Contos Do Luar escrita por ReBeec


Capítulo 4
Sabrina & Lauren


Notas iniciais do capítulo

Okay, okay, esse não é meu melhor conto. É um antigo, porém eu gosto dele e é um pouquinho diferente dos demais. Por favor, não se decepcionem ♥



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As cores da vila enfeitavam cada ponto em que seu olhar parava: o amarelo dos postes de luz, o vermelho nos lábios das damas e o verde escuro das árvores pouco iluminadas; tudo decorado num tom prateado pela magnífica lua que habitava o céu.

Sabrina nunca conhecera alguém que desgostasse desse tom prateado, alguém que não simpatizasse pela lua. E a vida da jovem lhe dava o mérito para constatar isso. Foram horas e dias dentro de carros, vãs, ônibus e aviões - principalmente aviões - passeando pelo mundo sem destino e sem bagagem.

Ela ouviu passos se aproximarem. O som era de dois sapatos delicados andando pela madeira, equilibrando uma jovem de corpo esbelto e elegante. As mãos traziam duas canecas de chá quente, e os olhos azuis claros carregavam uma singela confusão.

– Aqui – disse, entregando uma das canecas para Sabrina. Ficou ao seu lado direito, encostada sob o mesmo cercado que envolvia a pequena sacada, e deu dois goles na bebida. – Observando algo interessante? Parece estar tão focada...

– Eu gosto de ver as pessoas passeando – respondeu a outra. – Me sinto bem. Essa praça aqui embaixo é tão linda. É tão, como dizer... – fechou os olhos, e inalou o cheiro da noite – nostálgica.

Sabrina inclinou a cabeça para trás, sem abrir os olhos, e se deixou ser dominada pela calmaria e tranquilidade que predominava ali.

– Não entendo o porquê de ficar tão perplexa com Benevento – a outra falou, enquanto colocava uma mexa de seus cabelos loiros atrás da orelha. – Essa cidade não se alterou. Tudo está igual desde sua partida, creio eu, então por que está tão fascinada?

– Oh Lauren...

Sabrina sorriu e abriu os olhos.

– É exatamente porque Benevento não muda – disse-lhe. – Depois de sete anos, quando eu fui embora com aquela passagem no bolso, se lembra?, as coisas continuam do mesmo jeitinho de quando parti. É por isso, entende? Eu me sinto em casa, – olhou para sua xícara – como nunca me senti em outro lugar.

Lauren franziu o cenho.

– Quem precisa de casa quando pode usar o mundo inteiro como telhado? – perguntou.

– Todo mundo, meu amor – Sabrina virou seu rosto e a encarou. – Qualquer lugar pode servir como telhado pra te proteger da chuva, e muitos também podem ter uma lareira ou um cobertor para você se aquecer, mas em quantos destes você se sentirá segura? Segura de verdade?

A amiga piscou os olhos duas vezes e abaixou a cabeça.

– Talvez seja exatamente isso o que eu não desejo, Sabrina – murmurou. – Talvez... Talvez o que quero seja sentir-me vulnerável. Correr riscos, amedrontar-me, gritar, fugir, viver...

– Medo não é a mesma coisa que vida – Sabrina retrucou. – Pensei que já soubesse disso.

– Eu sei, eu sei. Porém eu queria...

– ... se machucar?

– Pelos Deus, Sabrina! – Lauren reclamou. – Por que fala da sua vida como se fosse tudo um arrependimento?

– Ah, não, eu não estou arrependida...

– Então pare de falar como se estivesse! – exclamou. - Você fala como se a França só tivesse quadros horríveis, os Estados Unidos não passasse de hambúrgueres e palhaços; como se a Austrália e a Nova Zelândia se odiassem e os argentinos vivessem de futebol. Pelo menos você conheceu esses lugares – Lauren parou por um segundo, e se esforçou para a emoção não tomar conta de si. – Pelo menos você pôde sair daqui e ver o mundo com teus próprios olhos.

Sabrina suspirou. Colocou sua xícara em uma pequenina mesa onde já estava a - vazia - xícara de Lauren. Em seguida, entrelaçou sua mão direita à esquerda da mulher, e continuou a encarar o mesmo cenário.

– O mundo é cruel – Sabrina sussurrou, como se estivesse contando um segredo. – As pessoas são simpáticas quando você está vestindo um uniforme, mas tudo some quando você fala qualquer coisa e revela sua origem. Sotaque italiano não é tão bem-vindo, sabe? Algumas pessoas fazem caretas em apenas te olhar e... descobrir seu sangue latino por debaixo da pele – fez uma pausa. – Hipocrisia, não vê? – negou a cabeça. – Hipocrisia. Aqui na Itália, na Indonésia ou no Egito. Dentro dos aviões, de barcos ou de um carro. A hipocrisia se espalhou.

