Sarah escrita por AnaCarol


Capítulo 12
Um Pacificador


Notas iniciais do capítulo

"Police and thieves in the streets / Scaring the nation with their guns and ammunition / [...] / Get out of here, you people / If you don't wanna get blown out" (Police and Thieves - The Clash)



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  Tenho o saco com o dinheiro em mãos e um pano segurado contra meu nariz. Ouço as luzes elétricas se apagando no sobrado sujo que esconde o ringue, quando a silhueta de um Pacificador aparece se aproximando.

  Arregalo os olhos e começo a andar mais depressa, segurando mais firmemente o dinheiro, limpando meu nariz, escondendo o pano em meu punho e torcendo para que ele não sangre até eu passar o guarda.

  Ele se aproxima ainda mais e me chama. Esqueço o plano A e pulo para o plano B: Telhados.

  Escalo o muro mais próximo e pulo no telhado de madeira da humilde casa. O Pacificador se agita e desanda a gritar comigo, mas tudo o que eu faço é correr mais depressa. Pulo de telhado para telhado até que eles se tornam altos e irregulares demais para se correr sobre. Relutante, tento voltar o caminho, mas ele agarra meu braço quando passo por um telhado mais baixo.

  Meus pés descalços reclamam das farpas enfiadas neles. Desço e tenho de dar créditos para a persistência do homem.

  -Qual é a tua?! – Suas unhas penetram em meu braço despido e eu reprimo os lábios em função de não gritar. Sinto o inconfundível e familiar hálito de um bêbado deixar sua boca. Encaro-o com os olhos a ferver, mas ele não desiste. Ele me chacoalha. – Hein?!

  Não respondo novamente, e ele belisca meu braço com tanta força que sinto que minha pele é retirada de mim. Mordo os lábios e fecho os olhos.

  -Crianças normais não andam por aí a meia noite, cadelinha. E não fogem. – Ele suspira pesadamente enquanto decide que não está com vontade de me prender hoje. – Tu tens pais?

  Assinto nervosa, agora estreitando os olhos quando ele solta meu braço com um empurrão. Tento dar um primeiro passo, mas ele não está satisfeito. Estapeia meu rosto e luta para tirar meu dinheiro de mim. Eu puxo o saco de volta, até que ele se rasga por completo e o dinheiro cai todo no chão, rolando até um bueiro e sumindo de vista.

  Ele ri e se vira.

  -Da próxima fique com seus supostos pais. – Ele diz enquanto é engolido pela escuridão.

  Observo-o ir embora até que todo o som que ouço se torna minha respiração ofegante. Tateio o chão, mas os paralelepípedos não salvaram nenhuma moeda. Sinto uma frustração enorme em meu peito, mas meus sentimentos vão além disso: estou muito, muito brava com o Pacificador e as leis idiotas que apoiam suas atitudes.

  O pensamento quase me leva até o fato de que Alex e sua família eram rebeldes, mas eu decido me concentrar no roncar de meu estômago, que é menos doloroso.

  Suspiro e me coloco de pé. Minhas pernas reclamam devido à demorada luta e a longa corrida, mas me recuso a continuar passando fome.

  Esquivo-me até as portas dos fundos e reviro as lixeiras ainda não recolhidas. Eu deveria voltar para casa, mas minha mãe deve estar bêbada demais para notar que eu não estou entre seus amigos, inimigos e desconhecidos imaginários. Encontro uma coxa de frango não estragada e praticamente a engulo; em outra, encontro um recipiente de plástico cheio de gorduras cortadas. Eu as saboreio silenciosamente, e só paro quando a primeira luz se acende.

  Corro de volta para casa entre os becos e ruas estreias da periferia e chego suada e arfando. Minha mãe esta sentada numa poltrona, assistindo aos chiados da TV sem sinal (já que ela não paga a conta desde, bem, sempre). Deixo a ela um punhado das gorduras e uma asa de frango meio destroçada na mesa... Minha mãe é ainda mais magra que eu, com as únicas diferenças sendo a que eu tenho alguns poucos músculos desenvolvidos e ela, uma barriga inchada pela bebida. Acredito que ela não deve comer muito também, por isso sempre deixo um pouco para ela, por mais que ela não mereça.

  Eu me tranco em meu quarto e examino as paredes rachadas e úmidas, ouvindo as risadas inúteis de minha geradora e o horrível som da fome penetrando meu estômago...

  De novo. 


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Notas finais do capítulo

PI: Você acha que a política ainda tem problemas em controlar o tanto de violência usado pela polícia contra a população?



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