhava daquele jeito. Ela apanhou um lenço de suas coisas, delicadamente ergueu meu braço e começou a enfaixá-lo. Só então entendi sua expressão. Eu estava sangrando. O disco havia ferido minha mão com o impacto. Como eu pude não notar. Estava assim tão preocupado em ajudar essa desconhecida. O pesar em seus olhos fez meu corpo agonizar, ela estava se culpando pelo estúpido ferimento. Quando ela terminou de enfaixar coloquei a outra mão sobre a dela, deixando ambas sobre o curativo.

— Não foi nada. - eu disse. - São apenas arranhões. - não queria ver mais tristeza naqueles olhos.

— Obrigada por me salvar. - ela disse sorrindo de leve. Minha nossa, parece que havia um sol em seu sorriso. - Kamilla Aysha! Muito prazer!

— E... Erik Starkiller! F... prazer ajudar. - formule frases completas gênio.

— Novato? - quis saber ela.

Acenei afirmativo, evitando outra onda de gagueira. O que estava acontecendo comigo, por que minha garganta estava seca, meu rosto corado e meu coração disparado. Como eu podia estar reagindo a essa garota.

— O nome dela é Helena. - não entendi o rumo da conversa. - O nome da professora de Rituais. Helena Raven.

— Oh! Obrigado. Saí mais cedo da aula de Feitiços. Estou aguardando a aula começar.

— E por que não espera dentro da sala?

— N... não quero atrapalhar a professora.

— Você é bem diferente dos outros garotos.

— Quê? - indaguei sem intender sua observação.

— Deter um disco àquela velocidade com a mão nua e sem usar magia. Os garotos daqui não costumam deixar passar uma chance de se exibir magicamente. Essa seria uma chance de ouro. E agora isso de não querer atrapalhar a professora.
Dei um sorriso encabulado. Ela era bastante perceptiva. Engraçado ela não ter mencionado nenhum dos meus irmãos perfeitos.

— E você? Novata também?

— Não! Segundo ano.

— Ah... - mudei de idéia e me calei.

— Você deve estar se perguntando por que eu não mencionei sobre seus irmãos. Bem, eu te vi ontem. E no seu lugar, não gostaria de todos me comparando. Então...

— Correto de novo. Como você faz isso? Acabamos de nos conhecer e você parece me conhecer mais que eu mesmo.

— Intuição. E isso me lembra, cuidado com a Prof. Helena, ela é a mais intuitiva entre os professores. Eu posso não ter conseguido interpretar suas preocupações, mas ela certamente vai.

A garota beijou meu rosto e sumiu na esquina do corredor. Ainda sentia a bochecha quente quando entrei na sala. Sentei no centro da sala, tentando parecer insuspeito. A professora permaneceu concentrada em sua leitura até a turma inrromper sala adentro chamando sua atenção. todos acomodados, ela se levantou.

— Olá pessoal! Sou Helena Raven, professora de Rituais. Aprenderemos este ano a importancia de um ritual, o que precisamos para realizá-los e como fazê-lo. Entretanto, antes de colocarmos a mão na massa, preciso que compreendam o perigo de um ritual feito de maneira incorreta. Abram o livro texto, leiam as páginas 5, 6 e 7 e depois façam um resumo.

Me sentei com tranquilidade. Seria uma aula teórica. Não havia como algo sair errado. Pelo menos eu pensava assim. Depois de pouco mais de dez minutos de aula, a professora ergueu a cabeça do próprio livro.

— Bem... odeio fazer isso, mas qual de vocês está usando magia? Gostaria que não o fizessem durante as minhas aulas, a menos que eu dê permissão direta.
A sala toda abandonou a leitura para olhar a professora. Todos com cara de espanto, sem entender a colocação da professora. Abaixei a cabeça, pois senti o rosto corar. Aquela garota tinha razão, ela era intuitiva demais. E logo encontraria de onde vinha o fluxo de magia. Melhor fazer isso do jeito difícil. Ergui o braço vagarosamente, sentindo-o uma tonelada mais pesado.

