Laila escrita por Solidão


Capítulo 6
V


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem; Reviews?



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Sexta-feira, uma bela manhã de Sol, durante uma terrível aula de matemática com uma professora visivelmente estressada, perturbada e atordoada com tanto barulho e confusão. A mulher era raquítica, branca e genial e não conseguia manter-se num ponto de equilíbrio por nem cinco minutos depois de começada a aula.

-VOCÊS SÃO ESTÚPIDOS POR NÃO SABEREM ISSO! – ela gritou.

Laila afundou um pouco na cadeira. Morria de medo daquela mulher, de seus gritos, seus ataques de histeria quando alguém tentava tirar uma dúvida. Nunca aprendeu Função exatamente por terror à mulher.

Ela tinha medo de tirar suas próprias dúvidas.

Ao seu lado, os olhos esgazeados de Luna encaravam a professora com certo espanto. A mão delicada tapava a boca e nossa protagonista sabia que a melhor amiga estava se contorcendo para não cair na gargalhada. Luna sempre tinha ataques de risos quando a professora de matemática resolvia dar mais um de seus “shows”.

Mais para trás, Serena simplesmente ignorava o que a estressada mulher despejava sobre os alunos, e Cíntia e Leila trocavam olhares temerosos, como se apenas com aqueles olhares pudessem transmitir a segurança que precisavam.

-É SIMPLESMENTE IMPOSSÍVEL UMA PESSOA, NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO, NÃO SABER O QUE É ISSO! – ela esbravejou. Gotículas de cuspe voaram nos rostos de Abelardo, Viriato (o menino solitário que usava um tremendo óculos de grau quebrado e era tão magro quanto um bicho-pau) e de outros alunos – VOCÊS SÃO BURROS, ESTÚPIDOS QUE NÃO DEVERIAM ESTAR AQUI! DEVERIAM VOLTAR AO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL! BURROS!!       

Laila arregalou os olhos e imaginou-se, por dentro, revirando os olhos. Ninguém era obrigado a saber uma coisa desinteressante e idiota como o círculo trigonométrico. Qual era o sentido daquilo? Por que, diabos?, pessoas que simplesmente odiavam matemática (como nossa protagonista e sua melhor amiga, Luna) precisavam passar por aquilo? Não fazia sentido.

Era completamente fora do normal.

O sinal tocou e a professora – vermelha como um tomate e de olhos esbugalhados como um baiacu – pegou suas coisas e saiu pisando firme para fora da sala.

O silêncio ainda permanecia na classe. Os alunos, chocados com as palavras despejadas e cuspidas em suas caras, simplesmente entreolharam-se com pavor. Nem mesmo Lúcio e seu bando ‘encrenca’ tiravam sarro da situação ou fazia troça com alguma coisa.

Estavam todos calados, abismados.

Até que Luna soltou uma gargalhada baixa. Não aguentou mais prender o riso, a mão desprendeu os lábios finos e uma risada inevitável escapou por entre os dentes brancos.

E, então, todos na sala estavam rindo também. Se as risadas eram de choque, nervoso, medo, terror, pavor, susto, surpresa ou de alívio, acho que nem mesmo Laila sabia, mas ela estava rindo também.

Lúcio levantou-se de seu lugar. Era um tipo alto, com um porte físico de quem já fora, anos antes, gordo e entrou numa academia urgentemente. Com um espírito politicamente engajado, andava sempre em passeatas e protestos. Entretanto, esta era, aparentemente, sua única característica boa. Lúcio era definido por muitos como um verdadeiro GBE (Grosseiro Babaca Escroto), que se dizia homofóbico.

Às vezes, Laila achava que Lúcio era gay.

Às vezes, ela tinha certeza absoluta.

O garoto gargalhou e bateu três vezes na janela.

-CINCO HORAS DA MANHÃ! – gritou com todas as forças.

-TU QUER LIGAR ‘PRAQUELE BOI’!! – o pessoal do fundo levantou e (Sara Cristina, Karla, Jéssica e mais uns ‘gatos pingados’) completou – É SÓ ESCOLHER A OPERADORA;

E o restante da classe gritou junto:

-VIVO, CLARO, TIM OU OI!… OI!… OI!… OI! – e a batucada continuou.

Lúcio fazia o ‘remix’ com a boca, dando o ritmo de funk à música e seu amigo, Elisandro, um tipo gordo e que representava bem o “zero à esquerda” da turma, usava a lixeira (devidamente esvaziada) como tambor. Sara Cristina correu para o centro da sala com o intuito de mostrar seu novo ‘passinho’ à turma e Jéssica a acompanhou rebolando até o chão como uma minhoca desengonçada. Karla ficou rindo.

Sara Cristina merece um parágrafo de destaque, assim como Lúcio.

Laila sempre achou o nome da menina engraçado, combinava exatamente com o que ela era. Uma garota que pensava o que todos pensavam, dizia o que todos diziam, fazia o que todos faziam apenas para se enturmar ainda mais, ia para onde todos iam, gostava do que todos gostavam, odiava o que todos odiavam e que cultivava um bordão já famoso: “Ai, sou bela”. Além de ter seu jeito infantil, carinhoso, meigo e, ao mesmo tempo, estudioso de ser.

Sara Cristina era, praticamente, a personificação do Senso Comum.

