O Último Pendragon escrita por JojoKaestle


Capítulo 15
Capitulo 15


Notas iniciais do capítulo

IM BACK! E com o enredo a tiracolo! Enjoy :))



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/310480/chapter/15

– Por que raios você fez isso? – Merlin corria jogando os braços para frente e tentando desesperadamente respirar – Sabe o que você fez Avina? Você assinou nossa pena de morte!

Sentia os pulmões queimando e minha perna esquerda não suportava o peso do meu corpo como deveria. O sangue martelava em meus ouvidos, o barulho das patas da criatura contra a grama era o suficiente para me manter correndo por mais machucada que estivesse.

– Ora vamos Merlin – arquejei, dando uma olhada sobre os ombros. Era definitivamente o maior lobo que já havia visto na minha vida. Talvez duas vezes o tamanho de um urso, via seus dentes brilharem na penumbra e a saliva cair de sua boca – Não parece tão ruim assim. E cadê a sua magia?

Merlin me lançou um olhar tão feio que quase me derrubou.

– Para sua informação minha magia foi a única coisa que manteve aquela besta de pular sobre você em plena arena. – deu um pequeno gemido – Você sabe que nunca vamos chegar nesse seu motociclo a tempo, não é?

Não havia parado para pensar nisso. Na melhor das hipóteses a varg se jogaria sobre nós enquanto eu tentava ligar a minha moto. Afastei o pensamento quando a dor aguda de câimbra mordeu a batata da minha perna direita. Isso só pode ser brincadeira. Pensei quando a dor se alastrou como veneno. Soltei um grito e levei a mão ao lugar, Merlin virou-se.

– Avina! – ele gritou, seus olhos assumindo o tom dourado em meio a escuridão.

– Merda, merda, merda... – sussurrei, mas o estrago estava feito. Tropecei, me arrastei mais alguns metros e a varg saltou, a boca horrenda aberta cheia de dentes pontiagudos.

– Morra, monstro! – urrou uma voz acima de mim e vi o brilho de aço sobre minha cabeça descer por um segundo. Por um momento achei que tinha me acertado, então vi os olhos da varg a menos de um palmo do meu rosto.

Senti a respiração quente vindo de seu focinho junto com o cheiro de sangue. Seus olhos brilhavam como os de Merlin, mas eram de um tom vermelho-alaranjado doentio. Um último rosnado veio do interior de seu imenso corpo e então se dissolveu em areia negra. Minha salvadora estava de pé diante de mim, enfiando a espada na grama para me ajudar a levantar. Me puxou para cima e deu uma palmada amigável em meu ombro.

– Foi por pouco, Avina. – disse Tess e chutou o monte de areia, espalhando os restos mortais da varg no vento – Fazia tempo que não via uma dessas. – olhou para Merlin, que nos alcançara com o rosto pálido – Velho feiticeiro – cumprimentou, estendendo a mão.Â

– Teresa. – falou respeitosamente.

– Ah, sem essa. Não quando você está bonitão assim. – seus olhos se voltaram para a floresta de onde a criatura tinha saído. Pela primeira vez desde o torneio sua expressão se tornou seria – Achei que tínhamos limpado essa área.

– Ahm, vocês se conhecem? – perguntei, massageando a batata da minha perna enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

– Teresa é de uma linhagem nobre de caçadores de seres sobrenaturais que escapam do bloqueio que criei entre seu mundo e Camelot. A conheço desde que começou seu treinamento muitos anos atrás. – explicou Merlin – Ela é uma das melhores que já vi em ação. – seu rosto se iluminou e deu uma gargalhada – Era você no torneio! Eu imaginei que havia visto aqueles movimentos antes!

Tess arrancou sua espada da terra e a devolveu a bainha. Ainda vestia toda a armadura e parecia saída de um conto de fadas em que era a grande heroína. Ela tinha salvado o dia, no fim das contas.

– Tess – eu disse, finalmente conseguindo sentir minha perna de novo – obrigada. Eu iria virar jantar se você não tivesse aparecido.

Teresa me olhou e por um momento me assustei com o a expressão em seu rosto. Caiu de joelhos diante de mim e baixou a cabeça.

