O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 76
IX.3 O altar.




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A pedra de cristal cintilava furiosamente. O planeta agitava-se em perigos incontáveis e o feiticeiro sabia que o tempo não corria a seu favor. Acabava de sofrer reveses inesperados. A rapariga da Dimensão Real fugira ajudada por outra rapariga e levara consigo as duas metades do Medalhão de Mu. Perdera os dois demónios, Julep e Kumis, pois o seu ponto fraco tinha sido descoberto. O Templo da Lua estava cercado por Son Goku e pelos seus companheiros.

Era urgente agir porque o fim do caminho estava próximo. A glória eterna aguardava-o.

Largou a pedra de cristal em cima do altar do santuário, agarrou na bola de vidro que continha o espírito de Babidi e rumou para o exterior. Estacionou num pátio amplo, que era costume usar-se durante cerimónias importantes dedicadas à lua durante os festivais sagrados.

A energia dos guerreiros espalhava-se em ondas fantasmagóricas que o inquietavam. Mostrava-se, pela primeira vez, inseguro e nervoso.

– Vais ajudar-me, Babidi!

A sua voz já não era monótona.

– Ajudar-te? – Perguntou admirado o pequeno espectro azul, mãozinhas coladas no vidro da sua prisão cristalina.

– Preciso que me reveles o conjuro do altar mágico onde se usa o Medalhão de Mu. Sei que o conjuro está no livro de magia, mas como já não o tenho... Disseste-me, uma vez, que sabias o teu livro de cor e salteado.

O espectro riu-se.

– E pensas que só porque me estás a pedir… que irei revelar-te o conjuro?

Zephir franziu o sobrolho. Babidi completou reticente:

– Se queres que colabore, oferece-me algo em troca.

Nani?!!! – Berrou Zephir vermelho de raiva. – Atreves-te a desafiar-me?

E dirigiu os dedos a faiscar de maldade para a bola de cristal. Contudo, Babidi não se intimidou e prosseguiu no mesmo tom desafiador:

– Se acabares comigo, ficas sem o conjuro. Deverás acalmar-te ou, agora que estás tão perto do teu objetivo, perderás tudo o que ganhaste até aqui… Escuta-me: eu poderei dar-te o conjuro, usas o medalhão e transformas-te num deus. Apenas tens de pagar um preço. E olha, é apenas uma troca muito simples, nada de demasiado complicado, acho que me podes conceder o que te irei pedir de seguida: liberta-me desta prisão e terás o conjuro.

Zephir experimentou um estremeção, à medida que a proposta era assimilada. O lábio superior arrepanhou-se, bufou ruidosamente. Baixou a mão ameaçadora, aligeirou a pressão que fazia sobre a bola. Respondeu a custo, a sorver as palavras:

– Aceito… essa troca.

O espectro azul exibiu um minúsculo sorriso.

A bola transparente flutuou diante de Zephir. Estava irritado, detestava o sentimento corrosivo de inferioridade, mas estava disposto a fazer aquela concessão menor em prol da sua ambição. Outro revés, outro obstáculo a ultrapassar. Com um gesto simples desfez o feitiço, a bola rachou-se e diluiu-se, criando uma nuvem de fumo. Um segundo depois surgia o espectro azul de Babidi com o seu tamanho normal.

– Ah! Estou livre! – Desabafou Babidi a agitar os braços, como se o seu corpo etéreo tivesse sentido a claustrofobia da pequena esfera onde estivera enclausurado.

– O conjuro do altar, Babidi! – Exigiu Zephir.

O espectro ondulou, sossegou, encarou o feiticeiro. Notou que este estava pronto para atacá-lo, caso ele mudasse de ideias, e desprezou-o. Odiou-se também a si mesmo por se ter permitido confiar naquele ingrato e por lhe ter revelado os seus poderosos segredos compilados num excecional manual de feitiçaria que estava agora perdido. Tinha-se enganado, mais uma vez, confiara num demente e num egoísta. Esfumava-se a sua segunda e derradeira oportunidade de dominar o Universo com a sua sabedoria.

Babidi acercou-se da orelha de Zephir e começou a falar.

O pátio foi fustigado por rajadas de vento, o céu velou-se com grossas nuvens negras que emitiam clarões.

O conjuro fora revelado. Babidi calou-se sisudo. E com aquela missão cumprida, iria abandonar para sempre aquele lugar. Regressaria às montanhas, onde, num dia muito distante, aterrara na Terra com a sua nave espacial. Voltaria a assombrá-las sem descanso e procuraria por outro que fosse digno de usar a sua magia. Haveria de procurar eternamente… Haveria também de procurar pelo livro.

Zephir colocou-se em posição. Levantou os braços magros e repetiu em voz alta o conjuro que Babidi lhe tinha transmitido. Palavra por palavra, sem qualquer entoação, concentrado no poder de cada sílaba, extraindo-lhes o sumo venenoso, fazendo-o passar pelos dentes e pela língua, com uma pronúncia sem falhas.

