O Chamado das Borboletas escrita por Ryskalla


Capítulo 14
Capítulo 13 - A Primeira Recordação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/333339/chapter/14

Bom, então era isso. Estava no Castelo de Herse. Era difícil acreditar que horas atrás estava na casa de uma velha... feiticeira? Curandeira? Alquimista? O que aquela senhora era, afinal? Darin havia sumido, junto com Analiese. Ele conseguia entender o desaparecimento dela... a princesa era como Evangeline, contudo Henry conseguiu salvá-la. Conseguiu ter uma chance que Evangeline nunca teve. E agora estava em frente ao quarto de Leharuin. Ouvira dizer que ele estava piorando, seria este o fim de seu antigo melhor amigo? Henry não poderia dizer. Sabia que o rei logo chegaria e que possuía pouco tempo para conversar com ele... será que deveria realmente dar uma chance ao ladrão? Encheu seus pulmões de ar e entrou, Leharuin o encarava com uma expressão ao mesmo tempo confusa e incrédula, passando para uma expressão divertida.

— Parece que ela realmente conseguiu. Imaginei que ela não iria conseguir buscá-lo e agora olhe para você. Uma princesa sonhadora foi capaz de te resgatar em segurança e eu acabei assim. — Pelo tom despreocupado de Leharuin, Henry pode perceber que ele não sabia o que havia acontecido. Ou talvez fosse apenas terrivelmente insensível.

— Isso poderia ter custado a vida dela. Eruwin a pegou e ela tinha um ajudante. Ao menos eu consegui impedir antes que fosse tarde demais. — Nada passou pelo rosto de Leharuin naquele momento. Ele desviou o olhar para suas borboletas que voavam fielmente ao seu redor. — Consegui quebrar a maldição.

— Suponho que agora possa amar a lembrança de Evangeline sem se sentir culpado, não é? — Por que falou aquilo? Leharuin suspirou, não era isso que queria dizer. Era tão difícil ser honesto com Henry... Analiese conseguiu para ele uma chance única. Poderia se explicar... dizer a verdade...

— Culpa é algo que você parece não ser capaz de sentir, Leharuin. Como é capaz de pronunciar o nome dela? Depois de ter deixado ela morrer? — Uma explicação... Henry merecia aquilo. Merecia saber seus motivos.

— Não me sinto culpado por não tê-la salvado. Se eu tivesse uma nova oportunidade de salvá-la, eu não teria mudado nenhuma ação minha naquele dia. — Henry aproximou-se furiosamente e teria segurado Leharuin pelo pescoço se as borboletas não o tivessem impedido. Como um turbilhão elas o atacaram da melhor forma que puderam, até que ele finalmente desistiu e iria embora, se Leharuin não se fizesse ouvir outra vez. — Acredita mesmo que ela teria conseguido ser a mesma depois daquele tormento?

— Qualquer coisa é melhor que a morte! Nunca poderemos saber se ela teria conseguido ou não, porque a morte é o fim! Não existe outra oportunidade, não existe além — o rapaz deixou-se largar em um sofá que havia no ambiente e levou as mãos ao rosto, provavelmente lutando contra as mágoas passadas.

— Acho que a lembrança de vinte homens violando seu corpo não é nada comparada à morte. Você precisava de Evangeline para viver, porque você a amou tão intensamente que não conseguia ver a vida de outra forma. — O rosto de Henry continuava escondido, dando coragem para Leharuin falar tudo o que pensava. — E não conseguia ver como estava sendo egoísta forçando-a viver com uma lembrança tão monstruosa.

— Ela não pediu para morrer! Não pediu para que você a abandonasse. — Os seus olhos se encontraram e se sustentaram por minutos a fio.

— Ela não precisava pedir. — Leharuin desviou os olhos para as próprias mãos. — Eu pude ver nos olhos dela. Eles já estavam mortos. Naquele dia eu apareci quando estavam batendo em você... eu iria ajudá-lo, mesmo que custasse minha vida, mas eu percebi que eles não o matariam. Fiquei escondido, porque sabia que aquela era a única forma de te salvar. Queria ter impedido que você visse o que fizeram com ela. Quando eles terminaram e foram embora eu finalmente pude fazer alguma coisa. Dei um soco em você, porque sabia que não me deixaria te salvar se estivesse acordado. Deixei que cuidassem de ti e voltei para Evangeline, eu mesmo iria matá-la... não queria que ela vivesse com aquilo. Contudo ela já estava morta. Morreu sozinha naquele lugar... A única coisa que me arrependo é de não ter estado ao lado dela quando ela partiu. Queria ter sido mais rápido.