– Eu que deveria agradecer. – ela disse olhando para os meus pés – Não fazia ideia de quem era mais cedo, se soubesse não teria sido tão... Eu. Mas se Merlin está cuidando da sua segurança consigo pensar em apenas uma coisa. – ergueu a cabeça e me encarou, os olhos solenes – Seu sangue é o mesmo do grande rei ao qual minha família serviu há tantos séculos.

– Ela é mais que isso. – Merlin falou, sorrindo para mim como se eu fosse feita de ouro – Ela é o próprio Arthur renascido.

Os ombros de Tess tremeram e temi que perdesse a sustentação.

– Nesse caso é ainda mais importante. – ela murmurou – Minha vida é sua para fazer o que bem quer, prometo mantê-la em segurança até cumprir seu destino, ou morrerei tentando. Porque essa foi a promessa dos meus antepassados e não descansarei enquanto não vê-la realizada.

Encarei Merlin e ele deu de ombros, aquele sorriso idiota estampado no rosto.

– Imagina Tess – falei, oferecendo-lhe uma mão para se levantar – Por favor, não me trate assim. Já é estranho o suficiente aguentar Merlin me seguindo como uma sombra.

 Tess deixou escapar uma risada.

– Sim, ele pode ser meio exagerado algumas vezes. – aceitou a minha mão e vi um peso deixar seus ombros quando começou a voltar a ser ela mesma. Afastou o cabelo do rosto e pôs as mãos na cintura – Nossa, que noite.

– Que noite. – concordei – Está com fome?

– Nos realmente precisamos discutir o que faremos daqui para frente. – disse Merlin em tom reprovador.

Vi os dentes de Tess brilharem quando sorriu.

– E quem disse que não podemos fazer as duas coisas Merlin?

–x-x-x-x-

– O que é um frango legendário? – Merlin encarava a tela com o menu do McDonalds há cinco minutos sem decidir – Seria um frango com poderes mágicos? Eu encontrei um alguns anos atrás. Era traiçoeiro, por isso o assei e comi quando fiquei com fome.

Sorri amarelo para a atendente. Já era ruim o suficiente que Merlin parecesse saído diretamente da idade média, não precisava chamar ainda mais atenção com sua conversa sobre frangos superpoderosos.

– Por que você não senta e esperava Tess? Eu peço para você – sugeri empurrando-o em direção a uma cadeira vazia e pus uma mão entre minha boca e a caixa que nos observava entretida – Qual a parte do não chamar atenção você não entendeu?

Merlin ignorou a minha voz ameaçadora e cruzou os braços em cima da mesa.

– Eu não gosto desse lugar – ele falou olhando a lanchonete de cima a baixo – é barulhento demais.

– Somos os únicos aqui Merlin. – falei entre os dentes. Já eram quase meia noite de um dia de semana, além do faxineiro e Tess que se trocava no banheiro tínhamos o lugar todo para nos.

– Mesmo assim.

Revirei os olhos.

– Vou te trazer um milk-shake e você vai amar. – determinei e quando abriu a boca o calei com o indicador em riste – Você vai ver o que é.

 Dez minutos depois Merlin parecia ter encontrado o paraíso em terra.

– Isso é muito bom! – ele suspirou, os olhos brilhando. Sugava seu milk-shake com toda paixão, esquecendo que bestas e magia existiam por alguns minutos.

– Não esqueça de comer o resto. – falei indicando o hambúrguer e as batatas fritas intocadas – Essas batatas são coisas dos deuses. Aposto que não tinha dessas em Camelot.

– Nós tínhamos batatas. – assegurou Merlin pegando uma e a enfiando na boca, seus olhos se arregalaram de um jeito que não consegui segurar a risada – Mas não dessa maneira, eu me lembraria!

Tess ergueu a cabeça de sua comida para dar uma cotovelada no ombro de Merlin.

– Devagar feiticeiro! Ou vai passar mal de tanto comer.

Ela mesma parecia não mastigar antes de engolir. Eu a entendia perfeitamente. Depois de um dia daqueles eu precisava de todo meu autocontrole para não enfiar tudo na boca de uma vez. Tess atraíra o olhar do faxineiro e das atendentes quando se sentou a nossa mesa. Havia trocado a sua armadura por algo bem mais confortável. Os shorts de cintura alta deixavam sua pele morena coberta de sardas a mostra, a blusa azul marinho com decote profundo também. Os cabelos estavam presos em um coque desleixado, que deixava algumas mexas escapando. Havia demorado menos de dois minutos para se aprontar e estava melhor que eu poderia sonhar em um dos meus melhores dias. Sentava-se largada, como se nada no mundo poderia tirar seu sossego. Não sabia se estava me apaixonando por ela ou vivenciando um daqueles momentos em que pessoas bonitas demais chegam bem perto e fazem com que você não saiba como agir. Para meu alivio Merlin despertou de seu sonho fast-food.

