Sadie

Assim que percebi que teria de fazer uma viagem de umas 24 horas (não sei se está certo; o nerd da família é Carter) com Anúbis, este abriu a porta do carro e indicou-me o terceiro espaço do carro. 

Pensei em recusar e ir na frente com papai e mamãe. Mas, então, repensei. Ultimamente, percebi que estava me comportando muito mal, até mesmo para mim, e um tanto resmungante. Curta a viagem, Sadie, eu disse a mim mesma. 

Então, dei um sorriso para Anúbis e entrei no carro. 

- Sadie, tem problema se nós fecharmos o vidro que separa as cabines? - perguntou-me Zia. 

Olhei para o garoto-morte. Ele olhava despreocupadamente para frente, já sentado na janela direita, e eu, na esquerda.

- Ah... é mesmo necessário? - os vidros que separavam as três cabines eram completamente negros; não se via absolutamente nada por eles, e eram, para ajudar, a prova de som. Ou seja, você poderia fazer o que quiser em uma cabine, e ninguém no resto do carro perceberia. 

- É, eu e Carter... - ela baixou o tom de voz - vamos dormir. - e piscou para mim. Percebi o que significava.

O que se esperava de Sadie? Que ela fizesse barulho e se recusasse; porém, pensei melhor. Tomei uma decisão.

- É... tudo bem, também quero que feche. 

Zia abriu um largo sorriso e apertou o botão. Enquanto o vidro subia, peguei um pedaço do pedido de Carter a papai para que ele fechasse o outro vidro. 

Anúbis ainda olhava despreocupadamente para frente, mas eu suspeitava que ele havia escutado tudo. 

Minhas suspeitas se confirmaram quando ele se virou para mim e falou:

- Por que você não fez o maior barulho e se recusou a fechar?

- É que... - respirei fundo. - Olha, eu tenho sido muito chata. Idiota, e dramática também. Não quero passar a viagem inteira brigando com todo mundo. Quero ser mais sociável, ao menos durante o tempo em que estaremos todos juntos. Então, eu queria... é.... ah, tudo bem. Queria te pedir desculpas pelo meu comportamento absurdo durante esses dias, e por ser tão desagradável com você, até mesmo para os níveis Sadie. Sabe, você não... Não fez nada para merecer isso. Acho que eu só estava muito sobrecarregada com os iniciados, e saí descontando isso em todo mundo. 

Descarreguei isso tudo de uma vez só, sem dar chance a ele de me interromper, porque se ele o fizesse, eu não sei se teria coragem de continuar.

A expressão dele era cuidadosa, acho que ainda esperando que eu explodisse e gritasse com ele. Então, inesperadamente, sua boca sexy se curvou em um sorriso, sincero, sem nenhum sarcasmo ou nada disso; por um momento, pareceu simplesmente um adolescente qualquer (muito gato) dando um sorriso sincero.

- Tudo bem, Sadie. Eu sei que pode ser cansativo cuidar dos seus iniciados. Quando voltarmos, talvez eu te dê alguma ajuda com eles. E... também não quero ficar brigando com você nem com ninguém durante essa viagem. São minhas primeiras férias em muitos anos. Vai ser bom poder aproveitá-las com sua companhia. 

Sorri, também. 

- Amigos? - eu pergunto e estendo a mão para ele.

- É... Amigos. - ele disse "amigos" hesitantemente. Resolvi ignorar.

- Legal. 

- Então, o que você está esperando para essa viagem? - ele disse, se afastando da janela e vindo para mais perto de mim. 

- Sinceramente? Só espero não encontrar nenhum monstro, nem nenhum deus. Ah, quer dizer, além dos incluídos na viagem, é claro.

- Eu também. Quero que sejam férias de verdade. E... Sadie?

- Sim? - Ele entortou a boca de um jeito que me enlouqueceu. 

- Hum... deixa para lá, depois falamos disso. 

Então, deliberadamente, ele pegou meu iPod da minha mão e começou a passar a lista.

- Ei! - eu gritei, indignada. Havia uma lista que estava intitulada: "O Garoto do Papel Higiênico", e aquela tinha umas músicas de rock que falavam de amor assassino. 

Peguei de volta antes que ele visse.

