Outsider - A Estrangeira escrita por Bruna Guissi


Capítulo 16
Dúvidas


Notas iniciais do capítulo

Herm, Ah, oi. É, então, sim. Eu estou postando um capítulo novo sim, depois de o quê? Um Ano? Leiam tudo, por favor.
Sei que foi abandono de minha parte, sei sim; peço desculpas, mas como sempre, a vida anda corrida.
Mais agora do que nunca;
Sofri um pequeno acidente semestre passado, quebrei meu braço, uma confusão. Semestre difícil, mas de qualquer jeito, voltei, e espero que seja pra ficar.
Não prometo periodicidade, é muito difícil que eu consiga bastante tempo livre para manter a fic atualizada. Mas prometo tentar, ok?
Um abraço enorme a todos, e não deixem de comentar, para me xingar muito, mas amar os personagens, ou deixar uma opinião, ou erros de digitação.
Esse é um capítulo que revela muita coisa, então leiam com atenção!
Um abraço e um chamego;
Boa leitura pessoal!

PS: Deixo aqui o link de um conto antigo pra vocês lerem == notas finais



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–Quer dizer que foi ele? – perguntou Mona, levemente chocada. Annita apenas acenou com a cabeça. Aguardara o recesso todo para poder perguntar-lhe isso.

Mona sabia que a colega estava irremediavelmente chateada com o garoto; ele pusera a escola inteira em perigo inconsequentemente com atitudes rebeldes, ignorando todo o trabalho duro e esforço da garota que estava ali na sua frente.

Mona também achava que era um pouco de drama, embora dessa vez não fosse acompanhada por Rose, que geralmente concordava com ela. O garoto fizera apenas defender um ideal; claro que de maneira estúpida e perigosa, mas não tinha intenções maléficas naquilo.

Ela conhecia Malfoy desde pequenos. Sabia que não podia ser completamente culpa dele. Não tinha como.

Annita suspirou pesadamente à sua frente. O horário do novo semestre havia mudado, e já era sexta, último tempo. “Poções...Maldito seja o velho que descobriu as propriedades mágicas de bebidas fortes.”, pensou amargamente.

–Anime-se garota. – encorajara Mona – A aula está quase acabando e você vai poder ver seu amado namorado. – completou entre risinhos.

Annita revirou os olhos para a rima. Desde que retornaram do feriado de inverno, Rose e Mona se aproximaram muito, e infelizmente descobriram a habilidade de ser insuportáveis juntas, embora a garota ainda cultivasse carinho por ambas. Carinho que não impedia uma agressão aqui ou ali, notou mentalmente.

Mas realmente, sim: Alvo era seu namorado.

Annita suspirou de leve.

A agitação preenchia o estômago toda vez que pensava no assunto. Primeiro relacionamento. “Ugh! Por que parece tão primaveril?”, perguntou-se irritada. Não exatamente irritada; o mundo andava um pouco mais cor-de-rosa desde o fim do recesso, e Annita não se acostumava com a constante sensação de satisfação. Estava desacostumada a não trajar uma carranca, embora às vezes fosse fácil adquirir uma, e isso a assustava.

“Deixe de ser besta”, foi o que Rose lhe dissera.

“Realmente”, pensou.

Quando deixaram as masmorras juntamente com a turma da Lufa-lufa, dirigiram-se imediatamente para o Salão Principal. Mona dissera que se tivesse de tomar banho antes de comer, provavelmente seria encontrada morta por inanição na ducha.

Sentaram-se à mesa da Sonserina , conforme o revezamento proposto um tempo atrás pela garota excêntrica. Cerca de vinte minutos depois, Rose e Alvo se aproximaram da mesa e sentaram-se, já não atraindo mais olhares dos alunos em volta.

Alvo pipocou um beijo na testa de Annita antes de sentar-se ao seu lado, e se serviu de assado enquanto Rose começou a tagarelar.

