Indiana Jones e o Mistério do Báltico escrita por Goldfield


Capítulo 11
Capítulo 10




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Capítulo 10


Explorando Vineta.

 

Ela ergueu-se novamente do solo gelado, se é que aquela superfície de pedra poderia ser chamada de solo. Suas roupas e cabelos estavam ensopados, seu corpo dolorido e trêmulo. Mas desistir era um verbo que não existia em seu vocabulário. Determinada, a tenente-coronel Vogel caminhou até um bloco de concreto próximo, que possuía esculturas de deuses nórdicos e trechos de suas sagas. Sobre ele havia deixado o baú ainda úmido por fora e coberto de algas. Em seu interior, o misterioso coração místico continuava pulsando. A loira mal lograra escapar com vida de seu U-Boat quando o mesmo foi surpreendido pela força sobrenatural guardando aquele lugar, e ainda por cima conseguira salvar o recipiente da destruição certa.

Poderia-se dizer que estava com sorte.

Ela sabia que chegar a Vineta não era o fim de sua jornada. Ao menos já provara que a cidade existia, o triunfo de sua tese estando praticamente assegurado. Ainda deveria, no entanto, solucionar os mistérios envolvendo aquela metrópole submersa e conservada para que alguém viesse desbravá-la. Qual a relação daquele estranho órgão pulsante com a tragédia ali ocorrida? Sophia pensava que, de alguma forma, deveria conduzi-lo a um local em especial, algum ponto específico daquelas ruínas...

Só assim a verdade sobre tudo aquilo lhe seria revelada.

Tomando o baú em suas mãos, sentindo as vibrações de dentro dele emitidas, a militar nazista voltou a caminhar em meio aos tortuosos caminhos dos destroços de Vineta, escuridão e claridade se alternando devido aos tetos parcialmente intactos das construções e os fachos de luz oriundos da cobertura rochosa metros e metros acima. Água escorria de algumas edificações mais altas e poças se acumulavam pelo trajeto, levando a crer que aquele perímetro nem sempre estivera seco. Tudo ali era assustadoramente fantástico. E Vogel no fundo temia muito o que poderia estar-lhe reservado...

 

Não muito longe dali, outras pessoas exploravam as ruínas: Indy, Heinrich e uma outra Sophia. Impressionado com cada centímetro do monumental conjunto de escombros, o grupo avançava rumo ao que acreditava ser o centro da antiga ilha em meio ao lago interno da cidade. Venciam obstáculos como pilares caídos, pilhas de blocos e tijolos, estátuas desmembradas... Era angustiante encontrar tão fascinante achado arqueológico em condições tão deploráveis... E isso levava até Jones a pensar a respeito de o que seria diferente no mundo, e na História, se a esplendorosa Vineta não houvesse sido tragada pelo mar...

Chegaram a uma área mais ampla que aparentava ter sido outrora um mercado. Resquícios de antigas barracas ainda se amontoavam de forma caótica, todo o ambiente se encontrando úmido. Alguns peixes que haviam ficado para trás quando a água baixara ainda agonizavam, saltando sobre o chão de pedra. Em alguns pontos percebia-se objetos feitos de metal precioso e outros artefatos valiosos, como jóias, obras de arte retratando o emblema hexagonal da cidade... Até algumas peças mais rudimentares, como aparentes tigelas e pratos, eram feitas de ouro maciço. Os relatos sobre os vasilhames onde os porcos comiam serem itens de imenso valor em Vineta ganhavam agora incrível veracidade.

O mais curioso era que não se via esqueletos humanos, nem qualquer outro indício que indicasse a presença dos restos de algum morador da cidade. Onde estariam? Teriam sido removidos de cena pela mesma força sobrenatural que aparentava controlar tudo ali?