— Seu nome?

— Erik Starkiller, senhora.

— Erik, poderia encerrar o fluxo de magia ao seu redor?

— Desculpe. – foi tudo que consegui dizer, com o rosto ainda mais corado enquanto negava com a cabeça baixa.

— Como?

— Desculpe professora Helena. – forcei minha voz a ficar audível. – Mas eu não posso fazer o que me pediu. – pelo menos não agora, pensei comigo.

— Venha comigo garoto.

— O resto de vocês terminem a lição. Volto rápido, muito rápido. E espero que já tenham terminado quando eu voltar.

Levantar e seguir a professora foi um sacrifício maior que abrir mão da magia. Era humilhante. Entretanto cumpri meu papel. Estava achando que iria parar na diretoria, mas assim que ficamos longe de olhos e ouvidos curiosos ela parou. Olhou em meus olhos e certamente deve ter notado a vergonha e dor neles. Eu estava a pouco de chorar de frustração.

— Acredita que o status que seu sobrenome tem na escola o torna inatingível?

— Não foi isso. É que... – tentei explicar.

— Pensa que as notas impecáveis de seus irmãos, te dão o direito de agir como bem entende com os professores? Desrespeitando normas e pessoas?

— Professora, eu juro que não... – ela não ia me dar chance de falar.

— Vamos! Já disse para desfazer isso! Interrompa esse fluxo de magia ao seu redor.

— Mas eu não posso. – tentei colocar toda a ênfase no “posso”.

— Insiste em me desobedecer? Faça agora ou eu farei.

— Se puder, por favor! – gritei, perdendo completamente a calma. A ira repentina a fez recuar. – Eu não estou dizendo que não QUERO desfazer! Acontece que eu não POSSO desfazer! Então se você souber como, eu ficaria muito agradecido! – gritei mais uma vez, agora abrindo dois botões da camisa e puxando para fora uma corrente de prata com um pingente de ametista em forma de lágrima.
A estranha pedra reluziu, como sempre que era exposta a luz. A professora olhava aquilo atônita. Ela não esperava por algo assim.

— Onde achou isso garoto?

— Meu pai...

— Ele sabe que você pegou isso dele?

— Ele me deu.

— Como?

— Ele que me deu isso. Presente de aniversário.

— Não minta, por que o seu pai te daria algo assim? Vamos me entregue.

— Você não estava ouvindo? – isso ficava cada vez pior. – Eu não posso tirar.

Não sei a senha. – outra mentira.

— Garoto! Não teste a minha paciência. Se não me der por bem pegarei a força e chamarei seus pais aqui.

— Já disse que se puder tirar isso do meu pescoço eu ficaria agradecido. – eu disse dando um passo para o lado, fazendo o sol incidir sobre a prata.

O metal reluziu e uma série de inscrições estranhas surgiu por toda a corrente. A professora recuou. Ela reconheceu o poderoso selo. Como eu presumi, ela não podia tirá-lo também.

— Venha comigo! Vamos chamar o seu pai aqui imediatamente. – ela disse agarrando meu braço.

Libertei meu braço e recuei dois passos, apavorado.

— Não! – exclamei de novo. – Por favor! Não chame o meu pai aqui. Se ele souber disso ele vai... vai ficar desapontado e vai... vai me levar para casa. Eu não posso suportar isso, não posso mais ser um estorvo.

— Erik! – ela ficou chocada. E minha verdadeira essência finalmente escapou da prisão de aparências. – Eles são seus pais... você não é...

— Você não me conhece. – cortei a fala dela. – Não imagina como é ser comparado ao estudioso Alex, ou ao atlético Gabriel. Não faz idéia de como é ser mantido seguro, ser vigiado 24 horas todos os dias. Do quanto é horrível ver meus irmãos perderem sua liberdade para cuidar de mim. Mesmo com essa porcaria no pescoço, eles não puderam relaxar... nunca! Eu não suporto mais isso! Vê-los sofrer está matando a minha alma. E a minha mãe, o olhar que faz sempre que vê a prisão em que foi obrigada a me manter... Não venha agora dizer que não sou um estorvo para eles, quando você nem sequer entende essas coisas.