– No livro que conseguimos – falou dirigindo-se a mim – há alguns lugares que receberam estatuas ou outros tipos de construções supervisionadas por Eleanor. Como o arco no parque foi seu trabalho, imaginei se não tivesse uma relação com o fato da criatura não poder transpassa-lo.

Lembrei de como o grifo arranhara o chão, provavelmente imaginando rasgar a minha pele.

– Sim – confirmei enfiando uma batata na boca – parecia haver algum tipo de barreira.

Tess franziu o cenho.

– Não seria a primeira vez. Muitas dessas construções foram tocadas pela magia ao longo dos séculos. Poderiam muito bem agir como um escudo que não permitiria bestas de atravessa-la. Já salvaram minha vida algumas vezes. – olhou para Merlin cuja boca estava melada de ketchup e lhe ofereceu um guardanapo – Não que você não esteja fazendo um bom trabalho fechando aquelas fendas sempre que aparecem. Mas estão se multiplicando. Imagino que não vamos conseguir lidar com todas, nem com a quantidade de monstros atravessando para esse lado. Não há outra saída.

– Eu disse que não, Teresa. – falou com firmeza.

– Um ponto de discussão quente hm? – eu quis saber – O que você sugere Tess?

– Ir a fonte de problema. – disse sem cerimônia e seus punhos se fecharam sobre a mesa – Alguém está mandando esses bichos para cá. Não há outra explicação, não para tantos. Merlin pode tentar remendar quantos buracos for, mas novos aparecem a cada momento. Eu e minha família não podemos dar conta de todos, já o falei muitas vezes. Se nós pudéssemos atravessar e cortar o mal pela raiz...

– Eu disse que não! – Merlin falara tão alto que o faxineiro ergueu os olhos cansados em nossa direção – E vou falar quantas vezes for preciso.

– Merlin – comecei, mas Tess se ergueu rápida como um raio.

– Não podemos esperar para sempre Merlin! – ela sibilou – Já perdemos demais com esse seu jogo, não vou deixar que jogue vidas no lixo enquanto tenta ignorar a realidade!

Arrancou um pedaço de papel de seu bolso e o jogou na mesa.

– Meu número. – falou friamente nos dando as costas – Para quando resolver criar coragem.

– Tess! – chamei, seguindo-a até o lado de fora – Tess, por favor!

Ela parou e me deixou alcançá-la.

– O que foi isso? Eu achei que vocês se davam bem.

– Nos damos. Até certo ponto. – falou a jovem tirando a chave do carro de seu bolso e a balançando na minha frente – Está vendo isso? É a única coisa que sobrou do meu irmão. Agora ele pode falar quantas vezes quiser que é perigoso demais ou que não está pronto. Para Jon já é tarde demais de qualquer forma. Mas eu te garanto, ninguém mais vai morrer enquanto Merlin ignora o problema real.

Dei um passo em sua direção, mas ela se desvencilhou do meu abraço.

– Ninguém mais. – repetiu parando diante da porta de seu carro, vi lagrimas se formando em seus olhos. Sua voz tremia – Nem que eu tenha que entrar em Camelot sozinha e arrancar a cabeça de quem quer que esteja criando todos esses problemas.

Fechou a porta com tanta força que a fez estremecer. A observei deixar o estacionamento e se voltar para a estrada. A lua cheia banhava o pavimento e brisa fria fez os pelos da minha nuca se arrepiarem. Soltei um suspiro cansado, imaginando como poderia consertar tudo. Que Tess tivesse salvado as nossas vidas tinha sido algo muito amável de sua parte, mas agora sentia que lhe devia algo em troca. E Merlin parecia irredutível sobre o assunto. Eu mesma não tinha muita afeição pela ideia de ir a um mundo paralelo onde aquelas criaturas reinavam. Mas e se fosse o único jeito?

Cruzei os braços e me virei para encontrar Merlin parado diante das portas. Em suas mãos segurava dois sacos de papel.