Examinando o recinto, logo Indiana avistou alguns vasos enfileirados perto de uma parede danificada, pequenos veios de água salgada escorrendo através das rachaduras. Aproximou-se e enfiou uma das mãos dentro de um deles, seus dedos retornando cheios de mais “Falcões do Milênio”, os quais brilhavam num misto de dourado e azul. A exótica moeda era mesmo corrente na metrópole quando de sua tragédia.

         Para onde exatamente estamos indo? – indagou Hapgood, mãos na cintura.

O arqueólogo norte-americano colocou as moedas de volta no recipiente e levantou-se, voltando-se então para a ruiva. Na verdade, ele sabia que aquilo que deveriam realmente fazer ali estava relacionado ao misterioso coração que haviam encontrado no navio naufragado. O órgão e seu baú, no entanto, encontravam-se desaparecidos, e primeiramente teriam de descobrir sua localização se quisessem utilizá-lo para qualquer fim... Ou desvendar seus segredos.

Tendo isso em mente, Indy replicou, olhando ao redor:

         Vamos explorar este lugar... Tentar entender o que exatamente aconteceu aqui...

Kriegüer, por um instante, adiantou-se um pouco em relação aos dois em seus passos e comentou:

         Por que será que eu tenho medo do que iremos encontrar?

Indiana e Sophia se entreolharam. Eles sentiam o mesmo, e não precisariam expressar isso verbalmente: a aparência de seus rostos falava por suas bocas. Apesar da moça não ter testemunhado tantas coisas estranhas como Jones e o professor alemão o haviam feito durante a viagem até ali, só o fantástico aspecto da imensa caverna submersa que abrigava Vineta já bastava para Hapgood ter uma idéia de com o que estavam lidando. E, tornando a olhar para Heinrich, só então Indy lembrou-se do documento que haviam encontrado há pouco: a carta de Giovanni Brazzi. Ela havia permanecido com Kriegüer, que a relera no mínimo quatro vezes até então, sempre demonstrando temor em seu olhar.

         Heinrich, posso dar uma olhada no texto? – pediu o professor norte-americano, caminhando até o amigo.

Este apenas entregou o relato a Indy sem nada dizer. Examinando o papel em suas mãos, ele notou que se tratava mesmo de uma cópia datilografada do verdadeiro documento, a mesma antes mostrada por Vogel. Encontrava-se em alemão, mas felizmente Jones dominava bem tal idioma – caso contrário dificilmente estaria no OSS. Procurando se concentrar, e tendo ao seu lado uma curiosa Sophia, a qual tentava entender algo da carta por meio de seu limitado conhecimento da língua germânica, Indiana então focou-se no registro do mercador de Gênova:

 

Ano do Nosso Senhor de 999.

 

Descrevo nesta epístola breve impressão de minha última viagem à conhecida cidade de Vineta, chamada por aqueles que nela vivem Jomsborg, situada em ilha fortificada em meio ao gelado mar que beira o norte.

É esta cidade, como já descrevi em carta anterior, mais formosa que Bizâncio, também mais rica e mais cheia de vida. Os engenhos de seu povo são assombrosos, beirando até a feitiçaria, e acreditaria serem mesmo trabalho do diabo, já que o povo que lá vive é pagão, se seus homens de imensa sabedoria não me  mostrassem com atenção o funcionamento daquilo que constroem, como a máquina de seus portões.

Seu extenso porto circunda toda a ilha, dentro de sua muralha, e abriga muitos barcos. Seus comerciantes dominam toda a compra e venda de trigo, cereais e pesca do norte. Mais uma vez pagaram bem pelos produtos que lá levei, e a fortuna que faço ajudará a reerguer minha cidade devastada traiçoeiramente por piratas mouros.

A gente de Vineta é, porém, muito supersticiosa.

