Código Negro escrita por Monica Romero


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Ps: repostando a história



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–Será que...

–Não deveríamos. -Completou Klara.

–Vamos, seja uma garota má uma vez na vida e me ajude. - Digo pegando algumas cartas enquanto um sorriso travesso se formava em meus lábios.

–Sua curiosidade vai acabar te matando.

Ela sempre tentando me ensinar boas maneiras. Desse jeito ela estraga todo trabalho que August teve até hoje. Isso chega a ser grosseiro.

–Pois então que eu morra, ao menos conseguirei provas contra Haralda.

Haralda pode ter sido minha governanta desde que cheguei à Alemanha, mas sempre fui muito desconfiada a seu respeito. E também acho que encontrei algo interessante o suficiente para usar como desculpa para meu ódio.

Olho para cartas todas vem da Rússia.

–Por que a odeia tanto? - Pergunta Klara.

–Sinto como se ela escondesse muita coisa - respondo distraída. – E acho que estou prestes a provar isso.

–Sim Sherlock, mas como posso te ajudar se não sei russo?

Pois deveria aprender.

–Me dando cobertura. –Digo ignorando o pensamento.

Então ouço o barulho da porta ser aberta no andar debaixo. Arrumo as coisas rapidamente.

–Pro meu quarto. -Digo a Klara.

–Mas as cartas...

–Pegamos outro dia.

Depois de arrumar a caixa eu e Klara corremos para meu quarto.

–Hanna onde você esta?- Grita Haralda.

Olho por todo o meu quarto. Eu realmente não quero encontrar com Haralda agora, ela vai querer me dar uma bronca e começar a aula - o que eu considero castigo - ou então vai querer me ensinar pela milésima vez como não queimar um peixe assado – que é uma de meus maiores talentos na cozinha, embora eu nunca soubesse como era capaz disso.

–Klara pela janela. –Sussurro.

Meu quarto possui uma janela enorme que dá para a lateral da casa. Sempre que saio por ela sigo pelo telhado até uma arvore, e já estou no quintal dos fundos próximo a floresta.

Gosto de ir para a floresta sempre que preciso parar para pensar ou somente me distrair. É na floresta que tenho minhas aulas com Russel, aulas de agilidade, lutas e miras. Mas também é um bom esconderijo para fugir de Haralda.

–Porque vai fugir? Vamos falar com ela.

–Por favor, pare estragar minha felicidade. Eu não quero ter aulas de etiqueta eu ser forçada a fazer o jantar sem queima-lo. Sim, é ilógico fugir, mas é divertido. Sabe quanto é difícil te convencer fazer algo, que segundo as boas maneiras, é errado? Agora saia pela janela! –Ordeno.

Sempre uso dessa tática capciosa contra ela, pois ela nunca resiste e cede. Ela suspira por um tempo, mas como eu suspeitava, ela anda em direção à janela e faz o que eu ordenei, relutante por um momento, mas ainda assim continua. Klara não deveria ser assim. Sei que às vezes eu mesma me aproveito de sua mente inocente caridosa e até mesmo burra, mas tenho medo que outras pessoas queiram fazer o mesmo. Ela é minha amiga, eu tenho o direito que a maioria das pessoas não tem – e espero que nunca tenham – de fazer isso.

Assim que ela está do outro lado eu vou até a janela e em um pulo simples apoiando na minha mão esquerda eu já estou do outro lado. Como uma casa comum em uma cidade que tem tempestades de neve, meu telhado é muito íngreme. Eu já estou tão acostumada com ele que poderia andar normalmente, mas Klara não está tão acostumada, só fizermos isso algumas vezes, então ela vai praticamente colada se apoiando na parede.

–Odeio esse modelo de casas. Olhe você nem consegue andar pelo telhado.

–Acho que não era esse o objetivo de serem construídos assim, Hanna. – Diz a voz tremula de medo de Klara embora ela esteja tentando mantê-la seria.

Klara vai dando passos tão curtos de tanto medo que penso seriamente em empurra-la para ajudar. Mas consigo me controlar a tempo o suficiente de seu pé se enroscar em um dos galhos fortes. Ela fica por um momento parada e eu lhe ofereço ajuda, mas ela recusa. Depois de suspirar algumas vezes desencosta da parede e segura um galho um pouco mais alto e se firma na arvore.

Acho que deveria ter ido primeiro. Nunca pensei que ela demoraria tanto. Tudo bem que ela não tem a mesma facilidade que eu, mas mesmo assim. Me repreendo por um momento, Klara fez isso porque tem medo de altura. Fico imaginando se esse não é um pensamento cruel demais que uma amiga faria.

