Quando O Amor E A Morte Se Encontram escrita por Lia Reis


Capítulo 5
Capítulo 5 - Impulsos




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Tinha certeza de que a minha relação nada boa com Jesse se tornaria insuportável assim que pusesse os pés na escola. Incrivelmente eu estava com um pouco de receio quanto a isso.

As coisas entre nós já não eram lá muito legais, agora ficaria pior. Sabia que o havia machucado noite passada, mas eu não pude evitar. Ele também me fere quando quer, talvez seja essa mania dele de querer saber de tudo, sei lá. Só sei que ele enxerga muito além do que os olhos podem ver e isso me assusta.

A única sorte do dia era que as minhas três primeiras aulas ele não freqüentava. Portanto, não o veria assim que chegasse à escola.

Aula de artes. A única aula do dia que Jesse e eu tínhamos em comum. E definitivamente não estava preparada para vê-lo.

Ele fez questão de se sentar bem ao meu lado, novamente com uma proximidade desnecessária. Não olhou sequer uma vez na minha direção, mas sabia o que estava fazendo. Confesso que estava começando a ficar incomodada.

A professora escrevia alguns sonetos de Shakespeare no quadro, todos os alunos faziam silencio, menos Jesse. Que cantarolava bem do meu lado só pra me irritar. Eu estava tentando relevar tudo e copiar o que a professora escrevia, mas estava meio difícil com Jesse do meu lado cantarolando e se metendo na minha frente de vez em quando. Bloqueando a minha visão. O bom? Não era somente eu que estava ficando incomodada. Todos estavam até mesmo a professora. Ele batia freneticamente a caneta contra a mesa, um barulho irritante que me tirava a concentração.

- Chega! –todos se voltaram a mim. Inclusive Jesse. – Professora, esse garoto é insuportável. Ele não respeita a sua aula, está acabando com a minha concentração e tenho certeza que com a dos outros alunos também. A senhora deveria tomar alguma atitude, a diretoria me parece bem razoável.

Ela apenas me olhava cheia de orgulho e segurando o caderno apenas gesticulou para que Jesse se levantasse e me seguisse. Ele não estava acreditando no que via ninguém. Nenhuma aluna tinha tanta moral para tirar um aluno da sala, com a concepção do professor, claro. Até eu estava surpresa, naquele momento tive a mais absoluta certeza de que eu era mesmo a aluna preferida da professora de artes.

Jesse se levantou cheio de ódio e me seguiu, eu ia à frente a uma direção quando ele me puxou violentamente para outra. Eu não estava entendendo nada. Levou-me até uma sala vazia, trancou a porta e me surpreendeu com um beijo.

Um beijo urgente que me machucava, mas ao mesmo tempo cheio de paixão que não me deixava ir embora. Que me impedia até de pensar. Deixei-me levar pelo momento, não sabia o que estava acontecendo comigo, definitivamente. Até onde eu sabia, odiava aquele garoto. Entretanto me encontrava em uma sala com ele aos beijos. Isso era totalmente insano pra mim.

Só que mais insano não era estar beijando-o, mas sim gostando. Eu poderia fazer qualquer coisa para me libertar dele, mas eu simplesmente o aproximava mais para mim. Olhando por outra perspectiva, ele não estava com cara de que me deixaria ir, seus braços pareciam feitos de aço soldados em minha cintura.  

Até que ele se afastou de mim abruptamente. Os dois com a respiração entrecortada e os batimentos irregulares, eu percebi pela proximidade do seu corpo contra o meu.

- Mas o que...

- Não diga nada. –ele me interrompeu, parecia que estava mais confuso do que eu. Mas um brilho diferente iluminava seus olhos.  Só então percebi em que sala estava.

Havia uma mesa enorme no centro e sofás grandes e confortáveis. Era a sala dos professores. Ouvimos um barulho na porta, o que nos assustou. Instintivamente nos escondemos debaixo de um pequeno armário, onde eram guardados alguns livros. O armário era de madeira e tinha um espaço parcialmente tolerável para dois corpos habitá-lo, ainda que desconfortavelmente.

