Last Letters escrita por AnyBnight


Capítulo 7
VII: O Hóspede - Parte I


Notas iniciais do capítulo

A história do Dio se divide em duas partes, eis a primeira.



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Meu relato começa um pouco mais cedo que os demais, antes mesmo de eu conhecer aquele demônio denominado "doutor". Eu sei mais do que ninguém sobre suas atrocidades.

Começarei a contar de um ano antes de minha morte. Eu tinha 10, quase 11 anos, e morava com minha avó numa casa relativamente grande no norte da Alemanha. Pode-se dizer que nossa propriedade era vizinha das terras Drevis. Uma jovem senhora chamada Monika tornou-se amiga de minha avó pouco depois que fui morar com ela. Senhora Monika sempre vinha nos visitar, conversava com minha avó, faziam doces juntas e eu criei um certo apego à ela também. Havia perdido meus pais há algum tempo, acabei vendo naquela moça uma "segunda mãe".

Senhora Monika sempre nos falava sobre sua filha Aya, que pelo que soube tinha quase a minha idade naquela época. Ela se lamentava por não poder nos apresentar, pois seu marido não deixava a garota sair de maneira alguma. Algumas vezes ouvia-a comentar com minha avó sobre mim e Aya aos risinhos, como duas casamenteiras. Confesso que sentia uma ponta de curiosidade sobre a garota já naquela casa vivíamos apenas eu, minha avó e duas ou três empregadas.

Acredito nunca ter sido um garoto agitado; perdi a conta de quantas vezes tentavam me levar para a cidade para que eu fizesse amizade com os garotos locais e outros passeios que eu sempre recusava quando não eram na companhia da senhora Monika. Gostava de ficar perto dela, acompanhá-la nas compras, e, principalmente, ouvi-la falar sobre Aya. Ela ria quando me via corar ao perguntar sobre sua filha. "Ora essa, acho que terei que dividir minha menina mais cedo do que pensava" dizia.

Dias felizes que já tratavam de anunciar seu fim.

Minha avó adoecera repentinamente, nada menos esperado de sua idade avançada. O doutor Alfred Drevis nos foi indicado pela esposa. Bastou-me a primeira visão daquele homem para saber que não era de confiança. Podia ver, também, que a própria senhora Monika o temia. Cada vez que o doutor vinha trocávamos olhares de desconfiança pois ele próprio desistira de me sorrir à primeira falha que teve ao fazê-lo.

Foram-se angustiantes semanas de um tratamento suspeito que não se mostrava eficaz. Minha avó não resistiu, faleceu, e me foi negado ver-lhe o corpo aos ditos "não é uma cena boa para uma criança presenciar". Sendo assim, perdia a última família que me restara. As duas ou três empregadas partiram logo após o velório, deixando-me só naquela casa. E vendo-me em tal situação, a senhora Monika me convidou a viver em sua casa como um hóspede.

E hóspede fui.

Vivia num quarto especial do primeiro andar e quase nunca saia de lá - se não para necessidades e comida - à mando da senhora Monika que rogava por minha segurança. Cada vez que a via ela parecia mais pálida, como se estivesse sempre assustada. Não é pra menos, a casa inteira tem uma atmosfera pesada como a de um cemitério, vazia senão por seus poucos moradores. Jurava ouvir gritos aterrorizantes algumas vezes, gritos que me roubavam o sono num despertar de curiosidade jamais saciada.

Preocupado com todo aquele mistério arrepiante, mais de uma vez perguntei por Aya, qual ainda não houvera sido apresentado. "Perdão, mas não posso trazer Aya aqui. O pai é exageradamente ciumento, mal a tira de sua vista e chego a me preocupar com isto. Mas te juro que não tardarei a apresentá-los."

Lembro-me que, em vida, a vi uma única vez num breve vislumbre.

Eu vinha de fora com a senhora Monika, havíamos acabado de entrar pela porta principal bem de frente para o corredor superior. Vi cabelos escuros longos tremulando leve sobre as costas de um vestido azul bem como um grande laço vermelho decorando os fios. Encantei-me com aquela visão incompleta, sequer conseguira ver o rosto dela, mas apenas suas costas bastaram para me cativar.

Não notei, entretanto, que o pai a acompanhava. Antes de sumirem na passagem qual o corredor levava, o doutor fuzilava-me um olhar de desprezo; uma ameaça muda.

A noite que sucedeu aquele dia fora de um cinza fúnebre.

Logo na manhã seguinte senhora Monika não veio me ver. Quem veio foi a assistente do doutor, Maria, quem eu já havia visto e ouvido falar repetidas vezes. Num dito popular, ela e o doutor Drevis eram "farinha do mesmo saco". Ambos tinha aquele olhar de desprezo quando encaravam-me de cima. Maria trazia uma bandeja de café da manhã e se retirou logo sem me responder sobre o paradeiro da senhora Monika.

A partir do início de meu relato, meio ano já havia se passado. Em meus próximos seis meses restantes, eu seria hóspede em outro lugar.


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Notas finais do capítulo

E sabe-se lá quando a parte dois, a última das cartas, sai.