Chihiro odiou ter que mentir para a mãe, mas sabia que estaria em sérios problemas se contasse a verdade e então iria ter que mentir mais para a mãe não pensar que era louca.

  Disse que tinha ido a casa de uma amiga fazer um trabalho. Sua mãe ficou extasiada, bronqueando a filha pela imprudência durante somente alguns segundos. Mas afirmou que ela podia ficar o tempo que precisasse.

  - Você precisa sair mais! - Yuko falou para a filha e desligou.

  Ela abaixou os olhos, esperando não encontrar o olhar recriminador de Boh, a quem entregou o telefone.

  - Chihiro. - ele chamou, tentando fazer com que ela o encarasse. - Não se preocupe com isso. Eu entendi que não quer que sua mãe saiba.

  A garota resmungou algo com a cabeça baixa.

  - Hey! Eu sei que não quer que ela fique preocupada com você. Mas precisa confiar em alguém...

  Chihiro arregalou os olhos, atordoada. A respiração cessou por alguns instantes. Encarou aquele estranho, sentindo pela primeira vez a enormidade de sua dor. Notou o quanto havia se fechado para todos, formando um casulo impenetrável em torno de si, impedindo-a de sair, sugando seu ar. Apertou a mão em frente a seu coração, ainda era quente. Mas por quanto tempo seria?

  Viu aquele estranho à sua frente, que a olhava diferente do que todos viam. Ele conseguira desnudar sua alma tão rapidamente. Sentiu-se frágil e aliviada.

  - Mas... - tentou resistir, sabendo que não conseguiria. Ele podia entender.

  - Eu posso ver em seus olhos, Chihiro. - disse ele, como respondendo a perguntas mudas. Ela estremeceu quando seu nome foi dito. - Não se perca na escuridão. Segure a luz que encontrar. -Boh tomou as mãos de Chihiro entre as suas e apertou-as fortemente. - E... não olhe para trás.

  "Não olhe para trás", a garota ficou tensa. Haku também tinha dito para ela não olhar para trás, seria por que ele iria demorar? Por que talvez nunca aparecesse? Por que... Ela espantou as perguntas de sua mente, tentando clareá-la.

  "Não estou falando com Haku", disse a si mesma tentando suportar a dor invasiva. Piscou inúmeras vezes até que pode enxergar claramente a pessoa à sua frente. Engoliu em seco.

  - Certo.

  - Isso não foi lá muito animador. - ele riu.

  - Certo! - a garota repetiu com mais vigor. Permitindo-se rir de verdade com Boh. Assustou-se durante um tempo com aquele som, vindo do fundo de sua garganta, mas tinha certeza que poderia se acostumar a ele.

  - Agora, vamos comer alguma coisa! Você deve estar faminta!

 Chihiro balançou a cabeça afirmativamente. Boh levantou-se e depois ajudou-a.

  Foi uma refeição tranquila, permeada de assuntos leves. Haviam na mesa um tio velho de Boh que estava um tanto surdo e a irmã mais nova do rapaz. Chihiro e Boh riam muito conversando com o velho, que não entendia nada do que lhe era dito e a irmã ria por ver as pessoas ao seu redor fazendo o mesmo. Moravam os três mais a tia que não estava em casa. Boh falou que ela era muito mais nova que o tio que beirava aos 70 anos.

  Depois de Chihiro ter ajudado a cuidar da louça, ligou para a mãe dizendo que estava indo para casa. Boh acompanhou-a.

  - Acho que foi por magia que encontrei você. Os espíritos do templo me guiaram.- falou brincando, mas a garota ficou tensa ao seu lado. - Era para eu estar varrendo o templo, sabe, mas eu estava cansado e resolvi dar uma volta...

  Houve um silêncio estranho entre os dois. Boh mordeu o lábio inferior.

  - Chihiro...

  - Hum?

  - Posso perguntar algo?

  - Sim... - olhou para ele curiosa, porém Boh encarava a calçada, se não estivesse tão escuro ela poderia notar a vermelhidão do rosto dele.

  - Quem é Haku?

  A garota estancou. Abriu a boca, encontrava dificuldade para articular as palavras.

  - Quem... quem falou isso... para você?

  - Você. Você ficou chamando esse nome.

  - Não é ninguém. - voltou a acompanhar Boh, pedindo em sua cabeça desesperadamente para que ele esquecesse do assunto. Tentava lidar com a dor de ouvir seu nome pronunciado, dizia-o somente em sua mente; nunca para ninguém, como um segredo.

  Ele ficou calado durante alguns segundos. Chihiro parou na frente do portão de sua casa e virou-se para Boh.

  - Obrigada. Por tudo.

  - Você vai voltar ali. - havia certeza em sua voz.

  Chihiro baixou os olhos.

  - Nós vamos nos ver de novo.

  Baixou o rosto para depositar um beijo na face da garota.

  - Eu vou te encontrar se você se perder...