Mother escrita por Maxine Evelin


Capítulo 4
Três - Epílogo


Notas iniciais do capítulo

2ª parte do capitulo final



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— Como entrou aqui? — Perguntou David segurando a vontade de expulsar o intruso de seu santuário. — Quem te deu a liberdade de entrar aqui.

— Rapaz, então é aqui que você satisfazia os desejos bizarros de nosso pai, não é? — Richard soltou um assobio agudo e olhando uma das prateleiras cheias de cabeças humanas empalhadas continuou — Realmente, somente um doente mental pode fazer grotescarias assim.

— Saia daqui Richard. Agora!

— E o que você vai fazer? Me bater? Me difamar? Você é patético Dave. Patético. Sabe o que está palavra significa, certo?

— Porque está fazendo estas coisas conosco? Me responda, porque?

— Imagine o quão difícil é para um pária da sociedade fazer uma faculdade de riquinhos... — Richard passou as mãos no cabelo, puxando-os para trás — Imagine a pressão de sua família, sua própria pressão de ser algo melhor... Você...

— Se afunda.

— Isso, você se afunda. Eu nos meus anos de calouro, tive que comprar influência naquela universidade. Todos que eu dividia sala eram ou ainda são filhos de grandes homens e eu? Era um maldito Feellan.

— Isso não justifica nada do que você faz Richard.

— Havia este rapaz, Henry. Ele era sobrinho de um magnata das indústrias metalúrgicas do novo México. — Richard olhou para David e sorriu — Ele sabia esquemas de fraude a níveis fenomenais. Fraudes de notas bancárias, até como fraudar as notas e as regras da faculdade. Nos tornamos amigos por um bom tempo.

— E o que isso tem a ver com as merdas que você está fazendo?

— Montamos uma empresa falsa nos nossos projetos de conclusão de curso e resolvemos apostar nela.

Ele conhecia o pessoal, os compradores e eu tinha a persuasão que ele não possuía. Nossa parceria durou 6 anos, até sua morte... — Richard parou e olhou para o chão.

— Ele me deixou uma dívida com a máfia de quase 1 bilhão. O filha da puta desviava grana desde o começo... Ele era o rei da fraude, então jamais ia desconfiar mais do que nossa parceria. Por anos vivemos no luxo, tínhamos tudo e era tudo fachada.

— E por isso você levava empresas a falência e fugia com seu dinheiro? Por isso que você está fazendo isso conosco? Para pagar uma dívida sua?

— Não, paguei a dívida com a máfia faz tempo. Álcool, anfetaminas e kalanishnikovs são muito importantes e vendem como água... Isto aqui? É apenas para arrecadar dinheiro para garantir meu futuro.

— O quê?!

— Ao ver a influência que nosso pai tinha, me despertou a curiosidade de saber como um homem tão escroto conseguiu conhecer gente que meras pessoas jamais veriam. — Richard virou de costas, olhando para as bonecas que David fazia — Estava óbvio que era alguma atividade ilegal, e logo quando pus a mãos nas transações bancárias pude ver a fortuna que você fazia aqui com cada uma dessas bizarrices.

— Richard seu desgraçado...

— Eu nunca quis verificar exatamente o que era, enquanto o dinheiro rolasse estava satisfeito. Fora que seus métodos de compra e entrega de mercadoria são dignos de transações criminosas de linha. Discretos e sigilosos.

— Papai me ensinou a como tratar as negociações de forma certa Richard.

— Certo, até o ponto de você traficar corpos humanos empalhados. — Richard sorriu passando a mão sobre o cabelo de um menino de não mais de 5 anos, empalhado como um mini soldado da revolução francesa. — Amanhã vou visitar o Sr. Braunheiter, sabe? O magnata dos hipermercados? — David ficou quieto, suas mãos procuravam uma tesoura na mesa de ferramentas.

— Ele quer comprar esse quadrante, derrubar tudo e erguer mais uma franquia. E eu vou vender, vou chegar dizendo que estou desesperado, fazer aquele melodrama de perdedor e vender isto aqui por uma barganha – Richard virou devagar para encarar David — Mas não se preocupe Dave, vou deixar alguns trocados para você e a mãe se virarem e...

David lançou-se sobre Richard como um animal ameaçado, brandindo um bisturi como uma faca de comando. Richard, assustado, deu dois passos para trás e tropeçou sobre a perna de uma das manequins de carne incompletas, vacilante caiu sobre o cóccix e gritou de dor. David girou o punho e cortou Richard no rosto, abrindo um talho em sua face que espirrou sangue em seus olhos, cegando-o por um breve momento. Suficiente para Richard chutá-lo e fazer seu bisturi cair, o homem levantou-se e saltou sobre David, derrubando sobre uma mesa de ferramentas.

