Sarah escrita por AnaCarol


Capítulo 18
Mary Ann


Notas iniciais do capítulo

"The green eyes / Yeah, the spotlight / shines upon you / And how could / anybody / deny you?" (Green Eyes - Coldplay)



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O frio bate em minha pele e eu estremeço. Hoje está mais gelado do que nunca, e a caixa de metal em minhas mãos contribui em mantê-las geladas.

“Sem problemas.” – Eu penso. – “Assim que o homem de quem Wereo falou chegar, eu me livro deste ‘presente’ idiota e ganho algum dinheiro... Só que ele precisava marcar tão tarde?! O tipo dele já é sinistro; e de madrugada só piora.”.

-Qual é o seu nome, moça?

Eu dou um pulo, sendo removida de meus pensamentos tão subitamente, e sentindo um toque quase morno cutucando minha cintura. Consigo segurar um suspiro, vendo que é apenas uma garotinha.

Seus cabelos são loiros claros e cacheados, caindo até a altura de seus ombros. Seus olhos são verdes quase escuros, dando um toque raro para sua aparência.

-Já passa da 01h30min da manhã... O que você está fazendo fora de casa? – Pergunto. Ela não deve ter nem 10 anos.

-Estou... Esperando meus pais. – Ela mente.

Fico tentada a perguntar o que eu tenho a ver com sua suposta espera, mas algo em sua expressão feliz me impede.

-Meu nome é Mary Ann. E o seu?

-Alexandra. – Minto.

-Posso te chamar de Alex? – Ela não espera por uma resposta. - Eu tenho sete anos, Alex. E você?

Se eu tivesse qualquer coisa para roubarem, ficaria assustada. Como não tenho...

-12. – Minto de novo, e ela não desconfia.

Ela se senta na calçada detonada, mas eu permaneço de pé. Ela sorri para mim e estende uma de suas bonecas, para então começar um diálogo com os dois brinquedos.

-Meus pais me deram essas daqui! – Ela me conta. – Elas não são bonitas?

-Com certeza. – Respondo.

Subitamente ela para de falar. Ao longe ouço passos agressivos tocando os paralelepípedos. Ela arregala os olhos na escuridão e move as luzes verdes de seu olhar até mim. Reprimo os lábios.

-O que você fez? – Pergunto em baixa voz, segurando seus ombros e virando-a para mim.

-Nada. – Ela mente de novo.

Sigo seu olhar até uma luz de vela que se encaminha até nós. Uma voz de mulher ruge seu nome, e vejo que uma luz se acende em uma casa. Sei, por experiência própria, que lá mora um homem bêbado raivoso, o qual irá brigar com qualquer um que perturbe seu descanso. Inspiro profundamente e agarro seu pequeno pulso de sete anos.

-Isso vai nos dar tempo. – Sussurro. - Você corre rápido?

Ela assente, hesitante. Olho para os lados e, praguejando, pego-a no colo. Esquivo-me para a primeira rua estreita carregando seu peso.

-Onde você mora? – Eu pergunto, sem obter resposta. – Para onde vamos, Mary Ann?!

Ela só choraminga qualquer coisa. Penso rápido e decido levá-la para minha casa. Sei que essa não foi minha melhor decisão, mas é a única que me vem à cabeça.

Passo pelos caminhos que reconheço que não têm moradores barraqueiros e enfim chego ao beco de minha casa. A menina, que ficara quieta o tempo todo, se assusta e tenta pular de meu colo. Eu a seguro ainda mais forte e peço para que se cale.

Entro em casa e encontro minha mãe adormecida no chão da sala. Envergonhada, eu passo por cima de seu corpo e finalmente solto Mary Ann em meu quarto. Ela examina tudo que ele possui, para então se jogar sobre minha cama sorrindo.

Digo para que ela fique quieta até que eu volte, e que deve ficar tranquila.

Vou até a sala, onde minha mãe ronca. Suspiro lentamente e faço o que faço sempre: desligo a TV chiante, arrasto-a até seu próprio quarto e a ponho para dormir sobre a cama. Recolho as garrafas de bebida no chão e limpo um ou outro vômito que ela deixou por aí.

-Alex? – Mary Ann chama baixinho. Não correspondo.

Viajo sobre como desejava que quem-quer-que-seja meu pai estivesse aqui, e como sinto falta de apoio materno. Há tempos não encontro minha mãe acordada. Nem mesmo bêbada.

-Alexandra? – Ela chama de novo. Lembro-me de que ela fala comigo.

-Estou indo!

Guardo o rodo e jogo o pano no tanque, para daí correr de volta para o quarto.

-Voltei. – Anuncio. Ela ainda está sentada sobre minha cama, do jeito exato que a deixei. Por dentro eu sorrio.

-A Hill estava falando que o seu cabelo é muito bonito. – Ela indica uma boneca. – E eu acho o mesmo.

-Obrigada, Hill! – Brinco. – Mas olha aqui, Mary Ann... Onde estão seus pais? Precisamos te levar de volta, antes que eles fiquem preocupados.

-Eu estou esperando por eles, não sei onde estão...

-Acha que eles já chegaram naquele ponto em que te encontrei? Aquele é o ponto de encontro de vocês?

Ela balança a cabeça negativamente.

-Não tem ponto de encontro... – Ela informa, e começo a entender o que está acontecendo. – Mas eles disseram que sempre voltariam, e que nós vamos nos encontrar algum dia.

Quase tombo para trás. Recupero-me do dejá vu e gaguejo.

-Sempre é um... Um... Longo tempo, Mary... – Comento. Ela penteia o cabelo de pano de sua boneca e sorri.

-Eu sei; né?

-Que tal você esperar por eles na sua casa?

-Ela está trancada.

-Onde você fica então?