–Já dissemos isso antes Annita; venha para nossa casa nas férias de verão. – disse a ruiva animadamente. Hoje tinha a cabeleira contida por uma trança frouxa lateral, que deixava seu rosto mais delicado, e praticamente irreconhecível do usual.

Annita sorriu para a insistência da amiga. Queria mesmo ir, mas sabia que teria de pedir permissão à McGonnagall antes de deixar o castelo.

–Já disse a vocês, falarei com a diretora semana que vem. Se ela disser que não há problemas, eu vou adorar conhecer sua família. – disse sorrindo.

–Mas então terá de vir a minha casa também. – protestou Mona, com um beicinho fingido – Não vai fazer essa desfeita, vai?

Annita revirou os olhos sorrindo. Quando foi que pessoas tão adoravelmente malucas tinham se instalado em sua vida, mesmo?

Os quatro continuaram a comer alegremente, quando um garoto menor, e igualmente ruivo a Rose chegara correndo à mesa.

–Hugo? – indagou ela ao irmão – O que faz aqui? Sabe que esses sonserinos mordem. – disse indicando Mona.

Essa apenas fez sorrir mostrando os dentes para o garoto, fazendo Annita e Alvo rirem. O garoto revirou os olhos.

–Para com isso! – protestou – Preciso de sua ajuda para um trabalho de transfiguração. – adicionou encabulado.

–Mas não podia esperar até o Salão Comunal? – perguntou ela, enfiando uma colher de gelatina de amora na boca.

–É que eu não sabia dele até Lilly me lembrar, e bem... é para amanhã. – adicionou baixinho.

Rose levantou os olhos da travessa doce a sua frente. Os outros três colegas deixaram o silêncio duro intocado na mesa.

–Como assim “para amanhã”? – indagou Rose, com a expressão severa – Sabe muito bem que suas notas em Transfiguração andam um fiasco, e deixou um trabalho desses para última hora? Não diga “para amanhã” como se tivesse derramado leite na toalha de mesa. Tá mais para uma porção de titica de coruja na toalha chique de natal da Mamãe!

Rose! – dissera Alvo incisivamente – Pare de ser tão estúpida! – disse gesticulando silenciosamente o resto.

A garota suspirara pesadamente. Encarou o irmão que parecia a beira das lágrimas, e se arrependeu um pouco pela bronca. Só um pouquinho.

–Ei, acalme-se. – disse mais baixo, agora levantando-se e puxando o irmão para longe – Vamos, eu lhe ajudo com isso. Mas prometa que vai tomar mais cuidado, Hugo. Tem de prometer.

O garoto consentiu timidamente enquanto deixavam o Salão Principal.

–Meu deus, ela possui a sensibilidade de um trasgo montanhês. – disse Mona, meio risonha, meio chateada - A inteligência, apesar de enorme, não a deixa enxergar isso antes que já tenha magoado alguém.

–Não era a intenção dela. – defendeu Alvo.

–Claro que não. – rebateu Mona, como se fosse óbvio – Dá pra ver que ela só quer que ele melhore as notas. Acho que tanto quanto ela, ele também sente a pressão de ser filha de uma gênia, e ela nem sempre se lembra disso. – concluiu ela, docemente.

Annita olhou com curiosidade para Mona, que agora parecia remexer sem muita fome sua sobremesa.

A relação de Mona e Rose realmente se tornou mais íntima.”, notou Annita. “Quase..., afetiva, talvez?”

Annita balançou a cabeça para dispersar os pensamentos, e anunciou que iria para o dormitório, a fim de se limpar e dormir um pouco. Mona concordou e Alvo seguiu com elas até a porta da Sala Comunal da Sonserina, e esperou até que Mona deixasse ambos a sós para que pudesse falar com a garota a sua frente.

Ele olhou para ela com olhos curiosos. Annita viera raciocinando freneticamente desde que deixaram o jantar, e percebera isso com certo incômodo.

–Me diga o que está pensando. – perguntou ele, encostado na parede de qualquer jeito.

Annita olhou com uma pequena hesitação para ele, mas que fora tomada pela curiosidade.

