Diário De Um Sobrevivente escrita por Allann Sousa


Capítulo 18
Sentimentos de culpa


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo traz "coisas" q acontecem às em todas as séries e chamam a atenção de algumas pessoas ^^
Além de algumas coisas q eu entendo sobre moral da história XD



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Trecho acrescido do testemunho de Johan.

“Esses fatos ocorrem aproximadamente no mesmo dia em que George foi machucado.”

Eu sempre senti uma pequena inveja do meu irmão Jayden, algo que sempre tive vergonha de admitir e medo de que George pudesse ficar com raiva de mim por causa disso. Mas me sinto na obrigação de acrescentar isso a este diário.

O motivo da minha inveja é algo bem comum, porém não menos indigno. Eu namorei mais vezes do que o necessário para me gabar disso, no entanto nunca consegui o que realmente queria, uma família.

Jayden tinha isso, e ele era mais novo. Eu estava ficando velho, me aproximando da minha aposentadoria e nunca encontrava uma paixão verdadeira. Talvez por isso eu fosse tão apegado ao George, mesmo que ele não percebesse o quanto, eu sempre queria fazer tudo que fosse legal com ele, como no dia do paintball, eu sempre o tratei como um filho.

Eu amava George e agora eu havia perdido ele, Deus sabe quando ou se teríamos ele de volta. A parte vergonhosa que me dói escrever nesse caderno aconteceu quando me separei do grupo.

Mais uma vez Laylor começou a tocar e cantar com seu violão. Não pareceu uma boa ideia a princípio, mas nós já tínhamos uma van que encontramos em um daqueles acampamentos à beira da estrada e não ficávamos muito tempo no mesmo lugar. Além disso, era a primeira vez em muito tempo que eu via pessoas sorrindo.

Eagle e Bernard estavam abraçados fazendo um coro enquanto Tyreese e Sasha apenas riam tímidos do outro lado da fogueira. Alexya estava quieta observando, mas de vez em quando dava um risinho bobo.

Amélia fora a única que havia permanecido friamente indiferente durante toda a descontração. Ela olhava para a fogueira, com lebres assando, como se fosse se atirar nela, o que me fazia sentir calafrios e me lembrava de que eu era o culpado.

A van estava encostada à margem da estrada e nós estávamos acampando em uma clareira na entrada de um matagal. Eu me aproximei da floresta, onde a luz não me alcançava e lá permaneci, refletindo.

— Oi — a voz de Amélia vinda da escuridão fez eu me assustar, pois não tinha percebido ela se aproximando. Por sorte as sombras a impediram de perceber minha feição assustada.

— Ah! Oi Amélia, está tudo bem?

— Você sabe que não está, Johan. George... Ai meu Deus, como estará meu bebê? — ela desabou nos meus braços.

Amélia sempre foi muito bonita. Com seus sedosos cabelos escuros em contraste com sua pele clara e macia e seus olhos castanhos igualmente claros. E agora, mesmo imunda e mal cheirosa como todos nós, eu sentia prazer em ter seu calor contra meu corpo.

— Amélia, vamos conseguir ter George de volta são e salvo, eu prometo. O cara que está com ele, parece ser um bom homem — eu não havia dito aquilo da boca pra fora, eu tinha um estranho pressentimento sobre aquele homem, sentia como se já o conhecesse.

— Como você pode saber disso?

— Eu não sei. Eu sinto — falei com toda a sinceridade.

Ela deitou no meu peito e chorou, me abraçando forte, apertando minhas costas com suas mãos finas.

— Vamos manter o plano, logo estaremos em Mayport. Com certeza George também estará lá.

Ela deixou seu pranto cair sem medo.

— Sinto tanta falta do Jayden. Você tem sido ótimo conosco, mas ninguém pode ocupar o lugar dele.

— Eu sei — o que eu não sabia era o porque de aquelas palavras pesarem no meu peito. — Ninguém pode.

Enxuguei suas lágrimas suavemente e encarei profundamente nos seus olhos. Então ela me beijou antes que eu pudesse sentir a totalidade de seus sentimentos. Foi um beijo estranho, ela dançava selvagemente com a língua, tentando obter prazer não carinho. Eu não gostei disso, mesmo sentindo necessidade.

— Pare Amélia! — eu tive que usar todas as minhas forças para empurrá-la para longe dos meus lábios.

— Desculpe — ela pediu, limpando a boca. — Eu... não sei... eu só... — ela saiu chorando.

— Amélia espere!

Ela se foi para dentro da van, onde passaria a noite com Alexya.

Mais tarde eu estava em cima da van com um rifle pronto para atirar em qualquer zumbi que fosse para proteger meu grupo. Quando Alexya saiu da van e andou lentamente entre os sacos de dormir até agachar sobre um, achei que era o do Tyreese, por que ao seu lado havia outro que com certeza seria o da Sasha. Logo Alexya se deitou no saco de dormir e Tyreese a cobriu com o cobertor.