- Eu só queria ver o que você gosta de escutar. Talvez, possa me apresentar a boas músicas atuais? - ele perguntou, com a voz mansa;

- Tudo... bem. Tem algumas das quais você gostaria. Saí apresentando ele aos rocks atuais bons. Ele pareceu gostar.

Durante o que pensei ter sido uma hora, ficamos escutando minhas listas e conversando sobre elas. 

Eu tentei me concentrar, esse tempo todo, na nossa conversa. Mais era impossível. Havia um cara muito sexy sentado a centímetros de mim, sem me tocar, com os músculos destacados por uma camisa preta colada, os cabelos caindo bagunçados. 

Só conseguia pensar nisso, e me peguei extremamente excitada, querendo tocá-lo. 

Entenda, eu já tenho catorze anos, e, pela lei dos magos, eu me desenvolvo mais rápido. Mas eu nunca tinha esse tipo de reação, a não ser que estivesse com Anúbis. 

Meu olhar sempre alternava entre a barriga de músculos dele e o vidro nos separando completamente do resto do mundo.

E o mais estranho, era que ele parecia tão inquieto quanto eu. Olhava às vezes para minha boca. Também deixou os olhos caírem mais, se é que vocês me entendem, mas depois, parecia ter uma lufada de lucidez e voltava a se concentrar na conversa.

Era algo muito... profundo que havia entre nós.

Depois, quando estávamos falando de Iron Maiden, percebemos que o carro havia parado. Porque paramos?, pensei imediatamente. Monstros, não, pelo amor dos deuses. 

Ouvimos uma batida na janela. 

- Abre a porta, Sadie, devemos ter parado para almoçar.- disse Anúbis. 

- Almoçar?

Ele riu. 

- Sim, Sadie, em quanto estivermos aqui, eu, Osíris e Ruby precisamos nos alimentar tanto quanto você e Carter. 

- Ah, sim.

A batida se tornou mais insistente. Percebi que depois dos vidros divisores e portas serem fechados, apenas os do compartimento podem abrir.

Abro a porta num rompante, que bate em Carter, o bate-bate na porta.

- Ai, Sadie! Deuses me livrem, você... ah, não vou nem falar nada. Vamos almoçar logo, o que vocês estavam fazendo aí dentro?

- Nada, Carter, nada. Seu idiota. - eu ri e saí correndo. Quase pude sentir ele e Anúbis revirando os olhos atrás de mim.

Nós havíamos parado em um desses restaurantes de beira de cidades pequenas. 

Papai, mamãe e Zia já esperavam em frente ao estabelecimento.

Entramos, pegamos uma mesa e tudo o mais.

Quando eu ia me sentar, Anúbis puxou a cadeira para mim, e indicou-me que sentasse. Sorri, agradecida, e sentei. Acho que todos ficaram surpresos, esperando, talvez, que eu gritasse com ele.

Ele se sentou a meu lado.

O resto do almoço se passou com piadas de toc-toc e conversas alheias. Eu e Anúbis falamos pouco, mas os outros conversaram muito.

Depois de terminar minha lasanha, eu disse que iria ficar esperando lá fora.

Sentei-me no cafezinho em frente ao restaurante e fiquei observando a cidade. Era bem bonita. Simples, mas organizada.

Acho que minha expressão estava muito longe dali, quando Anúbis apareceu na cadeira da mesinha ao meu lado.

- No que está pensando? - ele pergunta, a voz rouca e baixa, que me causa uma reação corporal imediatamente.

- Só que... Quero que essa viagem seja especial.

Ele pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrás da minha orelha. 

- Vai ser, Sadie. Vai ser.

Sorri para ele, um sorriso que creio, saiu meio sedutor. A expressão dele era meio sedutora, também.

Aí, todos os outros chegaram.

- Vamos, meus queridos, temos de voltar a estrada. - disse minha mãe.

Anúbis se levantou bem rápido e pegou minha mão, com um olhar sexy, e me ajudou a levantar.

Sorrimos um para o outro. 

Percebi, naquela momento, que aquela história de 'vamos ser amigos!', era uma coisa perdida. Nunca haveria só isso para nós dois. Nunca.

Entramos no carro, e eu me preparei para o que quer que fosse que o resto do dia, e a noite, me trariam. 

Eu não tinha certeza, mas sabia que iriam ser fortes emoções as que eu viveria durante essa viagem. Muito fortes. 

Papai ligou o carro, e nós fomos embora.