–Com que frequência Rose e Mona trocaram cartas nesse recesso? – perguntou timidamente.

Alvo piscou algumas vezes antes de responder:

–Não era a pergunta que eu esperava. – disse ele, olhando para os olhos dela, que ela mantinha abaixados para o chão, como que escondendo alguma coisa. – Por que pergunta isso?

Annita suspirou, e levantou os olhos. O cabelo estava preso em um coque, mas uma mecha castanha caia sobre eles. Eles não eram apreensivos; estavam meio risonhos e tímidos, como se tivesse falando de um assunto que não lhe dissesse respeito.

–Acho que Mona e Rose estão se dando melhor do que eu notei, entende? – perguntou com um sorriso inseguro no rosto.

Alvo levou alguns segundos para entender o que ela quis dizer. Com um misto de compreensão e espanto, ele perguntou:

–Acha que elas estão juntas? – perguntou - Sabe, como nós? – completou sorrindo, puxando ela para perto.

Annita deu de ombros sem jeito.

–Não sei dizer. Elas são muito parecidas, com um temperamento igualmente similar, mas eu não tinha parado para pensar nisso até hoje. – disse encostando-se na parede ao seu lado.

–E como chegou a essa conclusão? – quis saber o garoto, agora genuinamente curioso.

–Rose está um pouco diferente, não acha? – perguntou ela, tentando fazer-se entender – O que quero dizer é sobre a aparência, Alvo. – disse sorrindo.

–Como assim? – perguntou confuso.

A garota sorriu ainda mais para ele, cautelosa. Como podia ser tão cego? Se bem que, segundo as meninas, ela também não era muita referência quando o assunto se tratava de interesse do sexo oposto.

–Ela mudou um pouco a maneira como se apresenta, se arruma. Eu não sei se você reparou, mas ela voltou da viajem usando um perfume de morango e champanhe, que usa todos os dias, agora. – disse arqueando as sobrancelhas, incentivando a compreensão dele.

Alvo, ao contrário das expectativas de Annita, franziu a sobrancelha.

–O que foi? – perguntou ela, enfim.

–Acha que isso vai acabar bem? – perguntou com olhos preocupados – Digo, eu não lembro de alguma vez ter visto Rose apaixonada, mas ela não é tão durona como parece. – disse fazendo parecer pequenas fendas de preocupação em sua testa.

Annita pousou os dedos ali, pensando sobre o que ele falara.

–Mona está igualmente assustada, suponho. – concluiu, apoiando a cabeça na pedra fria – Elas vão se acertar. – disse por fim.

Ele sorriu cansado.

–É melhor eu ir, moça. – disse puxando-a para perto pela cintura.

Ia ficando cada vez mais fácil ficar com ele assim. Ela queria que Rose e Mona pudessem ter isso também.

Ela beijou suavemente a boca do rapaz, como quem diz para não se preocupar, e novamente dando boa noite, antes que ele se separasse preguiçosamente dela.

Antes que ela atravessasse a beirada da porta, alvo a chamou no fim do corredor.

–Sim? – perguntou com um sorriso cansado.

–Foi Mona quem deu o perfume a ela, sabia? – disse ele sorrindo, partindo pelo corredor.

Annita subiu para os quartos resolvendo que precisava urgentemente de uma cama quente. O dia fora cheio, e não acabara de modo desagradável, mas teria de acordar cedo no dia seguinte, e não queria que o Capitão reclamasse do atraso.

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O frio ia abrandando ao longo da semana, e na manhã de sábado fazia um calor incomum para a época. Ela resolveu que seu banho não seria tão quente, afinal. Preferia mil vezes a água gelada caindo sobre o corpo do que a escaldante, mas não se podia fazer muita coisa nesse país gelado.

Sinceramente, não sentira falta nenhuma da Inglaterra.

Não até saber que sua encarregada viria para este país. Tomou todas as providências e transferiu todos os bens dela para Gringotes, e por isso o semestre estava um pouco atrasado para todos os anos. Não que McGonagall estivesse desapontada.