De repente senti braços ao meu redor e as lágrimas vieram silenciosas. Os dois anos de lágrimas que mantive prisioneiras para que os olhos da minha família não vissem. Foram vinte minutos ininterruptos assim. Chorando nos braços daquela desconhecida. Agora havia mais uma coisa a se fazer. Eu precisava de ajuda, uma ajuda que só ela poderia me dar.

— Professora Helena, eu preciso de tempo. É tudo que eu peço. Tempo. Não é muito. Essa semana basta. Eu já tenho como romper o selo, mas preciso de uma situação em que eu possa provar que não há mais perigo em desfazê-lo. Me dê essa semana e então... a decisão será sua, se chama meus pais ou não.

— Erik... eu não... tudo bem. Você tem essa semana. Mas apenas isso. Isso que você carrega é um perigo para a escola, não posso negligenciar algo assim.

— Muito obrigado... pelo voto de confiança e...

— Não se aflija, esse é o meu trabalho.

Retornamos para a sala. De cabeça baixa me sentei e passei o resto da aula em silencio absoluto. Como era de se esperar todos estavam cochichando sobre mim e dando risadinhas enquanto me olhavam disfaarçadamente. Infelizmente para mim e para eles, eu vi e ouvi tudo. Já imaginando a cara que os meus irmãos iam fazer quando isso chegasse aos seus ouvidos. Pelo menos agora eu tinha alguém em quem poderia confiar e um motivo para o que eu tinha que fazer. Agora só faltava uma coisa e para aquilo eu sabia com quem poderia contar. O garoto do dia anterior, ele era do clube de natação também, seria fácil provocá-lo. A aula de Botânica transcorreu perfeitamente bem. Nenhum acidente, nenhuma reclamação, nenhuma frustração. Aparentemente seria minha melhor aula durante essa primeira semana. Almoçamos todos reunidos num salão enorme com diversas mesas. Meus irmãos sentaram-se comigo e como era de se esperar, já sabiam da aula de Rituais. Contei o que houve e inventei uma história sobre como contornei. Eles não engoliram muito, mas um agrupamento de seus colegas chegou para me salvar. Sem ao menos olhar para os recém chegados ou me despedir dos meus irmãos, levantei e segui para a saída. Pela periferia do meu campo de visão, notei um braço abanando o ar. Era a garota de mais cedo, me chamando. Voltei metade do meu percurso e dobrei numa mesa com quatro garotos que me olharam e abafaram risadinhas. Sentei numa cadeira de frente para a dela. Sentindo meu rosto começar a corar.

— Oi! Como foi a aula?

— Hum... Tensa. - disse com um meio sorriso.

— Imaginei. Mas pelo que ouvi no fluxo de informações da escola você saiu ileso.

— Fluxo de informações? - perguntei aumentando meu sorriso. - É um belo nome para fofoca.

Ela também riu e senti meu estomago embrulhar. Parece que eu nunca ia me acostumar com aquilo.

— E o pessoal? Conseguiu se enturmar com os demais?

— Com o episódio da aula de Encantos e agora mais esse, acho que vai ser dificil fazer amigos.

— Bem... não é muito, mas pode me contar como sendo uma.

— Obrigado! - respondi com um sorriso mais aberto.

Era tão facil falar com ela. Natural. Tão relaxante que eu não via o tempo passar. O horário para almoço acabou bem no meio de um debate sobre o uso das artes mágicas. Ela correu apressada para o corredor leste onde teria sua proxima aula e eu segui para os prédios anexos, onde teria minhas aulas durante as tardes. A primeira delas seria ferraria. Eu tinha certeza absoluta que não tinha qualquer interesse no assunto, até assistir esta primeira aula.

