Everything escrita por Lívia Black


Capítulo 4
IV - Eles eram mais que amigos.


Notas iniciais do capítulo

Nhá õ/ Olá pessoal! Finalmente saiu mais um capítulo de Everything. Sei que demorou muito, mas a vantagem é que não precisa lembrar do anterior para entender ((:
Fiquei tãoo apegadinha a essa cena aqui. Gostei de verdade das palavras que escolhi. Espero que vocês gostem também, e principalmente você, D-sama linda ^^ Eu sei que disse que ia ter lemon, mas bem... Acabou que não teve como encaixar, e eu gostei mais assim >-<
Enfim, esse é o penúltimo capítulo...:CC
Mas tem 4000 palavras õ/ Aproveitem :33
Ja nee ^^



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Camuflar era uma batalha um tanto quanto árdua para Matt.

Quando ele e Mello eram os fatores, e o sequestro de Kiyomi Takada era o produto, ficava particularmente difícil controlar seus sentimentos - principalmente aqueles que o faziam rir.

Era só por causa disso que mordia os lábios, em sua pequena mal-arquitetada camuflagem.

O motivo?

Bem...

Digamos que estava diante de uma grande piada.

O que não era assim tão surpreendente, visto que ao longo daqueles anos a sua vida parecia um palco recheado de ironias.

E aquela era, só para constar, a décima segunda vez que Mello conferia se sua querida 92FS estava carregada.

Não que Matt estivesse preocupado em contar -era apenas impossível impedir seu inconsciente de enumerar a frequência dos “clics”. E o consciente de pensar que nunca o vira tão apegado ao revólver.

Na verdade, alguém qualquer que visse a cena poderia afirmar com segurança que o loiro estava ansioso para apertar o gatilho...

E estaria tão incrivelmente errado.

Achando que o objetivo de Mello era ser saciado pelo derramamento de sangue, quando isso era só uma escada...

Mas ele não teria culpa, visto que Mello era um ator tão bom que até conseguia enganar a si mesmo.

Seriamente, Matt gostava da ideia de ser o único a conseguir verdadeiramente decifrá-lo.

Era quase como um dom, aperfeiçoado ao longo de um infinito histórico de explosões comportamentais. Um número infinito de gritos -e de silêncios gritantes-, com papéis de chocolate amassados, e sua escusa presença de fundo. Só que sempre atento a cada detalhe. A cada respiração.

A essa altura, bastava um único vislumbre, para que a verdade se desdobrasse nos legítimos reflexos dos anseios. E tudo estava lá. O ódio, principalmente. Mas direcionado somente a um único alguém.

E era neste alguém que ele pensava enquanto conferia se as balas não haviam impossivelmente fugido pelo cano.

Uma vez, há não tanto tempo, aquele mesmo revólver incitara uma barganha. E os pensamentos de Mello a respeito disso cruzavam o ar, quase palpáveis, ao mesmo tempo em que sua genialidade –que não era pouca, mas também não conseguia ser suficiente para torna-lo O Primeiro- estreitava os pormenores dos pormenores do plano, em busca de diferentes alternativas de perfeição, para que mesmo na falha, não se falhasse.

Como se não tivessem revisado isso meia centena de vezes, nas horas anteriores.

Matt ainda podia ouvir a voz dele ressonando em seus ouvidos: “Não será fácil, mas eu confio em você. É só criar tumulto com o gás: os seguranças ficarão distraídos, incitados a achar sua origem; me oferecerei para tirar Takada do perigo, e assim, vou raptá-la. É o carro mais veloz que consegui, você com certeza vai conseguir escapar ileso. Você precisa. E depois, nós estaremos a um passo da vitória...”-o mais provável é que tivesse conjugado o verbo na primeira pessoa do plural por mera cortesia. Mas ele estava certo.

Afinal, se só a primeira etapa do plano fosse concretizada –se Matt distraísse os seguranças com eficiência, e se Mello conseguisse sequestrar Takada-, já estaria tudo perfeito. O resto -o que viria depois- sinceramente não lhe importava.

Seria ótimo se escapasse ileso. Sim, seria.

Mas o essencial era que Mello conseguisse o que tanto desejava. Obtivesse a vitória.

Porque aí também estaria a sua vitória.

E aquele era o momento que as pessoas nomeiam de “chave”, na vida de Mihael Keehl. Era uma oportunidade única; acontecia apenas uma vez, e se ele caísse no erro de piscar, já teria passado. Como se fosse Halley, cruzando o horizonte terreno, e dando às pessoas a chance de ser visualizado –uma chance que só poderia se repetir 75 anos mais tarde. E naquele caso, nem mesmo depois disso. Ele tinha que conseguir.