Sabe-se que seu povo ainda não pratica a verdadeira fé, preferindo adorar os falsos deuses que ainda dominam o coração dos que vivem no norte. Aproxima-se o milésimo ano após a Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, e o povo de Vineta, ao invés de fazer penitência e jejuar diante do verdadeiro Deus, prefere se deixar atemorizar pela ameaça de fúria de um deus pagão. Eles acreditam o terem desrespeitado e que a vingança dele virá das águas, engolindo-os para o fundo do mar, assim que despontar o milésimo ano. Quanto a qual foi a forma do dito desrespeito, a gente da cidade fala que irritaram o deus do mar ao tomarem para si o que para ele era mais valioso, querendo assim que ele sempre permanecesse com a cidade. Mas ele ia agora, agindo ao contrário, destruí-la.

Rezo todos os dias para que Vineta abrace a fé no Cristo e abandone tais ilusões e medo que só podem ser gerados pela tentação do diabo. Mas vê-se ser difícil converter a cidade, já que ela resiste há muitos anos aos missionários e exércitos que tentam sobre ela difundir a digna crença. Porém sei que um dia o coração desse povo irá se abrir, assim como seus portões, à Verdade, e eles viverão em paz.

 

G.B.

 

Deveras fascinante, e intrigante. Então a população de Vineta realmente temia a represália de um deus nórdico, certamente Njord. E os motivos ficavam um pouco mais claros. Os habitantes da cidade então haviam tomado dele o que lhe era mais valioso? Mas... O que poderia ser? O mito de Njord não estava tão nítido na memória de Jones no momento, e levaria algum tempo até que ele conseguisse se lembrar o que poderia ser a tal coisa mais valiosa ao deus, isso se ela realmente existisse.

Bufou, devolvendo a carta a Heinrich. Mais um passo rumo à solução do mistério, mas teriam de continuar procurando. Para piorar, existia a possibilidade de nazistas terem sobrevivido à destruição do submarino, e algum deles – armado – poderia acabar aparecendo a qualquer instante. Ao menos Jones se encontrava novamente munido de sua pistola e chicote, mas continuava se sentindo quase nu sem seu chapéu.

         Vamos continuar andando? – propôs Sophia, já se encaminhando por uma viela existente entre duas paredes ainda de pé.

Indy apenas assentiu com a cabeça e, unido a Kriegüer, pôs-se a seguir a ruiva. Tentava se recordar do mito de Njord a qualquer custo, sabendo que assim obteria vital pista a respeito do triste destino de Vineta.

 

Vogel quase escorregou ao passar por cima de um monte de pedras úmidas em seu caminho, o baú por pouco não escapando de suas mãos já cansadas. O peso do artefato parecia aumentar quanto mais tempo passava carregando-o, tornando-se verdadeiro fardo. Mas não podia parar. Sua intuição dizia que deveria levar o coração pulsante até o centro da cidade, porém os obstáculos tornavam-se cada vez mais freqüentes e densos pelo trajeto.

Deparou-se, de repente, com uma estátua inclinada do deus Njord, sua base de concreto estando quase totalmente esmagada por uma pilastra que caíra. A tenente-coronel, que encarou a escultura de modo súbito, viu-se cara a cara com a divindade nórdica do mar, os olhos cinzentos da representação parecendo vigiar cada passo da invasora, apesar de serem fixos e inexpressivos a um observador qualquer. Até a forma como seus braços portavam um remo parecia ameaçadora, como se a estátua fosse criar vida a qualquer instante e dá-lo na cabeça da alemã. Esta, porém, procurou livrar-se de tais devaneios e avançou. Não deixaria que as ilusões daquele lugar a impedissem de cumprir sua meta.

Aos passos em falso e deslizes de suas botas, a Sophia loira seguiu adiante ruínas adentro, o baú firme em seus dedos. Conduziria o coração até onde quer que fosse e descobriria a verdade sobre Vineta... Não importando o preço!