Ficamos espremidos contra o chão e um contra o outro, o que particularmente, me deixou incomodada. Tanta proximidade me causava falta de ar. Não que eu o clima estivesse muito... quente, ou coisa do tipo. Tá, essa poderia até ser uma das razões por me causar falta de ar, mas eu era meio claustrofóbica e paranóica. Ou seja, eu tava pirando debaixo daquele armário.

Pirando por ter um corpo incrivelmente perfeito colado ao meu, pelo medo de sermos pegos e pelo ar escasso. Ele percebeu.

- Não precisa ficar nervosa, Sam. –ele sussurrou no meu ouvido, fazendo-me ficar toda arrepiada.

- Para com isso, Jesse. Quer que eu grite, e todos descubram que você está me assediando!? –elevei um pouco a minha voz.

- Shhh... Fale baixo. E eu NÃO estou te assediando. Você que não resiste aos meus encantos.

- Hahaha. Então vamos ver se você resiste a um tapa meu. Posso até imaginar o belo contraste que ficará nesse seu rosto branquelo, cinco dedos marcando essa sua face ridícula.

-  Aah! Então o seu lance é sadomasoquismo não é?! Já entendi. –ele soltou um risinho.

De repente todos nós ficamos estáticos, mais do que já estávamos. Isso incluía a professora que estava na sala também, ela deve ter escutado algum ruído.

- Quem está aí? –ela perguntou com a voz cheia de medo. Jesse e eu não conseguimos reprimir um riso que só foi ouvido por nós.

- Mãe do céu, quando eu digo que essa escola é assombrada ninguém acredita.

A mulher supersticiosa saiu da sala rapidamente, foi à deixa para eu e Jesse sairmos debaixo do armário. Ele saiu primeiro e me ajudou puxando-me e colocando de pé.

- Obrigada. –ele assentiu. Saímos da sala discretamente e esperamos que o tempo da aula de artes acabasse para entrarmos na sala. Enquanto o tempo passava ficamos no refeitório, os dois em silencio. Eu não tinha coragem de perguntar do por que do beijo inesperado e ele não se pronunciou a respeito.

E assim permanecemos, sem nenhum pronunciamento. Jesse sempre desviava o olhar, na verdade, agia como se eu nem estivesse ali.

Mas eu não ligava. Aquele beijo deve ter sido tão sem importância pra ele quanto foi pra mim, por isso ele não deve querer discutir a respeito.

- Por que você me beijou? –não resisti. Ele me olhou como se eu tivesse acabado de tira-lo de um transe.

- por que você fala demais. –e lá estava aquele sorriso torto debochado nos lábios. eu pensei por um instante.

- mas eu não estava falando nada.

- então seus pensamentos estavam gritando tão desesperados que eu fui capaz de ouvi-los.

Ele respondeu rápido. Eu só lhe lancei um olhar duro.

- vamos, a professora já saiu.

Eu o segui, cheguei na sala de aula emburrada, enquanto Jesse distribuía sorrisos. Parecia que eu que havia sido expulsa da sala. Babaca.

- e aí? O que aconteceu? Viu o passarinho verde, foi? – perguntou Luc as a Jesse, cheio de curiosidade.

- nada. Não aconteceu absolutamente NADA. –ele fez questão de enfatizar a palavra “nada”. Cínico!!!! Gritei em pensamento.

Me agarra. Me dá o maior beijo. E ainda diz com essa cara de pau que não fez NADA. Nem gaguejou. Nem ruborizou. Já eu, parecia um tomate de tão vermelha.

Mas por que? Não havia motivos. Bem, não é todo dia que um bonitão vem e te rouba um beijo. Arrgh.

 - Então?

- Então o que? –perguntei sem interesse.

- O que aconteceu? Vocês não foram realmente pra sala da diretora, não é mesmo? –Maria perguntou, espreitando os olhos por trás dos óculos que raramente usava. Ela estava me acompanhando ate minha casa, já que éramos quase vizinhas.

- O que a faz pensar que houve algo?