– Me deixaram levar. – ele explicou sem me olhar nos olhos – Você estava certa, eu gosto muito desse lugar.

– Merlin.

– Jon tinha vinte e dois anos. – falou e encarou o céu estrelado – Aquela varg que Tess matou? Ele enfrentou uma matilha inteira. Não contei a ela o que o havia matado.

O golpe certeiro de espada relampejou em minha mente. Teria sido tão certeiro se Tess soubesse?

– Nós precisamos conversar. – falei e saquei o celular do meu bolso.

O número era o mesmo de quando estava em uma encrenca enorme, quando até mesmo Morgan não precisava saber do que estava acontecendo. O celular chamou três vezes e a voz animada de Dianne se fez presente do outro lado.

– Hey Dianne – falei ignorando a expressão de surpresa completa no rosto de Merlin – Como esta Leon?

– Quase o tivemos que amarra-lo a cama. – a voz de Dianne soava estressada – Porque o senhor não-me-toque não queria deixar ninguém chegar perto.

– Porque não é nada. – ouvi a voz teimosa de Leon ao fundo.

– Não é nada?! – a voz de Dianne se tornou distante, mas ainda estava alta o suficiente para ouvir – Você torceu o seu tornozelo e não deixou ninguém tirar uma radiografia! Agora vamos passar a noite aqui porque só podem fazer outra de manhã!

– Você não precisa ficar aqui. Eu posso muito bem me virar sozinho.

A risada sarcástica de Dianne veio tão alta que Merlin ergueu uma sobrancelha.

– Como se eu fosse te dar a chance de sair mancando para fora desse hospital! Pode tirar o cavalinho da chuva!

– Você quer que eu traga alguma coisa para vocês? – tentei – Roupas, escovas de dente, toalhas...

– Não querida. – a voz de Dianne se tornou amável – Que negligencia a minha! Como foi o torneio?

– Eu ganhei. – disse com um sorriso e a ouvi comemorar do outro lado. Leon gritou um “parabéns Avina!” e foi bombardeado com xingamentos por ser barulhento demais. Ainda ria quando finalmente consegui fazer Dianne se acalmar – Você se importa se eu passar a noite na sua casa?

– Claro que não amor, você tem a chave, não tem?

– Sim. – mordi o lábio inferior e antecipei sua reação para a próxima pergunta – Você ainda tem as roupas de Denis, não tem?

– Daquele inútil? – ela perguntou com desdém – Imagino que ainda não tenha conseguido tocar fogo em todas, por que?

A linha ficou silenciosa por quase dois segundos e então Dianne era uma mistura de guinchos, risadas e ansiedade.

–AHHHHH. – gritou do outro lado e soltou uma gargalhada – Sua danadinha! Gwynn está ai? Você sabe onde guardo as camisinhas, não sabe? Espero que tenha uma noite memorável!

– Obrigada, mas não é para Gwynn. Te explico depois, prometo. – murmurei sem jeito.

– AVINA – veio o grito do outro lado, pude jurar ter ouvido um “guardo as camisinhas?” ao fundo.

– Te explico tudo amanhã. – repeti por cima do caos que a ligação tinha se tornado – Beijos para você e Leon, boa noite!

Desliguei o celular interrompendo o quarto “Avina!” e dei um suspiro. Teria que inventar uma desculpa boa o suficiente para tudo isso. Melhor que “ele é um feiticeiro centenário e não tem ninguém nesse mundo”. Observei Merlin beber um gole de coca-cola e cuspir tudo no chão como se fosse veneno. Ele realmente estava perdido nesse mundo. E não poderia deixa-lo sozinho.

– Não vou ter que subir nessa coisa de novo. – ele falou dando uma olhadela desconfiada para minha moto.

O livrei dos sacos e enfiei o capacete extra em suas mãos. Merlin soltou um pequeno muxoxo de indignação ao me ver jogando as sobras em um lixo próximo.

– Chega dessa comida por hoje, você precisa se alimentar direito. – falei e as palavras pareciam erradas saindo da minha boca.

– Consigo sentir você tremendo ai atrás. – avisei quando se sentou na garupa – Não seja tímido, pode segurar quão forte quiser. Qualquer coisa para impedir que a gente caia na primeira curva.