– Então vai me dizer quê agora? Que o mundo está estragado? – Lauren a observava.

Sabrina a olhou de relance.

– Pode-se dizer que sim – afirmou. – Não como um verme na raiz de uma planta, mas como uma fruta quase podre: você tem o bolor, e a parte que ainda saudável. E o mundo está assim. O estragado, e os sobreviventes, ainda com sua liberdade.

– E quem são eles? – a outra perguntou, aflita. – Quem são os sobreviventes?

Sabrina sorriu amarguradamente.

Virou-se para a amiga, pegou a outra mão e também entrelaçou. Seus olhos castanhos escuros encaravam firmemente os azuis de Lauren. Azul celeste, como Sabrina gostava de lembrar ao olhar o céu límpido pela janela de uma cabine viajando pelas nuvens.

– Somos você e eu – respondeu-lhe, convicta. – São os adolescentes lá embaixo, tentando ganhar dinheiro para comprar algum boneco de coleção, os idosos que se divertem puxando conversas com jovens, ou as pessoas que não tem medo de assumirem quem são. São os ousados – sorriu, com os olhos brilhando. – São os audaciosos que não tem medo de se jogar no desconhecido. As incógnitas do universo, os azarados de não serem normais.

Uma lágrima percorreu o rosto de Lauren.

– Incógnitas do universo? – questionou esta, os lábios num delicado sorriso. – É assim que chama a si mesma agora?

Sabrina deu de ombros.

– Nova York á Madri – respondeu. - Um passageiro desse voo me disse isso... Disse também que as comissárias de bordo seriam a inspiração dele para uma próxima história, e uma das personagens iria ser baseada em mim.

Lauren riu.

– Você se parece mesmo uma personagem de um livro – observou. – Daquelas misteriosas que surgem em uma ocasião especial para aconselhar o protagonista.

– Quer dizer que eu não poderia ser a protagonista? – Sabrina perguntou curiosa, formando temporárias rugas na testa.

– Não – Lauren sorriu, e segurou com ainda mais firmeza as mãos da outra. - Porque protagonistas tem sua vida acompanhada pelo narrador. E não há alguém que consiga te acompanhar pelo mundo Sabrina, nem você mesma.

Sabrina sorriu.

– Acho que você tem o prestígio pra dizer isso – ela admitiu. - Nunca vi alguém com uma estante de livros igual à sua...

Um suspiro saiu dos lábios de Lauren.

– É a maneira mais simples e barata de se viajar por cidades, países, planetas e universos... – disse, seus olhos brilhando. – Além do que, crianças do primário gostam de ouvir histórias. Se eu não contar-lhes uma descente antes da hora da soneca, elas não apagam.

– Hora da soneca... – Sabrina disse num tom mais provocante. – Seria uma boa ideia agora; não acha, minha aniversariante? – soltou suas mãos das da amiga e passou-as pelo pescoço da mesma, aproximando seus corpos. – Um último presente do dia...

As bochechas de Lauren se coloriram para um rosa claro, o que não a impediu contornar a cintura de Sabrina e corresponder seu abraço.

– Uma boa ideia – Lauren concordou, subindo seus dedos pelas costas de Sabrina e avançando sobre seus lábios. Roubou-a o beijo mais doce que já compartilharam.

Elas nada ouviam mais nada além de cantigas de rodas e risadas divertidas metros abaixo. Suas línguas brincaram, o calor aumentou e os pés dançaram em uma dúzia de passos até os dois corpos caírem numa cama, onde mãos e intimidades finalizaram aquela noite.

E entre sussurros de paixão e malícias sobre os lençóis, Sabrina soube mais uma vez que Lauren estava errada. Com ou sem seu uniforme de comissária, observando paisagens em janelas de aviões ou olhos azuis celestes, ela sempre soube que havia alguém que a pudesse acompanha-la no mundo; a alguém que, naquele mesmo instante, provava que era a única que domava sua mente e seu coração.

Sabrina voltara por ela. Com o sem desculpa de data especial, ela voltaria. E, talvez no começo de um final feliz que nunca imaginara ter, agora, ela iria ficar.

Agora ela não aceitaria um emprego qualquer que permitisse fugir daquele amor que aprendera como errado. Ninguém mais a faria permanecer quilômetros de distância da mulher que amava, e ninguém lhe tiraria mais suas chances de felicidade. Não, ninguém.

Dessa vez, ela realmente iria ficar.


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Notas finais do capítulo

:3