— Você vai morrer se tentar me impedir seu desgraçado! — gritou Richard socando a face do irmão inúmeras vezes.

David sentia as luzes da vida apagarem em manchas negras, as cores perderem como uma foto envelhecendo em sépia. Sentiu o sangue encher a boca, a pressão empurrando os dentes e devolvendo em troca uma descarga elétrica que subia pelos nervos faciais e eclodiam em estrelas amarelas dentro de seu cérebro.

Uma supernova a cada impacto. Bang! Bang! Sentiu o nariz esmigalhar e o sangue jorrar quente dentro do crânio.

— Você e a mãe estão na merda! Vou foder com vocês todos! Deixar vocês miseráveis! Vocês estão acabados!

A mão de David ainda teve tempo de levantar e segurar na gola da camisa de David antes de sua mente apagar no próximo golpe.

–––––

Um lampejo de memória, um corredor de lembranças fragmentadas, preto e branco, um sudoku da realidade em equações quilométricas. Uma massa em meio a um tubo de coleta sifonado para o universo. um arranjo coletivo de estrelas trocando ondas cósmicas, em uma sinapse intergaláctica.

Memória, uma resposta aos estímulos externos recordada pelo DNA neuronal. Uma lembrança mal programada, de sua mãe batendo com um cano na nuca de Richard, dela gritando em seu ouvido. Dela chorando no corredor, do sangue da dor do ódio da fúria da humilhação.

Lembranças de ter combinado com ela de seguir Richard, que tinha certeza que viria atrás. De ter mostrado suas obras e demonstrado compreensão em finalmente entender como ganhavam dinheiro. Lembrança da face de desgosto e desolação em ver seu filho preferido ser o verdadeiro monstro.

— Faça aquilo que sempre faz David. Faça seu corpo humilhado assim como humilhou nossa família. Faça o pagar. — Disse a mãe jogando o cano no chão e chorando, sair da sala esbarrando nas estantes.

E como sua mãe ordenou, David o fez.

–––––––

Com os braços e pernas amarrados e pendurado de ponta cabeça, Richard acordava de seu torpor. David apenas olhava seu irmão, os ouvidos zuniam como uma colmeia agitada.

— Oce ai soe vasane isad. (Você vai sofrer bastante Richard).

A mandíbula de David estava deslocada e caída, sua expressão era de profunda dor, porém seus olhos brilhavam de uma malícia insano.

— Ei irmão, vamos conversar melhor, me tire daqui....

— aá e? me maá i ehohigá oob me oopo? (Para que? Me matar e regozijar sobre meu corpo?) — David soltou um grunhido enquanto pegava partes de um suíno que havia em baú.

— Ei, calma ai seu louco, isto aí é um porco, não é?

— Annd obfervaao erloc (Grande observação Sherlock). — ehim, é un oico. (E sim, é um porco)

Richard estava naquele estágio onde a pessoa barganha por sua integridade. David tentou sorrir, mas só conseguiu parecer mais bizarro, ensanguentado, somente a parte superior de sua boca respondia a seus comandos dando um meio sorriso, enquanto seu maxilar pendia sangrando. E quando este virou se para seu irmão, com uma serra cirúrgica na mão, Richard pode perceber que o que estava na sua frente, não mais era mais seu irmão. E pôs a gritar quando este começou a serrar seus pés.

Mas para David, só havia espaço para duas coisas em sua mente. A sinfonia do poder e a magia da criação. E de resto, era apenas pura corrupção Química. E nada mais.

HOJE

David abotoava os últimos centímetros do vestido de noiva de sua menina. Sua preciosa noiva. Chegou perto de seu pescoço e cheirou atrás de sua orelha, sentido o perfume doce dos componentes ajustando as células e mumificando o corpo da jovem. Sentiu o falo apertar nas calças e se masturbou ali mesmo com a mão do manequim de carne. Grunhiu como um cachorro, enquanto imaginava estar novamente estuprando as carcaças pré-esculpidas de sua nova obra. Ajeitou a peruca sobre o crânio raspado, ocultando as costuras sobre a carne, arrumando os cachos ruivos e soltando as pontas emaranhadas.

Passou a maquiagem leve sobre o rosto e aplicou sardas falsas sobre a pele esbranquiçada. Levantou os cílios e realçou o brilho dos olhos de vidro, polindo com cuidado para não haver deformidades. Passou a noite em claro, arrumando detalhes e micro defeitos que somente uma pessoa com um escrutínio minucioso viria.

