Contos Do Luar escrita por ReBeec


Capítulo 5
Nicolas & Kássia


Notas iniciais do capítulo

Então...

Essa história na verdade tomou um rumo totalmente diferente do que eu imaginava, mas eu gostei mais assim, ele está mais maduro. Quero dizer, depois de Sabrina&Lauren parece fichinha, mas vai do ponto de vista de cada um.



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Aquela já deveria ser a nona ou décima vez que serviria de garçom em uma das festas tão exageradas no Salão da Metrópole; e a quarta vez que teve de tomar alguns goles de álcool antes de sair de casa. Aguentar o mar de superficialidades se tornava mais difícil a cada evento.

Ele saiu de casa, virou a esquina e caminhou até o ponto de ônibus.

Lembrou-se da primeira vez que entrara no conhecido salão. Era lindo, sem dúvida; mesmo segurando uma bandeja com copos sujos na mão, as pinturas e as estátuas sorriram para ele como se fizesse parte dos convidados de smokings e vestidos brilhantes. E ele se sentira confortável por alguns instantes. Alguns instantes; tão breves que acabaram quando ele, sem a intenção, derrubara vinho no vestido de uma senhora e a tal dera um chilique com direito a insultos em francês e italiano. Foi aí que ele se lembrara de onde estava e quem realmente era.

As festas continuaram, e ele servira bebidas e salgados em quase todas daquele ano. Era fácil, simples. Ser telespectador de conversas ridículas e ocasionalmente insultado por seus participantes compensava pelo salário. Um belo salário, por assim dizer. Pagava a faculdade e ainda sobrava um pouco para videogames.

Seu ônibus chegou.

Nicolas levantou-se e subiu os degraus do transporte mal cuidado. Se jogou em um dos assentos ao lado da janela e suspirou. Já havia se tornado instantâneo encarar a paisagem e divagar sobre idiotices. Mas não, ele não repetiria o costume àquela noite. Ficaria doente se lembrasse de mais lembranças estúpidas.

Enquanto o ônibus andava, ele se permitiu observar a mudança de cenário lá fora. O bairro mais medíocre estava sendo deixado para trás, e ruas de um bom calçamento com postes decentes começaram a aparecer. Depois, surgiram lojas com vitrines limpas e prédios com jardins os enfeitando. Porra, pensou ele, ainda era muito bonito.

Chegou ao destino. Desceu para a calçada e caminhou alguns metros afim de dar a volta no quarteirão e entrar pela porta dos fundos. Funcionários aparecerem no portão de entrada era uma audácia sem tamanho – e claro, Nicolas aprendera isso da pior forma.

– Atrasado – sua patroa, uma rechonchuda com muitos anéis nas mãos, observou rudemente quando ele entrou na cozinha.

– Dez minutos, Meredith, não dá pra maneirar?

– Se eu fosse maneirar algo, rato de porão, seria a rodada de homens que me possuem entre quatro paredes, não a sua hora de chegar. Acha o quê? Que depois de uma vez ganha tratamento especial? Conseguiu sua vaga, agora vá, se troque, trabalhe. A casa está cheia, e meus convidados famintos – concluiu, se retirando do ambiente com o barulho incômodo de seus saltos batendo no chão.

Seus convidados... , tá bom – ele ironizou quando a mulher não pôde mais ouvir, e foi se arrumar.

Nicolas entrou num pequeno vestiário. Colocou sua mochila num dos bancos, tirou a camiseta, a calça e os sapatos e os substituíram pelo uniforme que havia trazido.

Levou mais cinco minutos jogando água no rosto e fazendo qualquer outra coisa que o desse mais tempo de privacidade, depois, deixou a protelação de lado e voltou para a cozinha. Cumprimentou alguns conhecidos com “olá” e “saia da frente, inferno!”, pegou uma bandeja com aperitivos e seguiu para o salão principal.

Nicolas fazia sua trajetória passando pelos convidados servindo de bom grado o que era pedido. Recolheu pires e taças já usadas e até se dispôs a ouvir reclamações sem mandar os falantes irem à merda – pelo menos, não em voz alta. E até um momento, parecia apenas uma daquelas noites totalmente previsíveis, onde tudo começava uma porcaria e terminava um lixo. Numa em que ele tinha certeza que voltaria para casa e terminaria aquelas duas latas de cerveja enquanto jogasse Need For Speed.