Quando ela finalmente desce me desperto de meus pensamentos e vou com muita facilidade para o sue lado.

Consigo ouvi-la resmungando que sujou seu vestido e me culpando novamente, embora dessa vez ela tenha motivos para fazê-lo.

–Aonde vamos? –Pergunta ela.

–Sair daqui. Se Haralda descobrir que estávamos mexendo em sua maquiagem estaremos encrencadas. Vamos ficar um pouco na floresta e logo voltamos.

–A floresta Negra? Não obrigada.

Ela dá alguns passos para trás e balança as mãos em negação. Klara morre de medo da floresta negra só por causa das histórias que ouvia quando era mais nova. Ela me contou que tinha um amigo de seu pai que gostava de assusta-la contando histórias sobre bruxas e fantasmas, ela não dormia por noites.

–Por quê? Está com medo de bruxas? –Brinco.

Uma brincadeira muito maldosa, eu sei. Chegou a ser um tom de escárnio. Adentro na floresta caminhando, logo ela vem atrás, provando que minha chantagem deu certo. Klara sempre quer provar que não tem medo, mesmo tendo resultados desastrosos ela tem essa mania. Ela segura meu braço e olha ao redor amedrontada, quando um dos pássaros levanta voo ela se encolhe no meu braço com medo do barulho.

–Vou me arrepender disso... –Resmunga ela.

Eu dou uma risada.

Eu pulo para um galho acima de minha cabeça, vou me balançando entre os galhos com pulos sentindo a brisa fria em meu rosto, que imediatamente roubam um sorriso de meus lábios. Meu cabelo, que até então estava solto, balança junto com os movimentos que faço e com o vento. Permito-me parar por um momento para aproveitar a brisa que bate delicadamente sobre meu rosto. Mesmo as folhas protegendo meus olhos da luz do sol ainda assim fecho os olhos e inalo o cheiro que tanto amo. Assim que abro novamente os olhos volto a pular para outra arvore e a floresta ganha cada vez mais beleza pela luz do pôr do sol nas folhas.

–Não sei como consegue fazer isso... – ela fala vagamente, como se tivesse soltado seus pensamentos, suas palavras não pediram permissão e saíram.

Viro-me para sua direção e por um momento sorrio para ela, que sou respondida com outro sorriso.

–Nem eu sei. –Digo sorrindo.

Lembro-me de ter descoberto essa minha habilidade aos oito anos. Estava brincando de pega-pega com Klara, e simplesmente comecei. Sou muito rápida nisso e ótima com saltos. Nunca cai.

–Gostaria de fazer isso – diz ela.

O vento passa movendo seu cabelo louro belíssimo para o lado. Encolhida em seu belo vestido branco pérola que ressaltam seus olhos cinzentos azulados. Ela fica muito bonita assim.

–Tente.

Tenho certeza que seu medo é maior que a vontade.

–Com saias? Esse é o motivo de você sempre estar de calças.

–Mas independentemente disso eu gosto de usar calças. A moda faz a cabeça das pessoas, as transformando em monstros controlados, sempre tendo que ter a mesma opinião a respeito de como se vestir. As pessoas não tem mais gosto próprio, apenas o que as outras aprovam é o suficiente.

Ela não respondeu. Sei que ela ama moda, mas eu não menti.

–Hanna, vamos fazer algo útil.

Ela olha para uma pedra e tenta limpa-la com a mão e depois se senta na ponta. Ela bate a mão uma contra a outra tentando se livrar da sujeira. Eu quase dou uma bronca nela por ter de sujar um vestido tão bonito, nem mesmo imagino o preço, mas tenho certeza que foi costurado a mão.

–Como? – pergunto por sugestões.

Desço do galho e me aproximo dela.

–Ler... -Ela para por um momento, seu rosto se transforma completamente como se tivesse com uma ideia maravilhosa prestes a me contar. Já me preparo para o que seja assim encontro uma forma de negar. Eu tenho esse primeiro impulso - de negar o que os outros sugerem – naturalmente. Mesmo concordando depois de uma boa conversa, ainda assim nego no início.

– Ou... - ela me olha sorrindo. -Hanna o velho Max te mostrou uma sala secreta, você disse que tem livros de enigmas. Precisamos desses livros.

–Pelas cartas?

–Sim. Será mais fácil.

Ela tem razão. Mas duvido que possa entrar novamente.

