Aurora Boreal escrita por Mr Ferazza


Capítulo 21
XVIII. COMODIDADE


Notas iniciais do capítulo

Este é um capítulo que eu, como o autor, pessoalmente goSto bastante. Eu o li várias vezes, e, por isso, não o revisei. Pode haver alguns erros. Desculpem.



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XVIII. COMODIDADE.

— Espere, espere, espere, Alice, deixe-me ver se eu entendi o que está querendo dizer — Interrompi Alice, desvencilhando-me de seu aperto suave e educado — Você está querendo dizer que os Volturi vão esperar que nós decidamos agir contra eles? Isso é impossível. Nunca faríamos isso, e Carlisle não aprovaria.

Eu a fitei, sem acreditar no que ela me dissera há pouco; o que ela vira? Será que Aro planejava que nós os atacássemos? E dentro do covil do inimigo? Isso seria loucura. Não que, agora, eu tivesse medo por alguém, ou por mim mesma. Longe disso. Agora somente eu sabia do que eu era capaz. Mas eu temia que uma atitude dessas inflamasse ainda mais o ódio mútuo entre nós.

Alice me fitou de volta, como se esperasse que eu enxergasse algo que estava bem à minha frente, mas que eu ainda não fora capaz de ver, por causa de pontos infinitamente mais importantes; Eu não costumava pensar demais nas coisas, quando se tratava da família. Eu faria algo, se a situação fosse perigosa demais. Nessas horas, o sangue me subia à cabeça ­— Não literalmente, claro —, e eu não conseguia pensar com clareza. Eu estava tentando controlar minha fúria, mas não era fácil; a capacidade de pensar com frieza numa situação dessas desaparecia inteiramente, e eu fazia as coisas por impulso.

— Bella, nós não teremos escolha; Eles irão destruir todos os que estiveram na clareira naquele dia. É isso que eles pretendem. Querem que nos sintamos culpados pelo que está ocorrendo, eles pensam que iremos revidar. E, conhecendo Carlisle, é exatamente isso o que faremos; ele não permitirá que pessoas inocentes morram por causa de uma situação criada por nossa família.

Isso fazia sentido de uma forma horrível; tive de admitir que era um ponto de vista monstruosamente correto. Isso aconteceria. Em breve. Eu sabia disso. Alice sabia disso. E Aro sabia disso, talvez Caius também soubesse. E era por isso que ele faria aquilo. Aro contava que a bondade de Carlisle se voltasse contra ele. Era nisso que ele apostava. Carlisle não permitiria essa situação. E nós iríamos a Volterra. Em breve; eu podia apostar tudo o que tinha que Alice nos vira lá. Eu só podia esperar que Renesmee não estivesse envolvida com o ataque. Não queria vê-la novamente perto de Aro. Se isso ocorresse, eu me lembraria daquele dia, minha fúria voltaria, eu podia, literalmente, destruir tudo.

Rá-rá, ri em pensamento. Eu até parecia um lobisomem jovem. É claro que eu me controlaria; a vida de minha família dependia disso.

Eu assenti, concordando com ela, porque sabia ao que ela se referia.

Lutaríamos.

Mas dessa vez não haveria tanta gente para testemunhar a queda de um dos lados. E não haveria o pavor da vez anterior, porque nós iríamos vencer.

Lutei contra as palavras, eu queria perguntar a Alice quando isso aconteceria, mas estava com receio de que ela interpretasse mal minha pergunta, receava que minha voz soasse empolgada, quando, na verdade, estava com um pouco de medo. Por Renesmee e pelo resto de minha família.

Porque não me importava quantas vezes eu havia provado que era um pouco — Tudo bem, muito mais — mais poderosa do que os outros vampiros. Mais do que metade da guarda Volturi junta, eu sempre iria temer por minha família, e eu sabia que era o certo a fazer.

Autoconfiança em um nível extremo, ou que não nos permita enxergar os fatos como eles realmente são, não fazia bem a ninguém.