Porém, qual foi sua surpresa em ver um rosto conhecido no meio de todos os outros presentes? Bem forte, acredite.

Nicolas parou onde estava e analisou por um momento aquela figura. Kássia.

O vestido branco e muito largo escondia a magreza de seu corpo, brincos de uma pedra tão maciça que só poderia ser diamante prendiam em suas orelhas, e fios negros contornavam a cabeça e as costas. Estava sorrindo. Não sorrindo como o fazia quando os dois estavam na casa dele para verem filmes ruins e tentarem assar bolos sem queimá-los; era um sorriso falso e ensaiado, beirando a melancolia; mas ainda era um sorriso.

Ele a observou. Kássia estava impaciente em ter de continuar a conversa com o homem alto de nariz torto que parecia gostar de bater no próprio peito; a conhecia bem o suficiente para saber disso. Também conhecia bastante o narigudo. Sabia até que ele era dono de uma Mercedes, mas decidira que o filho da puta, desgraçado de merda, apodreça com essa vadia no inferno não merecia mais sua atenção.

Mas então, Kássia desviou o rosto por um segundo, e olhou diretamente para Nicolas, como se já soubesse que o encontraria ali.

Nicolas hesitou. Quis dar meia-volta, continuar a servir os convidados como se não se importasse com a presença daquela mulher e ir embora para casa mais cedo; mas por alguma razão não o fez. Ele apenas devolveu o olhar naquele longo segundo deixando a surpresa tomar conta de si, até Kássia voltar a conversa com o homem de nariz torto com um sorriso um tanto mais honesto.

Porra... – ele sussurrou, esperando que ninguém ouvisse.

Virou-se para continuar seu trabalho. Começou a andar apressadamente entre pessoas bem-vestidas, servindo mais aperitivos para voltar logo à cozinha afim de repô-los. Talvez até demorasse um tempo conversando com outros garçons, bebendo champagne escondido, tirando uma soneca...

Depois de um tempo – mais demorado do que ele gostaria -, sua bandeja se esvaziou e ele pode retornar à cozinha. E no meio do caminho, seu braço foi puxado e ela apareceu com os olhos sutilmente esperançosos.

– Oi Nick... – o cumprimentou.

Ele rapidamente desvinculou seu braço da mão dela, e perguntou num tom seco:

– Precisa de alguma ajuda, senhorita?

Kássia franziu as sobrancelhas. Olhou para baixo, e retornou a encará-lo.

– Você não agir mesmo desse jeito, vai? Como se eu fosse uma estranha...

– A senhorita não me é familiar, - retrucou – portanto acredito que estou te tratando da maneira adequada.

– Ah, por favor, Nick! A gente não precisa passar por esse drama de reencontro, né? Você está aqui, e eu estou e nós-

– Perdoe-me, madame – a interrompeu, sem nenhuma expressão significativa no rosto -, mas a senhorita não deveria estar na companhia de outras pessoas? Talvez um vice-prefeito, ou outro homem que possa te dar uma aliança do tamanho dessa sua cabeça estúpida?

Kássia não voltou a falar em seguida. Virou a cabeça para a mesa com vinhos, evitando olhar para o rapaz à sua frente. A vergonha era visível em sua expressão, e Nicolas evitou olhar a boca comprimida da garota que, em épocas anteriores, era um indicio de que estava magoada.

Mas Kássia retornou a olhar para ele.

– Sinto sua falta – confessou ela.

Nicolas não ficou surpreso. E não admitiu que era recíproco; talvez porque acreditava o suficiente de que não o era.

– Se a senhorita não tem mais nada a dizer, me dirigirei à cozinha...

– Não, Nick, espera! – ela pediu, puxando de novo o braço do rapaz que já estava retornando.

Ele se virou, esperando uma continuação.

– Eu... – disse ela. – Me... Me desculpa.

Bom, aquilo era quase surpreendente.

– Eu fui uma tola. Mas preciso conversar com você, é muito, muito importante!

