O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 93
Epílogo - 1. O sonho.




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Duas pancadas ligeiras soaram na janela do quarto e ele despertou. Não era ela, só podia ser ele. Levantou-se, esfregando os olhos. Vestiu umas calças e só depois foi abrir a janela, porque também podia ser ela. Apesar de se terem despedido naquela tarde e prometido encontrar-se no dia seguinte, havia vezes em que a ausência pesava demasiado. Ela aparecia e visitavam a cascata das montanhas Paozu.

Era o amigo, não era ela. Convidou-o a entrar. Antes, ele entrava a causar espalhafato, dono do espaço, a falar alto e a admirar-se depois sem perceber por que razão devia falar baixo. Mas ele agora estava diferente, mais sorumbático.

- O que é que se passa, Trunks? Outro sonho?

- Não foi um sonho...

O amigo sentou-se na cadeira que se encostava à secretária e Goten fechou a janela. Sentou-se, por sua vez, na cama, entrelaçou os dedos, à espera que o amigo começasse. Trunks tinha o queixo colado ao peito e as mãos metidas nos bolsos do casaco. Mas ele não começava e Goten perguntou:

- Porque é que dizes que não foi um sonho?

- Porque falei com ele. Fez-me perguntas… Acho que ele veio.

- Ele não pode vir sem a máquina do tempo. E ele deixou de vir há tanto tempo… Deve ter reconstruído a vida dele lá onde mora, na linha temporal alternativa, e tu também deves reconstruir a tua.

- Não consigo.

Goten zangou-se.

- Trunks-kun, não podes dizer essas coisas. Até parece que queres desistir…

Suspiro prolongado, sofrido.

- Já desisti… Limito-me a arrastar a minha carcaça pelos dias.

- Tu és um saiya-jin, um príncipe como o teu pai. Os saiya-jin não desistem.

- Isso é fácil dizer quando tens a vida organizada e preenchida.

Não se encaravam enquanto falavam.

Goten fez um esgar. Não conseguiu rebater o argumento do amigo, porque ele perguntou de seguida, para mudar de assunto:

- Como está a Maron?

Foi surpreendido com o interesse de Trunks. Respondeu hesitante:

- Eh… Está bem.

- A minha mãe comentou, num destes dias, que vão casar dentro em breve.

- Mais um ano ou dois. Não está assim tão para breve. Ela tem de completar dezoito anos e eu tenho de acabar os meus estudos.

- Quem impôs essas condições?

Goten encolheu os ombros.

- Ora… A minha mãe e o pai dela. Quem mais?

- Acho que têm razão, sabes?

Trunks deu-lhe uma cotovelada amigável e Goten viu que lhe sorria. Tentava sorrir como antes, mas o esforço era tremendo para imprimir uma genuína alegria naquele sorriso. Goten concordou:

- Mas eu também acho. E a Maron é da mesma opinião. Às vezes zango-me com ela por querer ir ao cinema com as amigas e não querer passar mais tempo comigo, mas depois lembro-me que só tem dezassete anos.

- Ah… E tu, Son Goten, és muito mais maduro que ela com vinte e um?

- Apetece-me outras coisas – remoeu.

- Apetece-te estar numa casinha bonitinha com ela. Olha que a Maron é rapariga da cidade.

- Eu sei, eu sei!

- Ela gostava de mim, sabes?

A revelação apanhou-o de surpresa. Sentiu-a como um soco no peito. Goten gaguejou:

- Na-nani?

- Quando me apercebi que era mesmo verdade que gostava de mim, eu já estava apaixonado pela Ana. Não teria qualquer futuro. No entanto, nunca te iria trair.

Os olhos azuis do amigo eram duas safiras brilhantes.

- Nunca aconteceu nada… Ela não te contou?

Goten negou com a cabeça.

- Provavelmente, não encontrou a oportunidade e não achou que seria preciso contar-te. Algum dia, vai dizer-te. Acredito que sim. Ela gosta muito de ti. Mas tens razão… ainda é uma miúda.

Goten sentiu uma segunda cotovelada.