Antes que ambos pudessem absorver aquele trauma, a porta foi aberta e por ela entraram o rei e as curandeiras.

— Que felicidade em vê-lo, majestade. — Leharuin o saudou com uma ironia perceptível que o homem fingiu não notar. Estava claro para todos que o jovem ladrão estava cansado de permanecer preso àquela cama.

— As notícias quanto a sua saúde não são nada boas, rapaz. — Pela aparência do rei, Henry pode ver que ele não estava mentindo. O homem de fato estava preocupado com a saúde do ladrão e o pescador não entendia a razão.

— Ele me parece bem, majestade. — Henry se atreveu a dizer, sua voz estava ligeiramente trêmula.

— Isso porque o rapaz está tentando bancar o forte. — Uma das curandeiras ralhou, lançando um olhar zangado para Leharuin. — Insiste em dizer que já pode ser liberado, porém nós sabemos a verdade. Ele está morrendo. E não há nada que possamos fazer.

O ladrão desviou o olhar para a janela, contrariado. Henry podia sentir sua inquietação. Sabia que o rapaz odiava ficar preso... talvez fosse a prisão que o estivesse matando, não os ferimentos em si.

— Há alguém que pode salvá-lo. — Henry ouviu-se dizer. Por que falou aquilo? Talvez devesse deixar que Leharuin morresse. Seria um meio de vingar Evangeline, não seria? Ainda assim... não era correto. Jamais poderia deixar alguém morrer se houvesse a oportunidade de salvação. Mesmo que esse alguém tivesse decidido deixar Evangeline morrer.

— E quem seria? — A voz do rei estava carregada de expectativa, mesmo que ele tentasse disfarçar. Havia um desespero em manter aquele ladrão vivo... qual era o motivo daquela preocupação?

— Uma velha que conheci. Ela quebrou a maldição que uma sereia me lançou. Tenho certeza de que ela poderá curá-lo. — Lembrou-se do sofrimento que enfrentou para quebrar a maldição. A dor que suportou... ainda estava fresca em sua memória. Desejava nunca mais sentir-se daquele jeito outra vez.

O homem avaliou a informação por alguns minutos. Valia a pena arriscar? E se fosse uma armadilha? De acordo com sua filha, aqueles dois foram amigos em um passado distante… ainda que os olhos do pescador fossem carregados de ressentimento, o rei temia que aquela amizade fosse restaurada.

No entanto, que outra alternativa lhe restava? Lançou um olhar intenso ao moreno, apesar daquela cor lhe desagradar. Se Moros o havia perdoado, então deveria usá-lo.

— Ordeno a ti que busque essa senhora. Parta imediatamente, pegue um dos cavalos do castelo e... — Para o completo espanto de Henry, o rei foi interrompido.

— Não há necessidade, majestade. Estou aqui. — Como, por Moros, ela chegou até ali? Aquele, certamente foi um pensamento geral que a velha pareceu adivinhar. A boca do rei estava escancarada, formando um grande ‘O’ e seu rosto ia ficando vermelho. — Seus guardas tiraram um descanso, majestade. A culpa não é deles e sim minha. Recomendo sair pelo lado direito, imagino que o esquerdo ainda esteja cheirando a ervas... não irá querer dormir também, vossa graça.

— Como ousa entrar em meu castelo sem minha permissão? — Todos se encolheram quando o rei gritou, exceto Leharuin, que olhava fixamente para a velha. Seus olhos estavam assustados e a senhora sorria quase que docemente para o ladrão. Eles se conheciam? Era a pergunta que não saia da cabeça de Henry. E, também, como aquela velha parecia saber das coisas antes mesmo que elas acontecessem? Aquela era a prova de que ela estava envolvida com feitiçaria, isso era certo.

— Não entrei sem sua permissão, majestade. Acabou de solicitar minha presença e aqui estou eu para atendê-la. — Havia certo tom de divertimento na voz arranhada da feiticeira. — Moros informou meu destino e eu o aceitei.

— Por que Moros informaria o futuro a uma feiticeira? Sendo que, em suas palavras sagradas, ele ordenou o extermínio de pessoas como você? — A vermelhidão ia pouco a pouco desaparecendo do rosto do rei.