Nicolas bufou.

– Inferno – sussurrou. – Não temos mais assuntos a tratar, madame – concluiu, e voltou a caminhar para a cozinha, deixando a mulher frustrada atrás de si.

Entre outros garçons e irritados cozinheiros, o rapaz pegou uma garrafa do champagne sem que ninguém percebesse. Entrou num dos toilettes do banheiro e ficou por lá, desfrutando da combinação do álcool com as lembranças de passado recente, até a festa acabar.




[...]










Ele tivera sorte.










Não encontrara a patroa estúpida, nenhum colega dedo-duro desesperado por um aumento de salário nem uma mulher de vestido branco e brincos na orelha. Conseguiu sair do salão quando a maioria já havia indo embora. Devia ter passado das cinco da manhã, e Nicolas podia enfim ir para casa.




Caminhou pelas calçadas com a mochila nas costas e as roupas modestas que colocara depois de tirar o uniforme. Chegou ao ponto de ônibus e sentou-se em um dos assentos. Muito provavelmente estava bêbado. Ter cambaleado o percurso inteiro não fora um sintoma de exaustão, e seu hálito ainda fedia ao champagne que tomara sem hesitar.

Mesmo assim, os sentidos de Nicolas não pareciam tão alterados, embora estivesse com as dores musculares. Ele estava cansado, a ponto de trocar o salário que não recebera daquele evento por uma carona até sua casa, uma que não incluísse assentos cheios de rasgos e um motorista revoltado.

E veja, o destino, vez ou outra, ouvia suas preces.

Um carro verde-musgo e descuidado parou na rua, na frente do ponto de ônibus. Kássia – agora sem mais os brincos de diamante e o penteado desfeito – saiu pela porta do motorista e caminhou em direção ao rapaz.

Nicolas nem conseguiu formar uma expressão de desprezo.

– Nick? Nick! – ela o chamou. Ele deveria estar realmente desleixado naquelas circunstâncias, pensou. – Não me diga que você está esperando o ônibus a essa hor-

Kássia se interrompeu e se afastou um pouco.

– Que cheiro horrível. O que andou bebendo seu maluco? Ai, idiota. Vem, deixa eu te levar pra casa – disse.

Ela tentou passar os braços pela cintura dele, na tentativa de levantá-lo, mas o rapaz logo a afastou e desviou o rosto.

– Sai daqui Kássia, não preciso de você – reclamou ele. Deixou seus olhos se perderam na paisagem sem vida; mas não levou muito tempo até se sentir incomodado com o silêncio que tomara e voltar seu olhar para a mulher.

Ela estava sorrindo. Não daquele jeito ensaiado e melancólico como estava horas atrás no salão; do jeito que sorria há algumas semanas, quando os dois estavam na casa dele vendo filmes ruins e queimando pela segunda vez o bolo que nunca ficara pronto.

– Pelo menos você me chamou pelo meu nome – ela observou, mais alegre. – Vem, deixa eu te colocar no carro...

– Não! Que inferno, Kássia, some daqui como você fez antes. O que mais você quer? Voltar comigo pra depois largar e pegar outro com uma carteira maior? Não, sai, eu não preciso disso.

O sorriso dela sumiu, e a expressão de retornou em seu rosto.

Kássia se sentou de forma desajeitada no banco ao lado de Nicolas, ainda com aquele vestido no corpo. Cruzou as pernas e mirou o chão.

– Foi cruel né? Eu ter feito aquilo... – disse, com desdém.

Nicolas manteve-se quieto.

– Hoje já eu sei - continuou ela. – Sei o quanto foi idiota de minha parte terminar nosso namoro só por outro cara... só porque ele tinha casa não sei aonde, e iate sabe-se lá em que lugar. Não sou tão burra de não ter percebido ainda. Eu não quero me justificar... – lambeu os lábios. – Mas você sabe, depois de uma vida de pobreza, quando jogam um brinquedinho novo pra você, você quer brincar... E eu quis. Eu sou um ser humano, e eu me deixei levar pelo dinheiro.

Ela suspirou.