Sua mãe, no andar de cima, voltou a gritar e bater na porta. Cada vez mais violenta e vociferando mais debilmente. David suspirou e subiu as escadarias para a loja, acionou a máquina de vácuo para manter suas criações estéreis no ambiente mais inócuo possível.

Sua cabeça doía muito e suas mãos tremiam sem controle. Sentia o gosto ferroso do composto subir pela garganta, fustigando ir corroendo sua face e explodindo em fogos de artifício atrás de seus olhos.

— Você não me parece muito bem Dave.

— Pois é, não estou mesmo. — Sorriu David. — Preciso de um descanso.

Sentado numa poltrona na sala, com dois guarda costas, estava James Bayer. Um dos herdeiros da bilionária indústria de medicamentos, e um de seus fieis clientes, assim como seu pai Wilfred Bayer era de seu pai. Havia coisas que jamais iriam deixar de existir: heranças, que mesmo corrompidas pelo tempo, mantinham-se fortes ao longo das gerações.

— Se a sua pergunta é se está pronto, minha resposta é que dê mais alguns minutos até a nova fórmula fixar-se melhor.

— Sim, você sabe quanto custa meu tempo David, muito mais zeros a direita que poderia imaginar.

— Até mesmo para um amigo?

— Até mesmo para minha mãe.

Um silêncio desconfortável pairou sobre a sala quebrada apenas pelos escândalos da Sra. Feellan no andar de cima.

— Estou brincando meu caro, onde está seu senso de humor?

— No ralo, junto com meu cérebro que derrete neste momento. — David levou a mão a têmpora esquerda — Como ela está? - Olhou para o andar de cima em direção ao quarto de sua mãe.

— Ela está se estabilizando, você sabe que a psique dela foi pro saco assim que viu aquela coisa que você fez com seu irmão. — James riu e tomou um gole de uísque — Qualquer um, exceto nós, teria sua sanidade esmigalhada ao ver aquilo.

David grunhiu e deu dois tapas em sua perna. A dor irradiava para o restante de seu corpo como chagas corrosivas, espasmando músculos e dissolvendo artérias.

— Okay, Bétula, traga o sérum e os equipamentos. — Uma enfermeira que observava atentamente toda a situação saiu por detrás de duas prateleiras e dando uma leve continência, sumiu corredor a dentro junto com mais um guarda costas. Alguns minutos se passaram e a sala de estar parecia uma clínica particular moderna em um ambiente clássico. David fazia uma hemoterapia em uma máquina de hemodiálise com um sérum especial, enquanto a enfermeira Bétula media seus sinais vitais e ajudava-o a passar o tempo dando seu corpo para ser acariciado e tocado.

— Ela é muito boa, não é David? Não é fácil encontrar uma atriz pornô que tenha QI para ser algo além de descartável.

— Sim, muito obrigado pela ajuda James. — olhou para a enfermeira que mordia os lábios sensualmente. Tudo dentro do papel fetichista de James, aparentemente. — Agradeço muito por me ajudar.

— Parceiros são para estas coisas Dave, aliás, você não tem ideia do quão perigoso é desenvolver esse sérum, tendo a vigilância sanitária, os anti–remédios, o governo. Enfim, uma cambada de gente observando, sendo subornada para não processar nossa empresa. Essa pequena ampola é a cura para muitas coisas Dave, mas não é nosso interesse. — James pigarreou — Faturamos milhões, bilhões somente com placebos enquanto o corpo se vira em se recuperar sozinho. É o que falam, dê farinha ao doente e diga que vai passar a dor, que ela realmente passa 50% das vezes. Agora este sérum. Está coisa é cara e realmente efetiva. Não é pouca merda.

— Entendo... Isso pode curar minha mãe também? Seja sincero James.

— Não. — Disse Bétula avaliando o painel de batimentos por minuto — Sua mãe teve um choque muito grave e afetou a psique dela, longe disso seus hábitos canibalescos decorrentes desta anomalia com certeza já deve ter a infectado com príons. Dou mais uns poucos anos até o Kuru se instalar.

— Então eu matei minha mãe? É isso que quer dizer?

— Longe disso Dave, você a ajudou como um filho pode ajudar sua mãe doente. Sem correr riscos, lógico. — James sorriu — Já imaginou se você chamasse a emergência? O problema com as autoridades? Uma canibal sustentada pelo filho... Como? Quando? Porque?

David fechou os olhos lembrando do dia que encontrou sua mãe comendo os restos de um de seus trabalhos, sua mãe com metade de seu corpo vasculhando o lixo, em sua boca metade do intestino grosso do menino que acabara de taxidermizar.