— Quem sabe? Sou apenas uma personagem da grande história que Moros escreve, se ele quis que eu fosse uma feiticeira, quem sou eu para contrariar o grande autor da vida? — Todos ficaram em silêncio, sem saber o que dizer. Era uma verdade inegável que toda feiticeira deveria ser presa ou sentenciada à morte, entretanto o rei estava preocupado demais para puni-la por seus atos... afinal, talvez eles pudessem salvar o ladrão e, posteriormente, acabar com a guerra. Mas aquilo não era demais? Aceitar a ajuda de um sangue amaldiçoado era uma coisa, mas… de uma feiticeira? 

Reprimiu um suspiro, pois um rei não deveria se portar daquele modo, seus olhos miraram brevemente o ladrão e então voltaram para a senhora. Em seu íntimo, desejava que seus sonhos fossem de fato uma mensagem de Moros e não apenas delírios.

— Irei fechar meus olhos para suas ações apenas dessa vez. — Era perceptível a contrariedade na voz do homem. — Farei isso por algo maior, para pôr um fim nessa guerra.

— Agradeço sua bondade, majestade. Agora, peço que saiam, por favor. Preciso ficar sozinha com o paciente. — As curandeiras lançaram olhar de desprezo para a velha e o rei deu um aceno, saindo do quarto e levando Henry consigo. 

Quando saíram, a feiticeira abriu um largo sorriso, revelando a falta de alguns dentes.

— Você cresceu bastante, menino.

As palavras pareciam não chegar à boca de Leharuin. Ver aquela velha era como um tormento. Ela colocou uma bacia vazia na mesa de cabeceira e se ausentou do quarto, indo para o aposento anexo onde Leharuin se banhava. Voltou com uma jarra que o ladrão supôs estar cheia d’água.

— O que foi, menino? Não consegue mais falar? Isso me faz lembrar alguém. — O peito do rapaz sentiu uma dor aguda, o obrigando a respirar fundo. Respirar doía, mais do que ele se permitia demonstrar. Porém respirar não doía mais do que a culpa. — Ela ainda está te esperando naquela janela, sabe? Esperando que você cumpra sua promessa.

— N-não. Eu não posso voltar. — A gargalhada da velha fez com que Leharuin se encolhesse. Se Moros de fato existisse, Leharuin pensava, então ele era tão cruel quanto diziam.

— O jovem Leharuin com medo? O tão seguro ladrão, o mais temido do reino! Com a voz trêmula como a de uma garotinha — ela deixou que a água da jarra enchesse parcialmente a bacia, entornando o restante em um copo que ela tirou de suas tralhas.

— Como ela está? — Não queria ter perguntado, pois sabia que se arrependeria no momento em que ouvisse.

— Doente, resistindo bravamente eu diria. — Ao receber o olhar indagador do ladrão ela sorriu tristemente. — Anemia... porque ela não sai da janela, entende? Acho que ela tem medo de que você passe por ali um dia e ela não esteja lá para vê-lo. A avó faleceu há algum tempo e o pai... bom, você sabe como ele é. Não há quem cuide dela e a doença se agarra às pessoas frágeis como a esperança àqueles que nada têm.

Permitiu-se cair em silêncio outra vez. Não havia um dia que não pensasse em Clara. Sempre que lia alguma palavra, era o rosto dela que vinha a sua mente. E por vezes o gosto da torta de maracujá... desde que abandonara Clara, Leharuin nunca tivera coragem de comer outra torta daquela.

— Beba, vai aliviar sua dor. — Ele obedeceu como um cavalo obedece ao seu cavaleiro. As lembranças o afogavam agora e não havia para onde fugir...

Neste momento, queridos amigos, tenho permissão para contar-lhes o que aconteceu com Leharuin após as artimanhas do pequeno Rick terem causado o incêndio de sua casa. E foi desse modo que ocorreu...

Com oito anos Leharuin se viu só em um mundo pouco receptivo. Foi obrigado a fugir e a roubar, passando de cidade em cidade, roubando o que conseguia para poder sobreviver, conhecendo mais e mais a pior parte da humanidade. Quando passou pela cidade de Telquines e chegou ao seu Porto foi que uma pequena chama de esperança aqueceu seu peito. Foi lá que conheceu Clara.

Na feira do Porto de Telquines, o comércio sempre fora bom. Havia muita variedade de mercadorias e muitas pessoas para comprá-las. O menino estava prestes a roubar um pedaço particularmente grande de melancia quando ele a viu o observando. Ela iria contar, iria dedurá-lo e ele perderia sua mão ou então seria preso... ela correu para a rua e ele resolveu segui-la. Iria assustá-la e assim ela não abriria o bico. Continuou a persegui-la até que ela entrou em uma pequena ruela de aparência miserável. Um beco sem saída.