– Mas daí, com os vestidos caros e as joias, eu não me senti tão feliz quanto achei que sentiria. Foram as cinco piores semanas da minha vida, sem você. Tá, tá bom. Da minha vida eu não sei, mas foi muito ruim. E eu... eu larguei ele, Nick – Kássia deu uma pausa, ainda olhando para o chão. – Acabei de dizer que estava tudo acabado. Ele era um estúpido. Não quero dizer que vamos voltar agora, nada disso... Mas você tem que saber que eu larguei ele, porque só existe você. E também não é uma desculpa para o que vou falar agora, que é... porque.... porque você também tem que saber que...

Ela parou, um tanto frustrada, e olhou para Nicolas. Ele estava com os olhos fechados, com um fio de baba escorrendo pelo queixo e roncava tão alto que ela não sabia como não havia o escutado até aquele instante – nem como ele ainda não havia caído naquela posição; havia literalmente dormido sentado!

Kássia sorriu, e o sorriso se transformou numa risada.

Ela riu, de forma espontânea. Riu de forma divertida e com vontade. Riu como uma criança que acabara de ouvir a primeira piada, como não havia muito tempo, e depois passou a mão no rosto, prendendo as risadas para si.

Nicolas deu uma mexida inconsciente e quase foi ao chão, senão fosse pelas mãos de Kássia que seguraram num reflexo seu corpo adormecido. As risadas ainda saiam discretamente de seus lábios.

– Vem, bobão, vamos pra casa – ela disse, sabendo que não seria ouvida.

Passou – agora sem ser impedida – seus braços pela cintura do rapaz e conseguiu levantá-lo. Já havia feito aquilo tantas vezes... Desligar a televisão da sala, abraça-lo com força até que se equilibrasse nos dois pés e conduzi-lo para o quarto em seu estado entre o sono e a realidade. Ele era um bom dormente, até conseguira entrar no banco do passageiro sem tanta ajuda.

Kássia fechou a porta, deu a volta no carro até o banco de motorista. Sentou-se, deu uma olhada breve no rapaz de barba rala e cabelos desgrenhados ao seu lado, e sorriu mais uma vez. Virou a chave e partiu.




[...]









Algo pousando em cima de suas pálpebras o incomodou a ponto de acordar. Quente e claro demais. Merda de sol. Nicolas teve que se virar na cama para voltar ao conforto.








Abriu os olhos – agora sem luz em cima deles -, e observou seu quarto.



As paredes azuis estavam limpas, e as pilhas de livros e DVDs arrumadas. Fazia quanto tempo que ele não via... o chão? Não havia roupas sujas jogadas por todo canto, e até um singelo fedor que ele costumava ignorar tinha sumido.

Nicolas ergueu a cabeça, mas logo sentiu uma pontada de dor e se jogou de volta no travesseiro. Ressaca, obviamente... O que podia esperar depois da noite anterior? Entretanto, ele já sabia lidar com isso. Não era a primeira vez que acordara naquele estado, era quase um costume nos últimos dias, então conseguiu se levantar novamente e colocar os pés no chão. Equilibrou-se para ter a certeza de que não cairia, e seguiu para fora do quarto com a mão pressionando a cabeça.

Logo sentiu um cheiro de ovos vindo da cozinha. Seguiu para o cômodo e lá estava ela, mexendo com uma espátula numa panela e os cabelos presos num coque permitindo ver as caretas que fazia.

– Você invadiu minha casa? – ele perguntou.

Kássia imediatamente olhou para ele, e sorriu de forma – aparentemente - espontânea.

– Não era a nossa casa? – sua voz se revelou um tanto trêmula.

Nicolas ergueu uma sobrancelha.

– Era – respondeu seco. – Bela conjunção verbal. Era, passado, acabou. Agora, termina esses ovos e sai.

– Se eu sair, levo os ovos comigo – ela ameaçou.

Nicolas revirou os olhos, murmurou uma ofensa e se sentou à frente da mesa da cozinha com a mão ainda na cabeça. Dois minutos depois, Kássia colocou o prato com ovos e um copo de suco em cima da mesa, e se sentou à frente dele.