Eu não queria imaginar o que eles estariam fazendo então desviei a atenção para outro saco que se mexia, Eagle parecia não conseguir dormir e em seguida se levantou. Mark Eagle veio até mim e subiu na van.

— Escute amigo, você passou por mais coisas difíceis nos últimos dias do que qualquer um de nós — eu fiquei ouvindo aquele velho ágil falar. — Seu sobrinho... e mesmo assim continuar firme na liderança do grupo. Você não é de aço, acho que precisa dormir mais do que eu.

— Entendi Eagle, muito obrigado — eu sorri para ele e lhe entreguei o rifle. Na verdade não queria ceder a vigia para um idoso que já havia vacilado na vigia antes e cochilado, mas eu tinha um assunto para tratar e talvez não demorasse muito para resolvê-lo.

Desci por trás da van e abri a porta. Lá estava Amélia deitada.

— Você está acordada?

— Desde que Alexya saiu tentando fazer silêncio — ela respondeu com a voz embargada.

— Está tudo bem, não estou com raiva de você — eu falei, entrando e fechando as portas.

— Não, mas eu estou. Eu traí meu marido, traí meu filho.

— Não diga isso Amélia. Nós estamos passando por tempos difíceis, temos necessidades. Além disso, não posso deixar que você assuma a culpa sozinha.

Eu acariciei seu ombro.

— Não fique assim, por favor. Pelo seu filho.

Então ela se levantou de supetão e me abraçou novamente. Ela esfregava seu corpo em mim e eu a acariciava em suas partes sensíveis, ao mesmo tempo em que nos beijávamos. Então aconteceu algo que eu teria vergonha de comentar com George.

George

Meus olhos pesavam. Foi difícil acordar. A ferida na minha barriga ardia, mas algo mais fazia eu me sentir mal, uma sensação estranha no meu peito, como se eu tivesse sido traído, como se um amigo meu tivesse roubado minhas petecas ou um espírito mal tivesse roubado minha felicidade.

— Ora, você acordou. Graças ao Grande Criador! — eu ouvi a voz de Helsin vinda de algum lugar.

Eu tentei levantar, mas me senti tonto.

— Ah, não! Não se levante — Helsin veio até mim e me fez deitar novamente. — Aquela doce senhora disse algo como você tem que repousar por algumas horas.

Eu virei a cabeça para o lado e reparei em uma senhora de busto enorme vestida com roupas indígenas, de rosto queimado de sol e enrugado, com os cabelos brancos caindo em tranças para os dois lados da cabeça.

— Obrigado por cuidar de mim — eu agradeci.

— Ah, não — Helsin sorriu. — Ela não fala nossa língua, entendi o que ela dizia apenas pelos gestos.

Ele fez algo com as mãos e a senhora sorriu. Então eu percebi que o sol não nos atingia, estávamos em uma cabana de pelos de animas, com ervas penduradas no “teto”, pedaços de pele pendendo das paredes e vários objetos estranhos espalhados pelo chão, além de três sacos de dormir feitos com peles.

— Quem é ela afinal?

— Não sei, entendi algo como “Ave que Caminha”. Ela deve ser de alguma reserva indígena próxima daqui.

— Como ela sobreviveu por tanto tempo sozinha?

— Não faço ideia, mas seu poder de cura é admirável — ele ficou encarando ela e minhas feridas parecendo abismado. — Ela não deixou que infeccionasse, parou o sangramento e fechou a ferida com ervas, impressionante.

— Ela é uma índia afinal.

— Sim — ele pareceu meio tonto, como se voltasse à realidade.

— E aqueles caras do carro?

Helsin demorou a responder.

— Tive que matá-los.

— Não se incomode com isso — falei, tentando consolá-lo —, eu também matei aquela garota.

Helsin pareceu espantado, assustado, como se visse no noticiário que uma garota tinha sido atacada por lobos.

— Certo. Olhe — ele me entregou meu facão e minha Crosman 357 carregada. — Carreguei com as últimas dez balas, você já conhece as regras.

— Ok — respondi, sem ansiedade, pois no momento estava debilitado.

A índia se levantou e foi até uma tapeçaria à minha direita, de lá tirou um arco.

— Parece que vamos caçar — Helsin se alegrou. — Fique aqui, não se levante de maneira nenhuma, com um facão e um revólver você pode tudo — ele deu uma risada maníaca. — Voltamos logo com o jantar.

Parecia que as coisas grandes haviam acabado naquele mundo, nesse dia eu tive que comer carne de raposa e de esquilo, com cogumelos.