— Eu não sei quando isso vai acontecer — Respondeu Alice; tinha previsto a pergunta que eu faria. ­—, provavelmente, assim que eles decidirem atacar algum clã com quem tivemos contato naquela época. Eles sabem que eu verei isso e sabem que Carlisle não vai permitir, sabem que ele preferiria morrer a ver alguém ser morto por sua causa.

— Culpa dele? Carlisle não pode achar que isso é culpa dele; sabemos que os Volturi não estão tentando uma vingança. Eles têm o mesmo objetivo da outra vez, só que, agora, eles não têm uma desculpa para seus atos. — Eu argumentei.

— Não sei se consigo concordar com a parte da vingança, Bella. Acredito que, a essa altura, a vingança e a conquista ocupam pedaços iguais nessa causa. Aro quer tanto se vingar do vexame de onze anos atrás, quanto quer conquistar o que veio fazer naquele dia e não conseguiu. ­— me contradisse Alice.

Eu assenti.

— Você tem razão. — Eu disse — Então, sabe quem podem ser os primeiros? Quem Aro vai atacar?

Ela balançou a cabeça.

— Não. Ele está pensando em suas possibilidades, mas, decerta forma, já está decidido. Ele quer de nós uma reação quase que imediata, por isso, a família de Tanya, mais especificamente. Já que somos mais próximos do que o normal. Mas ele ainda não tomou uma decisão firme; sabe que nós sabemos que é isso que ele quer.

Assenti de novo.

— Se os Volturi irão agir rápido assim, devemos comunicar a Carlisle. Temos de ir até Volterra... Já que a família de Tânia não pode fugir. — emendei rapidamente; eu estava fingindo que não fora eu que matara Demetri.

Na verdade, minha família nem sabia que Demetri estava morto.

Alice interrompeu meus pensamentos.

— Por falar em Demetri... Eu não sei por que Aro não vem nos procurar ele mesmo. Isso não está parecendo ser uma medida de “comodidade”, não é o simples caso de “fazer Maomé ir à montanha”. Não mesmo, Bella; eu posso apostar que há algo muito estranho acontecendo.

Concordei com ela, acenando a cabeça.

É claro que havia algo estranho: Demetri estava morto. — mas eu não disse isso a Alice.

Nós precisávamos falar com Edward, mas eu podia apostar que ele não estava ouvindo muita coisa nesse momento.

Edward e Renesmee rodavam na pista de dança elegantemente. Era a segunda dança de Renesmee com Edward; Edward a tirara para dançar depois de sua primeira dança com Jacob. Os noivos eram prioridade, obviamente.

Eu afastei minha proteção por algum tempo, para conseguir chamar Edward.

Edward, Edward? Ouça-me, eu pensei, enquanto ele levanta a cabeça, lentamente, me procurando no tumulto da pista de dança.

Aqui. Olhe para a extremidade leste da pista; eu estou aqui. Alice precisa falar com você. Rápido. Deixe Renesmee com Jake.

Meu escudo voltou à minha mente.

Em um oitavo de segundo, Edward cruzou a pista abarrotada e estava ao meu lado, com os braços firmes à minha volta.

— Tudo bem, o que está havendo? — perguntou ele.

Alice ficou em silêncio por alguns segundos, e eu sabia que ela estava repassando a conversa que tivéramos alguns minutos antes, talvez até com um pouco mais de detalhes; Havia coisas que ela só compartilhava com Edward. Eu não me meti na cabeça dela para saber o que era. A intromissão era algo desagradável dessa parte de ler as mentes. Não que Edward fosse intrometido. Nem pensar. Mas ele fazia isso involuntariamente, ao contrário de mim.

Depois de Alguns segundos, Edward assentiu e disse “hmmmm”, com um pouco mais de interesse, e até raiva.