— Boa Tarde pessoal! Eu sou Augusto Volcan, e serei o instrutor nas forjas da escola. Antes de nos aventurar com caldeiras e metal supraquecido, quero apresentar alguns conceitos básicos sobre o assunto.

A turma não parecia muito interessada ou empolgada com o assunto e as meninas definitivamente não se importariam de evitar a enfumaçada e escaldante caldeira. Confesso que também não estava muito interessado em brasas, ponto de fusão, maleabilidade ou qualquer outra coisa que o professor dizia até ele falar sobre os minerais mágicos.

— Além dos minerais nobres, prata e ouro, temos os minérios mágicos, que aderem propriedades especiais ao objeto forjado. Os mais comuns são Adamantium e o Mithril. Ainda temos o Denatril e o minerio mais raro até o momento o Azraelitium.

— Professor! - um garoto levantou o braço e continuou a perguntar - Por que esses minérios são classificados como mágicos?

— Por dois motivos. Primeiro, durante sua formação esses minérios foram expostos a alguma fonte de magia. Segundo, esta exposição deu a esses minérios certas propriedades únicas. Como por exemplo o azraelitium, ele é conhecido entre os ferreiros como o minério de sangue. Basta uma gota de sangue sobre azraelitium aquecido para que o minério tome a forma da arma perfeita para o dono do sangue.Entretanto se esse mineral sofrer qualquer pressão acima do limite de uma atmosfera e meia, ele vai entrar em combustão explodindo tudo ao seu redor.

Aquilo definitivamente despertou meu interesse. Levantei a mão.

— Professor! Qual é o poder destrutivo disso?

— Hum... Uma pedra de 100 gramas de azraelitium puro pode devastar uma raio de 20 metros ao seu redor.

— Wow! Isso são 125m². - Sim eu era um nerd da matemática.

— Mais ou menos isso, mas esse metal é tão raro que é praticamente impossível ocorrer algum acidente com ele.

— E qual é o aspecto desse mineral? – outro garoto perguntou por mim.

— O jeito mais fácil de descrever o azraelitium é como um cristal de cor roxo éden bem parecido com a ametista, mas com formas naturalmente arredondadas. Algumas pessoas acreditam que certas espécies de dragões aderem pequenos pedaços desse material em seus ninhos.
Instintivamente levei a mão ao pingente do meu cordão oculto. Meu pai disse que eu estava com aquela pedra em uma das mãos quando ele me encontrou, e que eu a segurava com tanta força que nenhum deles conseguiu me fazer soltá-la até que eu perdi os sentidos. Então eu tinha ali um minério explosivo em quantidade suficiente para mandar 250m² pelos ares. O professor voltou a falar de métodos para forjar as armas e qual o estado ideal para cada tipo de espada.

A próxima foi equitação. Novamente as meninas sofreram um pouco. A professora Perséfone deixou bem claro que antes de montar num cavalo deveríamos aprender como cuidar deles, a começar pelos estábulos. Distribuiu baias para cada aluno e para minha surpresa me deixou com o corcel alado do primeiro dia. Alguns alunos resmungavam enquanto trabalhavam, achei graça daquilo, fiz o meu trabalho sem qualquer problema. Adorava estar com aquele cavalo sentia que estávamos na mesma situação, privados de mostrar o nosso melhor. Terminei de limpar a baia e fui me limpar. Nas torneiras a professora me parou.

— E então? Não quer ficar mais um pouco e escová-lo?

Confirmei com a cabeça e agradeci o convite. Ela me entregou uma escova e me deixou a sós com o pegasus. Comecei a escovar o lombo dele com carinho e dedicação, e quando menos esperava estava conversando com ele. Contando sobre o meu dia e como eu ia fazer pra resolver meus problemas e então levei um susto quando a professora falou ao meu lado.