Quem estava era ela.

A mulher bufou de raiva, trincando os dentes. “Que merda!”, pensou. Engoliu em seco e se trocou, sabendo que não deveria enrolar demais para falar com a diretora. Ela não estava feliz com a fim da discussão, como se tivesse o direito de achar qualquer coisa sobre o assunto.

Colocou o cabelo liso em uma trança dourada nas costas e vestira roupas trouxas. Estava de folga, e sinceramente não devia nada a ninguém.

Desceu alguns minutos depois, sem fazer menção de tomar café, e seguiu diretamente para o escritório da diretora.

Entrou sem bater, uma vez que a porta estava aberta, e McGonagall encontrava-se em um roupão verde-musgo confortável, claramente esperando por ela.

–Desdêmona... – começou ela.

–Diga de uma vez o que quer, Minerva. – respondeu em um tom seco e frágil. A voz não lhe faltaria agora, merda, não podia faltar. Tinha de saber exatamente o que ocorrera. Da última vez não dera chance da mulher a sua frente se explicar, mas sabia que tinha de manter a calma agora. Tinha de manter.

McGonagall suspirou.

–Eu falei com o Ministro Shacklebolt pessoalmente, e ele me enviou os registros oficiais de notificações do ministério daquele mês. – disse calmamente, olhando a mulher de pé em sua frente – Sente-se Desdêmona. Precisa ouvir o que tenho para falar.

A mulher sentou na poltrona oferecida, enquanto a diretora preparava duas xícaras de chá do outro lado da sala.

–Imagino que também não tenha tomado café. – adivinhou – Enfim; - disse trazendo a porcelana para a mesa, e adicionando açúcar ao seu chá - O brasão que encontrou na casa dos Boderdad no recesso de inverno era uma notificação de alerta. – mexeu levemente com a colher antes de continuar – Os pais da garota foram avisados da situação na cidade, e como você deve ter sido informada, levaram-na para aquele sitiozinho que tem no interior do país. Acontece, - adicionou ela fazendo uma pausa, agora olhando intensamente para a mulher na sua frente através dos óculos finos – que os pais a deixaram na residência e não seguiram a ordem de afastamento.

Desdêmona balançava a cabeça negativamente.

–Não, eles não a deixariam sozinha. – disse.

–Mas eles não achavam que elas estava sozinha, achavam? – perguntou a outra, em tom cortante. Não pretendia ser rígida, mas sabia que a jovem mulher a sua frente entendia o que queria dizer – Eles achavam que você estaria guardando a casa, como encarregada da família.

–Não é possível! – rebateu ela – A... A mãe dela não sabia que era eu a encarregada por eles. Nem mesmo seu pai. – completou perplexa.

–Eles sabiam, Desdêmona. – disse Minerva calmamente, levando a xícara aos lábios finos.

A mais jovem permaneceu chocada com a informação. “Não!”.

–Como pode ter certeza disso? – perguntou por fim.

McGonagall mediu bem as palavras antes de responder;

–O pai dela deu seu nome logo antes de chegar à óbito no hospital para o qual foram levados após o incidente. Está no relatório de ocorrências do dia vinte e sete de junho do ano passado, do departamento de Caos e Desordem Mágica do Ministério Brasileiro de Magia. – respondeu ela, sem olhar diretamente a mulher.

Desdêmona cobriu a boca com as mãos. Ao invés de cuidarem da garota, foram direto para a morte, porque achavam que ela estivesse lá. Esperavam que ela estivesse lá, mas a verdade é que não estava.

Annita esteve completamente só na noite em que seus pais morreram, e ela estava apenas a treze metros da mãe da garota quando essa morreu.

E não fez nada. Uma completa inútil. Fora incapaz de salvá-la.

–Uma ordem de afastamento? – perguntou, tentando firmar a voz, sentindo a ardência nos olhos – Tem certeza, Minerva?