— Tudo bem. É claro que eu entendo o que significa, mas não podemos anunciar isso no meio da festa de casamento da Nessie. Pelo que você me informou, eles não estão prontos para agir tão imediatamente assim. Talvez devamos esperar que Nessie volte de sua Lua-de-Mel, antes que realmente decidamos fazer algo — disse Edward. —, mesmo que não queiramos que ela vá, devemos lhe informar. E fazê-lo agora só vai servir para deixá-la preocupada durante toda a viagem.

Então ele pensava o mesmo que eu. Isso era bom.

— Concordo com você, querido. — eu sorri e o beijei.

Alice arfou.

—Ah, meu Deus, quase me esqueci da Lua-de-Mel. — Então Alice estalou os dedos duas vezes e a música parou; muito conveniente ter sensores sonoros acoplados às caixas de som. — Nessie, Jake? — ela os chamou e acenou para que eles pudessem saber onde ela estava. Eles estavam na nossa frente em alguns segundos.

Ela estalou os dedos de novo, só uma vez, e a música voltou a tocar.

—Sim?— Perguntou Renesmee.

— O que foi, baixinha? — perguntou Jake.

— Nessie, você, suba. Esme e Rose a ajudarão a se vestir para a viagem. Rápido, rápido. Vocês não querem perder o voo, não é? Estão quase atrasados.

Renesmee e Jake se olharam e depois olharam Alice com um olhar conspirador.

— Foi por isso que interrompeu? — Perguntou Jake. — eu posso ir correndo. Nessie pode ir às minhas costas. Não vamos demorar muito. Corro tão rápido quanto um de vocês.

Alice revirou os olhos.

— Isso realmente não vem ao caso agora. E, além do mais, não creio que possa chagar tão longe assim em menos de vinte horas. — ela contra-argumentou. — Além disso, você também precisa se vestir corretamente. Suba e encontrará as roupas certas no antigo quarto de Edward, mas, antes, vou dizer aonde vocês irão.

Jake olhou para mim e revirou os olhos. Eu sorri. Essa era A-boa-e-velha-Alice.

— Ande, Nessie, suba. Isso é uma surpresa...

Alice quis continuar, mas Renesmee já havia desaparecido; e Alice desaparecera atrás dela, estava de volta em alguns segundos, com alguns papéis nas mãos. As passagens

Alice entregou as passagens a Jake e, antes que ele pudesse ler alguma coisa, ela se voltou para ele, com um pouco de impaciência.

— Tudo bem, Jake, vocês irão para a América do Sul.

— Não. Não é para a Ilha de Esme, Bella — Disse Alice, prevendo minha pergunta. Seria estranho levá-los ao mesmo lugar onde Edward e eu passáramos a nossa Lua-de-Mel.

Eu deduzi, então, depois de um quarto de segundo.

Ah, então eles iriam para o fim do mundo. Literalmente.

Eu quase me esquecera de que Alice tinha uma enorme propriedade no extremo sul da Patagônia.

Assenti e pisquei para ela.

— Fale logo, Alice. — disse Jacob — Você não disse que estávamos atrasados?

Alice o fuzilou com os olhos e depois sorriu.

— Eu só queria ganhar tempo, evitando discussões. Tudo bem, tudo bem. Vocês vão para uma casa, em minha propriedade, que fica no extremo sul da América do Sul. Na Argentina. Vocês vão para a Terra do Fogo. — Sua voz soou animada ao dar a notícia. — Terão de pegar um avião, que vai aterrissar em Buenos Aires. De lá, haverá outro, que os levará para o lugar propriamente dito. Entendeu?

Agora Jacob assentiu e revirou os olhos.

— Argentina? Sabe que eu não sei hablar español — disse ele. — isso é o máximo que eu sei — Jake se referia às duas palavras de antes.

Edward rui um pouco.

Alice falou com um toque de impaciência na voz.

— Rá. — ela riu, com sarcasmo, só uma vez. — Tarde demais. Deveria ter aprendido antes. Mas, de qualquer forma, isso não é problema e, caso fosse, Nessie sabe fazê-lo perfeitamente.