— Eu sei que é ótimo colocar os pensamentos em ordem enquanto escova o pelo deles, mas você tem que ir pra sua próxima aula.
Recuperado do susto corri para a aula de natação em que tinha me inscrito. Me troquei no vestiário e saí usando uma bermuda e uma camiseta por cima da sunga preta com o brasão do colégio bordado em verde limão. Os outros garotos que faziam a aula já estavam à beira da piscina. Me aproximei deles, mas escolhi deixar minhas coisas em uma mesa diferente. Tirei a roupa e me alonguei enquanto via de canto de olho os garotos comentando e rindo. Me aproximei da borda da piscina e saltei.

— Exuri Frigo! - ouvi uma voz lançar o encanto em voz baixa.

Quando meu corpo caiu na água meus músculos contrairam, reagindo a água gelada. Ignorei os protestos do meu corpo e continuei nadando, me acostumando com o frio. Emergi e comecei a dar braçadas, atravessando a piscina de lado a lado. Saí da água e fui secar o rosto. Notei que não haviam muitos rostos felizes. Acho que não era muito engraçado quando a pessoa não se importa com a água fria. O professor chegou e conversou um pouco comigo enquanto os demais faziam seus exercícios habituais.

— Então... Você nada a muito tempo?

— Uns dois anos mais ou menos. - respondi sem muito entusiasmo. - Mas nunca participei de competições.

— Se importa de dar algumas braçadas e me mostrar em que nível está?

— Não senhor.

Me alonguei um pouco e saltei para a água. Tentei não me exibir muito. Atravessei a piscina umas três vezes e parei na borda em que ele me observava. O professor pareceu satisfeito e me disse para continuar treinando nado livre. O resto da aula seguiu nesse ritmo. Ao fim do dia segui com os outros para os dormitórios. Tomei um banho quente e fui jantar com o Daniel. Conversamos sobre o nosso dia, contei a ele o que houve na aula de natação e ele repetiu que seria difícil me aceitarem, principalmente com o Rafael comandando os demais. Daniel me apresentou alguns de seus amigos, mas não prestei muita atenção por que a garota de mais cedo entrou no refeitório. Ela usava um vestido longo, preto com detalhes em lilás, era deslumbrante. E ainda tinha aquele sorriso aterrador. Ao que parece eu não ia me acostumar com isso. Ela olhou ao redor e me encontrou a mesa com os garotos. Serviu sua bandeja e veio até a mesa.

— Posso me sentar com vocês? - perguntou ela.

Antes que alguém respondesse, me encostei para o lado, liberando um lugar para ela. Os demais meninos só acenaram em afirmativo e voltaram a conversar. Eu estava tenso, distraído pela presença dela. Kamilla permaneceu em silêncio enquanto tomava seu suco. Quando ela pousou o copo vazio na mesa, sua língua destravou.

— E então? Como foi sua tarde?

— Boa. Descobri que não vou servir como ferreiro, mas que posso ser um ótimo equitador.

— Que bom! Não faço mais nenhuma dessas matérias. Não eram muito o meu estilo.

— Interessante. Você quase não fala sobre você. - ela enrubesceu e fiquei feliz por descobrir um pouco que fosse sobre ela.

— Geralmente não tem muito o que falar sobre mim. - disse ela fazendo graça.

Notei que os demais mal mantinham contato visual com ela. Tinha que me lembrar de perguntar ao Daniel depois. Continuei lutando para incluí-la na conversa, uma luta dura. Desisti quando a bandeja dela ficou vaiza e a minha pela metade.

— Quer dar uma volta? Me mostrar os jardins. - completei ficando vermelho.

— Ok! - respondeu ela, corando junto comigo.

Levantamos apressados e saímos de vista. Eu estava chateado pelo que ocorreu na mesa.

— Sinto muito! - disse com sinceridade.

— Por?

— Pelo que eles fizeram lá. Não sei o que deu neles. Foram tão legais comigo e então...

— É por que você não é como eu.

— Como assim?

— Bem... o seu amigo vai te contar de qualquer forma. Te aconselhar a se afastar de mim.