Como respondendo minha pergunta, a porta de minha casa se abre com um estrondo. Ela treme e abre levemente a boca. Encaro-a, acusativa.

-Isso é sério, Mary Ann. O que você fez? – Rosno. Ela olha desesperada para o lado.

Engulo em seco e examino novamente seu rostinho, que agora não se parece mais tão angelical. Bufando, mando-a ficar deitada embaixo de minha cama até o perigo passar. Ela não pensa duas vezes.

Saio de meu quarto e dou de encontro com uma mulher e minha porta arrombada. Seu corpo é pequeno, mas musculoso. Seus cabelos pretos caem em seu rosto e ela sorri cruelmente.

-Onde ela está? – A mulher grita, tentando me afastar.

-Ela quem? – Eu me ponho entre ela e o corredor.

-Mary Ann Rollin. Pequena, sete anos, loira. Onde ela está?! – Ela avança com raiva, querendo me fazer recuar.

-Não sei do que está falando! – Avanço.

Ela exibe sua altura, bem maior que a minha, e está quase colando sua face na minha. Afasto o rosto, com repulsa, mas ela ri.

-Pequena. Sete anos. Loira. Onde. Ela. Está?!

Sua mão voa até meu rosto e, estapeada, minha cabeça bate na parede. Grito, sentindo minha têmpora direita sangrar.

-Vá embora! Não temos nada pra você aqui! – Rujo, pulando sobre ela. Acho que ela não contava com minha recuperação tão rápida.

Com o golpe surpresa, e apenas pela surpresa, ela cai de costas no chão. Imobilizo-a o mais rápido que posso com as pernas, mas ela se levanta como se eu não pesasse nada. Solta uma risada.

-Acha mesmo que uma anoréxica como você pode me impedir? – Ela fala, passando por mim e percorrendo um metro no corredor.

Pulo sobre suas costas e me penduro em seus ombros. Ela tenta me empurrar, mas soco seus olhos antes. Ela urra e eu pulo, ficando à frente da porta do quarto de minha mãe.

-É aí que ela está não é? Não tente me enganar! – Ela esfrega os olhos e cambaleia até mim, levando suas mãos até meu pescoço. Engasgo e tento retirar seu aperto.

Ela me levanta e sinto meus pés chutarem o ar. Minha garganta perde o ar cada vez mais e eu tento alcançá-la com as pernas, sem resultados. Solto alguns barulhos guturais até que ela finalmente me solta.

Minhas pernas fraquejam e eu caio no chão, respirando com dificuldade e envolvendo meu pescoço com as mãos, como se ele tivesse se tornado mais frágil. A mulher passa por cima de mim e derruba a porta de minha mãe só por diversão.

Tento puxar mais ar enquanto observo-a do chão cutucando minha mãe e perguntando pela menina. Minha mãe não acorda. Ela tenta novamente. Minha mãe abre um dos olhos, mas volta a dormir. A mulher perde a paciência e a soca, com raiva.

E aí minha mãe acorda.

Tudo que consigo ver é a mulher despencando até o chão. Rastejo para trás até encostar-me à parede. Observo minha mãe entrar em pânico e atacar a desconhecida com uma frigideira...

Então é aí que foi parar a panela... Procurei por ela tantas vezes!

Corro até a cozinha e pego uma corda no armário. Ouço gritos serem abafados. Disparo de volta até a luta e vejo que minha mãe a deixou desacordada. Vou até ela e a amarro dos pés a cabeça.

-Quem é essa mulher?!- Eu meio pergunto e meio grito. Mas minha mãe não está ouvindo.

Ela encara a mulher com os olhos arregalados e pupilas dilatadas. Sua boca se mexe, mas não escuto nada.

-Do-Doug! – Ela grita, apontando para o corpo. – Doug!

Enfio o rosto nas mãos e esfrego minha testa lentamente.

-Começou. – Resmungo.

-Doug! Doug!

Puxo a mulher desmaiada pelos pés e a tiro do quarto, porém os gritos não param. Minha mãe treme freneticamente chamando pelo tal Doug. Suspiro e tento tranquilizá-la, mas meus esforços só a levam à metade do caminho até sua cama.

Decido ignorá-la e ver como está a pequena que defendemos.

-Ei. – Sussurro. – Ela já foi.

Mary Ann sai debaixo da cama. Eu rio.

-Você é sempre obediente assim? – Caçoo. Ela olha furtivamente para a porta, e consequentemente pensa na mulher “adormecida”.

-Alex... O que vocês fizeram com aquela moça?

-Minha mãe fez cócegas nela até ela dormir. – Invento, para amenizar a situação. Ela pensa bem e enfim concorda feliz. Eu penso em como eu era bem menos inocente aos meus sete anos.

-Quem é Doug?

-Meu pai. – Digo.

-Ah...

-Minha mãe estava dando bronca nele porque ele... Ele comeu toda a torta. E ela ama torta.

-Puxa... – Ela diz. – Alex, eu posso me virar daqui.

-Certeza? – Começo a estranhar o jeito como estou tratando Mary Ann: preocupada com tudo.

-Sim, eu consigo. Mas obrigada por tudo.

-Ei, Mary Ann! – Chamo, enquanto ela abre a porta do meu quarto. – Hã... Onde eu deixo essa mulher?

-Ah é! Vai até os fundos da escola e dá cinquenta passos para frente. Deixa na porta dos fundos, que é branca com umas flores desenhadas.

Ela abre a porta e logo os pelos de minha pele se levantam. Minha casa não é muito aquecida, mas fora dela está congelante!

-Espera. – Peço.

Corro até meu quarto e puxo meu cobertor da cama.

-Toma. – Eu o jogo, e ela pega o tecido no ar. - Tá muito frio lá fora.


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