O rapaz começou a comer sem desviar os olhos do prato. Ela passou a mexer distraidamente em seus próprios dedos, depois abriu a boca afim de falar algo, mas logo fechou. Olhou para os lados, estralou as juntas, deu um suspiro e apoiou a cabeça no pulso.

– Um carrapato grudou em você? – Nicolas perguntou, sem olhá-la.

– O quê?

– Para com isso e desembucha. O que você quer?

Kássia deu outro suspiro, e olhou as próprias mãos apoiadas na mesa.

– Anh... Eu não quero-

– Não me faça de bobo, Kássia. Se você voltou para a minha casa, seja qual a porcaria do motivo, você quer alguma coisa.

– Não, Nick, não é isso... – ela o olhou, e o encontrou a encarando de volta. – É que eu não sei como...

– Não sabe como o quê? Me dispensar novamente e voltar com o cara?

– O quê? Não! Não! Eu falei, eu terminei com o Douglas, Eu... – ela colocou a mão sobre a dele, mas ele logo se afastou. – Nick, eu...

– Ou quer me chamar de miserável outra vez?

– Para, você sabe que não é-

– O que eu não sei? – ele perguntou exasperado. – Porque eu sabia que você me amava. Eu sabia que éramos felizes juntos e a falta e dinheiro não era um problema dos grandes. Mas aparentemente eu não sabia de nada, porque era tudo a droga de uma mentira!

– Nick...

– E você nem tenta negar! Só fica arranjando desculpas e não consegue nem terminar uma frase direito.

– Eu não...

– Ah! Que porra, Kássia! Quer falar, fala logo!

Pai! Você vai ser pai!

O silêncio mais desconfortável que eles já haviam partilhado na vida dominou o ambiente.

Nicolas deixou o garfo cair em sua mão. Não ousou falar mais nada, e provavelmente não conseguiria nem se tentasse. Sua boca permanecera aberta e os olhos arregalados.

E Kássia ficou com a testa franzida e mordendo os lábios. Uma combinação de medo, esperança e cautela era denunciada em seu rosto enquanto esperava qualquer reação de Nicolas. Havia um jeito pior de ter dito aquilo?

Eu... vou ser pai? – Nicolas perguntou quase num sussurro.

Kássia assentiu.

– Eu fiz exame de sangue na semana passada... – ela explicou cuidadosamente. – O resultado já veio. Eu estou grávida.

– Quanto tempo? – ele perguntou, com mais convicção.

– O quê? Há quanto tempo veio o resultado?

– Não, porra! – exclamou num volume maior. - Há quanto tempo está grávida?!

– E-Eu... Um pouco mais de um mês...

– Um mês?! – ele exclamou, e se levantou bruscamente da cadeira. Pegou o prato sujo e jogou com força na pia o quebrando, mas não pareceu se importar com o barulho. Começou a andar de um lado para o outro na cozinha, depois estancou no lugar e a encarou. – Você me deixou há um mês e depois diz para mim que eu vou ser pai?

– Eu te deixei há só cinco semanas... – ela respondeu, preocupada.

– E estava me traindo há quanto?! Hein?

– Eu nunca traí você! Eu te falei, eu nunca traí você!

– Porra! Porra, que bosta! – Nicolas se apoiou na bancada e pressionou os dedos nas têmporas. A ressaca esquecida voltara com uma força descomunal.

Kássia se levantou. Ergueu a mão para colocar no ombro de Nicolas, hesitou por um instante, mas o fez. Ele parecera nem notar.

Você é o pai... – ela afirmou, baixinho. – Douglas não pode ser o pai. Além de eu ter ficado com ele menos tempo do que minha gravidez, ele fez vasectomia. É uma certeza, Nick...

– Você só o largou por causa disso, não é? – Nicolas questionou, e afastou-se, olhando para ela. – Ele não criaria o filho de outro, foi por isso...

– Eu larguei ele porque eu e o bebê queremos estar com você.

– Não fale como se você já conhecesse meu filho! Eu-

Meu filho...? – ela o interrompeu, e um singelo sorriso veio em seu rosto. – Você... Você concorda...

– O quê? – Nicolas murmurou, e, de forma confusa, olhou para qualquer lugar que não fosse a figura de Kássia. – Eu não concordo... Eu não disse... Eu... Eu não...Onde...