Ela apenas acenou positivamente.

Desdêmona levantou-se rápido demais, derrubando a xícara intocada colocada para ela em sua frente.

–Desdêmona, não teria como você saber. – disse McGonagall, agora com certa urgência na voz – Você foi convocada para conter a situação na cidade. Não tinha como saber. – repetiu.

–Se Dila sabia que era eu quem guardava sua família, como eu poderia não saber? – disse com a voz fraca, virando as costas e saindo da sala redonda, sentindo uma náusea violenta atacar-lhe o estômago.

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Virara um costume visitar a sala dos troféus na ronda e agora fazia isso pela parte da manhã, ou quando lhe dava vontade. E sabia que isso deixava McGonagall infinitamente preocupada; não que ele se importasse muito com a bruxa velha. Estava parado observando a estante de imagens, pensando.

A garota não fizera a ronda da noite anterior, e sabia que o motivo era ele. Ian abriu um sorriso com a ideia. Perturbar aquela garota era... divertido, no mínimo.

Mas ele sabia que havia alguma coisa errada com ela, e que nem mesmo ela desconfiava. Muito lenta para perceber, não que pudesse culpá-la. Ela quase nunca fora daquele lado do castelo, e se olhasse para a foto que admirava agora, poderia dizer que ele estava sendo ridículo. Mas sabia que não estava.

McGonagall não o perturbaria se fosse apenas imaginação sua. Aquela mulher lembrava muito a estrangeira. Absurdamente. Só que era obviamente mais velha, e não tinha os olhos cor de musgo da menina que ele conhecia; os cabelos eram bem mais cacheados, quase formando tubinhos longos e largos que lhe caiam da cabeça, além de parecer mais atlética, mas com certeza lembrava ela.

Só que a foto estava em preto e branco, e ele não sabia o porquê. Não era tão antiga assim, tinha cerca de 20 anos, e as fotos já eram coloridas naquela época. “Talvez seja um recorte de jornal.”, pensou.

Não tinham os nomes dos alunos, mas conseguia ver que a garota usava um daqueles modelos antigos de uniforme, contendo o brasão da Sonserina.

–Por que se parece tanto com ela? – perguntou para a garota que segurava a placa de “Clube de Defesa” com um sorriso simpático no rosto. A foto voltava sempre para o momento em que ela virava a cabeça para a câmera e sorria, mostrando a placa. Cerca de mais trinta alunos estavam em volta dela, todos se mexendo ou sorrindo em direção a foto.

–Sei que tem algo a ver com ela. – disse para a foto, sorrindo – Só não sei o motivo de ligar para isso.

Virou as costas desceu em direção ao treino da manhã, que prometia ser algo divertido que fazia tempo que não presenciava. Só não sabia que não seria ele a achar aquela manhã divertida.

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–Ei, por favor, não se atrase. Não agora que o Capitão começou a deixar de desgostar de você. – pediu Alicia, quando Annita apenas ruminou em resposta ao seu chamado matutino – Qual é, Boderdad! Vamos, levanta logo dessa cama. – disse arremessando os sapatos da garota nela com mais força do que pretendia.

–Aiii! – reclamou ela, massageando a cabeça, ainda deitada – diga que não vou treinar, não quero ir. Diga que estou com furúnculos dragonianos e que isso me impede de levantar da cama. – resmungou com a cara no travesseiro.

Boderdad! – chamou a outra, agora nervosa – Saia desta merda desta cama e me explique porque está fazendo corpo mole quando normalmente você é uma das primeiras a chegar! – e puxou as cobertas finas da garota, que dormira só de camiseta e calcinha.

Alicia revirou os olhos.

–Que horas foi dormir? – perguntou puxando-a pelos braços para fora da cama.

–Nããão! – disse em protesto, se agarrado a uma das barras do dossel com o braço livre – Alicia, PÁRA, caramba! – disse falando mais alto agora, esquecendo-se que outras pessoa ainda dormiam no quarto.

