Fundamento da Rosa escrita por DarkWasabi


Capítulo 10
Capítulo 10 – O Cão Errante e a Princesa Mentirosa


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, o último capítulo, depois de aproximadamente 3 anos!!



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Dezembro, 1930

Em uma noite deprimente, embora serena, chovia excessivamente do lado de fora do orfanato. Desde o último incidente em que Jennifer desafiara a todas as crianças do orfanato e agredira Wendy na frente de todos, ficava no seu quarto descansando a maior parte do tempo, se lamentando por Brown. Wendy, por outro lado, nunca mais fora vista de modo nenhum, mesmo que nenhum dos órfãos de lá se importasse com sua ausência. Clara também sumira, junto de Hoffman, assim, o orfanato havia sido abandonado e regido pelas crianças que restaram lá. Naquela noite chuvosa, em particular, fora diferente, Jennifer se levantou de seu leito, desalentada em busca de outras crianças, quando passou pela janela e pensou ter visto um vulto no portão do orfanato. Logo pressentia que algo estava prestes a ocorrer. Havia também um livro feito à mão o qual Jennifer não se lembrava de ter. O título insólito lhe chamou a atenção.

O Cão Errante e a Princesa Mentirosa

Era uma vez uma menina que contava mentiras.

Ela gostava de assustar as outras meninas gritando,

“O Cão Errante está vindo! O Cão Errante está vindo!”

Mas logo,

Todos pararam de se assustar.

Eles odiavam o jeito como ela mentia.

Um dia, a menina veio gritando,

“O Cão Errante está vindo, sério!”

Todos pensaram que fosse outra mentira

Exceto que dessa vez,

Não era mentira,

E todos foram devorados.

Fim.

Após ler a história que era vagamente familiar Jennifer prosseguiu, agora sem Brown, para o corredor. Ela conseguia ouvir um som abafado de choro oriundo da escadaria principal. Ao chegar ao topo das escadas, que levavam ao primeiro patamar, avistou Susan e Amanda cochichando enquanto riam.

– O quê? Sério?

– Sério!

– Como!? Ai!

As meninas riam enquanto Amanda lembrava a outra do que ocorrera na noite passada. E quando Jennifer se aproximou as duas meninas fizeram uma reverência sofisticada para a jovem antes de descerem correndo para o primeiro andar. Entretanto, Olivia estava do outro lado, aos prantos, solitária, e ao notar a presença de Jennifer, ela cessou suas lágrimas, fez uma reverência buliçosa e desceu para o mesmo lugar das outras duas. Quando Jennifer acolitou o caminho percorrido por essas garotas, ela avistou Amanda parada em frente a uma porta chamando Jennifer.

– Jennifer, Jennifer! Por aqui! – chamou enquanto apontava para a porta de que vinha.

O orfanato já estava completamente obscuro, todas as luzes haviam sido cortadas no dia anterior. Quando a jovem conseguira avistar Amanda no meio da escuridão daquele hall, se aproximou da menina. Assim que entrara pela porta, ao corredor, Amanda a empurrou para a primeira sala da direita, a Sala de aula. Duas velas e os raios aluados provenientes de uma grande janela virada ao jardim da frente do orfanato iluminavam pouco o recinto, com todas as mesas e cadeiras lançadas para o canto esquerdo, deixando o lugar mais amplo. Se aproximando um pouco das luzes que prefulgiam naquela escuridão, Jennifer se deparou com Olivia e Susan novamente, lado a lado, portando duas velas enormes, fizeram uma reverência meio desajeitada enquanto abriam caminho para que a jovem pudesse passar por entre elas. Indo mais adiante, vislumbrou as Aristocratas do mais alto escalão. Diana, agora menos petulante, Meg com um ar cortês segurando seu grande livro e Eleanor ainda frígida, com sua gaiola vazia. Todas fazendo suas reverencias respectivamente, antes de se sentarem em cadeiras de estudantes, diante de Jennifer.

– Saudações. – começou Diana – Princesa, por favor, perdoe tudo o que eu fiz...

– Saudações, Princesa Jennifer. – continuou Meg interrompendo-a – Ficamos gratificadas com sua vinda para o nosso Novo Clube Aristocrata.

– Saudações, Princesa Jennifer... – proferiu Eleanor calmamente – De agora em diante, você será a nossa nova princesa.

– Agora, Princesa, por favor, pense em um novo jogo.

– Por favor, nos lidere.

– Nós estamos ao seu comando, Princesa.

– Princesa, vá em frente! – berrava Amanda com dificuldade para respirar ajoelhada atrás de Jennifer – Guie-nos! Nós precisamos de você... Não sabemos o que fazer!