E Matt iria ajuda-lo, definitivamente. Ele nunca dissera em voz alta (e nem pretendia), mas o seu único sonho, era o de tornar os sonhos dele reais. Só se sentiria feliz quando ele estivesse feliz. E pouco importava o que teria que fazer por causa disso.

É claro que a porta-voz de Kira devia ter uns cem guarda-costas armados zelando por sua segurança, mas isso, surpreendentemente, não o perturbava.

Na verdade, ele nunca havia conseguido compreender tão bem o conceito de “paz” quanto naquelas horas que antecediam o sequestro. Finalmente Mello o estava reconhecendo, atribuindo a ele uma tarefa importante, algo que seria crítico em seu sucesso. E não havia prova mais satisfatória ou convincente de sua confiança. Uma confiança que era como um alimento para suas emoções mais desesperadas, secretas e óbvias. Ataduras para seu coração fragmentado.

Anestesia.

A única coisa que poderia perturbá-lo seria falhar. Mas Matt morreria antes disso acontecer. Morreria com gosto. Afinal, certas coisas a morte é a única que pode conceder.

E a felicidade de Mello provavelmente era uma delas...

Tap.

Um barulho interrompeu os devaneios do ruivo, desviando sua atenção de um ponto cego para a origem melódica. Era Mello, que finalmente colocava o revólver para repousar uma das estantes do recinto; sua cruz anexada pendendo de um lado para o outro, de forma a atrair a atenção do ruivo, que encontrava contrastes naquela imagem que tinham um paladar ainda mais irônico do que deveria.

Mello se encaminhava rigidamente até o sofá; Matt só mais ou menos ciente de seus passos e respirações, ainda prestando atenção na cruz; enquanto o sentia se atirar nas almofadas do polo contrário, com ares de indolência e magnitude hostis.

Ele usufruía dos apoios para descansar os braços, e estendia as pernas o máximo que conseguia, despojadamente, dobrando a direita sobre a esquerda.

Se olhasse diretamente para o rosto dele, tinha certeza de que viria um semblante austero, com prepotência e outras máscaras lhe cobrindo o nervosismo. As íris elétricas vidradas; o ar sombrio cultivado pela extensa cicatriz.

Mas contentava-se apenas com a certeza.

Afinal, tirar as provas tinha certos riscos desagradáveis, como acabar encarando-o fixamente, até se esquecer de respirar...

Argh.

Acendeu outro cigarro. Pronto. O vício ajudava em seu autocontrole, que estava especialmente prejudicado naquela madrugada. Cada vez que olhava para ele, sentia que podia ser a última vez, e isso provocava uma série de turbulências em seus freios.

Fumar, ao menos, exercia uma espécie de efeito narcótico em sua mente; nicotina supria alguns desejos mais primitivos. Por alguns segundos, era só ela que importava. Só ela, sua melhor amiga. Até parecia existir um mundo além Dele. E ainda que seu último desejo fosse viver em um mundo desses, paradoxalmente precisava, para esquecer-se um pouco da realidade, que o auxiliava a não errar. Resistindo por 13 anos, seria patético se justo hoje cometesse os erros; frutos da tentação.

Erros como achar que era suficientemente bom para Ele.

–Hm, Matt? -Já sabia que iria ser convocado outra vez, mas não esperava que fosse tão cedo. Girou a cabeça na direção do loiro, sorriu, e criou uma nuvem de fumaça para minimizar seus vacilos. Tinha que soar o mais natural possível, e se para isso precisasse de cigarros...

Bem, era para isso que os bolsos serviam, não era?

–O que foi..?

O chocólatra o sondou por algum tempo, como se estivesse em dúvida do que dizer. Em seguida soltou o ar, e manteve aquela postura, no mínimo, intrigante.

–... Nós dois precisamos conversar. Sério.

–Sério? –Matt ergueu as sobrancelhas, confuso. Aquela era uma das primeiras vezes que o via agir daquela forma suspeita. –Hm... Vai me dizer que você quer revisar o plano da Takada, outra vez?

–Não! -O loiro finalmente demonstrou uma reação mais compatível com as de sempre, rolando os olhos, furiosamente. -Não era sobre isso que eu ia falar, babaca. –Arremessou o objeto mais próximo de si– no caso, o controle remoto da TV –na direção do amigo. –Ridículo.

