Dançarina Das Marés escrita por A Garota do Capitão


Capítulo 38
Silêncio Sepulcral


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demora, mas está aí o capítulo !
beijos



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Após tratar dos ferimentos de Carter, ambos nos deitamos de bruços sobre manta no chão da cela. Ficamos conversando por bastante tempo, e apesar de implicâncias e algumas típicas grosserias da parte dele, eu lhe contei minha história. Ele me fez várias perguntas enquanto eu narrava e após terminar de responder-lhe tudo, tive que insistir bastante para ele me contar um pouco sobre si. Após negar algumas vezes, finalmente percebeu que eu não iria desistir e por fim concordou.

Sua história era sofrida, porém em nenhum momento em que a narrava o pirata mostrou pesar ou tristeza. Ele era filho mais novo de um pescador humilde, a mãe morrera quando ele era bem jovem, depois disso o pai começou a beber desenfreadamente, batia nele e nos irmãos constantemente. Devido a isso, quando cresceu um pouco mais, logo tratou de arranjar um emprego como grumete em uma embarcação. Embarcou com 13 anos em um navio negreiro onde trabalhou pelos dois anos seguintes em um regime cruel e ao lado de homens que conseguiam levar a crueldade a níveis inimagináveis. Quando finalmente não aguentou mais presenciar o comécio de pessoas e a brutalidade a qual estava tendo que exercer, entrou para a marinha mercante, onde não ficou por muito tempo antes de se render as promessas de riqueza que a pirataria prometia. Daí para frente, navegou com muitos piratas os quais lhe ensinaram o ofício e a como a ser firme perante as durezas desse estilo de vida. 

-Provavelmente devo agradecer a eles o fato de você ser tão rude e insensível comigo...-comentei irônica esboçando um sorriso

-Acredite, perante a alguns deles eu sou um lorde inglês -Carter respondeu 

-Sabe, acho que você não é tão mau quanto parece...-comentei

-E você não é a sereia tola que pensava que fosse...

-Isso é um elogio ?- indaguei fingindo surpresa 

-Interprete como quizer. -ele disse sorrindo fazendo pouco caso

-Pois bem, então vou levar como um elogio...

-Um cavalheiro sempre deixa uma dama com seus devaneios...E a propósito, para sua informação eu planejo sair daqui o mais breve possivel -ele informou

-E como planeja fazer isso ?-perguntei curiosa

-Bom, essa parte eu ainda estou pensando... -o pirata disse, quando foi interrompido pelo barulho de passos pesados se aproximando. 

-Pelo visto, é melhor começar a pensar rápido -falei para ele temendo que não fosse algo bom.

Em seguida vimos surgir Richard acompanhado por alguns de seus marujos. 

-Mas que visão linda, pelo visto já arranjou outro para substituir o velho Jasper. -o capitão disse rindo em deboche para mim.

O ignorei, apenas abrindo um sorriso irônico.

-Belos dentes. -falei provocando-o ao ver seus dentes da frente quebrados devido ao soco dado por Carter 

-Cale a boca se não quizer trazer mais problemas para você e seu novo favorito. -ele disse olhando de relance para Carter em seguida -Falando nisso, eu ainda não me decidi sobre o que fazer com você...apenas lhe dar um tiro parece-me muito simples, quem sabe algo mais elaborado seria mais interressante...

-Você pensando em algo elaborado ?! Há ! Essa eu quero ver ! -Carter riu desafiando-o, enquanto levantava-se

-Não me provoque Carter, nós dois sabemos que eu posso tornar o seu fim bem desagradável...-Richard disse, mantendo o tom de voz calmo porem severo enquanto fitava-o por entre as barras.

-Mais desagradável que ter que continuar essa conversa com você eu duvido que seja... -o pirata revidou, fazendo o capitão perder a paciência 

-Vamos ver então o que achará. Levem-no para o convés! -Richard disse em seguida para dois marujos que o acompanhavam. 

Os homens abriram a cela e seguraram Carter pelos braços, lhe apontando as armas para que o mesmo saísse da cela.

-Diga adeus a sua sereiazinha -Richard disse a ele 

-Não preciso, vou encontrar com ela assim que lhe der um tiro na cabeça e tomar a sua embarcação, sem falar em todo o ouro que irei recuperar...-Carter disse confiante, sem um pingo de medo na voz.

-Se encontrarão só se for em outro mundo, pois você sabe tão bem quanto eu que isso que diz não irá acontecer...-o capitão disse confiante.

