O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 79
IX.6 A salvação do Universo.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Era só uma questão de tempo. Nada do que eu pudesse fazer poderia alterar o destino que me estava reservado e que era, como Toynara afirmara, moribundo e extasiado, partir daquela dimensão. Mas antes destruiria Zephir para sempre.

Aguardava calada, tentando subtrair-me ao local horroroso onde me tinham deixado, pejado de criaturas demoníacas e de lamentos assustadores, que gelavam o coração mais valoroso. Não tinha a coragem suficiente para enfrentar aquele ambiente e por isso fingia que não estava ali, resguardava-me na minha mente que eu enchera de vazio e repetia um murmúrio de olhos fechados, para conseguir sobreviver àquela loucura dominada pela magia negra.

- Hummmm…

O sol do Medalhão de Mu tinha mudado de cor. Os seus raios brilhavam em múltiplos tons alaranjados, emulando as chamas de uma fogueira, o que significava que o altar já tinha sido criado. Era, realmente, só uma questão de tempo.

Usava novamente os dois triângulos ao pescoço e quando mos devolveram, sorri porque já não me conseguia ver sem aquele adereço. Sem medo do pretenso fogo, passara os dedos pelos desenhos embutidos, sentindo o poder que derivava daquele símbolo, percebendo então e pela primeira vez que era mesmo só uma questão de tempo.

Tinha as mãos pousadas no regaço, encostava as costas à pedra fria da parede daquela câmara e cismava com o deserto que implantara no cérebro. Percorria veloz e ansiosa a imensidão do cenário cinzento despido, querendo encontrar uma ideia, que eu teimosamente afastava para não sucumbir ao terror. Haveria de sobreviver com a ajuda do deserto. Ainda vestia o mesmo vestido de sacerdotisa, bainhas rasgadas, gola laça, manchado com o sangue de Vegeta.

Não me espantara quando Keilo, o saiya-jin de Zephir, surgira junto a Ten Shin Han, o chikyuu-jin mais poderoso do planeta, à minha procura. O meu protetor aguentara um par de segundos contra Keilo. Defendera o primeiro golpe, o segundo golpe desfizera-o. Eu também não fugira ou lutara contra o meu iminente rapto. Olhara Keilo diretamente nos olhos e reconhecera nestes o mesmo fulgor que eu conhecia em Son Goku ou em Vegeta. Também o mesmo magnetismo, o mesmo carisma, apesar de ser um inimigo imprevisível, um assassino impiedoso. Sorrira-me deleitado com o meu descaramento. Os saiya-jin gostavam de quem os olhava de frente, sem medo. Mas Keilo, apesar de adorar o desafio, abominava o risco e para evitar problemas desnecessários, provavelmente porque lhe haviam contado que eu era rebelde e esquiva, dera-me uma pancada na nuca e eu perdera os sentidos.

Despertara com uma bofetada que me torcera o pescoço. Arquejara, com as lágrimas a transbordar dos olhos pela dor que me aquecia a face direita. Zephir observava-me analiticamente. A cara medonha do feiticeiro não me amedrontara, continuava corajosa. Ele enxotara de seguida Keilo, enviara-o para combater Son Goku que se aproximava perigosamente. Agarra-me no pulso, puxara-me, enfiara-me à bruta as correntes do medalhão no pescoço e metera-me novamente na câmara que me tinha apresentado da primeira vez que me tinha aprisionado dentro do templo. Ficara abismada com as reações de Zephir, estava ansioso e irascível, quando antes me tinha parecido tão controlado e tão pouco emotivo.

Era tudo somente uma questão de tempo.

O meu destino cumpria-se inexorável.

Vislumbrei o espírito de Toynara, transparente e imenso, a pairar sobre o Templo da Lua, sobre nós, braços alçados, um maestro a orientar a orquestra, a música soando conforme estava escrita na pauta, sem variações ou improvisos, uma sinfonia perfeita com um único desfecho, que nunca poderia ser evitado ou mudado. Era ele que fabricava o destino, era dele a vitória final.

Uma simples questão de tempo.

As dobradiças da porta da câmara chiaram. Desta vez, Zephir não me tinha trancado ali, talvez tivesse percebido que eu não iria fugir. Perguntei-me se também via o espírito de Toynara como eu o via, mas, em vez de assistir impassível como eu, tentava alterar a sinfonia, tornando-a sua, com muitas variações e outro tanto improviso.