Até as iniciais do nome dela e de senso comum são as mesmas, Laila refletiu, certa vez.

As outras duas, Jéssica e Karla, eram apenas, naquele momento, figurantes. Jéssica era uma garota bonita e um pouco grosseira demais, jogando palavrões a torto e a direito e falando em bucetas e coisas do gênero pra cá e pra lá. Enquanto que Karla era, simplesmente, a melhor amiga de Sara Cristina e apenas existia na sala. Ela era, para Laila, uma daquelas pessoas que, quando acabam as aulas, são guardadas dentro do armário para serem repostas dentro de sala no dia seguinte.

Laila não pensava em Jéssica e Karla fora da escola. Na realidade, mal falava com as duas e achava Sara Cristina uma imbecil.

Mas tinha que admitir que gostava da bagunça que elas, com Lúcio, Elisandro e com os outros meninos, faziam.

Jéssica parou a dança e ergueu os braços no ar.

-VEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEMM!!! – deu o grito de guerra.

Elisandro soltou o batuque de introdução e os garotos do fundo continuaram.

-VEM PRO CABARÉ, VEM, VEM PRO CABARÉ! VEM PRO CABARÉ, VEM, VEM PRO CABARÉ!

Sara Cristina empinou a bunda, elevando sua saia e mostrando sua pele estriada e branca, e gritou junto a eles.

-EU VOU LARGAR MINHA CASA E VOU MORAR NO CABARÉ! LARGAR MINHA CASA E VOU MORAR NO CABARÉ!

Laila – a qual estava prontamente de pé, assim como as amigas – olhou para as meninas.

-Vamos ao banheiro? – Luna perguntou e ela assentiu. As outras três foram atrás.

Assim que saíram da sala, Cíntia soltou uma bufada de ódio.

-Eles são muito babacas, cara, muito babacas!

Laila simplesmente revirou os olhos. Eram engraçados, pelo menos. Em suas antigas turmas, nono ano para trás, ela sempre quase morrera de tédio nas aulas. Alunos comportados, professores contentes, deveres de casa feitos, notas altas, rostos felizes, cadernos impecáveis, e, principalmente, nenhum tipo de som durante as aulas. Nem uma respiração.

Pareciam robôs.

-Eles são engraçados – disse – Pelo menos isso.

-Mas não sabem a hora de parar de gracinha – Leila surgiu ao seu lado – E acabam nos ferrando nas aulas e nas matérias por causa desse senso de humor aguçado.

Laila concordou. A amiga tinha razão, eles sempre atrapalhavam a aula de alguma forma. Era Sara Cristina gritando alguma coisa sobre ser bela, era Jéssica soltando um palavrão acolá, era Lúcio respondendo aos professores grosseiramente ou qualquer outro de seus amiguinhos fazendo ações estúpidas.

-E eles não param. Já se passaram quase três semanas de aula, impressionante, e eles não se tocaram de que agora estão no Ensino Médio – Serena disse.

Abelardo surgiu perto delas.

-São uns imbecis, não são?

Laila olhou para o garoto. Ele estava falando que seus amigos de peça eram imbecis? Ela tinha vontade de lhe perguntar, então, o que ele pretendia fazendo um trabalho escolar com um bando de ‘imbecis’ como eles.

Luna respondeu primeiro.

-São sim, um bando de imbecis – disse.

Serena e Cíntia trataram de começar a discutir sobre o grupo da bagunça, o qual aterrorizava as aulas, e Laila, Luna e Leila conversavam com Abelardo sobre como pessoas imbecis deveriam morrer.

Nossa protagonista ainda estava muito curiosa para saber, ora essa, o que o garoto ainda estava fazendo no grupo deles, já que dizia que tanto os odiava, mas achou melhor não insinuar nada. Ela gostava dele, e não queria afastá-lo de si.

-Porra, eles não aprendem, cara – ele continuou dizendo – Fazem a merda, tomam bronca da direção e continuam!

Leila assentiu. Ela e Cíntia foram, dois dias antes, à direção para reclamar sobre o péssimo comportamento de uma parte da turma, sem querer citar nomes (mas já citando, é claro). Elas mantiveram, mesmo que minimamente, a esperança de que a turma talvez fosse melhorar, mas… Parecia que estava acontecendo exatamente o oposto.

-UH! ACEITAAAAA!! – o povo gritou de dentro da sala. A porta fechou-se com um estrondo e, de repente, começaram a bater nas janelas, mesas, cadeiras e tudo o que fosse sólido e concreto.

Abelardo revirou os olhos e saiu andando pelo corredor. De repente, Thiago estava na frente do grupo.

-A peça é pra daqui a um mês – disse – A gente precisa ensaiar.

A protagonista voltou seu olhar para o grupo de amigas, e perguntou-se, intimamente, se havia realmente algum beijo na peça. Do nada, o garoto tímido e pacato havia se transformado e estava ansioso para ensaiar a tal peça.

Laila sentiu vontade de franzir o nariz. Abelardo, mais ou longe, conversava com uma garota do nono ano. Nossa protagonista sentiu um tremendo ciúme, e disse, entusiasmada, que não via a hora de ensaiar as cenas com Thiago e o resto do grupo.

Eu sei que Abelardo e eu nunca seremos nem mesmo amigos, ela pensou, melhor eu tirá-lo da minha cabeça. Pela segunda vez.


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