Enquanto as crianças faziam esse alvoroço para que Jennifer pudesse ser a nova Princesa, considerando a saída de Wendy e os outros, já que parecia ser a única via lógica, Susan se apoiava em uma mesa para ficar olhando pela janela. Assim que ela fitou o portão, naquele tempo chuvoso, teve um sobressalto.

– Olhem! Olhem, é a Wendy. É a Wendy. – disse zombeteira.

As outras aristocratas confusas começaram a rir maldosamente enquanto caçoavam da menina. Todos correram para fora da sala de aula para ver do que aquilo tudo se tratava. Apenas Jennifer permanecera lá dentro, sem saber o que fazer exatamente. Começava a se perguntar qual seria o motivo do retorno de Wendy, e por que tão repentino. De qualquer forma, pensou que fosse melhor revê-la para que pudesse responder essas perguntas. Entretanto, antes que pudesse abrir a porta, começou a ouvir urros agonizantes das meninas que vinham de fora, como se estivessem sendo dilaceradas. O pavor começou a tomar conta de Jennifer enquanto ela vagarosamente afastava a mão da maçaneta. Nesse momento começou a procurar pela sala qualquer objeto que pudesse usar ou algum esconderijo, enquanto ouvia os bramidos excruciantes e mórbidos das crianças que estavam do outro lado. Sem tempo, a primeira coisa que a jovem achou foi uma pequena faca de cozinha do lado de uma fatia de torta de limão apodrecida em cima de umas das mesas daquela sala, como a primeira arma que ela havia obtido no princípio desse pesadelo torturante. Logo depois a jovem foi seguindo silenciosamente para o hall, de onde achava os gritos, seguindo pela sua audição. Ao chegar à sala escura, não avistou ninguém, nem um sinal de qualquer órfão, os gritos pareciam vir do lado do jardim da frente do orfanato. Aos poucos, o desespero e a agonia dos gritos histéricos e tétricos das meninas iam se abafando, como se cada vez elas cessassem seus urros. E assim se foi até que houvesse apenas o mais pleno e profundo silencio, que logo foi cortado por um rosnado voraz vindo de fora do orfanato.

Jennifer foi se aproximando da grande porta que levava ao lado de fora da mansão. De repente, um filete de luz do luar adentrava a escuridão do orfanato pela porta que lentamente se abria. A jovem ficava cada vez mais chocada à medida que as duas silhuetas das figuras que se formavam. Um homem abominável e seminu, quadrúpede, com uma corda enrolada no seu pescoço, quase o enforcando, contusões e máculas de sangue por todo seu corpo forte e monstruoso, Gregory. Sangue e trapos respingavam seus dentes caninos afiados como uma lâmina lancinante que refletiam com os estrondos estonteantes dos trovões contrastando com mesmo sangue que escorria pelo rosto medonho e disforme do homem pela forte chuva daquela noite. Ao seu lado, uma criança de vestes brancas, a mesma que conduzira Jennifer ao orfanato pela primeira vez e que a fez passar por toda essa tormenta. No entanto, o menino agora não escondia mais o seu rosto pela sua franja do cabelo curto. A face familiar para Jennifer, mostrando que na verdade era Wendy por trás do disfarce. Esta, que estava ao lado da besta, apontou o dedo para Jennifer e apenas comandou: “Vá.”. Com isso, Gregory foi andando – com suas quatro patas – em direção à jovem enquanto proferia calmamente com sua voz rouca e grave.

“Era uma vez uma menina preciosa”

A jovem mal conseguia enxergar o homem em meio à escuridão daquela noite, o momento em que conseguia era quando relampejava momentaneamente e o clarão de luz passava pelas janelas. Aquela figura colossal e apavorante cambaleava quadrúpede em sua direção com seus olhos fechados. Jennifer tinha apenas a sua pequena faca meio sarapintada de torta de limão para se defender. Gregory se aproximava meticulosamente encravando suas garras cortantes no piso de carvalho. Quando houve outro relâmpago, ele já estava na frente da jovem, então ela rapidamente fez um bruto movimento fazendo com que a sua lâmina atravessasse o rosto macilento do homem, derramando um pouco de sangue, porém nada grave. Após o golpe, a besta soltou um urro levando a mão esquerda ao seu rosto, furioso. Com um ímpeto descomunal, acutilou a jovem, que foi lançada contra a escadaria, se cortando um pouco e com dificuldade para se levantar, à medida que Gregory andava em sua direção vagarosamente. Porém, no instante em que iria acertar a jovem novamente, algo extraordinário acontecera, Brown saltara do lado de fora, quebrando a janela mais alta da mansão caindo aos pés de Jennifer sentada no chão.