Jake olhou meio zangado para ela. Depois disparou para a casa para trocar de roupa.

Num instante, ele e Nessie estavam de volta. Abraçados.

Renesmee hesitou um pouco, depois saiu dos braços de Jake e se lançou para mim, num abraço forte.

— Até a volta, mãe. Mandaremos um postal. Eu prometo. — ela disse.

— Certo, nova Sra. Black. — eu disse sorrindo, e afagando seus cachos ruivos, mas era estranho que ela não tivesse mais nosso sobrenome no final; agora ficava no meio. — Renesmee Carlie Swan Cullen Black. Nossa, como seu nome foi ficar tão comprido!? – eu sorri com mais entusiasmo agora.

Eu vi que Edward concordava comigo, porque ele a abraçou sem dizer nada.

Foi a vez de Jacob vir me abraçar; seu aperto estava mais quente do que o habitual.

— Até logo, Bells. Minha melhor amiga e madrinha. Obrigado. Por me dar Nessie. Agradeço mais do que minhas palavras podem dizer.

Eu assenti.

— Tudo bem, padrinho.— eu disse a ele.

— Obrigado a você também, Edward.

— Não há de que, Jake. E faça minha Nessie feliz, se não... — Depois Edward estalou as juntas dos dedos e levou uma mão fechada, em punho, de encontro à outra, que permanecia aberta, fazendo um estalo agudo — Mas sem pressão, é claro.

Ele riu, e Jake riu com ele. Depois Nessie, Alice e eu também rimos.

Alice parou antes de todos, refazendo seu rosto de impaciência com a demora. Ela agitou as mãos, impaciente.

— Certo, certo. É tudo muito engraçado, mas vocês dois têm de ir andando. Vamos, rápido! Querem se atrasar de verdade? Leve o Vanquish de Edward.

E depois eles estavam correndo pelo túnel que era formado pelos convidados, que também jogavam arroz em Renesmee e Jacob.

Edward e eu estávamos abraçados, na parte mais perto do carro, acenando para eles. Só paramos de acenar quando o carro desapareceu na estrada tortuosa de cinco quilômetros que levava à via expressa.

Quando ouvimos os pneus do carro tocar o asfalto, nós nos entreolhamos, e eu não precisava ler sua mente — nem ele a minha — para saber que pensávamos o mesmo: Renesmee não poderia ter escolhido alguém melhor para passar o resto da eternidade.

Assim como eu.

— Isso vai ser interessante. — Carlisle murmurou para Edward atrás dele e de mim. Eu quis perguntar a ele o que ele queria dizer com isso, mas, nesse momento, eu não estava prestando atenção a muita coisa à minha volta, mas, de qualquer modo, não poderíamos discutir aquilo ali, na frente de todos.

O assunto Volturi deveria ficar para mais tarde, quando estivéssemos a sós, cercados somente pela família. — Isso não incluía Charlie, é claro.

Charlie.

Eu não pensara muito sobre ele ultimamente, mas, agora que esse assunto viera à minha mente, eu conseguia perceber algumas coisas que, até então, não martelavam em minha cabeça, mas agora estavam óbvias demais; eu não sabia o que estava se passando com Charlie, porque nunca mais entrara na mente dele para saber o que ele pensava. Ele estava agindo de forma estranha ultimamente. Já fazia um bom tempo que ele não nos visitava. — Desde a Páscoa — Em vez disso, preferia nós fôssemos visitá-lo.

Muito esquisito; da última vez que estivéramos lá, Edward não fora junto para saber o que ele pensava, e, consequentemente, para me contar depois. Eu não queria invadir sua mente assim, por isso não ficara sabendo de seus pensamentos. Isso seria uma enorme falta de ética. Eu podia controlar isso e eu fazia tudo para me não ceder à tentação da indiscrição sobrenatural; isso só acontecia em situações de urgência, que não eram muito comuns. Pelo menos por enquanto

Meus olhos varreram o local impecavelmente decorado que agora começava a ficar vazio; os convidados estavam indo embora. — Não demorei muito a encontrar meu pai e Sue que estavam do outro lado do enorme espaço que fora reservado para a pista de dança. Eles estavam ocupando uma mesa reservada, na extremidade da ex-pista.

