A Primeira Família de Esther escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 1
Cobra


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Espero que gostem.



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Pele branca como a neve. Grandes e expressivos olhos castanhos, que transbordavam inocência. Cabelos escuros, nem compridos e nem curtos, encaracolados nas pontas. Fitas de veludo amarradas no pescoço e nos pulsos. Um vestidinho negro com botões na frente, a saia rodada e babados de renda na gola. Meia-calça branca, da mesma cor das sapatilhas.

Muitos considerariam essa a aparência de uma menina encantadora. Mas com anos de experiência, eu sabia que isso não era o suficiente para convencer uma família que queria adotar uma criança.

Sorri. E era isso. Um sorriso convencia uma família. Sem dúvidas, essa era a parte mais importante, o detalhe mais crucial. Eu não poderia me considerar pronta para sair de meu quarto do orfanato enquanto estivesse tão séria.

Me olhei no grande espelho uma última vez, e vi uma mentira. A linda menininha que mais parecia uma princesa, tão agradável e inocente, não era de verdade. Mas infelizmente (para as outras pessoas), eu era a única que sabia disso. Nem meu reflexo no espelho conseguia reconhecer uma mulher adulta por trás daquela garotinha que, para todos, se chamava Esther.

E a parte mais divertida era que ninguém nunca, jamais, reconheceria.

*********


Era uma manhã normal naquele orfanato da Rússia, tirando por um pequeno detalhe. Uma família viria ver as crianças naquele dia. E não era qualquer família. Era uma família dos Estados Unidos.

Uma família americana, querendo adotar uma criança russa, que legal! Todas as crianças estavam empolgadas e não paravam de falar sobre isso no café-da-manhã.

“Será que eles falam nossa língua?”.

“Será que eles têm filhos?”.

Os funcionários do orfanato até sentiam certo peso no coração ao pensar que, no máximo, apenas uma criança dentre todas aquelas seria adotada. Eram todas crianças maravilhosas, que mereciam uma família. Mas eles não podiam obrigar ninguém a adotá-las.

A Sra. Titov, uma mulher de terceira idade que era dona e diretora do orfanato, que anteriormente tinha sido da mãe dela e ainda antes, de seu avô, não queria dar uma falsa esperança para eles. Então, agia como em qualquer dia, como se a visita dos americanos não fosse nada demais.

De uma maneira ou de outra, o café não estava diferente somente pela agitação das crianças, e sim também porque estava faltando uma delas no refeitório.

– Katya! Onde está a Esther? – A Sra. Titov perguntou para a garotinha que costumava dividir o quarto com ela, e que então estava sentada a uma mesa comendo com as amigas.

Katya arregalou os olhos, de repente parecendo incomodada. Olhou para a Sra. Titov, mas logo desviou o olhar novamente para a comida.

– Eu... Eu não sei.

Todos sempre estranhavam o jeito como Katya ficava quando lhe falavam de Esther. Era evidente que algo ruim havia acontecido entre as duas. Quando Esther tinha entrado no orfanato, três meses antes, colocaram-na para dividir o quarto com ela. Esther não gostou disso desde o começo, insistindo que precisava de um quarto só para si, mas Katya estava convencida de que poderiam se tornar amigas.

Com efeito? Não. Logo no dia seguinte, Katya foi implorar para a Sra. Titov para separá-las. Katya passou a dividir o quarto com outra menina, e Esther ficou sozinha em um. Mas nenhuma das duas falou sobre o que aconteceu naquela noite.

Mesmo assim, sempre que precisava saber de algo sobre a Esther, a Sra. Titov recorria à Katya. Apesar de tudo, ela devia ser a pessoa com quem Esther mais falou desde que chegou.

– Tudo bem, querida. Termine logo de comer.

O horário do café-da-manhã estava quase acabando. Onde aquela menina estava? A Sra. Titov pensou em ir até o quarto dela chamá-la, mas não foi necessário, pois nesse instante a garota entrou no refeitório. Adorável, como sempre, era impossível para uma pessoa de tão bom coração como a Sra. Titov dar uma bronca em Esther.

Ela se limitou em ir até a menina e perguntar-lhe onde estava.

– No meu quarto, oras. – Esther pareceu não entender o sentido da pergunta.

– Coma rápido. Você chegou tarde. – Sra. Titov disse, tão fria quanto conseguia. Esther assentiu, e foi se servir quase saltitando.

Como uma garota tão doce poderia ter feito algo de mal para deixar Katya tão perturbada?

Honestamente? A Sra. Titov preferia nem saber.

*********


Dez horas da manhã. O horário que a família Sullivan tinha marcado para ir até o orfanato.

Todas as outras crianças estavam esperando no jardim, ou no refeitório, ou na sala de brinquedos.

Entretanto, eu, como sempre, me isolei. Estava na sala de artes, pintando. Uma de minhas atividades preferidas. Sempre que estava esperando uma família chegar, pintava. Afinal, eles passavam por todos os cômodos do orfanato, viam todas as crianças, mas com todas juntas, não olhavam para alguma em especial. E quando eles chegavam à sala de artes, me encontravam sozinha, com minhas pinturas, e quase sempre iam falar comigo. Perguntar o porquê de eu não estar com as outras crianças, ou onde eu tinha aprendido a pintar tão bem.

Naquele momento, eles ainda deviam estar chegando, mas mais cedo ou mais tarde, iriam vir até aqui. Por ora, resolvi apenas me concentrar em meu quadro.

Eu estava pintando uma cobra, se esgueirando entre árvores em uma floresta. Estava completamente ciente de que alguém poderia achar estranho uma menina pintar uma cobra, existindo tantos animais mais bonitinhos no mundo.

Mas eu não me importava. O desenho, de qualquer forma, estava ficando bonitinho. E o melhor de tudo era a mensagem subliminar por trás dele.

Como uma cobra pronta para dar o bote, eu estava esperando os Sullivan.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!