A jovem não conseguia se mexer de tão surpresa que estava em relação à repentina reaparição do companheiro. O cão avançava no braço enquanto Jennifer se recompunha para se erguer novamente. O homem vociferava de um modo macabro enquanto o cão - cujos dentes lancinantes estavam fincados ao braço de Gregory - lhe rasgavam a pele aos poucos. Com o tempo restante, a jovem mirou a faca no homem enquanto este voluteava junto de Brown pelo hall. Então, no escuro, lançou a faca e notou um grave som do objeto perfurando carne. No próximo instante, com o relâmpago, ela viu que atingira as costas do homem, escorrendo pelo seu corpo e respingando pelo chão antes de sua queda profunda na escuridão.

Enfim, o pesadelo terminara. O Cão Errante estava caído diante dos pés de Jennifer. Ela se apressou para acariciar Brown, que abanava o rabo sentado enquanto respirava fortemente. No entanto, ao fazê-lo, notou que seu amigo desvanecia lentamente, como um fantasma que se fundia no ar, deixando apenas sua presença imaterial. Com isso, lágrimas desciam-lhe o rosto enquanto ela se lembrava dos momentos de felicidade que tinha com o cão, e como agora eram apenas memórias. Também se lembrou de quem causara toda essa desgraça, Wendy. Ergueu-se. Valente. Foi andando até a porta que estava entreaberta.

Quando chegou ao lado de fora, apenas observou apavorada e melancólica, todos os órfãos caídos, massacrados no jardim da frente do orfanato, com suas roupas e peles cortadas com o sangue alastrado pela chuva forte era levado junto dos seus últimos resquícios de vida. A vontade que Jennifer tinha de chorar aumentou mais ainda enquanto suas lágrimas se mesclavam com as gotas de chuva. Atrás dela, uma mão agarrava-lhe o ombro. Wendy retirou a peruca de menino, lançando no chão enquanto retirava um item do deu bolso, o revolver de Gregory, com apenas uma bala no gatilho.

– Por você não ter me amado... Por você ter sido tão teimosa... Eu lhe trouxe aqui. Por você ter amado o Brown... Por você não ter percebido que era eu... Eu trouxe o Cão Errante aqui. – proferia chorando enquanto oferecia o revolver para a jovem – Mas, eu... eu... Por favor. Pare-o com isso. Apenas você e seu amado cão puderam fazê-lo... Eu sinto muito. – balbuciou antes de ter sido levada para a escuridão por Gregory, que já se erguera moribundo, com a faca nas costas.

A besta se arrastava pela chuva forte, sangrando, em direção à Jennifer. A chuva. As crianças pelo chão. Relâmpagos. Não sentia mais medo por Gregory se aproximar mais fraturado em sua direção. Não sentia nada, apenas as gotas de chuva enquanto observava o homem se aproximar do desfecho. A jovem fechava os olhos enquanto apontava o revolver para ele até que ouviu as seguintes palavras.

– Eu sinto muito, Joshua... – proferiu de joelhos, erguendo suas mãos e de frente a ela enquanto suas lágrimas escorriam junto com a chuva sobre seu rosto arranhado.

Nesse momento, Jennifer já não sentia mais medo ou sequer melancolia, apenas entregou a arma nas mãos de Gregory para que tudo terminasse logo. Ao se desculpar novamente, o homem segurou o revolver firmemente enquanto o direcionava à sua própria têmpora. Semblante leve. Suavemente erguia suas sobrancelhas enquanto fitava a jovem com um sorriso. Olhos cerrados. Um tiro cujo eco parecia eterno. O homem caía morto no chão, diante dela. E, nesse momento, a tormenta e o pesadelo parecia ter se culminado ao seu auge com o apertar do gatilho. Jennifer, desnorteada com o som, ouvia, aos poucos, ouvia o latido de Brown vindo de baixo da colina. Vasta. E uma luz que cintilava incessantemente enquanto a jovem apenas a seguia, deixando suas memórias e frustrações para trás.

O parque claro e verde. Rosas vermelhas desabrochadas. Jennifer acordara de um cochilo no banco. Solitária. Por entre as árvores, um golden retriever se aproximava dela, familiar. Antes de poder acaricia-lo, ouviu duas vozes rindo e reconheceu duas meninas loiras correndo pelos gramados de mãos dadas até que sumissem pela distância. Uma sombra colossal de um dirigível planava sobre Jennifer e Brown assim como eles o avistavam pairando no céu. E, com ele, uma tempestade forte caía sobre os dois, ensopados. Por outro lado, ainda havia os resquícios de memória de um passado remoto. As duas meninas, Jennifer e Wendy, em um jardim de rosas, sentadas uma em frente à outra, expressando seus votos uma à outra.

“Meu nome é Joshua, eu lhe servirei, Princesa.”, declamava Jennifer enquanto as duas aproximavam seus rostos, encostando suas testas, sorrindo “Apenas me beije, por favor.”. as palavras se desvaneciam na pela presença fugaz tempo, como as pétalas das rosas, desmanteladas pelo vento.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da série!



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