Depois de dois dias eu estava tentando andar, Helsin fez uma bengala improvisada com galhos e pedaços de madeira. Vi ele matar alguns zumbis e ouvi ele me dar algumas dicas, sempre dizendo que logo estaríamos saindo dali.

Mais dois dias passaram e eu começava a andar sem auxílio de nada. Eu estava em um pequeno riacho bebendo água e enchendo um cantil quando vi algo que imaginava não existir mais, um helicóptero. Corri de volta à cabana, mas antes encontrei Helsin.

— Helsin!

— Sim, eu vi — ele respondeu nervoso antes de eu terminar.

— Podemos fazer alguma coisa?

— Tentei fazer sinal, mas não adiantou nada.

— Temos que fazer algo.

— Sim, vou tentar segui-los até eles pousarem ou algo assim.

— Eu vou com você.

— Não! Você não se recuperou totalmente, eu posso ir e voltar...

— Você não é meu pai — pareceu ofendido, mas eu não me importei.

— Escuta, prometi ao seu tio que te devolveria em segurança.

— Mas quase quebrou essa promessa.

Ele olhou para minha ferida, eu parecia estar conseguido tocar em algum sentimento que ele escondia.

— Exatamente — ele disse para meu espanto. — Não vou correr esse risco de novo, você vai ficar aqui com a índia. Eu vou tentar alcançar ou ao menos descobrir para onde o helicóptero esta indo, conseguindo ou não eu voltarei, indo sozinho serei mais rápido, estarei de volta logo.

Ele foi até a senhora e fez alguns gestos que nem eu consegui entender, mas ela pareceu compreender, por fim ele apontou para mim e depois saiu correndo.

Eu rasguei folhas, desenhei no chão, cacei e até tentei conversar com a índia por longos dois dias e meio. Ao entardecer do terceiro dia, Helsin voltou, no entanto ele parecia diferente, estava nervoso, agitado.

— Junte as coisas! Vamos sair daqui, rápido!

— O que houve? — perguntei, estranhando seu comportamento.

— O helicóptero caiu, havia umas pessoas estranhas que chegaram lá logo depois da queda. Eles... eles mataram os tripulantes e levaram o piloto.

Ele parecia prestes a chorar. Achei que aquele homem já havia encarado muito mais do que aquilo.

— Mas eles estão a quilômetros daqui, o que isso tem a ver conosco?

— Antes de cair, o helicóptero atraiu uma manada. Tem milhares de zumbis seguindo para cá, vindo pela estrada, pela floresta, milhares de bichos, mortos-vivos vindo direto para cá.

— Droga, precisamos salvar aquela senhora.

— Claro.

Ele saiu correndo atrás da mulher.  Eu avaliei o local, era difícil acreditar que aquela índia deixaria sua casa para ir conosco por causa de algo que ela talvez nem soubesse da existência. Porém me parecia impossível que ela ainda não tivesse visto ao menos um zumbi.

Então um deles entrou na cabana sem que eu notasse e me empurrou, me derrubando. O revólver caiu para um lado e eu não consegui tirar o facão do coldre.

Enquanto isso Helsin discutia em gestos com a índia que não compreendia nada. Para ela entender os zumbis tiveram que começar a sair do meio das árvores, apenas alguns deles, os mais adiantados.

Helsin foi até eles e arrancou a cabeça de um por um com a espada.

— Droga, George.

Ele correu e puxou a índia com ele, que relutou, mas acabou aceitando.

Eu empurrava o zumbi com os dois braços, sua baba asquerosa misturada com sangue e podridão caia sobre meu rosto. Eu não via maneira alguma de matá-lo, pensava estar apenas prolongando minha morte, até que a ponta de uma espada saiu de dentro da boca dele. Então o morto caiu para um lado e eu vi Helsin me salvando mais uma vez.

— Te devo mais uma — falei.

— Não precisa contar, você vai acabar se perdendo — ele sorriu. — Agora vamos sair daqui!

A índia já não estava mais lá, para o desespero de Helsin. Nós saímos da cabana e encontramos uma centena daqueles bichos, mas o grupo parecia concentrado em algo. Tive um enjoo ao perceber a índia para de braços erguidos no meio dos zumbis, que mordiam seus braços, suas costelas e todas as partes que conseguiam alcançar.

— Não! — gritei, mas Helsin me impediu de corre até ela. — Helsin?

— Talvez ela achasse que o destino dela era apenas ajudar um garoto a sobreviver — ele estava chorando. — Algumas pessoas são difíceis de entender e suas crenças as levam a tomar decisões que podem parecer insensatas, mas não devemos julgá-las, pois há a possibilidade de estarem certas e nós errados.

Então ela tombou e alguns daqueles monstros canibais se debruçaram sobre seu cadáver, outros perderam o interesse e se viraram para nós.

— É hora de irmos.


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