- Qual é Sam!? Ninguém entra na sala de aula com um sorriso de orelha a orelha depois de ter ido à diretoria.

- Não houve nada. –afirmei sem olhar em seus olhos, Maria me parou no meio do caminho e me obrigou a olhá-la.

- Conta tudo. –eu joguei a cabeça para e revirei os olhos.

- Ele me beijou.

- O que? Co-como assim? Do nada? Por quê?

- Ai, Maria. Por favor. –já havíamos chegado em casa.

- Sam, quero explicações.

- Tchau Maria. –insisti abrindo a porta

- Ora, sua menina má. Somos amigas. Você deveria me contar essas coisas. –eu ri pelo seu drama.

- Até amanhã.

- Okay. Amanhã. –me deu um último sorriso entusiasmado e eu fechei a porta.

Antes de ir para o meu quarto, passei pela cozinha, peguei só um copo de água. Não tinha fome. Não sabia o que estava acontecendo, mas me sentia um pouco cansada, fraca. Não estava me alimentando muito bem fazia uns meses.

Já havia me acostumado com essa rotina de alimentação. Só comia quando minha mãe me obrigava a descer para o jantar. Ela havia notado que eu emagrecera um pouco, mas não tinha muito controle já que o seu trabalho a impedia de me vigiar dia e noite. Ela era enfermeira e passava muito tempo no hospital, fazendo plantões principalmente.

Meus pais eram separados, ele morava no México. Mas vinha me visitar nas férias. Então eu ficava a maior parte do tempo sozinha.

Essa era uma das noites que minha mãe faria plantão no hospital. Eu gostava de ficar sozinha, mas não especialmente de noite. Acho que era paranóia minha, mas toda vez, pesadelos me assombravam. E quando despertava de um deles não conseguia mais dormir, ficava piscando para o teto repassando mil vezes as cenas ou chorando até dormir.

Não era a toa que tinha tão pouca disposição na escola, já pensei em procurar um terapeuta por conta dos pesadelos e insônia, que haviam começado desde que... Bem, desde Jack morrera.

Mas fiquei calada, só tomava os remédios que minha psicóloga havia receitado para me ajudar a dormir.

Tomei um banho quente e em seguida peguei um frasco dos remédios. ‘Sem pesadelos’. Disse a mim mesma. Tomei uma pílula e fui para cama. Logo adormeci, tive um sono sem sonhos, pelo menos eu assim pensava, já que não tinha lembrança de absolutamente nada desde que fechara os olhos. Meu sono foi tão profundo que nem tinha ouvido o telefone tocar todas cinco vezes. Era minha mãe, descobri pelos recados na caixa postal.

Então, se tive algum sonho, não foram pesadelos. Agradeci mentalmente ao (...).

Devido a isso, acordei me sentindo bem. Desci para tomar café, minha mãe já estava em casa. Era incrível, mesmo trabalhando um dia inteiro sem dormir, minha mãe nunca deixava de fazer o nosso café da manhã. Como de costume, a mesa estava posta repleta de coisas das quais eu não iria comer. Ou que deixara de comer. Mas já que acordei bem, resolvi comer um croissant.

- Ah, bom dia filha. Dormiu bem?

- Uhum. Sim. –lhe dei um sorriso.

- Eu liguei pra você cinco vezes, fiquei preocupada.  –ela me analisou enquanto se servia de café.

- É, eu vi agora a pouco. Desculpe mãe, eu dormi pesado.

- Tudo bem. Isso é bom não é!? –ela sorriu.

- É. –me encolhi, não queria que ela soubesse que ainda tinha dificuldades pra dormir. Pelo menos tranquilamente. Não queria dar mais preocupações a ela.

Assim que terminei meu café peguei minha bolsa e fui pra escola, minha mãe foi para o quarto descansar.

As aulas foram normalmente cansativas, por sorte Maria não havia me abordado como achava que faria, ela deixou de lado ou estava esperando que eu contasse por iniciativa própria, coisa que não aconteceu.

Eu não era muito de falar sobre mim, o que acontecia comigo, meus problemas e supostos “romances”. Nós éramos amigas, claro. Maria era a pessoa mais próxima de mim depois de Jack, mas ainda assim, não lhe falava tudo.

