O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 30
IV.3 Uma desforra antiga.




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O estômago doía-lhe. Estava apreensivo, nervoso, com um mal-estar incomodativo a arrepiar-lhe a pele. Engoliu em seco. A busca das bolas de dragão podia não ser fácil porque, às vezes, estas encontravam-se nos sítios mais estranhos e inóspitos, ou à guarda de fanáticos que julgavam-nas como presentes dos deuses, mas aquilo era a última coisa que lhe passaria pela cabeça.

Goku tentou acalmar-se. Não seria nada de muito complicado, haveria de correr tudo bem. Talvez as dificuldades que antecipava não passassem da sua fértil imaginação. Conseguiria a bola de dragão sem problemas de maior e poderia passar à bola de dragão seguinte.

O sorriso de número 17 era enigmático e era o bastante para despertar todos aqueles sentimentos de incerteza. Por que razão lhe sorria daquela maneira, como se entre eles se erguesse um muro de inimizades impossível de ignorar?

- Son Goku… Não esperava a tua visita. Deixas-me profundamente… admirado.

Conversar era uma boa ideia. Goku permitiu-se descontrair.

- Ah, sim? Bem, não vim visitar-te. Eu…

- Não? Acabaste de desiludir-me.

- Não. Preciso de uma coisa que tu tens contigo.

- Pensava que tinhas vindo para acertar velhas contas.

Número 17 encostou a espingarda caçadeira na parede da casa, junto à ombreira da porta. Aproximou-se, arregaçando as mangas do casacão que vestia. Parou diante dele, mãos na cintura, exibindo os pulsos finos, numa pose provocadora.

- Não achas incrível, Son Goku, que nunca nos tenhamos visto?

- Eh… O que é que queres dizer?

- Tu e eu somos inimigos.

O sorriso de Goku foi azedo.

- Ora… Somos lá inimigos. A tua irmã vive com o meu melhor amigo. Os dois até têm uma filha.

- Sabes porque é que eu existo? Para te destruir, Son Goku.

Goku apagou o sorriso.

- Porque é que estás a falar disso agora? Isso já se passou há tantos anos…

- Vinte anos. Apesar de todos os anos passados, tenho dificuldade em esquecer determinadas coisas. Sabes? Sempre esperei por este momento. Mais cedo ou mais tarde, virias ter comigo. Para ti pode ter acabado, mas para mim o jogo continua. O jogo esteve apenas interrompido.

- Jogo?

- Hai, um jogo. – Riu-se. – Era uma brincadeira, o jogo das escondidas. Eu procurava por ti, tu nem sabias que eu procurava por ti. Haveria de te encontrar… E o que aconteceria quando te encontrasse?

Goku franziu a testa. Número 17 prosseguiu consternado:

- Infelizmente, aconteceram alguns percalços e nunca nos chegámos a encontrar. Acabei por desistir de te procurar… Mas, hoje, a ordem das coisas foi reposta. Que importam os anos? O que importa é o destino. Iríamos sempre encontrar-nos. Já pensaste nisso?

Goku não respondeu.

- A ironia é que, em vez de ter sido eu a encontrar-te, foste tu que me encontraste.

- Tens uma coisa que eu quero.

- Oh?

- Só quero que me dês essa coisa… Depois, vou-me embora.

- E o que queres de mim?

- A bola de dragão.

O espanto de número 17 foi genuíno. Retirou as mãos da cintura. Goku explicou:

- É uma bola cor-de-laranja, com quatro estrelas dentro.

- E para que precisas dessa bola?

- Existe um novo inimigo e o futuro do Universo depende das bolas de dragão.

- Ah! – Sorriu com uma soberbia irritante. – Precisas mesmo dessa bola. Eu dou-ta. Mas só depois de lutares comigo, Son Goku. Terás de ganhar o direito a possuir a bola de dragão.

Os ombros de Goku descaíram.

- Mas eu não quero lutar contigo… Não me parece que tenha que lutar contigo.

- Não? A bola de dragão não é motivo suficientemente forte, Son Goku?

- Kuso! – Irritou-se. – Por que estúpida razão queres lutar comigo?

- Se ganhares o combate, digo-te.

Entreolharam-se em silêncio.

Não havia volta a dar, a teimosia daquele humano artificial era difícil de contornar. Goku concordou.

- Está bem. Luto contigo.

A terra tremeu ligeiramente, quando Goku reuniu a energia suficiente para se transformar em super saiya-jin. Sabia que naquele nível não conseguiria derrotar número 17, mas quis dar-lhe a vantagem inicial.