Ele levou aquilo muito a sério, porque seus braços me apertaram tanto que só consegui respirar normalmente uma vez que estacionei diante do apartamento de Dianne.

– Não foi tão ruim, foi? – falei, rindo de seu cabelo apontando para todas as direções quando conseguiu se livrar do capacete.

– Sim. – concordou Merlin – Acho que só vi a morte de perto nove vezes.

–x-x-x-x-

Joguei as chaves sobre a mesa e as acompanhei deslizarem até o chão. Soltei um suspiro cansado e tirei minha jaqueta.

– Merlin, eu vou tomar banho. – disse indo ao quarto de hospedes que era habitado na maior parte do tempo por mim. Enfiei a cabeça dentro do armário pequeno e tirei uma muda de roupas, jogando-as na cama – Sabe, você não precisa me seguir.

Merlin estava de pé no vão da porta, completamente perdido.

– Eu não sei o que fazer. – confessou, cruzando os braços – Acho que vou acabar quebrando alguma coisa.

O sentei no sofá listrado de Dianne e lhe enfiei o controle remoto nas mãos.

– Quer ver uma coisa mágica? – sussurrei e apertei o botão de ligar a pequena tv.

Tinha completamente esquecido de como Merlin havia passado os últimos séculos em quase completa reclusão. Vê-lo reagir as coisas mais simples do meu cotidiano tinha se tornado uma das minhas coisas favoritas. Ele arregalou os olhos azuis como uma criança e encarou a ancora de telejornal como se estivesse frente a frente com um fantasma.

– O que é isso? – ele quis saber, o controle ameaçando cair ao seu lado.

– Isso, Merlin, é uma televisão. – o observei com um sorriso no rosto e o encorajei - Aperte os botões, se divirta. Nada é real, a não ser que avisem antes, certo?

Pareceu ter esquecido totalmente da minha existência, os olhos grudados na tela enquanto pulava de canal em canal sem parar por mais de dois segundos.

– Vejo que vai conseguir se manter ocupado. – falei do corredor e me enfiei dentro do banheiro.

Quando a agua molhou meu rosto me dei conta de como as coisas estavam ficando complicadas. Deixando de lado toda a parte de destino possivelmente glorioso e cheio de perigos a frente. Com coisas mais normais mesmo. Meus pais por exemplo, ou mesmo Dianne. Não teria como esconder Merlin deles para sempre. E duvido que a universidade iria permitir que passasse mais tempo de férias por circunstancias especiais. Na última vez que tinha checado ter que salvar o mundo de bestas do apocalipse não eram uma desculpa válida. Mais um mês e teria que sentar e repensar a minha vida. Porque se eu era realmente importante, não poderia deixar ninguém na mão. Tess, Merlin. Ninguém. Ignorar o problema não iria resolve-lo, Tess tinha razão. Mas Merlin ainda era quem mais sabia sobre o assunto, não era? Fechei os olhos, massageando a minha cabeça e franzindo o cenho para o shampoo que se espalhava em meu cabelo. Morangos. Tipicamente Dianne. Teria que trazer as minhas coisas para cá de novo, pensei enquanto o cheiro doce e artificial se alastrava pelo banheiro e me sufocava. Teria que confiar nos séculos de experiência que Merlin tinha em tudo que é magico e sobrenatural. No fim das contas, ele era o especialista.

Encontrei o especialista abraçado a uma almofada e me olhou como um cachorro que tinha quebrado o vaso chinês de um milhão de dólares quando pisei na sala.

– Eu não sei o que aconteceu. – se defendeu enquanto eu me aproximava esfregando a toalha na cabeça. Agora meus cabelos estavam em seu estado normal de liberdade, mas não me arrependia. A independência do secador de cabelo foi uma das melhores coisas que já tinha me acontecido. Me livrei da toalha e acompanhei seu olhar culpado em direção a tv.

– Você apenas apertou o botão errado. – expliquei, enfiando meu dedo no “mudo” – Voilà!

O desenho animado deu sinal de vida em alto e bom som e Merlin pareceu fascinado.

– Hey, você não vai tomar banho?

– Está sugerindo que esteja fedendo? – ele quis saber, sem tirar os olhos das aventuras de um urso particularmente feio.

– Eu não sei. – falei me deixando cair ao seu lado e me inclinando em sua direção – Há quantas semanas não toma banho?