- Ei… Não fiques a pensar nisso. Não tem importância.

- Porque é que me contaste?

- Não tenho segredos contigo, Goten-kun.

- Isso aconteceu na Dimensão Real?

- Hai.

Analisou-lhe a reação. A tensão de Trunks era visível numa pequena veia pulsando na testa, nos músculos dos braços desenhados sob o tecido do casaco, as mãos continuando escondidas nos bolsos.

- Ainda não te esqueceste da Ana.

- Nunca o farei, Goten.

- Já se passou um ano, Trunks-kun – observou numa voz com um timbre tão infantil que o amigo olhou para ele, pestanejando furiosamente.

Por momentos, tinham sido apenas dois meninos que queriam ser mais fortes, sem aquelas preocupações desnecessárias. Trunks respondeu:

- Hai, um ano. Trezentos e setenta e sete dias para ser exato. O que significa que se passaram trezentos e setenta e sete meses na Dimensão Real. Pelas minhas contas, qualquer coisa como trinta anos. Ela agora tem a idade da minha mãe. Provavelmente, já deve ser avó… e já me esqueceu.

Goten reparou no breve brilho lançado pela corrente dourada que o amigo tinha ao pescoço. Já sabia o que aquilo era, tinha apanhado um susto quando o vira com uma das metades do Medalhão de Mu, mas depois ele explicara-lhe que era uma recordação e que ela tinha ficado com a outra metade.

- Eu também lhe pedi que me esquecesse.

- Mas tu não o fazes.

- Uma vez, Goten, quando era miúdo, ouvi o meu pai dizer à minha mãe que, quando os saiya-jin escolhem uma companheira, é para a vida toda. A minha mãe andou radiante durante uma semana, mesmo que o meu pai, durante esse tempo, tenha ido treinar-se para um local remoto e não se tivessem visto. Tu sabes que assim é com a Maron. O teu pai com Chi-Chi-san, o teu irmão com Videl-san. E eu também já escolhi… É para a vida toda, Goten.

- Mas poderás… tentar encontrar a felicidade noutro lado.

Encolheu os ombros.

- Pois posso. Fingir que me esqueci… Mas a ligação ficará sempre. Impossível de desfazer.

Goten remexeu-se na cama, incomodado com o sofrimento do amigo. Por vezes, sentia-se culpado por estar tão feliz e Trunks tão triste.

Deviam mudar de assunto, mesmo que o que tinha em mente não fosse mais agradável.

- Queres contar-me esse teu último sonho? – Pediu.

Trunks respirou fundo.

- Já te disse… Não foi um sonho.

- Conta-me lá.

Fechou os olhos, como que a querer convocar todos os detalhes, para que o relato fosse fiel ao que tinha realmente sucedido. E Trunks contou:

- Tinha ficado a estudar até tarde e acabei por adormecer em cima dos livros. E então, começou o que parecia um sonho… Era de noite, corria numa floresta e estava escuro. Corria muito depressa, sentia o vento na cara. Quanto mais corria, mais me apetecia correr. O meu coração batia depressa, parecia que queria saltar do peito… Usava o Medalhão de Mu inteiro, ao pescoço, e dava-me muito poder, maior que o poder de qualquer super saiya-jin… De repente, o chão fugiu-me e comecei a cair. Fechei os olhos. A minha energia aquecia-me o corpo…

***

O ar era pesado. Trunks sufocou no início, pois o corpo pesava uma tonelada, a mesma sensação de quando estivera na Dimensão Real. Depois, compreendeu que era a força da gravidade multiplicada por um número absurdo que ele não decifrou no monitor da máquina da câmara onde o seu pai se treinava todos os dias. Transformou-se em super-saiya-jin e foi mais fácil. Ao abrir os olhos, e não se lembrava de ter estado de olhos fechados, estranhou o local, não era onde o seu pai se treinava todos os dias. A claridade ofuscou-o no início. Lutou contra o frio e o calor, contra o sono e a vigília, contra uma exultação estranha que lhe chupava toda a força que tinha. O tempo congelou e passou num corrupio. Gritou, fazendo tremer tudo em redor.