–Primeiro vamos ter de invadir a biblioteca. – Digo sorrindo com a ideia.

Isso mesmo. A ideia tem gosto de mel para mim, mas acho que para Klara tenha gosto de veneno.

–Como assim? –Pergunta ela.

–Aqueles livros pertencem à família que fundou a biblioteca, não podemos pegar emprestado, Max não pode.

–Isso é brincadeira não é? –Diz ela forçando uma risada ao cruzar os braços.

Eu me sento em uma pedra próxima. E junto toda a calma e naturalidade para não rir de sua careta quando ouvir minha resposta.

–Não. –Continuo sorrindo ao negar com a cabeça enquanto falo.

–Vamos roubar? - Ela arque-a as sobrancelhas pasma ao arregalar os olhos.

–Prefiro o termo pegar emprestado. –falo um pouco mais séria.

–Não Hanna, deve ter outra maneira...

Eu a encaro. Ela sabe exatamente que não deve haver outra maneira e que se quiser mesmo fazer isso terá de aceitar meu plano, e deixando por final um peso enorme em sua consciência. Klara tem um coração tão bom que jamais aceitaria uma coisa dessas, o que muitas vezes me irrita esse seu sentimento altruísta filantropo.

–Podemos apenas ler – sugiro, mesmo sabendo que ela tem plena consciência de que eu não farei exatamente isso.

–De que adiantaria? Nem se quer sabemos o que as cartas falam...

Sei que ela tem razão, mas a simples ideia de invadir a biblioteca se tornou cativante. E até mesmo impressionante por ter vindo dela.

–Vamos voltar antes que escureça.

Ela se levanta e limpa se vestido. Foi muita sorte não ter sujado como eu pensava que faria. Levanto-me e a acompanho. Passamos pelas casas (ou diria mansões?) perfeitas desse lado da cidade, mesmo a de Klara sendo a de longe mais bonita.

Pode parecer infantil eu querer descobrir esses códigos – ficaria surpresa se levasse a algum lugar -, mas acho que sempre fui curiosa. Neste momento minha curiosidade está em seu extremo.

Enquanto caminhamos Klara me conta sobre um escândalo que aconteceu em um restaurante novo da cidade. Enquanto ela fala finjo que concordo plenamente com seus argumentos, como sempre faço, mesmo não prestando atenção alguma em suas palavras. Depois ela muda de assunto criticando novamente Helga, que pela milésima vez no dia de hoje, estava com um vestido extremamente extravagante.

Depois que acompanho Klara até sua casa vou para biblioteca.

A biblioteca não fica muito longe daqui. Passo pelo café Grim, ele é um café pequeno, mas bem aconchegante. No verão eles colocam as mesas ao lar livre e com a bela vista da cidade se torna um local bastante concorrido aos domingos depois da missa da igreja central do outro lado da rua. Uma quadra adiante tem a delegacia, que atualmente está com suásticas e mais suásticas nazistas penduradas – o que torna fácil localiza-la de longe – na frente se encontra a padaria Joseph’s, que possui o melhor pão da cidade, sempre com fornadas quentes e pães crocantes, com uma variedade de formatos e tamanhos. É minha padaria preferida. A partir dai ando mais uma quadra e estou na biblioteca. Depois da biblioteca tem a escola masculina e outra quadra depois é a escola feminina e a partir dai tem algumas fábricas, como de carros e de tecidos, embora a de carros seja a maior e a de tecidos não ser bem considerado uma fábrica e sim um galpão pequeno com as máquinas. Mas depois da fábrica de tecidos chega à parte de classe pobre da cidade.

A fábrica de tecidos é uma grande e generosa geradora de emprego para aquela região, mas infelizmente não tem empregos para todos. Quando cheguei à cidade ficava horrorizada pelas histórias que ouvia a este respeito. Depois da primeira guerra de 1914 e os acordos políticos feitos com a derrota da Alemanha, o número de desempregados começou a cair e o país a entrar em crise para pagar as dívidas, mas a situação ficou realmente ruim depois da quebra bolsa de valores de Nova Iorque, as taxas de desemprego subiram drasticamente na Europa e no mundo. Muitas pessoas passavam fome e não tinham como conseguir dinheiro e nem mesmo emprego.

As coisas estão melhorando aos poucos, mesmo ainda vendo esse cenário posso dizer que acho que vão melhorar ainda mais. E mesmo odiando nazistas, posso afirmar que se eu fosse Hitler e visse meu país morrendo de fome enquanto poderia ter uma economia bem melhor se tivesse vencido uma guerra por territórios que não eram nem mesmo em meu continente, e ainda assim, essa perda resultasse em fome para meu povo e humilhação para a minha nação e meu sangue, eu realmente ficaria furiosa e tentaria mudar a situação rapidamente.