Fui até lá.

Eu não tinha bem um plano. Na verdade, eu só perguntaria a ele o que estava acontecendo.

— ham — pigarreei. — hum... Pai? Ah, boa noite, Sue, como vai?

— Muito bem, Bella. Obrigada. — ela acenou a cabeça enquanto se levantava. — Vou... Hã... Deixar vocês dois a sós.

Eu sorri.

— Obrigada.

Charlie me olhou.

— Sim, Bella? — Ele perguntou.

— Pai, eu queria conversar com você por um minuto. — eu disse hesitante.

— Fale Bells. — encorajou-me ele.

— É que eu o tenho notado; você me parece muito estranho ultimamente. Há algo de errado? Algo em que eu possa ajudá-lo? — Perguntei, com medo de que ele achasse a pergunta estranha demais; eu sabia que ele estava fazendo de tudo para passar despercebido, mas eu sabia que havia algo de estranho nele, e não precisava ser vampira e ter os sentidos interminavelmente mais apurados para saber disso. Eu o conhecia muito bem.

Edward não captara nada de estranho em seus pensamentos essa noite; se o tivesse feito, ele teria me contado — eu era a maior interessada nisso. Mas nada acontecia. Edward me dissera que ele só estava pensando muito em um acidente de carro, provocado por um crime, que ocorrera há algumas semanas e que eles não haviam encontrado o culpado. Mas isso não era exatamente uma coisa preocupante. Deveria ser outra coisa.

Charlie inspirou e depois soltou o ar pesadamente. Eu soube que ele me contaria exatamente o que o estava incomodando.

— Olha Bells, certamente você se lembra melhor do que eu do que aconteceu há alguns anos, não? Refiro-me a quando Jake se transformou em minha frente — Sua voz falhou um pouco — e eu soube que você não estava mais doente e a todas as coisas recorrentes a isso.

Eu assenti um pouco assustada, mas sabia que minha expressão não deixava nada transparecer.

O medo se devia ao fato de que aquele nunca fora o assunto preferido do meu pai.

— Claro que eu lembro. O que tem isso?

Ele teve de engolir em seco para conseguir continuar.

— Provavelmente sabe que agora Sue mora comigo. — eu fiz menção para responder, mas ele continuou, sem se interromper. — Muito bem. Eu encontrei algumas anotações dela no meio de seu álbum de família. As anotações se tratavam de antigas histórias da tribo. Sobre tais “Guerreiros Espíritos... uns nomes esquisitos Taha Al... Guma... Coisa?”. E também sobre os Lobiso... Ah, você entendeu.

— O que tem essas histórias, pai?

— Bem, agora eu sei que são verdadeiras.

—Sim. — Respondi, mas sabia que havia mais. Se ele lera as histórias dos Guerreiros Espíritos e a dos lobos, certamente, também havia lido algo sobre Os Frios. — E aí, gostou das histórias? — tentei brincar com a situação.

Ele assentiu. Ainda sério demais.

— São bem interessantes, Bells. Mas havia outra, também. Além dessas duas. Acho que li algo sobre uma “Terceira Esposa” e... Sobre... Vampiros. A história os chama de “Os Frios”. — Charlie estremeceu um pouco, no final. — Certamente você conhece essa também.

Meu Deus! Charlie estava, agora, perigosamente perto da verdade.

Eu assenti.

— Conheço, sim. — respondi com a voz baixa.

— Bom o que eu queria lhe perguntar era... Vampiros são reais também? Eles existem de verdade?

E agora? O que eu diria a ele?

— Não sei. — menti — Receio que, como a maioria das outras lendas, essa também seja verdadeira. Mas eu não tenho certeza, pai.