A Sala do Espírito e do Tempo estendia-se diante dele, na sua imensidão nua. Anos atrás combatera ali Majin Bu. Ele e Son Goten.

- Goten!!!

Nem o eco lhe respondeu. Estava sozinho. Endureceu os músculos do corpo, cintilando como uma estrela em rápida combustão.

Do vazio, surgiu ele. No momento em que o viu enormes pedaços de gelo irromperam da ilusão do chão. Trunks fixou nele um olhar intenso, ele postou-se à sua frente, desafiando-o.

Trunks e mirai Trunks entreolhavam-se e partilhavam o impossível.

- Vieste na máquina do tempo?

- Não. Vim porque alguém me pediu que viesse.

- Quem?

- Pensei que tivesses sido tu.

- Talvez. Por causa de uma rapariga. Ela amou-te através de mim…

- Queres combater comigo por causa dela?

O ódio inquinou-lhe a alma magoada.

- Quero! – Gritou.

- Não posso combater contigo. Eu e tu somos um só…

- Não!!!

Trunks atacou o seu espelho. A imagem desfez-se em fumo e reapareceu noutro ponto da imensa paisagem branca. Mirai Trunks enviou um ataque flamejante. Uma explosão. Trunks saltava para escapar das labaredas. Lutaram no céu. Lutaram na terra.

A sua respiração tornou-se irregular, não estava a aguentar a força da gravidade. Sem ar nos pulmões sofridos, caiu inanimado. Nas traseiras de um pesadelo de fogo, todo ele incendiando-se no centro de um anel de gelo, escutou a voz de mirai Trunks:

- Não posso combater contigo. Não existe nenhum motivo suficientemente forte… Nem mesmo ela.

- Cala-te!

A atmosfera vibrou. Ele estava outra vez de pé e disparou um raio vermelho com as mãos. O adversário desviou o raio e socou-o, enchendo-lhe a boca de sangue.

Mirai Trunks puxou-lhe os cabelos, apertou-lhe o pescoço com um braço, imobilizou-o. Segredou-lhe com uma voz firme e autoritária:

- O ódio que sentes por mim não tem razão de ser. É ridículo e inútil… Tão inútil como este combate.

- Eu… vou derrotar-te…

- O que pretendes provar com isso? Mesmo que me derrotes… ela não vai voltar.

- Solta-me!

- Trunks, ouve-me. Conheci-te quando eras apenas um bebé. Houve um dia em que olhei para ti e invejei-te. Irias ter tudo o que eu nunca tivera. Irias ser feliz… Não desperdices o que conquistei para ti, todos os sacrifícios que foram feitos.

A dor foi mais forte e deixou-se cair de joelhos. Chorou.

- Como está Vegeta?

A voz de mirai Trunks soou-lhe estranhamente familiar. Era a sua própria voz, compreendeu amargamente.

- O… o meu pai…?

- Hai. Como está Vegeta?

Levantou-se. Mirai Trunks sentava-se numa árvore tombada. A Sala do Espírito e do Tempo dissolvera-se e estavam agora na mesma floresta onde ele tinha corrido, mas a escuridão tinha-se ido embora e era de dia.

Sentia-se tonto. Sentou-se no chão, ao lado da árvore tombada. Respondeu com a cabeça entre as mãos.

- Vegeta continua a treinar-se… Todos os dias.

- E Bulma?

- Distrai-se a trabalhar nas suas máquinas esquisitas e a gerir a Capsule Corporation. Pensa em ti muitas vezes.

Foi capaz de sentir o sorriso do outro, queimando-o por dentro, luminoso e perfeitamente sincero. Ouviu-se a acrescentar:

- Eu… tenho uma irmã.

- Uma irmã? Como é que ela se chama?

- Bra. Tem quase nove anos.

- Preferia ter um irmão.

- Também tenho um irmão. Considero-o como um irmão… Chama-se Son Goten, é o filho mais novo de Son Goku. Tem menos um ano que eu.