–Ah, não? – O ruivo debochou, desviando-se do objeto no último instante. –Tem certeza disso?

–É claro que sim, engraçadinho!

–Seiii... -Matr anuiu, sem esconder o próprio riso e a surpresa. -Você sabe não precisa inventar alguma coisa apenas para parecer menos... Obcecado, né?

Até parece. –Ele cruzou os braços, ofendido. Em seguida apontou com desgosto para o cigarro de Matt. -Obsessão é isso que você tem com esses seus malditos trecos fedorentos. Falando sério, Matt. Tenho ânsia só de pensar no que poderia encontrar numa análise do seu pulmão, sabia?

–Há. E eu do que poderia encontrar numa análise da sua corrente sanguínea.

–Hunf. Como se níveis de glicose exuberantes fossem tão deprimentes quanto taxas de nicotina... –O loiro sorriu debochadamente, ao que o ruivo acompanhou, por mero instinto. - Não que isso seja exatamente relevante.

É.

Não era.

Bem fácil de notar que naquele pequeno confronto de vícios, o riso era apenas um escape.

Não só de toda a tensão e pressão de um plano iminente, mas também de uma nota que estava rondando subjetivamente o ar, e que Matt estava ansioso para raptar.

Tão ansioso quanto receoso.

–Mas então... O que é que você queria me dizer antes, Mell? –Tentou, o máximo que conseguiu não transparecer o quanto de expectativas a questão lhe causava. Mas era como tentar olhar para ele sem querer tocá-lo: Fisicamente impossível. - Alguma outra crítica sobre cigarros e seus efeitos maléficos no corpo humano?

– Não, não... -O loiro deixou os lábios entreabertos, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas acabou mudando de ideia no último segundo.

–Então o que é?

–Hm. Nada de muito importante, na verdade... –Nada de muito importante...? Então por que ele estaria repetindo? – Eu só queria saber... Se você tem um sonho, Matt.

–O quê? – Ahn? Ele havia mesmo ouvido certo ou será que era apenas um delírio? Mello queria mesmo saber se ele tinha... -Um... Sonho?

–Aham. Mas não, não pense sobre isso. Apenas me responda se possui algum...

–Er... Ficar o resto da vida jogando rpg e fumando uns cinco maços de cigarros pode ser considerado um sonho, pra você? – O ruivo deu uma última tragada em seu décimo quinto cigarro, para disfarçar os nós que se formavam na garganta. Mas era nítido que isso não era suficiente para acobertá-lo.

–Nah. Não seja patético. Você sabe muito bem o que eu quero dizer...

–Não sei não.

–Como não sabe?! - Ele sabia. Mas era fundamental dizer que não, já que aquela pergunta o pegara desprevenido demais para dar respostas rápidas– e bem mais imprevisível do que a questão em si, era o fato de Mello querer saber qual SUA resposta. A SUA. -Estou falando do seu sonho, Matt. Seus desejos, suas ambições, sei lá...

Argh.

Não.

Simplesmente não.

Como podia responder aquilo?

Ou melhor, como poderia responder aquilo a Mello?

Logo a ELE?

Sonhos, desejos, ambições..Não importava muito o nome para Matt. Não quando sabia que o sentimento residia ali.

Estava deixando seu coração frenético, e o cigarro à beira dos lábios. Naquele exato momento.

Conseguia captar as faíscas dos olhos azuis dele. Sentir a impaciência pela resposta. Ouvir a respiração, descompassada e lenta. As pretensões, equilibradas no desequilíbrio. Os sonhos, fundidos ao ódio.

Sonhos que eram recorrentes do seu próprio sonho: Ele.

Realizar os seus sonhos dele.

E havia alguns centímetros –e mais uma barreira de meio mundo- os separando.

Só que pensar e dizer isso em voz alta eram coisas totalmente distintas; e a última, em especial, era impossível de ser feita.

Silêncio.

Mas o loiro não conseguia suportá-lo por tanto tempo.

–Você nunca pensou em... Sei lá, casar, formar uma família, ter um emprego, filhos...?

Não.

Para isso não precisava nem pensar.

Criar um núcleo familiar ou seguir uma carreira era algo que tangia um raio infinito de distância de sua mente.

Sua única família era Mello.

Sua única carreira era servi-lo.

E fim.