-Veremos. -Carter disse, antes dos homens o empurrarem escada acima, em direção ao convés. 

Richard ficou para trás por um momento, olhando-me por entre as barras. 

-Sabe, se você não fosse me render uma fortuna, eu mesmo teria o prazer de acabar contigo...-ele fitou-me, esboçando um sorriso satisfeito -Mas por hora, espero que você aprecie os gritos do Carter...-Richard riu, antes de se afastar.

Meu coração ficou inquieto com suas palavras, eu sabia que Richard não estava de brincadeira, ele iria matar o Carter se nada fosse feito. E após conseguir o que queria de mim, iria me matar também.

Arrastei-me até a porta da cela, e a empurrei com força, tentando em um tentativa desesperada fazer com que a mesma abrisse, no entanto, nada aconteceu. Olhei em volta na cela, procurando algo para tentar abri-la de alguma forma. Passei as mãos na madeira do chão, tentando soltar um pedaço de madeira para colocar na fechadura, ao fazer isso vi um prego grande com sua metade solta, puxei-o para fora com dificuldade, soltando-o do assoalho. Rapidamente passando o braço por fora das barras tentando alcansar a fechadura, coloquei o prego na mesma girando-o como podia, porém sem sucesso. 

Ouvi passos apressados descendo em minha direção. Rapidamente escondi o prego. Em seguida vi Peter surgir alarmado. 

-Eles vão matar o Carter, vão jogá-lo ao mar preso em um canhão. -ele anunciou, aproximando-se da cela -Ouvi o capitão dizendo que após você pegar o ouro, te matará também.

-Me tire daqui. -pedi, segurando-me nas barras -Por favor Peter, me tire daqui. -implorei, fitando-o. 

-Farei ainda melhor. - o grumete disse com uma coragem não comum dele, enquanto com as chaves destrancava a cela para mim e em seguida rapidamente se dirigia para alguns barris de pólvora próximos que estavam armazenados ali. 

-O que está fazendo ? -perguntei, arrastando-me para fora da cela o mais rápido que podia. 

-Ajudando. -ele respondeu simplismente, deixando transparecer certo medo em sua voz -Subiremos o mais rápido que pudermos e pularemos na água. -o grumete tirou um punhal do cindo e abriu um dos barris de pólvora, derramando-a, e fazendo um rastro com a mesma em direção aos demais barris empilhados. -Eu vou explodir o navio, esteja fora dele antes de tudo ir pelos ares. Não teremos muito tempo. Vamos pular da amurada assim que chegarmos ao convés.

Assenti com a cabeça, e ele acendeu a trilha de pólvora que começou a ser consumida indo em direção aos demais barris. 

-Vamos ! -ele exclamou, rapidamente ajudando-me a subir as escadas. 

Ao chegarmos ao convés em silêncio, discretamente vimos os homens de Richard que divertiam-se após terem amarrado os tornozelos de Carter a uma corda e a ponta da mesma em um canhão que seria jogado ao mar em seguida. As mãos do pirata foram fortemente amarradas por cordas na frente do corpo, e Richard lhe desferia vários socos em seu rosto. 

-Temos que fazer algo. -sussurrei para Peter 

-Não podemos fazer nada por ele, temos que sair daqui já.-Peter disse conduzindo-me silenciosamente em direção a amurada, temendo que algum dos marujos percebesse nossa presença.

-Ria de mim agora, cão sarnento ! -Richard exclamou para Carter, após lhe dar outro forte soco no rosto.

Carter esboçou um sorriso provocador, cuspindo sangue em seguida. 

-É o melhor que pode fazer ? Você bate como uma garota... -Carter provocou-o sem se dar por vencido, já com sangue escorrendo de seu nariz e boca.

Richard fechou o punho novamente, com uma fúria ainda maior dentro de si. Quando ia desferir-lhe outro golpe, foi interrompido.

-Capitão ! -exclamou um dos marujos alarmado, indicando eu e Peter que tentávamos escapar sem sermos notados. 

-Sua meretriz imunda ! -Richard exclamou enraivecido, rapidamente puxando sua pistola, apontando-a para mim e engatilhando-a, ao mesmo tempo em que os demais homens trataram de se mobilizar com suas armas em mãos para nos conter.

Carter ao vê-lo com a arma apontada para mim, rapidamente aproveitou a oportunidade de distração de Richard e bateu violentamente com suas mãos amarradas no pulso dele, apontando a arma para baixo velozmente, o que fez o capitão disparar um tiro acidental em seu próprio pé. 