Levantei-me, séria. Tinha chegado a hora e sentia-me preparada. Tinha também alcançado o fim do deserto, a minha mente reorganizou-se e encolhi-me ligeiramente, cedendo, por breves instantes, ao medo. Os meus joelhos vacilaram.

A porta abriu-se.

A responsabilidade de salvar o Universo era esmagadora, mas eu aceitava-a sem complicações. Quando fosse a altura de agir, agiria e o destino cumpria-se. Simples, como conduzir uma orquestra.

Ele entrou com um salto, estendendo uma mão.

- Ana-san, vem comigo.

A minha expressão rígida desfez-se.

- G-Goku?!

- Depressa!

Puxou-me pelo braço – e voltava aquela mania de me puxarem pelo braço –, antes de sairmos da câmara disparou um raio de energia com a mão livre que rebentou mais adiante. As paredes tremeram. Perguntei:

- E… Keilo?

- Ahn? O que é que tem Keilo?

- Não o encontraste?

- Não. Vamos, não podemos perder tempo. – Olhou para o meu peito e eu corei. – Tens o Medalhão de Mu, excelente! O altar mágico já foi criado, agora só precisas de o usar e acabar com o feiticeiro.

Corremos os dois pelos corredores que oscilavam como se se fossem desfazer. Num reflexo tapei a cabeça com um braço. Por todo o lado via demónios, monstros e assombrações. Cheirava a enxofre, havia fogo e fumo e era como se estivesse a correr com Goku através da profundeza dos Infernos.

Perguntei, para afastar o pânico:

- Sabes onde está o altar?

- Hai.

- E o altar…?

- Imperfeito. Tem o losango de que falou Toynara. Ouve lá, viste-o? Ele também veio para cá, mas não consigo sentir-lhe o ki. Talvez se esteja a esconder…

- Ele… Toynara morreu, Goku.

Parou de correr, parei também. Os dedos dele apertaram-me o pulso, calcaram suavemente na pele, senti uma descarga elétrica.

- É uma pena. E já não o podemos ressuscitar com as bolas de dragão.

Olhou por cima do meu ombro, enviou um disparo energético, escutei um silvo e um guincho. Acabava de matar mais um demónio. Sorriu-me para afastar tristezas.

- Prometi que te viria salvar porque tu pertences a nós, Ana-san, e eu não costumo faltar às minhas promessas.

- Eh… Hai. Eu sabia que virias.

Apagou o sorriso, assentou as mãos nos meus ombros, olhou-me diretamente nos olhos, com a mesma intensidade que Keilo tinha no seu olhar exigente.

- Agora, sabes que precisamos de ti. Vais utilizar o medalhão no altar e destruir o feiticeiro para sempre. Estás preparada para o fazer?

O meu estômago apertou-se numa cãibra de medo. Acenei afirmativamente.

Era o meu destino e o tempo que se tinha esgotado.

Vi Toynara executar um gesto elaborado, a batuta puxando o dramatismo, a orquestra de cordas chorando em uníssono, em triunfo.

Nisto, uma explosão destruiu o local onde estávamos. Gritei. Goku atirou-se para cima de mim, protegendo-me com o seu corpo. Escutei os pedregulhos desabando, toneladas sepultando-nos num amplexo abafado e escuro, um barulho ensurdecedor a rodear-nos. Tapei a cara com as mãos, encolhida debaixo dele, sustendo a respiração.

Um raio de luz irrompeu pela escuridão. Espreitei por entre os dedos e vi Goku afastar as ruínas com um braço, enquanto me segurava com o outro. Ofeguei, deslumbrada com aquela exibição de poder do herói, que me tinha beneficiado diretamente.

Estávamos agora no exterior. Olhei em volta, não havia um edifício de pé, eram só ruínas. Combatia-se nos céus. Voltei a cabeça para cima e reconheci um dos lutadores. O meu coração deu um salto.

- Trunks!

Um demónio gordo e verde lutava com Trunks. Socou-o, ele oscilou desequilibrado. Gritei aflita.

- Trunks!