Atacou primeiro, um conjunto de socos que número 17 esquivou facilmente. Num movimento rápido, o androide defendeu-se e atingiu-o na nuca com o braço, derrubando-o. Goku estatelou-se, enfiando a cara no chão.

- Sou demasiado rápido para ti?

Enquanto se levantava, Goku cuspiu saliva com sabor a sangue, limpou a boca.

- Ainda tenho mais truques.

- Oh, eu sei que tens. – Rugiu depois, irritado: – Não sejas condescendente, ou rebento com estas montanhas e tu com elas!

Curiosamente, Goku não se sentiu ameaçado.

O segundo ataque também partiu da sua iniciativa. Goku saltou, desde o alto enviou um raio azul com ambas as mãos. Número 17 desapareceu, o rebentamento abanou os alicerces da casa próxima. Voltou-se, aparou um raio amarelo lançado pelo humano artificial. Vinha quente, chamuscou-lhe a palma das mãos. Queixou-se, mas depois teve de se desviar de um pontapé traiçoeiro. Número 17 tomava a iniciativa, por fim.

Os golpes do humano artificial eram poderosos, mortíferos. Número 17 não estava a brincar, ao contrário dele, que não queria entregar-se a fundo ou derrotava-o facilmente. Não queria ferir o ego do adversário. Apesar de serem inimigos, não tinha nada contra ele suficientemente grave que motivasse uma humilhação. Só queria o raio da bola de dragão!

Combatiam no ar, numa aguerrida luta corpo-a-corpo. Goku tentou um pontapé. Foi lento. Número 17 ganhou espaço, esquivou-se. Ripostou. O punho enterrou-se no abdómen de Goku que teve uma súbita falta de ar. Depois afastaram-se um do outro.

Número 17 voltou a atacar, com tal ímpeto e velocidade que surpreendeu Goku, ainda às voltas com o formigueiro no abdómen. O soco nos queixos fê-lo cair por terra. A esfera flamejante rebentou em cima dele, o vermelho-vivo da explosão rivalizou com as cores que o céu ganhava com o pôr-do-sol.

Goku levantou-se, cambaleante. Um fio de sangue escorria-lhe pelas fontes. Número 17 aterrou junto a ele. O rosto impassível não transparecia qualquer emoção, os olhos eram gélidos e fitavam-no com desprezo.

Não se podia demorar mais. Goku transformou-se em super saiya-jin, nível dois.

Número 17 esboçou um meio sorriso.

As faíscas estalaram, Goku concentrou mais energia. Atacou sem contemplações. Iria terminar aquele combate inútil num minuto, talvez menos.

Os socos e os pontapés assobiavam ao passar perto de número 17, que se desviava com algum esforço. Já não era fácil desviar-se. Enquanto bailavam naquela dança irritante, um tentando atingir, outro tentando fugir, Goku observava, aguentava, esperava o deslize. Sabia que irritava o humano artificial e um lutador irritado fica vulnerável. Notava a frustração a crescer, fingiu distrair-se. Número 17 esmurrou-o na cara, afastou-o com uma patada no peito. Antes de cair, Goku conseguiu equilibrar-se. Impulsionou-se, apoiando a biqueira das botas no solo, saltou alto. Uniu as mãos, levou-as atrás.

- Kamehame

A terra tremeu, pedras pequenas saltitavam como pipocas. Número 17 já tinha certamente percebido que fora ingénuo. Cruzou os braços sobre a cara, fincou os pés, endurecendo os músculos, munindo-se de toda a sua energia. Goku enviou o ataque energético.

- Ha!!!

A onda azul alcançou número 17. Explodiu. O tremor de terra foi mais intenso.

O sol pôs-se no horizonte e a escuridão espalhou-se pelas montanhas.

Os efeitos da explosão diluíam-se na atmosfera. Goku não esperou que a poeira assentasse por completo. Atirou-se para cima do adversário que, combalido pela ação devastadora da Kamehame, pelo meio da nuvem de fumo, tentava aguentar-se de pé. Socou-o. O nariz e a boca de número 17 espirraram sangue.

O humano artificial ripostou. O pontapé que lançou foi completamente inofensivo. Goku apanhou-lhe a perna. Rematou-o com um segundo soco. Número 17 caiu de joelhos, engasgado com a dor. Caiu de borco, tremendo, gemendo. Perdeu a consciência.

A força brutal de um super saiya-jin era imensa, até para um androide com energia inesgotável. Mesmo que, noutra linha temporal, tivesse parecido que não o era. Pelo menos, no início, entre o desespero das ruínas de um mundo bonito.