Aproveitando a confusão, com toda a força de meus braços ergui meu corpo, tentando transpor a amurada, Peter o mais rápido que pode, me ajudou a subir na mesma. No entanto, assim que consegui, um dos marujos segurou fortemente o grumete pelo braço, e o mesmo conseguiu apenas me dar um ultimo empurrão, o qual me fez cair da amurada e atingir a água fria do mar. Em seguida, demorei alguns poucos segundos para me localizar, antes de rapidamente subir de volta a superfície para ver o que se passava no navio. Uma parte de mim queria mergulhar e fugir dali o mais rápido que podia, no entanto, não estava disposta a abandonar Carter e nem o jovem grumete que agora estava do nosso lado nesta batalha.

Em meio a chingamentos e palavrões, Richard gritava com seus homens, ao mesmo tempo em que mancava deixando pegadas vemelhas no convés devido ao sangue que escorria de sua bota. 

-Tragam-no até aqui ! -ele ordenou furioso aos homens, que seguravam o grumete. 

-Capitão, eu...-Peter começou procurando palavras para se defender, porém Richard se aproximou puxando um punhal do cinto e violentamente cortando a garganta do grumete, antes mesmo que ele terminasse o que iria dizer. O corpo do rapaz caíu sem vida em uma poça de sangue na convés. 

-Está vendo ! -o capitão exclamou, voltando-se para o mar -Viu o que você fez, Solara ?! 

-Se acha muito poderoso em matar um grumete ?! Seu covarde ! -gritei a plenos pulmões, com a revolta crescendo dentro de mim.

-Mas não termina por aqui, ainda tem mais um que fará companhia a esse verme !-Richard disse dando um chute com a ponta da bota no corpo inerte de Peter enquanto passava pelo mesmo indo em direção a Carter amarrado.

Lembrei-me do navio que estava prestes explodir a qualquer momento, por minha vez tentei manter-me calma, no entanto o fato de Carter também correr o risco de vida me deixava inquieta. Peter já morrera tentando me ajudar, não queria que o outro pirata também sofresse o mesmo destino.

-Sabe Richard, você terá uma morte muito ruim...-falei desta vez tomada por uma estranha frieza momentânea.

-E quando irá se encarregar de fazer isso acontecer ? -ele indagou com um sorriso superior, aproximando-se de Carter com sua adaga de lâmina afiada em mãos.

-Eu já me encarreguei. -respondi

Neste momento o pirata voltou a sua atenção para mim. 

-O que ?!

Em seguida o estrondo do navio foi tão alto e o poder da explosão tão intensa que lançou grandes estilhaços de madeira a alguns metros no ar. Tive rapidamente que afundar para que não fosse atingida por eles. A grande e poderosa embarcação em poucos segundos fora reduzida a uma pilha de destroços, os quais começaram rapidamente a afundar. Mergulhei o mais rápido que pude, nadando por entre mastros caídos e tábuas do convés que se separavam e iam ao fundo desorganizadamente. Passei os olhos rapidamente pelo local tentando desesperadamente encontrar Carter.

Haviam vários marujos mortos, e outros deles feridos que voltavam confusos a superfície. Olhei de relance para o leito marinho onde vi o pirata debatendo-se para tentar se soltar, já que ainda estava preso com os pés amarrados no canhão o qual havia-o levado ao fundo. 

Rapidamente fui até ele para soltá-lo. O pirata desesperado ao ver seu ar acabando olhou-me nos olhos para que eu me apressasse em libertá-lo. Tratei de tentar soltá-lo da forma mais rápida que podia, entretanto não havia nada comigo com o qual pudesse cortar a corda o que dificultava meu trabalho. Tentar desamarrá-la era quase impossível e Carter não tinha mais fôlego para esperar, no entanto eu precisava procurar algo cortante para partir a corda caso contrário não teria como soltá-lo. Porém se eu saísse, talvez já estivesse morto quando eu voltasse, então tomei uma atitude que podia dar-lhe mais tempo. Coloquei meus lábios sobre os dele e lhe passei fôlego para que pudesse aguentar por mais alguns segundos. Em seguida afastei-me e velozmente começei a nadar a procura de algo cortante. Vi um marinheiro morto em meio aos destroços que afundavam, notando que em seu cinto havia uma faca de lâmina curta. A peguei e voltei rapidamente até Carter que estava prestes a perder os sentidos pela falta de oxigênio. Passei a lâmina na corda que o prendia ao canhão e uma vez livre, passei meus braços ao redor do corpo dele e nadei até a superfície. Quando emergimos, o pirata finalmente pode recuperar o ar, e ofegante permaneceu em meus braços por alguns segundos, enquanto eu o mantinha com a cabeça fora d'água. 