Assim que entro na biblioteca volto de meus devaneios e vou até o velho Max. Que está sentado atrás do balcão lendo um livro, com as costas curvadas sobre a leitura. Seus pés devem estar sobre um banquinho que está em baixo do balcão, pois sua perna está estendida.

Olho ao redor da biblioteca e vejo que está quase vazia, só tem umas sete pessoas. Uma mulher que está algumas fileiras de estantes para trás pega um livro e mostra para sua filha. Os cachos louros da gora pulam enquanto ela tenta alcançar o livro e sua mãe sorri divertida com a cena, e depois amorosamente entrega para a filha. Essa cena fez lembrar-me de quando recebia livros de presentes da minha mãe e ela sempre dizia e me ensinava a cuidar muito bem deles, pois assim poderia escrever minha história para ser lembrada no futuro. “Todos precisam ser lembrados não é mesmo? E o livro é a forma mais bela de respeitar esse desejo”, dizia ela.

Max faz um barulho se ajeitando na cadeira o que me chama a atenção fazendo-me olhar novamente para ele.

Max é um velho barbudo que serviu como general do exército alemão na guerra de 1914. Durante esse período ele ganhou sérias lesões perna direita impedindo certos movimentos e tem uma cegueira cortical, onde ele vê, mas seu cérebro não processa. Segundo ele foi após uma explosão de substancias química nas trincheiras, onde ele não conseguia respirar. Foi na mesma explosão em que ganhou as lesões perna. Ele ainda consegue ler, mas é incapaz de identificar cores, na visão tridimensional e muitas vezes têm ilusões visuais.

Ele diz que tem sorte por ainda conseguir ler. Mas eu sei que não é verdade, Max não consegue mais ler. Ele está sempre com o mesmo livro em mãos e somente finge ler um livro que já tem de cor. Sua família sempre foi funcionária da biblioteca e ele encontrou uma maneira de continuar o trabalho, os livros são numerados e assim que entregamos anunciamos o número e ele organiza na fileira, sempre contando para encontrar o lugar. Tem até mesmo algumas marcas nas fileiras, discretas, mas eu encontrei. Ele nunca quer assumir e nunca aceita ajuda. August organizou também um sistema.

Alguns dias durante as aulas de etiqueta eu fujo e venho ajuda-lo a organizar tudo. Infelizmente Haralda descobriu este meu suposto esconderijo.

Acho que ele ainda não percebeu minha presença. Tenho até mesmo certo receio, principalmente quando ele insiste em sua teimosia. August me contou que ele foi diagnosticado com Síndrome de Anton, onde o paciente tem a cegueira cortical, mas a nega.

–Bom dia Max. –Cumprimento-o.

Tento ver o nome do livro que ele está lendo, e confirmo novamente que não tem mais esperanças dele conseguir ler novamente.

Distraio-me novamente olhando para a biblioteca e de canto de olho vejo a porta do lado esquerdo bem no fundo. Deve ter uma maneira de invadir. Mas é claro somente se preciso... Não seria nem mesmo educado se aproveitar da cegueira de Max para entrar na sala, mas talvez seja necessário.

–Hanna, antes que pergunte, não posso te mostrar a sala novamente. –Diz ele sem retirar os olhos de um livro.

Acho que não conseguiria, Max é esperto demais para ser enganado. Então solto uma frase que já é quase uma rotina perto dele.

–Pare de ler mentes, isso assusta as pessoas.

Ele ri.

–Sabia que mais cedo ou mais tarde perguntaria...

–Max, tem outros livros como aqueles? –Pergunto tentando ser indiferente, mas Max me conhece tão bem que creio que meu truque não deu certo.

–Não nessa biblioteca.

–Eles são de enigmas?

– Na verdade Hanna, eles são para criação de enigmas. –Diz ele finalmente levantando o olhar.

Interessante...

–O que tem em mente Hanna? Invadir a biblioteca?

Eu dou uma risada.

–Sou nova demais para ser perseguida pela gestapo.

–Eu te conheço muito bem Srta. Savin. E deveria parar de se envolver com politica, é nova demais para saber algo sobre a gestapo. Garotas de sua idade deveriam se preocupar com qual vestido vai usar.