Goku expulsou o ar dos pulmões.

Número 17 esgravatou a terra, enquanto tentava erguer-se. Goku anunciou com a voz seca:

- A vitória é minha. O combate terminou.

Número 17 encarou-o com um olho semi aberto, respirando com alguma dificuldade. Concordou, forçando um sorriso:

- Está bem, terminou… Fiquei satisfeito.

A capa dourada que envolvia o corpo de Goku sumiu-se.

- Então, tenho direito ao meu prémio.

E exibiu um sorriso franco que atrapalhou o outro. Não o considerava como inimigo, esquecera a animosidade do combate. Podia ser despeito, mas, provavelmente, não passava de uma ingénua sinceridade. E número 17 também deveria esquecer o que tinha acontecido, pois o combate terminara mal para o seu lado e terminaria pior se insistisse na desforra. Entrou a coxear na casa e voltou, escassos minutos depois, com a pequena esfera cor-de-laranja numa das mãos. Entregou-a a Goku.

- Arigato! – Exclamou este com alegria.

- Mereceste-a. – Perguntou sem qualquer entoação na voz: – Para que a queres? Tem a ver com aquele feiticeiro que nos enviou para uma dimensão esquisita?

Goku piscou os olhos, perplexo.

- Também estiveste na Dimensão Real?

- Hai.

- Faz sentido, tu também estás ligado à minha vida…

- E essa bola?

- Ah… Sozinha, não nos serve de nada. Temos de reunir sete bolas iguais a esta para pedir um desejo a Shenron.

- Vão pedir para eliminar o feiticeiro?

- Não. Até duvido que Shenron tenha o poder suficiente para o eliminar... Vamos pedir-lhe um objeto que o feiticeiro precisa para se transformar num deus. Não podemos permitir que se torne mais poderoso do que já é.

Número 17 pareceu satisfeito com a explicação. Cruzou os braços, perdeu o olhar na floresta que cobria as montanhas. A noite caía.

Goku admirou a bola de dragão de quatro estrelas. A sua velha bola de dragão. Passou os dedos pela sua superfície macia e fria. As estrelas vermelhas dançavam no interior. Era como se fosse um reencontro…

- O combate foi bom – atirou número 17 com um olhar ausente.

Goku guardou a bola de dragão dentro da túnica.

- Já me podes dizer por que é que querias lutar comigo?

- Para saber se tinha valido a pena – respondeu, ainda sem o encarar.

- Valido a pena?

E então, finalmente, olhou-o de frente, olhos nos olhos.

- Esperar tanto tempo.

A resposta soou-lhe estranha. Goku franziu um sobrolho.

- És um excelente adversário, Son Goku.

- Tu também, número 17.

Sorriram um para o outro. Não podiam ser inimigos, pensou Goku, apesar do humano artificial acreditar que o eram. Talvez fizesse parte daquilo que o fazia ser quem era, afinal era uma máquina construída por um cientista louco.

Número 17 completou, a olhar novamente para sítio nenhum:

- Nunca me irei arrepender de te ter enviado a minha energia durante o combate contra Majin Bu.

- Tu? Tu também o fizeste?

Quando combatia Majin Bu e para que completasse a Genkidama que lhe permitiria acabar com esse terrível adversário, Goku pedira ajuda a todos os seus amigos, precisava da energia vital deles, depois de o apelo de Vegeta não ter sido atendido. E agora Goku admirava-se por número 17 ter feito parte desses amigos.

Não, não eram inimigos.

Goku perguntou-lhe entusiasmado:

- Ei!... Não te queres juntar a nós e lutar contra o feiticeiro?

- Não posso.

- Nani? Porquê?

- Continuas a ser o meu inimigo, Son Goku.

O entusiasmo de Goku esfriou. Número 17 agarrou na espingarda caçadeira.

- Há coisas que não se conseguem mudar. Estão esculpidas em pedras eternas. Desenhadas em circuitos inacessíveis, na memória remota de um computador. Nem mesmo tu, super saiya-jin, com todo o teu poder, conseguirás mudá-las.

Número 17 acenou-lhe uma despedida, desapareceu no interior da floresta. Goku encostou dois dedos na testa, também se despediu:

- Djá ná

Não tinha percebido nada do que número 17 lhe tinha dito.

Elevou-se nos ares, agarrou no radar. A bola de dragão mais próxima era a de seis estrelas. O pontinho branco no mostrador piscava a norte, a alguns quilómetros. Apesar de começar a ser noite, voou para lá a toda a velocidade.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Um recanto do paraíso.



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