— Não há para onde fugir agora! Escute aqui, se você contar para alguém o que me viu fazendo eu irei atrás de você. Está vendo essas borboletas? São venenosas e elas vão envenenar você e sua família, ouviu bem? — A menina de cabelos pálidos balançou a cabeça negativamente, o que deixou Leharuin levemente confuso. Ela levou a mão ao ouvido direito e então fez um gesto negativo com o dedo. Logo depois sua mão tocou o ouvido esquerdo e a menina novamente a movimentou, a palma da mão ora apontando para o chão, ora apontando para seu próprio corpo. Leharuin entendeu que a menina era quase que totalmente surda. Os gestos não pararam, pois ela apontou para ele e em seguida para sua própria boca. Então dobrou todos os dedos, exceto o médio e o indicador e com eles simulou uma pessoa correndo.

— Eu falo rápido? — Os olhos dele piscaram rapidamente quando ela acenou positivamente. Algo não estava certo. — Se você é surda, como pode saber que eu falo rápido?

A menina novamente apontou para os próprios lábios e ele entendeu. Era incrível a facilidade com que podia compreender o significado por trás dos gestos daquela estranha. Estava curioso em relação a ela e já havia se esquecido da ameaça. O menino ladrão aproximou-se da menina muda, sem imaginar como seriam próximos com o passar dos anos.

Os olhos escuros da garota fitaram uma pequena janela que dava para a ruela. Ela ergueu uma mão e fez um sinal de espera, entrando pela porta da casa. Leharuin não sabia se deveria esperá-la e ficou apreensivo. No entanto, não demorou muito para que ela voltasse. A menina carregava um caderno embaixo do braço e nas mãos uma pequena bandeja onde havia um prato com uma torta de maracujá e uma xícara com chá de folha de framboesa. A boca do menino encheu-se d’água e ele tentou disfarçar. Um luminoso sorriso surgiu no rosto da estranha e ela entregou a bandeja para o nosso querido ladrão, que comeu avidamente. Enquanto Leharuin comia, ela parecia escrever no caderno que trouxera, exibindo um tempo depois as palavras que para ele eram indecifráveis. Ela mordeu os lábios e então apontou para a torta.

— O quê? A torta? — A cabeça dela deu um aceno rápido com a cabeça e tornou a escrever no papel, sublinhando a nova palavra. — Torta?

Para demonstrar seu contentamento, a garota bateu palmas. E assim seguiram-se a maioria de seus dias durante quatro anos. Clara o ajudou a ler e a escrever seu próprio nome e outras muitas palavras, além de ensiná-lo o poder do silêncio. Eram tardes luminosas com sabor de maracujá e mãos doloridas de palavras.

Certa vez, quando tinha doze anos e Clara onze, ela escreveu em seu caderno palavras que já não eram incompreensíveis para o jovem ladrão. Um dia iremos nos casar, você e eu.

— E viveremos juntos para sempre. — Aquele sorriso, como Clara amava aquele sorriso. Claro que Leharuin não entendia totalmente o significado de um casamento e Clara sabia que teria que ensinar a ele. Não fazia mal, porque ela ensinara muitas coisas a ele, apesar da dificuldade. Ela deitou-se no colo do garoto e entregou-lhe um livro, esperando que ele começasse a ler para que ela assim lesse seus lábios. E devido à necessidade de Clara ler lábios para entender o que lhe diziam, foi que Leharuin aprendeu a falar mais pausadamente e de forma melódica, para que, desse modo, seus movimentos labiais fossem compreensíveis para sua silenciosa amiga. Em dado momento da história, Clara puxou seu braço e seus olhos se encontraram. Os lábios dela, dos quais nenhum som foi ouvido, movimentaram-se. Você promete, Leharuin?

— Eu prometo, Clara, prometo que iremos nos casar. — Sorrisos foram trocados e o ladrão continuou a ler as histórias, até que foi expulso pela avó da garota, como acontecia na maioria das vezes.

— Não deve se misturar com essa gente, Clara! Já para dentro! — Mas eles sempre se encontravam. Novos dias raiavam, novas tardes chegavam e palavras eram aprendidas da mesma forma que tortas de maracujá eram comidas: vorazmente.