–Não vou parar merda nenhuma. – disse em tom suave, como se falasse com uma criança teimosa. Por fim conseguiu fazê-la cair sentada no chão, bufando.

–Nossa, que insistência... – murmurou a garota, pronta pra se jogar na cama de novo, mas parando ao notar o olhar assassino de Alicia indicando que, se fizesse isso mesmo, teria de arranjar uma cama nova para dormir, e talvez um novo quarto.

Annita suspirou em derrota.

–Está bem! Mas que coisa! – disse em tom nervoso, indo para o banheiro escovar os dentes, tirando os cabelos emaranhados do rosto.

Alicia permanecera na porta do quarto enquanto a garota se trocava, pronta para arrastá-la caso fosse necessário.

–Por que está enrolando tanto? – perguntou a colega, por fim – Nunca a vi com tanta pouca vontade de treinar, garota.

Annita soltou um muxoxo de desdém, e fingiu amarrar os sapatos. Quando Alicia fez menção de se aproximar, ela levantou da cama, anunciando que estava pronta.

–Vamos ter de apenas passar pela mesa do café. – lembrou Alicia, cujo estômago roncava audivelmente. Annita suspirou, sentindo-se culpada.

–Ok, me desculpe. – disse por fim, fazendo a garota olhá-la alguns centímetros de cima – Realmente, não gostaria de treinar hoje... bem não é bem o treino, não é ele que me incomoda. – disse com a testa franzida.

Alicia acenou em compreensão.

–A melhor maneira de irritar o Belvedere, é fingindo indiferença, Annita. – disse ela com um sorriso torto.

Annita franziu os lábios e olhou para ela surpresa enquanto entravam no Salão Principal e pegavam alguns pães e frutas para comer no caminho.

–Como sabe que é ele? – perguntou constrangida. Não deveria ser tão óbvio, afinal, ninguém sabia o que se passara, apesar de sentir-se extremamente incomodada com aquilo.

–Bem, se alguém incomoda alguém no nosso time, com certeza é o Belvedere. – disse dando de ombros, como se se lembrasse de algo distante – Não deve ignorá-lo; isso só alimenta o fato de que ele sabe que está te incomodando, que no fim é o objetivo da empreitada dele. – continuou olhando para o gramado, agora que saiam pelo Arco principal – Demonstrar que ele não faz diferença, nem te incomoda, nem te agrada, é o que mais irrita aquele palhaço. – completou dando de ombros.

Annita observou a colega de esguelha. Não queria ser intrometida, mas também não queria supor sem fundamentos. Resolveu ser direta.

–Qual sua história com ele? – perguntou mordendo uma maçã, recebendo um olhar risonho da garota.

–Eu não tenho história com ele. – disse ela, sorrindo como se risse de uma piada interna – Já minha irmã mais velha... – completou dando de ombros, deixando o final pairar no ar.

Alicia explicou como ele era dois anos mais novo que sua irmã, uma septãnista, quando as coisas começaram a ficar realmente engraçadas; ela não tinha interesse algum em Ian, que parecia fazer certo sucesso com as garotas desde que entrara na escola. Infelizmente, ele tinha o costume de se interessar pelas desinteressadas, e ganhar o interesse delas era praticamente uma conquista homérica.

Só que sua irmã nunca demonstrou interesse por ele, e acabou namorando o capitão do time de quadribol da época, um garoto que, para os padrões de Belvedere, não tinha nada de interessante além da patente e da habilidade com a vassoura, mas que sua irmã gostava imensamente.

Eles se casariam no final desse ano.

–Imagine só a frustração dele. – disse Alicia sorrindo de novo, como se fosse difícil conter o humor quando sabia que alguém se colocava em uma situação miserável por poucos motivos – Ela nunca aceitou um pedido sequer para sair com ele, e mesmo assim, não o ignorava, pois simplesmente não ligava para as atitudes insistentes dele. Acho que ele nunca superou direito, se quer saber. – disse rindo discretamente, agora que chegavam ao campo, e alguns dos membros do time já saiam dos vestiários.