Ele me fitou apavorado.

— Bella, se isso for real, você deve tomar muito cuidado. Já que você está mais envolvida do que eu nesse mundo sobrenatural. Prometa-me que vai se cuidar, Bella. — disse ele, mais apavorado do que antes. Sua voz era quase um engasgo. Ele estava preocupado.

— Não se preocupe pai. Vou tomar cuidado. Prometo.

De repente Charlie explodiu em uma onda de gargalhadas zombeteiras. Dava pra ver que ele não estava de fato achado graça. Era mais como incredulidade.

— Você ainda mente muito mal, Isabella. — ele disse meu nome com sarcasmo. Sua declaração soou um pouco constrangida e, ao mesmo tempo, meio zangada.

Que comportamento estranho!

— O que quer dizer com isso? — perguntei. Eu não sabia do que ele estava falando. Será que ele me achava incapaz de tomar cuidado? Será que ele achava que meus modos desastrados de humana, que ele ainda não sabia que haviam desaparecido, dariam uma “arma de destruição em massa”?, Como certa vez dissera Edward?

De repente Charlie pegou uma taça que estava cheia de champanhe e o derramou no chão — Não que o movimento tenha sido rápido, mas era uma coisa que eu não esperava, esse comportamento. —, depois ele a quebrou, levando-a de encontro ao canto da mesa.

A taça quebrou alguns centímetros para baixo da borda. Os pedaços soltos, caindo no chão. Somente um caco de vidro ficou sobre a mesa. Ele não era grande.

Charlie pegou o pedaço de vidro e cortou a palma da mão esquerda, sem querer demonstrar que fora um acidente.

O sangue escorreu pelo corte que acompanhava as linhas de sua palma.

Eu não tivera tempo de prender a respiração. Acontecera de repente. O cheiro foi de encontro a mim como um murro de chamas inapagáveis, me queimando de dentro para fora.

Eu nunca sentira o cheiro do sangue humanos jorrando assim. Tão perto de mim. Era doce, agradável e molhado. E eu não caçava havia algumas semanas. O cheiro era promissor. Fazia a promessa de acabar com a sede que eu estava sentindo, mas que, até agora, eu conseguira controlar.

Mas agora era diferente.

Agora a sede era incontrolável. Como uma monstruosa compulsão que prometia me esmagar com sua enorme pressão se eu não a extinguisse nesse momento. Agora. Todos os meus sentidos estavam focados no cheiro e no calor do sangue que estava a poucos centímetros de mim. Eu só conseguia pensar nisso.

Enquanto isso, Charlie voltava a palma cortada para cima, a fim de não deixar o sangue pingar e manchar o branco perfeito da pista de dança. Isso não ajudava; o cheiro concentrado do sangue fresco só fazia aumentar ainda mais o enorme apelo da incontrolável compulsão da sede.

A sede. A sede. A sede.

Tentei pensar em meio à sede, mas não conseguia dar um rumo diferente aos meus pensamentos. E ela chegou de novo, na verdade, nem sequer tinha ido.

A sede.

A sede irracional e louca.

Eu não conseguia me livrar dela; ela ardia como o veneno, queimando as minhas veias ressecadas. E o sangue estava ali. Prometendo umedecê-las mais uma vez.

Depois, como se o cheiro concentrado do sangue não fosse o bastante, Charlie estendeu a não em concha para mim. E, depois, muito devagar, ele o derramou no chão. A centímetros de meu nariz.

Eu sabia o que Charlie estava vendo; meus olhos estavam fora de foco e rodopiando loucamente dentro do limite de minhas órbitas. Ainda. Porque eles ameaçavam saltar delas, se eu não saciasse minha sede.

Tentei pensar de novo. Prender a respiração para que eu não sentisse mais o cheiro. Deu certo. Mas nem tanto; eu ainda podia sentir o calor irradiando do sangue que se derramava livremente no chão.