Merlin soltou um muxoxo e se levantou.

– Ótimo, mas vai ter que me mostrar como funciona.

Isso vai ser ótimo. Pensei, mas me impulsionei do sofá e o empurrei em direção ao banheiro. Lhe expliquei como manusear o chuveiro enquanto buscava toalhas extras e roupas de Denis. Fingi que não sabia qual cueca usaria assim que se livrasse da sujeira de dias, já estava achando a nossa relação mais intima que esperava ter em tão pouco tempo. Mas eram tempos especiais, pensei enquanto agarrava o único pijama do penúltimo ex de Dianne que tinha sobrado no apartamento. Deveria ficar um pouco grande em Merlin, mas nada ruim demais. Ao menos era confortável, eu mesma o usara uma vez quando fiz uma visita relâmpago que acabou durando mais tempo que o esperado. Quando pus os pés no banheiro Merlin fazia uma cara de agonia profunda.

– O que foi? Não gosta de azul?

Merlin estudou o pijama em meus braços.

– Não é isso. Você disse que era apenas girar e a agua desce. E é verdade, mas está quente demais.

– Apenas gire na direção contraria Merlin. – falei, largando as coisas sobre o vaso fechado – E não se esqueça, primeiro shampoo, depois condicionador.

– Certo. – ele respondeu, pouco convencido.

– E aqui o sabonete. – apontei a barra branca – Você vai conseguir, tenho certeza.

Fiz um pit stop na dispensa de Dianne e fiz duas canecas de chocolate quente. Não sabia se Merlin gostava de chocolate quente, mas se não gostasse apenas me forçaria a tomar os dois, o que não seria nenhuma tragédia. Coloquei as duas canecas na mesa de centro e me encolhi no sofá, mudando para o canal esportivo. Não estava passando nada interessante, mas se fosse para servir como barulho de fundo que ao menos fosse algo empolgante. Puxei os joelhos em minha direção, escondendo-os debaixo da minha camisola comprida. Se estivesse em casa minha mãe reclamaria, dizendo que estava laceando o tecido. Mas não estava. Mandei uma mensagem avisando onde passaria a noite, apenas para não ter que lidar com muitas reclamações quando voltasse de manhã. Suspirei fundo, meus pensamentos vagando em direção a Merlin. Não dele em si, mas do problema que teria pela frente. E o que faria quando terminasse a nobre missão de trazer paz ao que quer que seja? Iria continuar a viver isolado em alguma gruta? Sozinho? Tentava não pensar muito sobre todos os anos que passara isolado, nem na maneira como parecia ansioso toda vez que estava perto de pessoas. Em como parecia beber cada palavra que elas diziam, porque passara tanto tempo sem nenhuma. A menção a Tess e seu irmão ao menos significava que não estivera inteiramente só, mas não sabia com que frequência falava com alguém apenas por conversar. Sem bestas demoníacas como assunto principal, apenas uma conversa sem importância.

Lhe dei um pequeno sorriso quando surgiu no corredor, mas Merlin virou o rosto assim que pôs os olhos em mim.

– Merlin? Qual o problema?

Merlin se manteve virado para a parede.

– Você! – murmurou e respirou fundo – Por que está vestida assim?

– Porque eu durmo assim? – devolvi e me dei um tapa na testa – Merlin! Eu não estou tentando te seduzir – assegurei, tentando não rir– Apenas não somos tão rigorosos com roupas hoje em dia, essa camisola poderia ter pertencido a minha avo. Estou com sutiã e tudo, nada temas.

O rapaz balançou a cabeça.

– Você é teimoso como uma mula. E te fiz chocolate quente e tudo – falei apontando para a caneca que esperava sobre a mesa – O mínimo que pode fazer é se sentar comigo.

Quando finalmente desistiu, se sentou o mais longe de mim possível.

– Obrigado pelo chocolate quente. – ele disse, ainda sem me encarar. Havia me enganado sobre o pijama de Denis, coube perfeitamente mesmo Merlin sendo uns bons quilos mais magro. O cheiro de morango que vinha de seus cabelos podia ser sentido a dois assentos de distância.

Â

 - De nada, você pode lava-las depois. – esperei até terminar o meu e me livrei da caneca. Não aguentei mais e me arrastei até seu lado. Merlin se encolheu de um jeito que me fez perder a paciência – Merlin! Pare! Nós somos amigos, não somos?