Annita sorriu com a ideia de um Ian miserável. Entrou no vestiário, e não se esqueceu de agradecer a Alicia pelo conselho.

Quando terminou de se vestir e pegou os apetrechos para sair do vestiário, viu uma sombra alta na porta, esperando.

Annita sorriu maliciosamente.

“Agora é a minha vez, seu canalhinha.”

Carregava a vassoura num ombro e o taco na outra mão descontraidamente, quando passou pela porta fingindo checar o óculos envolta do pescoço.

–Boderdad. – disse ele ao pé da orelha da menina, esperando frieza ignorância da parte da garota.

–Ian. – disse numa voz sem tom, coçando o lobo da orelha. Ele parou por um instante, processando a atitude.

O cabelo da garota estava preso num coque alto firme, mas alguns cachos escapuliram do nó, e se prenderam abaixo da veste na parte das costas.

Ele tomou iniciativa novamente, e puxou as mechas delicadamente, fazendo questão de arranhar a nuca dela de leve. Annita fez o possível pra ignorar o ato, e saiu para o gramado.

Andou até o meio do círculo, ouvindo as reclamações do Capitão sobre o horário, e assentiu de leve. Colocou o taco apoiado na canela, e a vassoura no chão e arrumou o óculos de voo no rosto. Fazia calor e passava sol pelas nuvens, e as lentes do objeto logo aumentaram e escureceram, para protegê-la da luminosidade indesejada, sem diminuir sua visibilidade durante o voo.

Puxou o taco com o pé, chamou a vassoura com a outra mão e logo montou, começando a voar o circuito ordenado pelo capitão. Uma ruga de irritação se formou na testa do rapaz.

–Vai ficar admirando, Ian? – Chamou o Capitão, fazendo-o despertar.

–Não, acho que posso voar um pouco. – disse num tom menos leve do que pretendia, com um sorriso duro no rosto.

O restante do treino fora igualmente irritante para Ian como fora divertido para Annita. E Alicia parecia se divertir também; mais de uma vez Ian deixou de acertar o gol porque ouvira a risada desaforada de Annita próxima a Alicia; ela olhava para o garoto, quando acenou gargalhando diante de uma piada qualquer que a colega contara.

O Capitão pareceu perder a paciência com a desatenção dele, até que o chamou para o gramado. Falou brevemente com ele e a cabeleira loira de Ian seguiu nervosamente para o vestiário, demonstrando-se visivelmente irritado.

Quando os outros membros do time terminaram de treinar, Ian já subia o gramado em direção ao castelo.

Annita entrou no vestiário com um sorriso de vitória, e seguiu para o banho não sem antes receber um sorriso de aprovação de Alicia.

–É assim que se faz garota. – disse batendo a mão na dela, como que cumprimentando.

Annita não esperava que fosse gostar tanto de Alicia.

Como sempre, fora a última a deixar o vestiário, saindo antes de ouvir as chaves tintilarem no corredor. Quando virou para trás, viu o capitão fechando o banheiro, com o indicador levantado, indicando para que esperasse por ele.

De algum modo, ela não esperava uma conversa agradável.

Quando saíram para o gramado em direção ao castelo, ele parou e começou a falar:

–Sei que provavelmente tem um bom motivo para fazer isso, e não julgo você; Ian sabe ser inconveniente. Mas não estrague os treinos do time por causa disso. – disse ele seriamente, com os olhos frios encarando-a de cima.

Annita tinha quase de dobrar o pescoço em noventa graus para olhá-lo.

Decidiu que não se faria de tonta. Faria-se de filha-da-mãe.

–Bom, não fui eu quem se desconcentrou. – disse dando de ombros, voltando a caminhar.

Ele acompanhou ao lado, olhando de esguelha para ela, balançando a cabeça como se pensasse “Crianças”.

–Você disse que não julgaria. – lembrou ela de leve, sem realmente se importar. Não se ofendera, na verdade. Sabia que estava sendo infantil, mas era isso mesmo o que queria – Não é como se Ian fosse uma pessoal muito madura, de qualquer jeito. – adicionou infantilmente.

