Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 26
Julgamento




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- Boh. – chamou Chihiro.


- O que foi? – perguntou sem se voltar.


- Estou preocupada... – confessou com alguma hesitação.


Boh virou-se para ela, desviando-se de suas preocupações momentâneas. Apertou a mão dela mais forte. Haviam saído da casa de Zeniba há algumas horas, não sem antes ouvir uma onda de protestos da mulher afirmando que os dois estavam muito cansados e machucados. Chihiro levantou-se bravamente, se apoiando em Boh; não ficaria longe dele, não mais. Não quando a memória de quase o perdera estava tão viva em sua mente, o desespero que não conseguira exprimir.


Perguntara-se muitas vezes antes se poderia amar alguém da mesma forma que amava a Haku. Agora sabia a resposta. E estava, de certa forma, aliviada com ela.


- Com o que exatamente?


- E se... fizemos essa viagem à toa?


- Já pensei nisso, Chihiro... Porém, não custa tentar... Além do mais, estou sentindo que elas estão lá, sozinhas. Fique calma.


- Acha que elas podem ter se enganado?


- Não, Chihiro. As coisas não funcionam assim...


A garota não respondeu. Procurava algum vestígio estranho na aldeia, algo que pudesse confirmar qualquer conjetura, estava tudo na mesma aparente imobilidade de que na última vez que fora até ali. Suspirou resignada.


- Vamos? – ela perguntou.


- Sim. – Boh assentiu vagamente. Estava com ar de quem procurava algo, insatisfeito.


Contrafeito, conduziu Chihiro pelos poucos metros restantes, os olhos um pouco grandes demais atrás das lentes.


- Fique perto de mim. – disse a Chihiro.


- O que está havendo?


- Não tenho muita certeza. – deixou suas palavras morrerem enquanto andavam os últimos metros até a curva que os levaria a caverna.


Boh estava ansioso, queria controlar as batidas de seu coração. Não olhava para Chihiro, tinha consciência que a menina sabia que havia algo de errado, mas não queria provocar alarme nela, não sem antes ter certeza... 


- Oh! – ouviu a exclamação de Chihiro, que se apoiara na parede para conseguir se sustentar.


As árvores estavam despedaçadas, arrancadas brutalmente pelas raízes, deixando enormes buracos no solo que antes ocupavam. As folhas caídas pelo chão, não restara uma sobre o tronco. Jaziam sem vida, despedaçadas e acinzentadas. Um líquido escarlate saía de seus poros, inundando-as, poluindo o solo. Choravam.


Os troncos pareciam ter sido arrancados há anos e não somente há dias, devido ao avançado estado de decomposição e grandes partes carcomidas por cupins.


- Quem poderia ter feito isso?


Ele não respondeu, puxou o peso de Chihiro para si. Virou o rosto, escondendo-o. Tentando reprimir o ódio que tomava conta de si.


- Não sei. – disse pausadamente, tentando fazer com que seus dentes parassem de ranger.


- Vamos entrar? – Chihiro perguntou assustada, vendo para onde se encaminhavam.


- Preciso ver uma coisa. – sentiu-a estremecer em seus braços. Virou o rosto para ela sem medo de demonstrar o que estaria estampado ali, pois sabia que seria amor, unicamente.


- Não precisa ficar com medo. Vou te proteger.


- Sei disso, mas você ficou tão estranho ali que pensei que algo tivesse acontecido. – Chihiro falou sem sequer pensar a verdade.


- Estava pensando. – comentou com um plácido sorriso. Estava feliz pelas palavras dela, demonstrava uma confiança que não sentia. Estava impotente diante do destino e, mais uma vez, desejou ser imensamente forte.


Roçou os lábios no dela, notando o tremor que o contato provocou.


- Como está se sentindo? – ele perguntou solícito.


- Só me beije. – Chihiro pediu, obliterando a pequena distância que os separava. Selando os lábios num beijo terno, com os quais estavam se acostumando. Aquele momento era somente deles; nos braços um do outro podiam deixar as preocupações de lado, mesmo que fossem por alguns mínimos segundos.


Chihiro riu por um instante, antes de ver os olhos de Boh retornarem a sobriedade rígida.


- Vou entender se não queira ir. – sugeriu não querendo forçá-la.


- Tudo bem... eu estou com você. 


Ele assentiu, avançando para as poças formadas pelas folhas em pedaços. Procurando um caminho em que pudessem atravessar sem pisar naquele líquido viscoso. Não sabia o que era aquilo e não queria arriscar.


