Fazia uns vinte minutos que estávamos andando no meio do nada. A floresta era abastecida de diferentes tipos de árvores, mas fora isto me parecia irrelevante continuar seguindo entre ela.

Félix não falava muito pelo que me pareceu. Fiquei agradecida com isso, provavelmente ele estava permitindo que eu sofresse em silêncio, pelo menos por enquanto.

Meu pai se fora, eu teria que superar isso por ele, tenho certeza de que ele não iria querer meu sofrimento. Porém, é dolorosamente inevitável não lembrar dele, das coisas completamente irracionais que ele me disse antes de partir. Pelo que agora percebo, ao longo dos meus curtos quinze anos de vida, ele me escondeu segredos a meu respeito. Antes de morrer, ele me deu um medalhão. Há um pingente de forma oval nele; quando o abro, não vejo nada que me seja compreensível. É uma mulher, muito bela; de olhos azuis vibrantes e longos cabelos negros; está segurando uma adaga como a minha, e veste uma túnica verde e longa. Não faço ideia de quem seja, ou o que tem a ver com minha mãe, mas guardo o medalhão no meu pescoço de qualquer forma.

Passaram-se meia hora, e resolvi quebrar o silêncio.

- Ahn, Félix ?

Ele pareceu surpreso com minha iniciativa, no entanto responde ao meu chamado com simpaticidade.

- Sim ?

-Hmm... aonde exatamente estamos indo ?

-Ah, é. Desculpe, esqueci de te dizer, eu deveria saber que você iria querer saber. Vamos ao Acampamento Meio-Sangue, o único lugar seguro para você nesse momento. Quando estiver lá, Quíron vai te contar tudo que precisa saber. Mas primeiro, temos que encontrar os pégasos, sei que estão por aqui ! 

-Pégasos ? Você quer dizer cavalos alados ? - Reprimo uma risadinha de escárnio, mas no fundo minha mente acredita nisso com relutância.

-É. Como sabe disso ? Não se ofenda por favor, mas você não teve estudos, então...- Ele corou sob a luz da noite ao dizer isso.

- Ah, tudo bem... Ahn, não precisa se preocupar, isso não me ofende. Na verdade, meu pai me ensinou. Ele costumava me dar aulas antes de... bem, antes de ficar doente. História era minha matéria preferida, e ele gostava de me ensinar Mitologia Grega.

-Nem imagino o porquê.- Ele soltou uma risadinha, como se estivesse fazendo uma piada particular.- Bem, imagino então que será mais fácil para você entender sua história.

- Hm, o quê ?

-Não sou eu quem vou te contar,além disso não sei a história toda. Espere para perguntar a Quíron, está bem ?

-O.k. - Percebi que era melhor esperar, afinal.

Mais ou menos cinco minutos depois, avistamos para minha imensa incredulidade, dois cavalos enormes e alados ao lado de uma macieira, esperando por nós.

- Não acredito ! - Fiquei boquiaberta - São fabulosos, eu nunca vi algo tão lindo !

-Gostou ?

-Claro que sim ! São espetaculares !

-De fato são criaturas extraordinárias! - Ele abriu um sorriso que não pude deixar de retribuir. -Agora vamos, monte no Stiff - E me apontou um pégaso grande e cor de areia. Arranjei um toco de madeira no chão e subi em meu pégaso.

-Bem vinda à bordo, senhorita ! - Meu coração saltou pela boca. - Posso saber seu nome ?

Segurando meu peito com força para evitar um infarto, respondi ao cavalo alado que falava comigo, pensando no quão ridículo e maluco isso soava.

-Helen Dooner. V-você me assustou !

-Me desculpe senhorita Helen, próxima parada : Colina Meio-Sangue !

-Vá com Helen na frente ,Stiff - Félix disse de repente. - Eu vou atrás para montar guarda, caso haja algum obstáculo.

Não gostei nada da forma como ele disse 'obstáculo'. 

Meu pégaso começou a correr pela floresta, ganhando mais velocidade a cada segundo. Segurei firme na longa crina de Stiff. Quando ele pegou embalo, abriu as gigantescas asas e subiu ao céu. Logo os dois pégasos estavam plainando no ar fresco das florestas do Texas.

Eu poderia voar para sempre. Era uma sensação indescritível de tão impressionante. Me senti livre de tudo, relaxada como nunca antes. Não havia percebido como estava cansada até adormecer no dorso acolhedor de Stiff.