 

Os sinuosos caminhos por entre os escombros da urbe afundada já se tornavam monótonos para o grupo de Indy: blocos e colunas partidos, estátuas mutiladas, tetos em colapso, moedas e objetos de valor jogados pelo pavimento... Se ao menos aqueles três fossem gananciosos, já poderiam deixar a cidade carregados de ouro, porém isso não os interessava. Eles buscavam algo mais: a verdade dos fatos.

         A coisa mais importante para Njord... – murmurava Jones consigo mesmo, tentando se lembrar conforme andava. – O que seria?

         Seus filhos? – cogitou Kriegüer, que também quebrava a cabeça com a questão. – Frey? Freya?

         Creio que não... Droga, não consigo me lembrar! E pensar que meu pai costumava ler alguns poemas nórdicos para mim quando eu era criança, antes de dormir... Tenho a resposta, só não estou conseguindo tirar a poeira dela para que fique nítida!

Poeira... Essa palavra mexeu com os pensamentos de Indiana, aparentando ter revelado entre eles um caminho. Recordou-se que, quando Vogel abrira o baú encontrado na embarcação naufragada, havia terra forrando o espaço ocupado pelo coração misterioso. Poeira, terra, pó... O interior seco do recipiente. O coração devia pertencer a alguém que não podia se molhar... Alguém que não estava associado ao mar, sendo oposto ao oceano. Um deus, deusa ou entidade que pertencia à terra firme, ao continente, às montanhas...

         Skadi! – exclamou o norte-americano, parando de súbito.

         O quê? – Sophia e Heinrich também estacaram, indagando em uníssono.

Indy, no entanto, não teve tempo de explicar sua conclusão, pois o alto som de um tiro ecoou pelas ruínas. Numa demonstração de impecável mira por parte de quem o efetuara, a bala atingiu de raspão o cabo da pistola Colt que Jones trazia pendurada junto à calça, fazendo a arma escapar de seu dono e voar alguns metros para trás. Sem reação, o trio apenas pôde fitar a direção de onde partira o disparo... Deparando-se, em cima de uma parede desmoronada, com a figura da tenente-coronel Vogel, apontando sua Luger para os inimigos. Ao seu lado, depositado sobre o concreto, encontrava-se o baú coberto de algas, contendo o coração cuja dona Indiana agora conhecia.

         Nós já estávamos sentindo sua falta! – ironizou Indy.

         Sinto-me honrada pelo comentário – sorriu ela, piscando para o arqueólogo. – Mas temo que a aventura de vocês termine aqui!

         Nós já escapamos de você uma vez e vamos escapar de novo! – provocou Hapgood.

Nisso, a alemã contemplou a ruiva de cima a baixo, examinando seu traje de mergulho e, com uma expressão de desdém em sua face, afirmou:

         Americanos... Sempre vestidos de forma imprópria para as ocasiões. E fico surpresa por ter sobrevivido a meu pequeno presente na Noruega, senhorita.

         Você vai ver o presente, sua...

Jones conteve a colega, segurando-a por um dos braços. Esta bufou de raiva, pois desejava fazer picadinho de nazista... Mas não queria levar um tiro. Assim aquietou-se, levando uma das mãos aos cabelos. Vogel continuava ameaçando-os com a Luger. Coube a Indiana, depois de passar alguns segundos olhando o baú e então encarando a militar, tentar negociar de algum modo:

         Você sabe o que há exatamente dentro dessa caixa?

         Um artefato mágico cuja existência será explicada assim que eu levá-lo até o centro da cidade, ao templo de Njord! – a loira respondeu um tanto ensandecida, apontando para um complexo de construções quase intacto perto dali.

         O povo de Vineta morreu por ter se apoderado disso! Quer mesmo ter destino igual? Não viu o que a aura protetora deste local fez com seus modernos submarinos?

         Ele tem razão, fräulein – concordou Kriegüer.

         Seu blefe não funcionará comigo, herr Jones! Vocês serão detidos aqui e agora!

 

CRACK!