Ele não conseguiu terminar a frase.

Kássia se aproximou. Olhou por alguns segundos os olhos café de Nicolas que evitavam os dela, depois o abraçou, contornando sua cintura com a firmeza de uma criança assustada, mas com o calor de uma mulher acolhendo o amante.

– Nick, eu sei... Eu sei, eu estou tão assustada quanto você, - disse - então por favor, por favor, não deixe tudo mais difícil. Não agora.

Ele se acalmou um pouco, e pareceu repentinamente exausto. Devolveu o abraço de Kássia, e apoiou seu queixo na cabeça dela.

Permaneceram em silêncio por um tempo, ouvindo apenas o tick-tack do relógio na parede e o som baixo do aspirador de pó de algum vizinho.

Nicolas respirou fundo.

– Onde nós fomos parar...? – questionou ele, e fechou os olhos, xingando a dor de cabeça que acabara de voltar.



[...]







– Você já leu o jornal hoje? – Jerry perguntou, segurando a mão da filha de quatro anos.







Nicolas arrumou o casaco de Tony e tirou uma sujeira da bochecha dele.



– Não – respondeu. - Alguma notícia importante?

– Nada demais. O vice-prefeito parece ter tido um caso com uma menor que estava ajudando na campanha de reeleição dele. Ele pode até ser impedido de se candidatar de novo.

– É? Bom, tanto faz, ninguém suporta mais esse cara mesmo... – Nicolas pegou a mão do filho, e os dois foram para a porta da escola infantil, sendo seguidos por Jerry e a garotinha.

– É, acho tem razão – disse o outro. - Mas e aí, vai querer ver o jogo lá em casa hoje?

– Hoje não – Nicolas sorriu. - Aniversário de casamento.

– Ah, é mesmo, você falou. Três anos, né não? Novos no amor ainda. Vão comemorar como? Jantar?

– Oh, não... – disse. Se agachou para dar um beijo na testa do filho: - Divirta-se hoje garotão. E não esquece, quem vem te buscar hoje?

– A vovó Melinda! – o menino respondeu com um sorriso banguelo.

– Isso mesmo! Agora vai lá moleque, se divirta – disse Nicolas, e deu um aceno com a cabeça para que o garoto entrasse no portão de metal e se juntasse as outras crianças que já estavam lá dentro. Sofia, a filha de Jerry, seguiu logo atrás.

Os dois adultos fizeram o caminho de volta até o estacionamento.

– A Kássia acha que eu esqueci – Nicolas continuou, com a expressão travessa. – Eu esqueci os outros dois aniversários, então ela deve ter certeza que o terceiro vai passar batido também.

Mas...? – Jerry insinuou, se divertindo.

Mas... depois do trabalho dela eu vou ligar dizendo que tem uma emergência no salão, você sabe, o Salão da Corte, e quanto ela chegar lá vai se deparar com velas, uma mesa com aquele vinho chileno que ela gosta e ninguém além de mim e as estátuas que eu não sei porque mas ainda as deixo lá. Vai ter também um quarto decorado com rosas lá nos fundos, porque, sabe né, aniversário de casamento bom só termina de um jeito.

Jerry riu com a última frase.

– Por que você não alugou um quarto de hotel pro final da noite? – perguntou este.

– Porque se tem algo de útil em ser dono daquela coisa, além das festas, é poder usar o que eu quiser, para os fins que eu preferir, na hora em que eu desejar. Estranhamente, graças aquela maluca...

– A morte de uma chefa nunca foi tão bem aproveitada – Jerry comentou. – Dá-lhe testamento.

– Dá-lhe carência sexual. Tá bom, eu vou indo, cara. A gente se fala depois – Nicolas avisou, enquanto abria a porta de seu carro.

– Falou, boa sorte hoje! – disse Jerry, já indo embora.

Nicolas entrou no carro, colocou o cinto e virou a chave.

– Já ganhei toda a sorte de que precisava – respondeu para ninguém enquanto mudava a marcha e seguia para seu destino.


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Notas finais do capítulo

(Fiquem sempre à vontade para me dizer suas opiniões!)



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