Acordei algumas horas depois  com o som da voz de Félix me chamando. Já estava amanhecendo e já estávamos em terra firme. Nós cavalgávamos suavemente em uma colina, indo em direção a um portal, pelo que parecia. Eu ainda estava abraçada ao meu pégaso; desajeitadamente, me ajeitei e arrumei meus cabelos bagunçados pela viagem, e esfreguei meu rosto sonolento.

-Estamos quase chegando.- Ele disse, e abriu um sorriso amigável. - Dormiu bem ?

- Sim, obrigada. Estou com muita fome.

Que coisa mais idiota para se dizer.

-É, eu também estou. - Ele riu- Acho que já podemos assumir agora, vamos descer. Obrigado Stiff, Montauk.

-Vejo você depois senhorita Helen ! 

-Será um prazer Stiff. 

Os olhos dele brilharam e eu dei um sorriso. Logo eles se afastaram até virarem minúsculos pontos pretos no céu.

-Podemos ?

-Vamos nessa.

 Ele deu uma risada contagiante.

-É assim que se fala.

Subimos até o topo da colina onde encontrava-se o tal portal. Havia algo escrito em cima, e mesmo com minha dislexia, não tive problemas para identificar o que dizia.

Acampamento Meio-Sangue

Avançamos para atravessar o portal e Félix me conduziu por um caminho onde visualizei um pinheiro alto e saudável, que em um dos galhos mais baixos abrigava uma pele de carneiro, imaginei.

O sol brilhava fortemente , realçando levemente de dourado os campos verdes. Uma brisa com aroma de morangos pairava no ar. Era fascinante.

Ao longe vi um grupo se aproximando de nós. Á frente, um homem de cadeira de rodas liderava quatro jovens, todos usando camisetas vivamente laranjas com insígnias. Quando estavam perto, notei que representavam um centauro com um arco e flecha, e acima dele o nome do Acampamento. Provavelmente campistas, pensei.

O homem de cadeira de rodas tinha cabelos castanhos e uma barba da mesma cor; tinha uma expressão amigável e envelhecida. Fui interrompida de meus devaneios quando ele disse:

-Graças aos deuses ! Fizeram uma boa viagem ?

Mas foi Félix que respondeu.

-Sem problemas, Quíron.

-Realmente uma sorte, a aura dela é bastante poderosa. - E se dirigiu a mim - Helen, seja muito bem-vinda ao Acampamento Meio-Sangue. Meu nome é Quíron, sou seu novo treinador. Um de meus campistas vai te guiar por um breve tour pelo Acampamento. Depois que almoçarem conversaremos em meu escritório. Mais tarde terá noite na fogueira, para apresentarmos você formalmente, com nosso diretor. Tenho certeza que Dioniso ficará muito feliz em fazer a cerimônia. - Quando disse isso, alguns campistas deram uma risadinha.

Nesse instante, um dos campistas deu um passo à frente, com um sorriso no rosto.

Era um pouco mais alto que eu, usava cabelos jogados e bagunçados, mas lisos e negros. Os olhos eram da mesma cor escura que os cabelos, mas havia um vazio neles. A pele era pálida no mesmo tom que a minha. O corpo era bem definido sob a camiseta laranja; devia ser da minha idade. Tinha uma aparência que derreteria qualquer garota.

- Eu me encarrego disso, Quíron.

Uma campista que estava no meio do grupo deu um pigarro de incredulidade, e me lançou um olhar indagador e fuzilante. Fiquei imaginando o que havia feito para ela me encarar daquele jeito, sendo que nem me conhecia.

-Ah sim, obrigado. Não se esqueça de arrumar roupas limpas para ela, e levá-la ao Chalé 13 para se preparar à noite.

O garoto pareceu desapontado. Mas a garota que me fuzilou com os olhos pareceu gostar da novidade; apesar de eu não estar entendendo nada.

-Então, ela é filha de Hades ?

-Não exatamente, ela é neta dele; mas filha de uma deusa. Casos como o dela são raros, e vamos descobrir se ela herdou ambos os poderes ao longo de sua estadia aqui.

Outro sorriso esperançoso apareceu no rosto do garoto.

-É bom saber! Oi, Helen.- Ele apertou minha mão, e logo percebi que eu estava derretendo por dentro. - Muito prazer, sou Nico Di Angelo.