–Hm. –Mello ficou estranhamente pensativo depois disso. O silêncio dominou, mas vez ou outra o ruivo sentia os olhos do chocólatra passeando sobre si, de uma forma perturbadora e ao mesmo tempo irresistível, e não sabia se tinha ímpetos de querer continuar falando ou de apenas continuar calado. Deveria ser o último, para não correr mais nenhum risco, mas sabia que estava mais numa mescla estonteante e enlouquecida. Jogou o cigarro fora e esperou. -Você poderia pelo menos tentar disfarçar, sabe, Matt...?

...Opa.

Os olhos do ruivo subitamente se arregalaram.

Quer dizer, se seus batimentos cardíacos já não estavam estáveis antes, que dirá depois de ouvir essa sentença.

Ou melhor, depois de ser brindado por aquele sorriso carregado de malícia.

–Do que você está falando, Mello?

Tentou fazer-se de desentendido, mas era incrível como se sentia péssimo, naqueles momentos.

Malditas não-tidas fossem as aulas de artes cênicas.

Mil vezes malditas.

–Pff. Você realmente acha que eu não sei?

–S-saber o quê?

O sorriso maligno de Mello se alargou. Se alguém olhasse para ele nesse instante, seria o detalhe que mais chamaria atenção.

–Eu sei.

O ruivo sentiu seu coração parar.

Simples: havia se esquecido de como respirar, de como se mexer, de como continuar bombeando o sangue para dentro das veias.

Não.

Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser real. Tinha que ser um trocadilho, um mal-entendido, qualquer coisa. Mas Mello não podia saber.

Não depois de tantos cigarros, tantos sentimentos reprimidos, tantos impulsos contidos e tantos sacrifícios calados que tivera de engolir sozinho. Não depois de todos aqueles anos sofrendo para esconder algo que se fosse expresso de uma forma errada ou precipitada poderia acabar com os muros de amizade que havia construído.

Não assim.

Ainda que várias vezes, principalmente quando o ego de Mello estava nas alturas, ele desse fortes indícios de que sabia, o ruivo sempre encarara aquilo com certo... desprezo.

Mas não.

Chegava a ser devastador pensar que ele poderia saber aquele tempo todo sem jamais se manifestar, sem jamais se importar, ou se importando só em recolher as migalhas de cada provocação como se fosse alguma mínima espécie de glória pessoal.

Quer dizer, mesmo que fosse... Tudo bem, Matt não se importava necessariamente em ser visto por Mello como um brinquedo ou como um utensílio...

Mas por que ele haveria de querer cutucar aquela ferida logo agora? Ali, diante de um momento tão decisivo como aquele? E por que estava doendo tanto, tanto, a ponto de se esquecer de como respirar?

–O que eu quero dizer com isso é... –Matt não havia reparado como, nem quando, mas de repente aquilo que parecia ser uma distância infinitamente maior entre os lugares de Mello e o dele, no sofá, parecia ter sido reduzido a um mínimo punhado de centímetros. Aparentemente, o loiro havia engatinhado até ali, e agora ele podia sentir o cheiro de chocolate, adicionado ao de couro, e de algo que ele não saberia descrever com palavras, como um turbilhão acima de si. Seu coração se lembrou de voltar a bater, mas foi num rompante tão demasiadamente rápido, que por um momento ou dois, o ruivo verdadeiramente se sentiu tonto. Mas isso não foi nada, se comparado à vertigem que lhe arrematou, quando o chocólatra, como se não estivesse fazendo nada de errado, avançou para cima dele, unindo seus corpos e peles, e fixou as pernas ao redor seu tronco, ficando literalmente entrelaçado a Matt. Ele simplesmente colocou as mãos em torno de seu pescoço, com certa autoridade, cultivando um ar verdadeiramente convencido e irresistível. E ia aproximando o rosto do seu, lentamente, como se forças invisíveis o guiassem. As íris azuis cintilando, e parecendo ser a única verdade do mundo. O hálito roçando em sua bochecha, a poucos milímetros enlouquecedores. O ruivo estava prestes a perder seu último fio de sanidade, quando ouviu a palavra ressoando, como um eco, o último muro entre eles. –... Obrigado.

E, miseravelmente, aquele muro era bem mais espesso do que era capaz de imaginar.

Foi ele que fez Matt desviar a cabeça para o lado, no último segundo, com lágrimas praticamente queimando nos olhos.

A voz arrastada e embargada.

E um sentimento de vergonha e culpa tingindo toda sua face num vermelho mais intenso que o de seus cabelos.

–Não. Não faça isso, Mello. Por favor.