–Felizmente não tenho esse desafio incomodo para resolver diariamente, não é mesmo? –Digo dando duas leves tapinhas na mesa. - Tenho que ir Max. August vai demorar?

–Eu não sei dessa vez Hanna, mas te manterei informada. –Diz ele voltando sua atenção no livro.

Não sei se vai adiantar alguma coisa invadir a biblioteca. Como Klara disse ainda não sabemos o que as cartas contêm.

Quando volto para minha casa chego na hora da janta. Haralda permanece em silêncio, não fala sobre minha fuga – o que eu realmente acho estranho e desconfio – Russell fala sobre negócios com Haralda, eu permaneço em silêncio até a hora que ele me permite falar que é durante a sopa. Conto a ele sobre a escola e que passei à tarde na companhia de Klara. Fico feliz por ele não ter feito mais nenhuma pergunta.

Depois me sento no chão da sala de estar perto da lareira e Russell e Haralda se instalam cada um em sua poltrona. E Russell começa a ler um livro sobre biologia. Fazemos isso todas as noites, são exatamente duas horas de estudo antes de dormir, geralmente sobre biologia ou até mesmo leitura de poesia e clássicos, alguns dias pode ser aperfeiçoamento da gramática, mas geralmente é sobre biologia. Russell ama biologia e faz questão de me ensinar tudo que estiver ao seu alcance sobre esse assunto.

Algumas aulas são realmente interessantes, mas outras eu faço o máximo de esforço para prestar atenção.

Russell e Haralda sempre me educaram em tudo, no que a escola passa e até mesmo o que não passava. Para Russell eu teria de sempre ser inteligente e ter conhecimento diversos sobre tudo, e isso ajudaria no meu desenvolvimento. Mas, ainda assim, não é motivo de parar de ir para a escola.

Durante a semana eu tinha diversas atividades depois da escola, fazia aulas de música, dança, línguas, esgrima, mira e nos finais de semana eu caçava com Russell e fazia treinamentos de lutas. Embora eu não tenha a mínima ideia de onde usarei isso na minha vida de adulta faço aulas disso.

Depois sou dispensada para dormir, afinal tenho de dormir cedo para ir à escola na manhã seguinte.

Mas antes de me deitar Haralda entra em meu quarto com a injeção diária do misterioso liquido transparente que tenho que tomar no final da coluna, ou mais especificamente na medula óssea. Emma aplicava essas injeções desde que me lembro por gente, ela sempre falava que era para me fortalecer, inúmeras vezes perguntei se estava doente, mas ela sempre afirmava que se eu não tomasse ficaria. Como não morri até hoje, faço esse processo em silêncio todos os dias.

–Quando estiver sozinha aplique na veia de seu pescoço, ou direto no coração, mas nunca, nunca fique sem tomar. –Me advertia Emma, Russell e Haralda depois de aplicarem.

Assim que ela termina eu espero até a dor passar e sinto a agulha saindo. Com o rosto amassado no colchão e murmurando um obrigado. A dor demorava em passar, e eu era diariamente aconselhada a esperar.

Dessa vez enquanto espero minha mente vagueia sobre aquelas cartas com códigos. Por mais que esteja codificado sinto como se fosse minha missão descodifica-los.

Na escola eu somente converso com Klara ou então com Anna e Miriam, elas são irmãs judias que ainda frequentam a escola. Dificilmente falo com outra pessoa.

Anna e Miriam são muito parecidas, com os cabelos escuros assim como os olhos. Elas são sempre muito educadas e animadas, o que me estimula manter uma boa amizade com elas. Elas também não se incomodam com minha presença. Muitas vezes Klara conversa com outras garotas e eu fico na companhia das duas.

Assim que saímos da escola, Klara, Anna, Miriam e eu vamos caminhando para casa.

Anna e Miriam moram na mesma quadra que o café Grim, então sempre voltamos todas juntas. Nos últimos dias tem se tornado comum o pai de Klara mandar busca-la diretamente na escola pelo seu chofer, e tenho certeza que é por nossa companhia, que com toda certeza não o agrada.

Este é ultimo ano de estudos para moças, depois disso, somente faculdade, o que poucas fazem ou tem condições de fazer, mas também depende da família da moça.

–Soube da novidade? –Diz Klara sorrindo ao meu lado.

Ela começa a caminhar de costas para me encarar com seu sorriso. Klara e suas fofocas... Penso ao revirar os olhos.

–Não. –Falo realmente desinteressada ao suspirar.

Ela simplesmente ignora minha ação e começa a falar.