Goku tinha-me agarrado novamente o pulso e puxava por mim, para me obrigar a mexer, para me chamar a atenção.

- Ana-san, temos de ir. Não te preocupes com Trunks, aquele demónio não é suficientemente forte para lhe causar qualquer dano.

- Mas…

- Trunks é um super saiya-jin. Sabe desenvencilhar-se sozinho.

Apertei os dentes. Concordei relutante.

O Medalhão de Mu faiscou. Chamava-me para o meu destino. A sinfonia ainda não tinha terminado. Estava perto do fim, era certo, mas ainda não tinha terminado. O maestro, confiante, suava.

Ah, até Toynara duvidava do final?

Corremos outra vez, desta vez a galgar escombros, ferros retorcidos, tijolos partidos e pedras fumegantes. Até que Goku estacou. Largou-me, empurrou-me. Tropecei nos próprios pés, amparei-me numa parede que ainda estava de pé, solitária, no meio de um mar de cascalho.

- Tens de continuar sozinha, Ana-san – disse-me ele, de costas para mim. - Desculpa, mas já não te posso acompanhar.

Keilo sorria.

- Estava à tua procura, Kakaroto.

- Encontra o altar e usa o Medalhão de Mu, Ana-san. Confio em ti. Todos nós confiamos em ti.

Os dois saiya-jin entreolhavam-se parados como estátuas. A energia latente entre eles era tão imensa que eu conseguia senti-la, atravessava o tecido do vestido, experimentava-a como uma carícia morna na pele. Escutava o bater do meu coração, os uivos dos fantasmas, o ronco surdo da terra que tremia.

O berro de Goku foi como uma chicotada.

- Ana-san!

- Hai.

Girei sobre os calcanhares e fugi. Fugi o melhor que pude, mas não foi o suficiente. Ao dobrar a esquina de um pórtico esventrado, um braço agarrou-me repentinamente e a minha fuga terminava.

- Onde é que pensas que vais?

Gritei. Zephir apanhava-me.

Os dedos gelados e ossudos do feiticeiro estrangularam-me a circulação do pulso. Tão diferente do toque de Goku… Encolhi-me com o asco e com o terror de estar a ser tocada por aquele ser repulsivo.

- Tu vens comigo, sacerdotisa.

Mirou-me de cima a baixo, lambeu os lábios. Voltei a cara. Sussurrou-me ao ouvido, num tom imbuído de lascívia:

- Depois de me transformares num deus, vou desposar-te. Vais unir-te a mim sobre o altar que me irá consagrar. Destruirei aquilo que Trunks te deu e que estás a gerar dentro de ti, para substituí-lo pela minha cria. Pretendo repovoar o Universo com criaturas das trevas, perfeitas, nascidas da união de um deus e de uma deusa.

Estremeci desconcertada. Reprimi um vómito quando me lambeu a orelha, arfando demoradamente para selar aquela ameaça. Pareceu pensar… Acrescentou com maldade:

- Ah… Tu ainda não sabes o que Trunks te deu, pois não?

Completou com o hálito fedorento junto à minha boca:

- Vais ser minha.

Deu-me um puxão irritado.

- Anda!

Esgueirámo-nos por uma abertura escura, estreita, de onde saía uma espiral de fumo amarelo, e tive a impressão que era arrastada por uma ratazana gigante, cinzenta e magra, que farejava todos os cantos para evitar os perigos que a poderiam esmagar. Não o devia provocar, tinha de me deixar ir submissa e obediente, pois Zephir estava tão nervoso que contra-atacaria à mais mínima suspeita de sabotagem. Ouviu-o resmungar:

- Malditos guerreiros das estrelas!...

Entrámos num pátio. Um enorme monstro com quatro braços e quatro pernas guardava uma pedra retangular, mais alta que larga. Com um gesto brusco, Zephir ordenou ao sinadelfo que se retirasse. Depois, soltou-me e disse em tom solene:

- Sacerdotisa, estamos perante o altar mágico.

Devolvi-lhe o olhar gélido e percebi que era tão poderosa quanto ele. Toynara sorria em êxtase, comandando a orquestra frenético, a melodia fantasmagórica gritava-me nos ouvidos, juntamente com um pensamento, resumido numa sentença seca.

Zephir, chegava o teu fim.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Extremos.



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