–Ahn?- O loiro pareceu estar confuso. - Por favor o quê? -Afastou um pouco o rosto do seu, parecendo achar um pouco de graça do receio de Matt de abdicar das máscaras. Quer dizer, era simplesmente IMPOSSÍVEL que o ruivo não quisesse ser beijado. Ainda mais por Ele.

Por favor.- Suplicou.

É claro que Mello jamais compreenderia o motivo. Jamais entenderia que Matt preferia viver sem aquela sublime redenção, do que tê-la assim, mas tinha que insistir, de qualquer forma.

–Por favor, Mello, não realize o meu sonho? –O loiro soltou um riso de canto de lábio. No fundo, ele estava certo. No fundo, era mais ou menos isso que Matt estava pedindo, por um motivo que nem sabia nem ao menos explicar.–Você é realmente incompreensível, Mail Jeevas...

–Não. –Odiou-se por deixar aquela lágrima escorrer. O loiro olhava para ele, como se tentasse decodifica-lo e não conseguisse encontrar uma razão suficientemente esclarecedora. Matt estremeceu ao sentir um daqueles dedos tocando a pele de seu rosto, enxugando num gesto delicado, que definitivamente não combinava com a figura sombria que ele era e sempre fora. Queria tanto apenas poder aceitar aquilo naturalmente, aceitar aqueles toques que o faziam ter vontade de morrer de tanto contentamento. Era apenas irresistível demais, mas a questão era que precisava resistir. -Por favor, Mello, não estrague tudo. - Simplesmente porque sabia que ele não estava fazendo isso pelo motivo certo. Não haveria nada além do “Obrigado”, depois. E ele não podia, não podia aguentar ser como um aparo. Não podia ser uma mancha vermelha entre o branco e o preto. - Por favor, não faça isso porque sente pena de mim.

–Pena?! –Mello continuou a rir, debochado, os lábios entreabertos diante da terrível acusação a qual estava sendo submetido. Parecia se sentir extremamente indignado, ofendido, e até ia dizer alguma coisa- provavelmente negar que seus atos se resumiam nos sentimentos desprezíveis de ‘pena’ e de ‘gratidão’. Mas nenhuma palavra iria recolher as lágrimas do rosto de Matt, e muito menos convencê-lo do contrário- então só restava uma única opção: fazer algo que já deveria ter feito, a muito, muito tempo atrás... -Matt... me deixe calar essa boca tola.

Simples.

Dessa vez, não deu tempo do ruivo virar o rosto. Na verdade, o chocólatra usou a mão esquerda para segurar o queixo dele, para que mesmo que ele tentasse, não conseguisse fugir de si.

Mas ele não tentou.

As pálpebras de Matt se fecharam de maneira tão involuntária que até parecia que haviam desligado sua consciência -todas as ideias que poderia vir a ter para impedir de sentir aquele arrebatamento único, viver aquele momento que ambicionara ter desde pequeno, simplesmente se dissolveram no borrão entre o tempo e o espaço.

Mello roubou o rosto do ruivo para si, tomando os lábios dele com os dentes. Juntou-os, em seguida, com a maior intensidade que conseguiu reunir, e tratou de abrir caminho com a língua, entrelaçando-a a sua, num toque que provocava arrepios, formigamentos, e sensações tão indescritíveis que pareciam estar sendo registradas na alma, não na pele.

Matt sentia um amor tão profundo, um torpor tão mágico, e uma alegria tão extensa, que carregaria isso consigo para sempre, aonde quer que fosse, aonde quer estivesse; em cima ou abaixo da terra.

A verdade é que havia ali uma sincronia tão perfeita, algo tão mágico, que palavras eram demasiado vagas para descrever...

Talvez fosse porque, naqueles instantes, o mundo já não era mais branco como a neve.

Era só vermelho-fogo, e a neve só sabia derreter...

–Por quê? Por que você faz isso? –O ruivo precisou saber, assim que seus lábios se desataram para buscar o fôlego. Mas Mello o impediu de continuar a protestar.

–Silêncio. –Fez com que se calasse, repousando os dedos em seus lábios, num contraste de temperaturas.

Beijou seu rosto. Seu queixo. Seu pescoço. E cada toque desses, era como ascender ao céu.

...Mas precisava saber porque Mello gostava de torturá-lo tanto, daquela forma. Dando-lhe algo tão perfeito, que só o faria querer mais.

E querer algo que ele não podia ter por inteiro.