— E eu deveria seguir o conselho dele?

— Sinceramente? Sim, deveria. Embora haja algo incomum em você, eu não sou segura.

— Perigosa... é isso que todo esse mistério tenta mostrar? Que você é perigosa?

Ela confirmou com a cabeça.

— Não importa. - disse com convicção.

— Como?

— Não importa. Pelo menos não agora.

— Do que você está falando?

— É tarde demais para algo sobre você ser relevante. Agora eu já me envolvi. - baixei a cabeça, envergonhado pela declaração.

O silêncio dela foi como um tapa. Queimou em meu rosto, deixando uma sensação morna. Só então percebi que eu estava chorando. A dor da rejeição apertando meu peito.

— Perdão! Eu não... - o que se diz numa hora dessas? - Perdão. - repeti sem mais o que dizer.

A mão dela afagou meu rosto, secando as teimosas lágrimas. Eu ainda não conseguia erguer a cabeça. Fraco demais para suportar olhá-la nos olhos.

— Não é isso. - ela disse com ternura. - Não é você. Sou eu. Eu não posso ficar perto de você. Não é seguro para você. Eu... eu poderia perder o controle e...

— Eu não me importo. Já disse que é tarde para mudar qualquer coisa, mas também não quero te pressionar. Eu espero.

Então ela ergueu meu rosto e me olhando nos olhos me deu um beijo. Sereno no início, apenas lábios se tocando. Então algo aconteceu, meu corpo estremeceu e nos abraçamos num beijo voraz, nossas linguas dançando, se entrelaçando. Então eu entendi tudo que ela disse. Ela não podia estar comigo porque era perigosa, ela era uma vampira. E havia algo incomum comigo por que meu sangue tinha um cheiro diferente, menos atrativo para o paladar dela, como o de um animal. Por isso todos mantinham distancia, mas seu corpo era tão cálido, seu beijo tão reconfortante. Me sentia como se tivesse levitando. Então ela se afastou, buscando ar com urgência.

— Me desculpa. - ela disse envergonhada. - Eu não queria...

— Tudo bem. - cortei a fala dela. - Eu gostei disso. Eu que deveria me desculpar. Afinal eu... - agora eu era o envergonhado, nunca tinha beijado alguém antes.

— Foi... foi sua primeira vez? - era dificil esconder algo dela, confirmei com a cabeça, corando mais ainda. Ela riu, um sorriso cálido. - Você definitivamente é estranho. Com sua aparência imaginei que teria uma fila atrás de você.

— Como você disse, eu sou estranho, são poucas as pessoas que se aproximam de mim. E com meus irmãos por perto, bem... Eu meio que fico nas sombras.

— Discordo. - disse ela acariciando meu rosto. - Você tem algo nos olhos que nenhum deles tem. Seu olhar parece tão frágil à primeira vista, mas quando a gente olha mais de perto, dá pra ver o quão forte você é.

— Determinação. - eu disse sorrindo. - É isso que você vê neles. Minha mãe sempre disse que eu era o mais determinado entre seus filhos. E que por alguma razão isso se refletia no brilho dos meu olhos.

Acariciei o rosto dela, entrelaçando os dedos nos cabelos da nuca e então desci para as costas e puxei ela para um abraço. Ficamos naquela posição, nos olhando olho no olho. A atração nos aproximando como a ímãs. Ela ainda receava, medo da reação dos outros, medo de me machucar. Ficamos ali um tempo, curtindo o momento. Então lembramos que estávamos no meio do pátio, e que logo todos viriam por ali para voltar aos quartos. Nos separamos e continuamos conversando. Pouco a pouco o refeitório foi esvaziando, alguns poucos parando nos jardins para conversar, como nós. Daniel passou por mim, me lançou um olhar estranho e seguiu para o quarto. Não vi meus irmãos, mas estava feliz demais para me importar. Me despedi dela e sem muita vontade fui pro dormitório. Alex e Gabriel me esperavam na porta. Meu coração disparou, preocupado que algo tivesse acontecido, ou que eles já soubessem. Acho que isso me entregou.