–Chegou um garoto de Munique. Aparentemente ele se mudou para o casarão ao lado do seu...

O casarão no qual Klara se refere, é uma mansão que estava em reforma.

Eu nunca sou muito a procura de fofocas. Alias, com Klara ao meu lado nem preciso me esforçar.

–Você fica uma graça de vestido. –Comenta ela desistindo de me contar a fofoca. Anna e Miriam riem.

Eu olho para minha roupa. Um vestido branco com flores rosa. Isso é ridículo!

Eu somente uso vestido na escola, em festas, ou quando temos visitas, do contrario prefiro usar calças. Já usei calças na escola, mas apanhei muito aquele dia, Russell foi avisado. Desde aquele dia ele me obriga vir de vestido. Infelizmente ele pede ajuda de Haralda na escolha do vestido...

–Esta brincando? Sinto-me uma garota de seis anos. –Digo inconformada.

Ela ri.

–Estão dizendo que ele é bonito.

–Klara! –Repreendo-a com um sorriso.

Klara não é sempre assim. Na verdade ela só brinca, pois é muito tímida. Tímida demais para falar com qualquer pessoa sem ser seu ciclo familiar...

–Bom, é verdade Hanna. Todas as garotas na escola comentavam isso – completa Miriam.

– E acho que ele deu muito que falar, sempre que passávamos pelos corredores o assunto era ele – finaliza Anna.

Anna é onze meses mais velha que a irmã, mas nasceram no mesmo ano, Anna no inicio e Miriam no fim.

Passamos pela saída da escola masculina de Sommer.

Passo os olhos procurando alguém que eu não reconheça, mas Anna o encontra primeiro e me aponta discretamente o garoto. Lindo, essa é a palavra certa. Ele tem os cabelos louros bem peteados e lisos, olhos verdes esmeralda e pele bem branca.

–Qual o nome do garoto novo? –Pergunto ainda encarando-o.

–Não sei – responde Klara, que logo é apoiada pelas garotas.

–Esta perdendo a qualidade de suas fontes. –Digo sorrindo ao olha-la.

Eu a cutuco e levemente com o olhar mostro a direção do garoto, somente ela não tinha reparado o toque de Anna.

–Meu Deus! Não me disseram que ele é um deus grego desses! –Exclama ela com um sorriso.

Todas nós rimos.

Ele era mesmo muito bonito, tanto que o assunto se estendeu até chegarmos à casa de Anna e Miriam. E como a casa de Klara é mais perto que a minha então não demora muito para chegarmos.

–Vamos esquiar este ano Klara? –Pergunto a ela quando paramos.

Ela me olha, sei que vai negar.

–Não seja medrosa, eu estarei com você – tento conforta-la e sorrio.

–Isso que me da medo. –Sussurra ela relutante.

Ignoro seu comentário fingindo que não ouvi.

–Por favor. –Peço manhosa.

–Esta bem, tudo bem... –Resmunga ela.

–Mais uma coisa. Quando o território estiver livre, lemos as cartas.

Ela assentiu com a cabeça.

–Estarei espera.

Eu a abraço e sigo para minha casa.

Sempre no horário que chego é durante o almoço. Russell sempre vem para almoçar conosco. Assim que termino lavo a louça e vou para meu quarto. Tenho de me preparar para as aulas da tarde com Haralda. Abro a janela para ventilar um pouco o meu quarto, que até agora estava abafado. O cheiro da floresta é refrescante e preenche meu quarto.

Estamos no final de 1937 e logo virá o inverno. Inverno é minha estação do ano preferida. A que mais me lembra da Rússia... Ver neve me acalma. Sei que aqui nem se compara a temperatura de lá, mas me sinto aliviada pelo frio. Eu gosto da Alemanha, mas acho que esta é a única estação que mais me lembra o lar, meu verdadeiro lugar, a minha casa natal.

Lembro-me que eu sempre me senti bem lá, e por mais que Klara se esforce em me animar e dizer que eu me encaixo aqui e não percebo, não é a mesma coisa.

Depois me troco e coloco calças. Que alivio. Após isso me sento na janela com as pernas para fora.

Meu quarto é bem grande. Nele tem uma escrivaninha, armário e minha cama com um baú na ponta. Também tenho um banheiro e um sótão que o dominei, por assim dizer.

O ar esta esfriando e por um momento fecho os olhos sentindo o vento frio e imaginando abrir e estar no meu velho quarto na Rússia.

–Você vai acabar caindo. - Diz uma voz masculina que esta abaixo de mim.

Inclino-me e olho para o chão.


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