Entraram naquela mesma caverna de antes, parecia ainda mais sombria. Talvez pela falta de fogo, não haviam tochas como da última vez. Seguiram o caminho às cegas, tateando a parede. Tropeçando nos pés um do outro assim como nos próprios.


Boh estancou repentinamente, fazendo Chihiro ir de encontro as suas costas.


- O que foi? O que aconteceu? – o medo era evidente em sua voz.


- Está ouvindo? – sussurrou ele. Fizeram silêncio, o coração batendo contra a caixa torácica, martelando em seus ouvidos. As pernas fracas. No início não ouviram nada, mas estava lá. Estremeceram; parecia algo se arrastando e depois, um gemido de gelar os ossos se seguiu. Chihiro, instintivamente, apertou ainda mais a mão de Boh, notando que as palmas dele estavam tão suadas quanto as suas. – Confia em mim?


- Claro que sim. – mesmo que todos os seus instintos de preservação gritassem em protesto, ela seguiu Boh. Atemorizando-se mais a cada passo que dava. Tinha consciência que quanto mais se aproximavam, mais chegavam perto daquele barulho, que ela tinha certeza que preferia ignorar. Pelo bem de sua sanidade.


Sentiu o desamparo tomar conta de si quando Boh largou-a. Correndo, sem nenhuma explicação. O que ele estava fazendo?


Não conseguia ver...


Ele fora engolfado por toda aquela escuridão, que parecia querer engoli-la também. Encolheu-se junto à parede, vendo a esquina que ela formava em seu lado direito. Tentou fugir por ali, mas descobriu que não havia escapatória, para qualquer lado que iria. Deixou-se cair, não conseguindo que suas pernas sustentassem-na mais. As mãos caíram ao lado do corpo. Os dedos encostaram-se a algo úmido.


- Água? – pensou.


Luzes demais se acenderam num instante, fazendo com que Chihiro fosse impedida de enxergar. Mãos longas alcançaram-na, puxando-a.


Ela manteve seus olhos fechados, esperando a morte chegar. E tudo que conseguia pensar era em Boh. Para onde ele teria ido, se teria previsto tudo isso e se conseguira escapar. Os soluços saíram violentos, não percebera que estava chorando. E aquelas mãos afagaram-na, urgentes em consolá-la.


- Chihiro. – ouviu aquela voz linda junto a seu ouvido.


- Ah, é você! – suspirou com alívio. – Fiquei tão preocupada! – confessou agarrando-se a ele.


- Temos um problema, Chihiro. – a tensão era evidente em sua voz. A garota fez menção de olhar por cima do ombro dele, mas Boh não permitiu. Balançando a cabeça. – É melhor não olhar.


Chihiro ignorou-o. Seus olhos se arregalaram em horror. As três irmãs jaziam mutiladas, o sangue rubro cobrindo as paredes em símbolos estranhos e indecifráveis. Os chifres arrancados, formando um semicírculo logo a frente das três. As teias do destino, queimadas até que não restasse um pedaço naquela caverna.


- O que está escrito? – perguntou ofegante.  


- A maioria são ameaças.


- E o resto? – adivinhara que havia algo mais alertada pelo tom de voz dele.


- Não tenho muita certeza. – reprimiu um protesto por parte da garota, olhando para uma das mulheres. – Ela quer falar com você. – assinalou uma das três com a cabeça.


- Mas... – respirou fundo. – Ela não está morta?!


- Quase.


A garota olhou novamente para o corpo que Boh assinalara, a cabeça pendia solta para um dos lados. Os olhos estavam fechados, mas mesmo assim o rosto parecia imensamente cruel. Procurou indícios de uma respiração no peito dela. Nada.  


De repente, começou a se mover. No início, Chihiro pensou que estivesse enganada, eram alterações sutis, que foram ficando mais rápidas, até que os braços se estenderam para as suas duas irmãs destroçadas. Engolfando-as, trazendo-as para dentro de si, como se fossem feitas da mesma matéria única, que se separara por mera utilidade, permanecendo sempre aquela ligação que as unia, inexorável. A dona do destino voltava a ser uma só, e em breve, um nada. Levantando-se com seu globo ocular vazio, sem apontar para nada em especial, mesmo assim absorvendo todos os detalhes, onipotente.


- Está preparada? – se algum dia achara as três mulheres assustadoras, reprimiu esse sentimento, nada se assemelhava a aquela figura a sua frente. A autoridade emanando, como uma aura branca formada por seus cabelos.  


Chihiro se levantou. Mesmo que não estivesse preparada não havia como recuar. Nunca conseguiria escapar daquela armadilha.


- Sim.


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