— Cubra isso — ordenei entredentes — Sabe que eu não suporto cheiro de sangue. — menti. Mas não era inteiramente uma mentira, só as situações haviam mudado.

Charlie pegou um guardanapo que estava sobre a mesa e tampou a ferida, apertando para que o fluxo sanguíneo diminuísse e o ferimento estancasse logo.

Eu fiquei agradecida por isso.

— Obrigada — murmurei baixinho, ainda entredentes.

Charlie ergueu a sobrancelha direita; a suspeita confirmada. E eu soube que, se ele não sabia, pelo menos tinha uma enorme desconfiança do que eu era.

A prova em meus olhos negros e desvairados estivera a poucos centímetros dele. Charlie tinha sorte por ainda estar vivo; mesmo sendo ele meu pai.

É claro que eu não era uma recém-criada louca e burra, mas o cheiro e a situação me pegaram desprevenida. Eu sabia que qualquer vampiro — exceto Carlisle —, independente da idade que tivesse, reagiria da mesma forma.

Eu precisava pensar com clareza.

Só precisei de um segundo para decidir o que fazer.

— Carlisle — chamei-o. — Charlie se feriu. Precisa limpar o ferimento, por favor, cuide disso.

— Ele descobriu. — ouvi Edward dizer a alguém. — sabe o que nós somos.

Eles estavam dentro da casa — Carlisle e Edward —, mas apareceram em um segundo; não tão rápido quanto teriam feito se não houvessem humanos ali.

Um só, na verdade — os outros convidados já haviam partido. Inclusive Sue.

Quando eles chagaram, fitaram a cena diante deles: A taça quebrada. O pedaço ensanguentado de vidro na outra mão de Charlie e o sangue no chão.

Carlisle balançou lentamente a cabeça, em sinal de reprovação, mas foi Edward quem falou.

—Porque fez isso, Charlie? — Perguntou ele, sua voz também tinha um tom de reprovação.

Charlie riu um pouco, de novo o riso sem graça, com sarcasmo. Depois ele revirou os olhos.

— Eu sabia que Bella não iria me contar a verdade sobre vocês, então tive de tomar providências. — disse ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Sim. Ele tem certeza. Não vai adiantar fingir. — Edward respondeu à pergunta muda de Carlisle. — Ele já sabe sobre todos nós.

Foi a vez de Carlisle falar.

— E a história sobre “saber só o necessário”, Charlie?

— Umpf. — ele deu de ombros. — Desisti dela. Agora quero saber toda a verdade.

Toda a verdade. Charlie queria saber toda a verdade.

Mas nenhum de nós três se mexeu, ninguém abriu a boca para lhe dizer a verdade.

Porque a verdade era horrível.

A verdade era cruel, mas, ainda assim, a mais pura e concreta realidade, naquele momento.

A verdade era saber que, de uma forma ou de outra, Charlie morreria.

Seu tempo se esgotara, e agora ele só tinha duas opções: Morrer ou se tornar um se nós.

A verdade era que, para mim, nenhuma opção era convidativa.

Mas isso não estava em minhas mãos.

Eu fitei a mão ferida de meu pai, enrolada no guardanapo de papel. Eu podia sentir o calor da última gota de sangue saindo do ferimento que já estava quase estancado.

Aquela poderia ser a última gota de sangue que brotaria de seu corpo, humano, frágil e quente.

Doía saber o que causaria isso — sua futura falta de fluxo sanguíneo.

Porque a verdade era que sua vida terminaria em breve.

A morte — em seu sentido literal, da não existência — ou a eternidade esperavam por ele.

Eu fitei o horizonte, sem nada ver. À minha frente, parecia que um par de olhos vermelhos olhava a cena que ali acontecia. E, ao que parecia, só cabia a Charlie decidir se esses olhos seriam os dele, futuramente.

Ou se seriam os olhos de nossos inimigos italianos, esperando para matar.



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Notas finais do capítulo

Obrigado por acompanharem. O próximo vou postar no ano que vem. Feliz 2013.