Então foi aí que Matt percebeu o óbvio– que antes de sentir todo aquele turbilhão de emoções indistintas, não faria nenhum sentido.

Por quê?

Por que precisava ter Tudo?

A verdade por detrás dos gestos era a única coisa que realmente importava.

E a verdade era que Mello sentia alguma coisa. Qualquer coisa. E se até então estava satisfeito com o nada, o quão brilhante não era qualquer coisa? Não era pena, e não era nada.

Na verdade, poderia jurar que o loiro realmente sentia algo intenso, e destoado do branco, algo que só conseguia ser resumido ali, naquele instante específico.

Afinal, o nada tinha sido só um vazio angustiante, a que Matt se apegara, numa falsa ideia de que era o suficiente. Agora que podia se sentir completo, com os braços dele em torno de seu pescoço, a respiração dele amaciando seus lábios, percebeu que não poderia querer partir dali, sem saber ao menos uma vez que gosto tinha esse seu sonho egoísta. O sonho que não era só realizar os sonhos dele...

E esse gosto era muito parecido com aquilo que chamavam de felicidade.

De repente, abriu os olhos, quase que como num relampejo. E a imagem que conseguia fisgar com eles ia muito, muito além, do que sua imaginação jamais havia chegado...

Conseguia contemplar o rosto de Mello a milímetros do seu.

Era tão lindo.

E cada detalhe... O arquejado das sobrancelhas, o contorno dos lábios, a cor dos olhos, o contraste com os cabelos, e até mesmo a cicatriz.

Tudo nele era simplesmente perfeito.

–Eu... Eu te amo, Mello.

–Matt...Shh. Você sabe que não precisa dizer iss-

–Eu quero. –O ruivo sentia o coração lutando para escapar pela garganta, mas mesmo assim olhou bem no fundo dos olhos azuis de Mello, e esboçou o sorriso mais doce que poderia dar. Não sabia de onde conseguiu reunir tanta coragem, na ausência do tabaco; só sabia que as palavras estavam ali há tanto tempo armazenadas e trancadas, que pareciam pesar meio milhão de quilos. Tiveram que ser refreadas tantas e tantas vezes, no passado, que até perdera os cálculos, mas cada vez parecia ser uma dor mais forte que ia se instalando em seu peito, o esmagando. Tanto que elas não aguentariam ser engolidas, por nem mais um segundo. Se soubesse antes que ele sabia... Ou melhor, se soubesse que não era só nada... Talvez elas tivessem deslizado lábios afora tempos e tempos. Mas fora preciso chegarem juntos até ali; fora preciso toda aquela descarga de adrenalina; todo o ódio queimando na neve, e todas aquelas lágrimas e angústias, para que finalmente decodificasse o quão simples era desatar os nós que pensara estarem atados para sempre -Eu quero que você saiba, que eu te amo tanto que chega a doer. Que você é simplesmente tudo para mim. Sempre. Que desde aquele dia, nos jardins, quando éramos crianças, você é o meu mundo... –Seu sorriso se alargou, a lembrança nostálgica de um pequeno loiro impulsivo e desafiador dominando sua mente. -Você ainda se lembra desse dia, Mello?

–É claro. Como é que eu poderia esquecer? –Ele retribuiu seu sorriso, como uma intensidade quase equivalente a sua. Quase maior. Talvez ele finalmente tivesse compreendido seus motivos. Entendido o porquê fazia o que fazia. O porquê estava disposto a correr todos os riscos, e transcender todos os limites. Mesmo que não conseguisse decifrá-los muito bem. -Foi você quem eu conheci nesse dia. O meu Mail Jeevas... –

Sabia que um dia ele aprenderia, e quando esse dia chegasse, tudo, absolutamente tudo teria valido a pena.

Inclusive o insignificante fato de nunca haver um “Eu te amo” de volta, com Mihael Keehl.

–Venha. Já amanheceu... –O chocólatra rolou do colo de Matt para o sofá, lembrando-se de puxar a mão dele consigo, antes de se reerguer. -Temos que fazer os preparativos. Na próxima vez conversaremos mais sobre isso... Só eu e você.

“Quem sabe, Mello...”

O ruivo mordeu o lábio pela última vez, às notas finais do som malicioso da voz Dele. Só mais uma pequena camuflagem da madrugada.

Afinal, seria no mínimo esquisito rir do pressentimento de que não haveria próxima vez.

E se sentir estranhamente feliz, mesmo assim.









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Notas finais do capítulo

Reviews? (:



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