-Você está bem ? -perguntei preocupada

-Aquela...foi uma baita explosão... -ele comentou ofegante esboçando um sorriso o que me fez aceitar sua resposta como um "sim".

Lhe dei um sorriso em resposta, ajudando-o a ir a até um pedaço de madeira do navio que flutuava. O pirata debruçou-se sobre o mesmo, tirando parte do corpo da água e removendo o restante da corda em seus pulsos e tornozelos. 

Alguns dos marujos sobreviventes também utilizavam-se de parte dos destroços que flutuavam para manterem-se fora d'água. Eles fitavam-me com certa preocupação, temendo que eu talvez fosse me vingar pelo que fizeram comigo a mando de Richard, porém meu foco não era eles. Apenas os ignorei, me mantendo ao lado de Carter. 

No entanto chamou-me a atenção, quando eles começaram a ajudar um homem que tinha muito sangue escorrendo por seu rosto, manchando a água ao seu redor. No primeiro momento não o reconheci, porém logo que ouvi sua voz e olhei com atenção percebi que se tratava de Richard. Ele estava ferido e furioso não querendo aceitar a ajuda de seus marujos, os chingou e culpou por aquilo, o que fez os mesmos deixarem o capitão de lado. 

-Eu vou até lá acabar com a raça daquele desgraçado. -disse Carter nervoso vendo que o pirata havia sobrevivido. 

-Não. Fique aí. -mandei vendo que Carter não estava em condições de brigar com ninguém. 

Não lhe dei nem ao menos tempo para questionar, e apenas fui em direção ao pirata.

Richard já havia se posto com dificuldade sobre um pedaço de madeira do casco, deitando-se exausto sobre ele. Nadei por baixo do mesmo, subindo a superfície próximo a ele e apoiando-me com os antebraços na madeira, fitando-o de perto. O capitão demorou alguns segundos para perceber minha presença ali. Quando notou-me, ergueu rapidamente o corpo na defensiva. 

-É mesmo irônico o fato de você sempre voltar a estaca zero toda vez que tenta realizar algo...-dei um sorriso sarcástico antes de continuar- Vamos rever o que você perdeu novamente; seu navio, sua tripulação, seu amado tesouro e sem contar o seu maldito orgulho...-falei calmamente séria enquanto o olhava nos olhos 

-Vá embora. - Richard mandou em um tom de voz que denunciava certa preocupação

-Por que ? Está com medo ? -perguntei provocadora

-Já mandei sair ! -ele bateu irritado com o punho sobre a madeira. 

Sorri ignorando-o, enquanto nadava calmamente de costas ao redor dele. 

-Aqui você não manda mais em mim...- revidei, voltando a apoiar-me na parte do casco que flutuava. -Sinceramente, da primeira vez que lhe salvei eu realmente acreditei que estava fazendo algo bom pela primeira vez em minha vida...Talvez você estivesse mesmo certo, talvez as sereias como eu sejam mesmo tolas...

-Elas são. -Richard afirmou 

-Mas sabe, podemos ser até tolas, mas jamais cometemos o mesmo erro duas vezes. -falei séria, aproximando-me. 

-Vai me matar então ?- ele disse provocador, tentando manter a pose enquanto fitava-me com um olhar superior- Você não teria coragem...

-Esqueceu-se capitão ? Eu sou apenas uma mestiça imunda sem alma...-disse séria, antes de velozmente puxar o pirata para dentro d'água.

Richard se debatia, porém com toda a força do meu corpo eu o empurrava para baixo, nadando o mais profundo que podia. Os destroços se encontravam no leito marinho, com vários corpos presos a eles dos homens que não conseguiram escapar. Cordas soltas flutuavam como serpentes ao sabor da corrente e foi uma daquelas que passei ao redor do corpo de Richard, prendendo-o. Assim como ele havia tentado fazer com Carter e certamente o fez com muitos antes dele. Uma forma cruel de se matar alguém, a qual agora ele teria também a chance de experenciar. 

Assisti enquanto o capitão se debatia inutilmente para se soltar em seus últimos segundos de fôlego que lhe restavam. Pouco tempo depois seus movimentos lentamente pararam, e tudo voltou a tranquilidade sepulcral de antes. Desta vez, com mais um corpo para fazer companhia aos demais nas profundezas. 


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