– Suponho que sim. – respondeu com um bigode de chocolate.

– Então pare de comportar como se fosse te devorar a qualquer segundo! Acredite, se quisesse te seduzir usaria algo mais provocante, ou nada. – provavelmente não seria capaz de repetir isso para ninguém, com exceção de Dianne, mas Merlin era mais puro que um filhote de cordeiro e eu tinha um humor sádico as vezes. Suas bochechas coraram e eu suspirei, me deixando cair para trás e pousando meus pés em seu colo.

– Massageie-os. – ordenei, cruzando os braços sobre a cabeça.

Merlin me encarou confuso.

– O que?

– Massageie-os. – repeti forçando um bocejo – Não é isso que você é? Um servo? – quando fez menção de pousar sua caneca da mesa acrescentei – toque os meus pés para qualquer coisa além de fazer cocegas e eu te mostro o golpe que derrubou Tess. Não olhe assim para mim, o que quer que você tenha sido para outras pessoas ao longo da sua vida, não vai funcionar comigo. Você é meu amigo Merlin e amigos não dão ordens. Só em situações de vida ou morte, talvez.

– Eu não entendo. – parecia um filhote confuso e era doloroso de se acompanhar.

– Você disse que foi servo de Arthur, não foi? – falei, me erguendo para sentar na mesa de centro e ficar frente a frente com ele. Nossos joelhos se tocavam e pela primeira vez Merlin não pareceu incomodado com minha aproximação. Sua expressão tomou um tom ausente e seus olhos me olhavam, mas não pareciam perceber minha presença.

– Sim. E salvei a vida dele tantas vezes que desisti de contar, mas não importou de qualquer forma.

 Vi que estava se perdendo em lembranças ruins e levantei seu queixo.

– Hey – disse baixinho e quando seus olhos me encararam o recompensei com um sorriso – Mas não era apenas isso que vocês eram um pro outro. Vocês eram amigos, talvez inseparáveis? – seus olhos o confirmaram – Melhores amigos. E além. Merlin, eu não sei o que você espera que eu seja, mas sei que provavelmente vai se decepcionar.

– Você está errada.

– Por que? – o riso que pretendia dar morreu antes de conseguir pô-lo para fora – Porque sou Arthur renascido? Eu não o sinto. Não sinto a grandiosidade, o poder, a coragem. Enquanto aquele grifo me perseguia? Eu achei que fosse morrer. A varg de mais cedo quase me fez fazer xixi nas calças e a única coisa que eu conseguia pensar enquanto duelava com Tess era continuar respirando. – finalmente consegui sorrir, esperando que fosse o suficiente para Merlin não achar que eu fosse algum tipo de covarde – Não parecem coisas dignas de lendas, não é?

Merlin engoliu seu sorriso e segurou minhas mãos nas suas. Eram quentes e confortantes, como o olhar paciente que tomava seus olhos azuis.

– Não parece. – concordou com voz suave - Mas se eu te contasse as coisas pelas quais passamos duvido que acharia que qualquer coisa boa sairia daquilo.

Havia um peso monstruoso nas palavras que saiam de sua boca. Algo que as faziam ir direto ao meu coração, passando pelas muralhas que mantinham a maioria das pessoas do lado de fora. Acariciei seus dedos e me peguei sorrindo novamente.

– Você só diz isso porque é Merlin.

– Não, eu digo isso porque sou seu amigo. – devolveu o meu sorriso em uma versão mais alegre, o que me fez levantar.

– Vamos, de pé – falei e quando me olhou acrescentei – Por favor? Acho que nos dois precisamos de um abraço.

Quando seus braços me envolveram o cheiro de morango não pareceu assim tão insuportável. Fechei meus braços ao redor de suas costas e descansei minha cabeça sobre seu ombro, trazendo-o mais para perto. Deve ter sido o mais longo e silencioso abraço que já dei na minha vida. E um dos melhores que recebi.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Falta de comentarios significa falta de capitulos novos. Sorry not sorry. Mas realmente preciso saber se vale a pena continuar ou nao, que a vida ta bem ocupada por aqui e eh meio triste e desnecessario escrever fanfics pro limbo, nao eh?
Beijos beijos! Ate a proxima! :))



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Último Pendragon" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.