Leharuin poderia ter vivido assim para sempre, queridos amigos, se a inveja não viesse atormentar sua vida outra vez. Quando o garoto não estava com Clara, ele caminhava tranquilamente pelo cais do porto, seguido de perto por suas devotadas companheiras voadoras. Os olhares que ele sempre atribuiu ao estranho hábito de suas borboletas já não eram os mesmos. Jovens mulheres olhavam para ele de uma forma esquisita e homens o olhavam com inveja. Ele nunca entendeu aqueles olhares e por vezes se irritava com eles, mesmo que tentasse manter a calma.

— Sabe que elas não estão apaixonadas por você, não é, garoto sereia? — Um jovem de dezessete anos particularmente irritado com a atenção que as mulheres pareciam dar aquele menino que mal saíra do berço o abordou em uma noite. — Sabe que você só está seduzindo-as, por ser filho de uma sereia. Deve ser horrível, não é? Se apenas seduzir mulheres, jamais encontrará uma que o ame. Jamais terá uma esposa.

— Isso é mentira. Clara e eu nos casaremos um dia. — Leharuin assistiu um sorriso cruel tomar conta da face do jovem.

— Ora, você seduziu a mudinha? — Sua risada ecoou pelo cais deserto, a raiva de Leharuin crescia pouco a pouco. — Você realmente não tem coração! Vai condenar uma pobre surda a se casar com alguém que ela não ama de verdade.

O jovem ladrão poderia tê-lo matado, mas não o matou. Sua mente estava confusa demais, e se ele estivesse certo? Correu para longe dali e suas borboletas o seguiram. Pela primeira e única vez o garoto sentiu-se irritado com a presença delas. Elas o faziam lembrar-se de sua mãe. Da mãe que o abandonara. Da mãe que ele sequer conhecera. Assim como seus cabelos azuis. Elas e a cor de seus cabelos eram a razão de ser tão diferente... sempre fora odiado por culpa dessas características. Desejava que as borboletas parassem de segui-lo, desejava ser normal e, acima de tudo, desejava que aquele garoto estivesse errado.

Jogou-se dentro do mar gelado. Ali estaria sozinho. Era o único lugar onde não poderia ser perseguido por aquelas criaturas fiéis. Qual era o sentido daquela perseguição? Deixou-se afundar mais e mais, distanciando-se de seus problemas... Distanciando-se da vida sem amor que fora condenado a viver.

Subitamente estava sendo puxado... como as borboletas poderiam tê-lo salvado outra vez? Por que não o deixavam morrer? Por que não aceitavam o destino que Moros lhe concebeu?

— Garoto tolo! O que tentava fazer? — Já estavam no cais? Tentou abrir os olhos, mas eles ardiam terrivelmente. Respirava com dificuldade enquanto ouvia uma voz arranhada brigando com ele. — Como pode ser tão egoísta? Sabe como aquela garota ficaria infeliz se você morresse? A morte é um fardo maior para os vivos do que para os mortos, sabe?

Não queria responder, queria ir embora dali. Abriu os olhos lentamente e encontrou um olhar cor de terra o encarando intensamente. Era uma velha... como uma velha conseguiu salvá-lo? Levantou-se rapidamente e se arrependeu. Sua cabeça girou e ele cambaleou para o lado, quase caindo no chão. Tremia dos pés à cabeça e as borboletas voavam revoltosas ao seu redor, Leharuin podia entendê-las... podia sentir sua irritação. Garoto ingrato, garoto ingrato... Era o que elas pareciam dizer.

— Não... não quero ver Clara... não quero falar com ela outra vez. — Suas palavras eram sussurradas quase que incoerentemente, a velha o olhava piedosamente.

— Por que, minha criança? — Os dedos enrugados, porém firmes da senhora encontraram os cabelos azuis de Leharuin, acariciando-os.

— E-eu sou um covarde, senhora... tenho medo... — Deu uma pequena pausa para respirar. Sentia que seus olhos estavam vermelhos, mesmo que nenhuma lágrima tivesse rolado pelo seu rosto. — Tenho medo de minha mãe ter me condenado a viver uma ilusão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse capítulo ficou um pouco grandinho, de fato. Espero que gostem! As lembranças de Leharuin foram dividas em dois capítulos e em breve postarei a segunda lembrança do nosso querido ladrão! Algumas dúvidas foram respondidas nesse capítulo e espero que as respostas tenham ficado claras! Eu gostaria de agradecer todo o carinho de meus leitores e seus comentários! Fico completamente feliz sempre que leio um comentário novo! Bom, acho que é isso. Obrigada a todos que acompanham essa história! Até o próximo capítulo, beijinhos!Nota: Qualquer erro podem me avisar por MP ou comentário, agradeço desde já :)