— Algo errado? - Gabriel perguntou com um sorriso no rosto.

— N-não. - gaguejei.

— Deixa ele, Gabe. - Alex me defendeu, mas seu sorriso dizia outra coisa. - Tem certeza que não tem nada a nos dizer?

— Hummm... tentei puxar algo da memória. Não. Pelo menos não me lembro de nada assim tão urgente. - tentei parecer calmo, foi impossível.

— Alguns amigos ouviram o Rafael contar vantagem sobre a aula de natação. Como quase congelaram um novato.

— Ah!!! Isso... - alívio correndo em minhas veias. - Ele tentou me amedrontar, mas a água nem estava tão fria assim. A do lago das últimas férias era muito pior. E o treinador parece ter gostado de mim.

— Ok! - disse Alex, mas senti que havia algo mais.

— Vocês me seguiram não foi! - eu disse com a cara emburrada.

Eu sabia que havia esse risco, eles nunca me deixariam completamente sozinho.

— Foi mal. - ele desculpou-se. - Não sabia que era assim tão importante.

— Eu quero entrar. - eu disse, ignorando as desculpas dele, a vergonha queimando no rosto.

— Erik! Por favor. Foi... não foi intencional. Eu só achei melhor manter um olho em você. Mandei um feitiço vigilante te seguir.

— Você o que? - era pior do que imaginei. - Você mandou uma coisa daquelas atrás de mim e ficou me assistindo como a um show bizarro. Você não olhou isso na frente dos outros não é mesmo?

Ele não respondeu.

— Não... foi sem querer. Eu estava olhando escondido, mas um dos meninos viu e...

— Saia da frente. Eu vou entrar! - eu exclamei com raiva.

— Erik, relaxa. Não foi assim tão ruim.

— Gabriel Starkiller! Saia da minha frente agora ou eu não me responsabilizo. É meu último aviso. - droga! agora eu estava chorando de raiva e vergonha.

— Ei! Não me culpe! E estou dizendo, quando ela ficou quieta, achamos que você ia levar um fora e estávamos quase parando de olhar, mas então ela do nada te agarrou. - Gabriel continuava falando, sem mover um centímetro do caminho.

Ouvir aquilo, que eles acompanharam cada momento da minha vergonhosa declaração foi mais que o suficiente para romper meu auto-controle. Com um impulso, joguei meu corpo sobre ele, já armando o soco. Ele não esperava um ataque de verdade, então não se defendeu a tempo. Acertei seu rosto fazendo ele cair para o lado. E imediatamente me arrependi. Me ajoelhei ao seu lado, pedindo desculpas e tentando ver o estrago que havia feito. Alex estava tão chocado que demorou para vir ajudar. Não era um machucado grave, mas se não fosse a magia curativa que Alex usou amanhã Gabriel teria um enorme ponto roxo no rosto.

— Gabe, Alex me desculpem. Eu sei que vocês só estavam preocupados. Eu não tinha o direito de ficar zangado. Perdão. - pedi de novo me curvando para demonstrar respeito a eles.

— Não exagera. - disse Alex. - Nós também passamos um pouco dos limites.

— E você nem bateu tão forte assim. Relaxa, carinha. - Gabriel disse rindo e bagunçando meu cabelo.

Ri do carinho típico de irmão, mas incomum entre nós.

— Então aquela garota é mesmo importante para você. - era uma afirmação, não uma pergunta. - Afinal essa raiva toda só pode ser por isso.

— Ela... ela é...

— Uma vampira. - completou Gabe. - A gente sabe. Ela é da minha turma. Ano passado alguém descobriu e espalhou por toda a escola. A colega de quarto dela exigiu que a trocassem de quarto. Desde então ela fica sozinha no dormitório.

— So-sozinha... - isso explica por que ela sempre chega e sai sozinha do refeitório. - tão triste... ninguém deveria viver sozinho. - divaguei sem reparar.