 

Vogel se esquecera, porém, de que toda a estrutura da cidade estava comprometida. Só voltou a ter isso em mente quando o concreto sob seus pés simplesmente se esfarelou, fazendo-a perder o equilíbrio e cair de costas. Teve tempo ainda, num grito de raiva, de disparar mais uma vez a pistola, porém já havia perdido a mira e o projétil se dirigiu para cima, indo sumir na cobertura rochosa acima das ruínas e assim passando bem longe de seus alvos. Era a deixa para estes poderem fugir.

Num veloz movimento, Indy virou-se, apanhou de volta sua arma de fogo e bradou, já avançando em outra direção:

         Corram!

Os três aliados desapareceram rapidamente dali, a tenente-coronel, logo que se levantou, tentando atingi-los com mais tiros, porém errou todos, as balas se alojando nas já tão danificadas construções. Assim que os perdeu de vista, a alemã soltou um grunhido de fúria, por pouco não atirando longe a Luger. Contendo-se, olhou de novo para o baú e lembrou-se de sua tarefa. Tinha de chegar até o suposto templo no centro de Vineta. A verdade dependia disso, a herança ariana a ser comprovada. Apanhou o recipiente e, com a cabeça erguida, continuou sua marcha.

 

O trio de Indy só parou de correr depois de vencer alguns bons metros. Não havia mais sinal da comandante inimiga, e aproveitaram a relativa proteção oferecida por uma edificação parcialmente de pé para recuperarem o fôlego. Jones verificou a munição da Colt, Heinrich inspecionando os bolsos e ficando aliviado ao constatar que a carta de Giovanni Brazzi ainda estava consigo. A Sophia ruiva, já restabelecida, resolveu então perguntar a Indiana:

         Qual o significado daquele nome que você falou lá atrás? Aliás, qual era mesmo?

         Skadi – Kriegüer respondeu pelo amigo. – Uma deusa nórdica.

         Esposa de Njord – especificou Indy. – Mas o casamento dos dois não foi feliz. Enquanto Njord é o deus do mar e da pesca, Skadi é a deusa das montanhas e da neve. A união não vingou porque nem Njord conseguia se adaptar à terra firme e nem Skadi se habituava ao oceano, de onde via as montanhas ao longe e ansiava por até elas retornar. Desse vai e vem entre os dois é que surgiram, para os nórdicos, as estações do ano. E no final o casal se separou.

         Que história triste... – murmurou Hapgood.

         É o que dizem os poemas e sagas... – replicou o norte-americano.

         Mas qual relação você vê entre esse mito e Vineta, meu caro? – inquiriu Heinrich.

         De acordo com o relato de Brazzi, os moradores desta cidade tomaram a coisa que era mais valiosa a Njord. Havia terra forrando o baú contendo aquele coração que encontramos no navio afundado. A julgar o aspecto sobrenatural do órgão, o fato de ele ter se mantido conservado, seco e pulsante por tanto tempo... Ele não pode pertencer a um humano. Ele pertence a uma deusa. É o Coração de Skadi.

         Coração de Skadi? – Kriegüer até recuou alguns passos, tamanha foi sua surpresa. – M-mas como assim? Como a população de Vineta conseguiu arrancar o coração de uma deusa?

         Disso não faço idéia, mas é a teoria mais plausível. Vineta estava passando por um momento difícil. Pressões vinham de todos os lados para converter a cidade ao cristianismo, como se pode perceber pela carta, e os habitantes daqui lutavam para manter seu estilo de vida e o esplendor que alcançaram a qualquer custo. Por isso começaram a recorrer desesperadamente a todos os deuses. Lembram-se dos “Falcões do Milênio” e da simbologia neles presente? Mas a divindade principal, protetora dos navios e dos comerciantes, era Njord. E era dele que Vineta esperava maior amparo. Mas como essa proteção parecia não vir...

         Eles viram-se na necessidade de ter uma moeda de barganha! – completou Sophia.