Involuntariamente, ele sorriu, soltando um engasgo que parecia com uma risada, fazendo a garota olhar para ele, surpresa.

Ele percebeu a reação e fechou o rosto novamente, permanecendo em silêncio.

–Nossa, - comentou a garota – posso não ser tão engraçada, mas rir não é pecado. E se não mostrar esses dentes com frequência, acredito que eles cairão da sua boca. – adicionou com um bico de insolência.

Ele revirou os olhos, impaciente.

–Meu Deus! – soltou ele.

–O que foi? – perguntou de volta, como se o que tivesse dito fosse uma verdade óbvia, fazendo-o rir de novo – O que é, pô?!

Ele balançou a cabeça.

–Você me lembra uma pessoa. – disse já sem nem a sombra do sorriso que esteve no rosto um segundo antes.

Annita notou que por baixo do suéter que usava, havia mais cortes no pescoço, e alguns na bochecha, mais recentes do que os do último treino, já cicatrizando.

–Quem eu lembro? – perguntou mais seriamente, esperando a resposta. O rapaz levou alguns minutos até perceber que ela esperaria pela resposta sem perguntar novamente.

–Minha irmã. – disse ele com os olhos fixos no Arco Principal. Ele apertou o passo e passou diretamente pelo Salão Principal. Não parecia que pretendia almoçar hoje.

Não esperou que a garota respondesse. Foi embora deixando-a para trás, encarando o corredor vazio.

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“A ronda foi tranquila hoje, Sr Caderno; Radmilla me acompanhou hoje. Aparentemente Ian preferiu fazer o lado sul sozinho, não que eu me sinta triste por isso.

“Depois do treino fui almoçar com Alvo e as meninas, que estavam tranquilas como sempre. Só que agora não paro de reparar nos detalhes, Sr Caderno; realmente acredito que Mona e Rose estejam se envolvendo romanticamente. Eu estou... sem palavras!

“Embora feliz.”

Annita girou a pena nas mãos. Não sabia se queria continuar a escrever. Agora já não conseguia evitar pensar nas coisas dolorosas que insistiam em voltar para atormentá-la a noite.

“Eu não falo com ele desde a festa. Eu não sei o que fazer.”

Balançou a cabeça e começou a rabiscar, e uma janela de vitral alta e quebrada apareceu na página. A garota suspirou. Voltou a escrever do lado.

“Soube por Mona que algo está errado na casa dele. O que seria? Eu quase não o vejo, apesar de dividirmos mais de um terço do horário de aulas.

“Eu não sei o que se passa, mas tenho medo de saber. Por que ele fez aquilo? Ele fora tão inconsequente! (a pena começava a marcar o papel) Pelo amor dos Deuses, ele quase fora expulso! Não pode mais jogar, não pode mais ir a Hogsmead e perdeu seus fins de semana! (Sabia disso, pois reparara as mudanças após o ocorrido; após descobrir quem era o responsável)

“O que se passa naquela cabeça?

“Será que está bem?

“Será que sofre?

“Será que sente minha falta...?”

Annita parou para encarar a última frase. Seus olhos começaram a arder. “Merda!”.

Seus devaneios foram interrompidos por um uivo cruel e doloroso que cortou o silêncio da noite. A garota olhou para a janela. Sabia que não devia, mas não sabia por que queria olhar. Não sabia se ia gostar do que veria.

Quando levantou-se da cama e encarou o gramado escuro pela janela aberta, não sabia o que esperava ver, mas uma sombra retorcida correndo em direção à Floresta Proibida talvez não estivesse na lista.


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Notas finais do capítulo

É isso minha gente!
Espero que tenham gostado!
Ahhhh, eu sei, eu também não esperava UAHSUAHSUHSA
JURO.
Aqui vai o link que prometi:

http://fanfiction.com.br/historia/277949/Colors/



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