— Bem... melhor irmos pra cama. - Alex disse puxando Gabriel. - Nos vemos amanhã. Sente na nossa mesa. Se não tiver outro compromisso.

— Junto com os caras que me viram hoje? Nunca! - disse enquanto sorria.

— Eles não vão falar nada sobre isso. Promessa de irmão.

— Veremos. - eu disse. - Se eu não tiver outro compromisso.

Finalmente entrei no quarto e Daniel estava sentado na cama me esperando. Outra conversa problemática. Como a própria Kamilla havia dito, ele tentou me alertar a ficar longe dela. Achei engraçado, ele tentou me alertar, mas não mencionou o fato de ela ser vampira. Ele parecia receoso, como se eu fosse me zangar ou me assustar muito. Foi aí que entendi. Não havia motivos para a atitude deles, exceto o preconceito. Acho que como amigo era minha obrigação facilitar as coisas para ele.

— A gente se beijou. - soltei sem pensar enquanto ele elaborava sua tentativa de me manter seguro.

Ele estacou. Dividido entre o susto e a curiosidade. Tinha conseguido, ele me deixaria explicar tudo que aconteceu sem me interromper.

— Vocês... o quê?

— A gente se beijou. Nos jardins. Desde o dia que impedi um disco de abrir a cabeça dela, não conseguia tirá-la da cabeça. Então ontem, enquanto tentava fazer ela se enturmar na mesa, percebi que vocês a evitavam. Quando saímos, ela tentou fazer a mesma coisa que você agora. Me dizer que era perigoso para mim estar com ela. - essa revelação chocou ele. - Mas eu disse que já era tarde, não tinha como me afastar dela por que já estava envolvido demais. Então a gente se beijou. Acho que estamos namorando.

— Acha?

— Bem... depois disso não deu mais pra conversar. Ela foi pro quarto e eu vim pra cá.

— Mas... ela é uma...

— Vampira? É eu sei. Senti as presas enquanto... ah você sabe. - disse ainda envergonhado pelo meu primeiro beijo.

— Como foi? Digo o beijo, não as presas.

— Não sei como explicar. Foi... estranho... e vergonhoso... e muito, mas muito bom.

— Estranho eu entendo... muito bom é meio óbvio... mas vergonhoso?

— Eu nunca... nunca...

— O quê? Você nunca tinha ficado com uma garota?

Balancei a cabeça. Envergonhado pela reação dele.

— Mas... os seus irmãos... eles... eles...

— Eu sei... eles estão sempre rodeados de garotas... e esse é um dos motivos de eu nunca ter... Sempre estive na sombra dos dois. As garotas só se aproximavam de mim para chegar a eles. Ela foi a primeira que olhou para mim sem ver o irmão dos Starkiller.

— Estranho... sempre achei que você gostasse dos seus irmãos.

— Não é isso. Eu adoro aqueles dois imbecis, mas... eu não sei como explicar. - pelo menos não sem te contar tudo e estragar nossa amizade. - Eles são protetores demais às vezes. Sem falar que são muito talentosos. É dificil acompanhá-los. Você me viu hoje na aula de encantos e depois na de rituais. Meu único talento é ser um ímã pra problemas.

— Não se preocupe. E não fique assim. Você vai descobrir algo em que seja bom. Como cavalos por exemplo. O jeito com que lidou com o pegaso negro aquele dia foi incrível. Quase como se ele entendesse o que você disse.

— Obrigado! - eu disse sorrindo para ele. - Você também tem muito jeito com plantas, seria um dom de família?

— Mais ou menos. - Daniel ficou encabulado. - Minha mãe trabalhou como herbologista por um tempo, antes de se casar.

— Que legal! Eu não faço ideia do que os meus pais faziam antes de se casarem. Vou me lembrar de perguntar ao Alex ou ao papai.

— Faça isso. Faz bem conhecer nossa família.

Por alguma razão a conversa morreu ali e fomos dormir.


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