Ela sabia disso, mas não se importava. Era o meu jeito, apesar de eu quase nunca compartilhar as minhas coisas, ela me conhecia tão bem quanto Jack.

Jesse também não falou comigo, o que eu achei estranho, mas não eram só essas as coisas estranhas no dia. O fato de Ângela não desgrudar dele me chamava bastante atenção.

Não que eu me importe, claro. Mas qual é!? Até outro dia ela era apaixonada pelo meu melhor amigo, agora estava pendurada no pescoço do primeiro bonitão que lhe apareceu. Tudo bem, ela tinha o direito de seguir com a vida dela, mas ela podia ter o mínimo de respeito à memória de Jack e dar em cima do Jesse mais discretamente.

Vez ou outra eu olhava pra trás e cruzava o olhar com Ângela, que se tivesse uma visão de raio laser, faria de mim churrasco naquele mesmo instante. Menina insuportável.

Todos os alunos se levantaram abruptamente, foi então que alguém falou em meu ouvido.

- Acho que o sinal do intervalo pra almoçar tocou. –até debaixo d’água reconheceria aquela voz rouca e irritante.

- Por que você não vai encher o saco da sua namoradinha?

- Nossa quanto mal humor. Que namoradinha? –ele riu. Mas eu não lhe respondi apenas me levantei.

- Sabe, quando perguntamos algo esperamos resposta.

- Não se faça de bobo, esse papel não combina com você. –ele continuou calado, me olhando inexpressivamente.

- Ângela? –sugeri ironicamente.

- Aaaahh

- Aaahh. – eu falei igual, entretanto sarcástica.

- Não...

- Você sabia que ela era namorada do Jack? Você podia ter o mínimo de consideração a ele.

- Em primeiro lugar, ela não é minha namorada. E em segundo, você escutou o que acabou de falar?

Eu fiquei calada.

- Você está me pedindo pra não me envolver com Ângela. Se não fosse tão absurdo, seria ridículo.

- Eu só não acho certo, ok? Não tem nem um ano que o Jack morreu e você já esta caindo em cima da garota que era alucinada por ele.

- Ei, ela que veio falar comigo, ok? Eu não dei em cima de ninguém. E você não acha que ela tem o direito de seguir a vida dela? De ser feliz com quem quer que seja... Ou você vai impedir que ela ficasse com qualquer cara dessa escola?

- Claro que não, seu idiota.

- Ah então o problema é só comigo? Sabe o que você está parecendo? Uma namorada ciumenta. –ele sorriu maroto.

Eu soltei uma gargalhada de deboche que ecoou por toda a sala.

- Cara... Você é louco.

- Você também deve seguir com a sua vida Sam. Olhe só pra você...

- O que... Tem de errado comigo? –perguntei checando minhas roupas e cabelo.

Ele soltou um risinho sem animo.

- Não é da sua roupa que eu estou falando. Você é linda e mesmo se vestisse trapos continuaria linda. –Jesse tocou meu rosto de leve com o polegar. Eu estremeci ao seu toque.

- Você acha que Jack gostaria de te ver assim? Infeliz...

- Quem é você pra falar do Jack? Você não tem o direito, não é digno de pronunciar o nome dele.

- Olha, eu entendo que você esteja sempre na defensiva, mas as vezes é bom ser gentil, só pra variar sabe.

- Discutir com você é desgastante e totalmente inútil.

- Tudo bem... Eu desisto. –ele ergueu as mãos no ar. – To sabendo que o cara era muito querido por todos, não tinha inimigos, era popular, boa pinta, bom aluno, bom filho, bom amigo... Ele podia ter tudo isso e eu nada. Posso ter colecionado algumas inimizades durante os meus longos e segundo você, desmerecidos, 18 anos... Posso não ter sido um filho muito obediente ou um aluno exemplar... Mas tem uma coisa que eu tenho e ele não...

Eu esperei ele terminar, os braços cruzados e um enorme tédio.

- Vida. 


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