As lajes do pátio fenderam-se. O chão começou a tremer fortemente. Zephir fincou os pés no chão para se aguentar de pé, o espectro de Babidi flutuava ao lado dele. No fim do sismo, irrompeu uma pedra escura retangular, alta e maciça. O topo era ligeiramente inclinado e no centro deste havia um desenho escavado.

O altar mágico do Medalhão de Mu estava criado.

Aproximou-se do altar sorrindo. Acariciou a pedra, os dedos alcançaram o desenho do centro, onde iria ser usado o medalhão. Ali estava a porta para a sua imortalidade, o seu triunfo absoluto sobre a mediocridade, o planeta, a imensidão do cosmos. Soltou uma gargalhada alarve, permitindo-se dar largas às emoções mesquinhas da satisfação, do deslumbre e da alegria permanentemente reprimidas. Mas, inesperadamente, os dedos detiveram-se, hesitaram.

No topo inclinado do altar havia um losango, não um triângulo. Já tinha tido as duas metades do medalhão e estas, unidas, formariam um objeto triangular. Fechou os olhos tentando recordar-se o que lera no livro sobre o altar, havia um qualquer detalhe importante sobre a maneira como iria o medalhão encaixar-se no espaço vazio do altar e que esse espaço deveria ser um triângulo e não um losango. Porque se fosse um losango…

O espectro de Babidi arrancou-o do raciocínio, quando lhe disse:

– É aqui que nos separamos. Até nunca, Zephir!

– Hei de encontrar-te novamente, Babidi – ameaçou o feiticeiro com aspereza. – E quando o fizer, vou desfazer-te. Acabarei contigo, espírito maldito, para que não tenhas a tentação de me vir cobrar o que quer que seja depois de me ter convertido no senhor do Universo.

– Provavelmente, nunca mais nos iremos encontrar e, por isso, esta é a nossa despedida. Tudo acaba aqui.

O espectro acenou-lhe, subiu no ar, confundiu-se com a escuridão do céu e foi-se embora.

Zephir não gostou da impertinência de Babidi. Ficou intrigado. Soara-lhe a desrespeito, a troça, a ironia.

Porque se fosse um losango…

Olhou para o altar. Não se conseguia lembrar do que lera no livro de magia sobre o altar, era como se essa memória tivesse sido apagada com precisão. Mas de algum modo sabia que aquele era o altar e sabia que tinha sido utilizado o conjuro certo.

Acalmou-se, aplacou a ira que lhe enchia o coração endurecido. Primeiro, deveria proteger o altar. Convocou uma criatura das trevas com a sua magia diabólica, um terrível monstro gigante e disforme, munido de quatro braços e quatro pernas. Incumbiu o sinadelfo de nunca abandonar o altar e preparou-se para regressar ao templo. Não sabia como iria fazê-lo, porque naquele caso a pedra de cristal era inútil, mas iria arranjar uma maneira de descobrir o paradeiro da rapariga da Dimensão Real.

Contudo, não chegou a entrar no templo. Ubo chegava e aproximava-se com o seu habitual passo seguro. Estendeu-lhe as duas metades do Medalhão de Mu. Os olhos de Zephir arregalaram-se com a inesperada surpresa, nem procurou disfarçar o deslize flagrante na sua postura sempre controlada.

– Muito bem, Majin Bu.

Agarrou no medalhão. Reparou que os raios do sol gravado no ouro do amuleto eram agora alaranjados, efeito do altar. Junto à pedra escura, o sinadelfo soltava bafos irregulares e olhava para todos os lados, movimentando a cabeçorra com gestos súbitos e nervosos.

– E a rapariga da Dimensão Real, Majin Bu?

– Não a trouxe.

Os ombros de Zephir sacudiram-se num espasmo.

Nani? Não a trouxeste?!

– Não.

Baka! – Explodiu. Agitou os dois triângulos na cara do rapaz. – De que me serve o medalhão sem ela? Só ela é que pode unir as duas metades e só ela é que o pode encaixar no altar.

O “M” na testa de Ubo fumegava, mas o fenómeno passou despercebido a Zephir que prosseguiu irritado:

– Some-te daqui, incapaz! Vai à procura dela. Só poderás regressar com a rapariga. Caso contrário, irei castigar-te para que aprendas a não ser estúpido!

Ubo acalmou. O feitiço do Makai era poderoso e abafou a rebelião que fermentava dentro da sua mente retorcida e ele acabou por obedecer ao mestre. Sem uma palavra, levantou voo e abandonou o pátio. O sinadelfo seguiu-lhe a trajetória com os olhos, mas não se movendo um milímetro do seu posto de vigia.

Zephir também se acalmou. Respirou fundo.

– Estou rodeado de imbecis! Quando receber a bênção do medalhão e me transformar num deus, vou desfazer-me deles todos. Julep e Kumis já se foram… A seguir, serão Keilo e Majin Bu. Vou divertir-me a torturá-los.

Lançou uma gargalhada e entrou ufano no Templo da Lua.


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Notas finais do capítulo

Prximo captulo:
Desespero.



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