Encarou o outro que lhe pedia sério, como se não tivesse sorrido antes:

- Diz-lhes que o meu mundo está em paz e que sou feliz.

- A Ana desejava que fosse assim… Queria muito que fosses feliz.

- Não acredito que ela não te tenha amado. Houve, pelo menos, algum momento, em que isso aconteceu.

- Porque é que dizes isso?

- Porque é a verdade.

- E que sabes tu?

Mirai Trunks levantou-se.

- Vais voltar? – Perguntou-lhe, aflito porque ele se ia embora. Não queria ficar outra vez sozinho.

- Não. Tu já não queres que volte.

- Vieste cá por causa de mim?

- Chamaste-me, lembras-te?

- Não… Não me lembro.

- Quando despertares, irás lembrar-te…Irás também saber porque é que eu vim hoje ter contigo.

Mirai Trunks acrescentou vacilante:

- Diz a Vegeta que… Não. Não ficou nada por dizer.

O remoinho gigante que varreu a floresta levou-o. Mirai Trunks era uma miragem que se diluía no horizonte com o pôr-do-sol. E o seu corpo brilhava, porque estava transformado em super saiya-jin

***

- …Lutei contra muitos fantasmas. O combate pareceu durar uma eternidade, tinha os braços dormentes mas não podia parar ou os fantasmas engoliam-me. Acordei sobressaltado, a suar, com febre. Os livros espalhavam-se pelo chão do quarto. Deitei-me na cama e dormi a noite inteira, a manhã inteira e só acordei quando a minha mãe apareceu a abanar-me, a dizer que eu tinha faltado ao exame e que lhe tinham telefonado da universidade, porque não sabiam o que era feito de mim. Eu não percebia nada do que ela me estava a dizer. Disse-lhe que mirai Trunks me tinha vindo visitar. Ela deu-me um beijo na testa e disse-me que eu devia mesmo descansar…

Goten perguntou:

- E o que foi que aconteceu a seguir?

- Descansei. Depois de tanto dormir, estava como novo… Menos dor no coração, não te sei bem explicar. Tinha de vir contar-te isto.

- E já sabes por que é que tiveste esse encontro com ele?

- Acho que sim… Mirai Trunks apareceu para me dar paz.

- Paz?

- Hai. – Inspirou ruidosamente. – Curiosamente, sinto-me melhor. Mais tranquilo… Cheguei a odiá-lo, mas agora compreendo que estava só a ser estúpido. Ele não é mais do que um fantasma do passado… Não me pode magoar mais do que já magoou.

- Por causa da Ana.

- Hai.

- Pensas nela todos os dias?

- A todas as horas, talvez…

Trunks levantou-se, Goten acompanhou-o. Pousou-lhe uma mão no ombro.

- Sempre que precisares conversar, eu estou aqui, amigo.

- Eu sei, irmão.

Abraçaram-se. Goten sentiu Trunks estremecer, sacudia a tristeza com determinação, mas ela haveria de regressar e então ele haveria de o acordar noutra noite, batendo-lhe na janela do quarto. Quando fosse casado, não saberia muito bem como é que esse esquema funcionaria, mas haveria de arranjar uma maneira de ter aquelas conversas noturnas e clandestinas.

Trunks olhou-o com um brilho novo nos olhos intensamente azuis.

- Desafio-te para um combate. Agora.

O rosto de Goten abriu-se num sorriso.

- Estava a ver que nunca mais falavas nisso.

Os dois rapazes saíram para o exterior, escolheram uma clareira nas cercanias. Transformaram-se em super saiya-jin em simultâneo. A energia a inundar-lhes o corpo, a engrandecer-lhes a alma, fazia-os recordar que vinham de um longínquo planeta perdido na poeira dos tempos. O fluxo selvagem da vida pulsava com eles quando se sentiam puramente saiya-jin.

O combate começou.

E, por um instante, tudo voltou a ser simples, verdadeiro e natural, como naqueles dias descontraídos, antes de Zephir e antes do Templo da Lua.


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Notas finais do capítulo

Próximo e ÚLTIMO capítulo:
Epílogo - 2. Memória.



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