O sorriso grotesco em seu rosto, mastigando a carne maculada. Os olhos insanos e a voz rouca do sangue pegajoso em sua garganta.

— Aceita um pouco, meu pequeno Ritchie? Seu irmão é delicioso.

David abriu os olhos e sorriu.

— Você tem razão, sou um bom filho.

––––––––––––

Apertaram as mãos, James deu um beijo na bochecha de David e olhando para o rosto gordo que retornava ao rubor saudável, voltou a dar aquele sorriso perfeito de 50 mil libras.

— Está cada vez melhor a resposta ao Sérum. Nos veremos na próxima.

— Minha mãe? — Perguntou David olhando para o andar superior que estava quieto.

— Está sedada e sendo monitorada por implantes subcutâneos. No estágio que se encontra é mais seguro assim. — Respondeu Bétula prontamente.

— Obrigado. Obrigado aos dois.

— Obrigado você por esta obra fenomenal Dave. — Disse James segurando a mão da manequim como se fossem recém casados. Tudo conforme a fantasia do cliente. Sempre. — Mais uma coisa, como anda a proposta de ensinar alguém suas artes? Alguém precisa continuar o legado dos Feellan.

— Estou pensando, acho que não daria um bom pai.

— Não é necessário, podemos apenas coletar seu esperma, injetá-lo em algum útero de aluguel e você apenas precisa assistir. — James riu — Não precisa ser paternalista, podemos pagar pais de aluguel e você se encarrega de ensinar sua arte. Você disse que é algo de DNA, herança. Disso nós entendemos David. — Pense no dinheiro que você pode ganhar no submundo? Uma fábrica talvez? Uma família Feellan perfeita a todo vapor!

— Obrigado James, vou pensar. Se me dá licença tenho outras encomendas...

— Oh claro! Certo. Quem ser dessa vez?

— Ah. Aquele CEO de redes de relacionamento Internacional. Lembra? Você me apresentou a ele. — James ponderou e logo confirmou meneando a cabeça – Então, primeiro pedido. Vou preparar algo especial.

— A primeira remessa nós nunca nos esquecemos. Até mais Dave. Antes que me esqueça, aqui está o composto hematológico que sempre quita nossos serviços. — Entregou o a David que sorriu pela primeira vez., um sorriso frio, mas um sorriso.

Saiu sem perguntar o motivo de manter a pesquisa naquele tipo de composto, sendo que este preservava a vivacidade celular, levando as espécies a um lento, porém, não inexistente decomposição. Em dois anos aprendera que havia páginas obscuras, naquele livro aberto que era David, páginas que deveriam ser lidas, porém não traduzidas. Como versículos da bíblia lidas por um pastor, lidas e vociferadas, porém nunca interpretadas.

David desceu as escadas assobiando uma melodia do O Poderoso Chefão, acendeu as luzes e caminhou até uma caixa de isolamento no meio da sala, encaixou o composto no suporte e assistiu com um sorriso, o líquido escorrer pelos tubos e sumir dentro da caixa. Aguardou até a trava de segurança ficar verde e abriu a tampa.

Sorrindo disse:

— Há quanto tempo Richard. Estava com saudade?

Dentro da caixa em seu corpo atrofiado, Richard respirava lentamente. Seu corpo preso a tubos e a uma máquina de centrifugação era mantido pelo composto que David e James desenvolveram. Seus braços e pernas retorcidos como um animal cujas mãos e pés terminavam em rudimentares patas de porco implantadas. O rosto era a face de um suíno costurado sobre o rosto antes escalpelado, couro enegrecido pelo tempo, que supurava por entre fendas não fibrosas um líquido purulento.

Era sua criação mais magnífica, seu manequim de carne vivo. Sustentado apenas pelo seu composto. Privado de qualquer reação ou mobilidade. Um cárcere da alma dentro da própria carne. Passou a mão pelas costelas pontudas e estipulou mais alguns anos antes de entrar em falência completa e virar mais uma de suas peças.

Sorriu de novo e deu um beijo em sua testa.

— Mamãe mandou lembranças.

E fechou a caixa sob o olhar de terror dos olhos ainda sãos de Richard. Suspirou e estalou o pescoço. Havia muito trabalho pela frente ainda, olhou no relógio de pulso e arrumou a gola da camisa. Ainda daria para passar no playground e pegar alguma espécime brincando na caixa de areia.

Subiu as escadas e pegou a chave do bolso e enquanto trancava a porta cantarolou uma música de Armstrong.

"What a wonderful world!"

––– 2013, Arth


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