         Exatamente. De alguma forma eles conseguiram se apoderar desse artefato místico, o Coração de Skadi, que representa a própria deusa. É como se a houvessem feito refém para que Njord fosse obrigado a protegê-los dos invasores cristãos. Mas, como se vê, não se pode barganhar com um deus. Njord afundou Vineta num violento maremoto para se vingar de tamanha afronta, ainda mais devido à sua história já trágica envolvendo a esposa. Alguns habitantes devem ter conseguido fugir e levaram o coração junto, dentro daquele baú, porém a fúria divina os atingiu mais tarde, ainda em alto-mar. Isso deve explicar o fato de termos encontrado o órgão pulsante naquele barco afundado que possui o emblema desta cidade, mas que se distanciou dela.

         No entanto, qual o significado de tudo isto? – Heinrich estava confuso. – Por que Njord mantém esta cidade conservada e seca para que possamos explorá-la? Ele quer ou não que o Coração de Skadi seja deixado aqui? Afinal, qual o propósito dessa força invisível que parece estar nos manipulando?

         Eu não sei... Eu definitivamente não sei!

 

Aos poucos Vogel via surgir à sua frente a colossal e imponente construção no centro da metrópole, comparável até aos projetos que o Führer tinha para reconstruir Berlim, os quais certamente seriam colocados em prática logo que a Alemanha voltasse novamente a guerra contra os Aliados. Aquela magnificência arquitetônica realmente comprovava o elo entre o grande povo germânico e os admiráveis habitantes de Vineta. A tese da tenente-coronel se mostraria a prova irrefutável acerca da superioridade da raça ariana sobre todas as demais. Uma glória que jamais teria fim.

Dirigindo-se até uma das entradas do vasto templo, guardada por duas enormes estátuas de pedra representando Odin e Thor, a loira nem percebia que as vibrações provenientes do baú se tornavam incrivelmente intensas e rápidas. O coração dentro da caixa demonstrava ansiedade, furor. Ele estava agitado por estar ali!

Sophia sorriu. Nada poderia pará-la agora. Pisando firme, sem titubear, adentrou o santuário perdido.

 

 

Glossário – Capítulo 10:

 

Gênova: Cidade da região da Ligúria, norte da Itália. Importante porto comercial, também foi poderosa cidade-estado durante o final da Idade Média e Idade Moderna, possuindo então uma das mais poderosas marinhas do Mediterrâneo. O navegador Cristóvão Colombo nasceu em Gênova. A cidade foi saqueada e queimada por piratas árabes em 934 d.C., fato que é mencionado na fictícia carta de Giovanni Brazzi, presente nesta fanfic.

 

Bizâncio ou Constantinopla: Atual cidade de Istambul, na Turquia, situada num ponto de encontro entre a Europa e a Ásia, entre os chamados Chifre de Ouro e o Mar de Mármara. Sua origem remete a uma colônia grega fundada em 667 a.C., mais tarde tornando-se capital do Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino. Grande cidade ligando os mundos ocidental e oriental durante a Idade Média, esplendorosa e rica, foi tomada pelos turco-otomanos em 1453 d.C., tradicional marco de início da Idade Moderna.

 

Frey: Deus nórdico, associado à agricultura, clima e fertilidade. Cavalga um javali chamado Gullinbursti e possui um navio de nome Skíðblaðnir, que sempre recebe vento favorável e pode ser dobrado e carregado numa bolsa quando não-utilizado. Deus geralmente representado como um jovem belo e forte.

 

Freya: Deusa nórdica, associada ao amor, beleza, fertilidade, ouro, guerra e morte. Possui um colar místico chamado Brísingamen, uma charrete impulsionada por dois gatos, um javali de nome Hildisvíni e uma capa feita de penas de falcão. O dia da semana “sexta-feira” em inglês, “Friday”, derivado de “Freyja’s Day”, foi nomeado em sua homenagem.

 

Continua...


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