Nosso Pequeno Amuleto escrita por Loly Vieira


Capítulo 8
O errado sempre foi mais divertido.




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Oh Deus, como eu odiava sábados da faxina.

Eu odiava quando minha mãe acordava decidida a ajeitar nossa casa, que venhamos e convenhamos, já era um caos total. Minha irmã, Emily, sempre ficava com as partes mais fáceis, como tirar o pó das estantes e organizar a louça, enquanto eu ficava com o mais empolgante: varrer a casa toda.

–Íris! – Deixei a vassoura cair com o susto. – Visita.

Tremi tanto que cheguei a cogitar a ideia de uma convulsão.

Meu. Deus. Meu. Deus. Que não seja um tal enfermeiro num caso de emergência aos meus neurônios.

Então os olhos castanhos escuros e seguros do meu melhor amigo sorriram para mim. Voltei a respirar.

–Oi, Dan.

–Hey, dia da faxina, não é?

–Quer se juntar?

–Hã... Aposto que seria bem divertido, mas não. Estou aqui por outro motivo. – Então eu pude ver um prato de cookies em suas mãos. Meu sorriso se ampliou para uma voltagem bem maior.

–Eu amo profundamente sua mãe. – Larguei de vez a vassoura e capturei o prato dele.

–E ela a vocês. Você, especialmente. – Lavei as mãos rapidamente e mordisquei de olhos fechados um dos famosos cookies da Sra. Cooper.

Grunhi em aprovação.

Cookies para aliviar uma mente tão cheia, o que mais eu precisava nesse dia?

–Nós não nos falamos direito nos últimos dias. – Dan puxou uma cadeira da mesa e alongando o corpo, se acomodou ali.

–Não vamos começar essa desculpa de dias ocupados para a gente, não é?

–É uma das únicas vantagens de se ter uma melhor amiga como vizinha.

–Porque não é a minha mãe que faz os melhores cookies da história.

Ele sorriu. Eu conhecia aquele sorriso. Ele também conhecia o que eu lhe dei em seguida.

–Hey... Sumido! – Minha mãe adentrou a cozinha com um balde e um escovão em posse.

–Oi Sra. Daris – Ele a cumprimentou.

A mulher mais velha franziu o cenho, era seu sinal de chateamento.

–Já faz tanto tempo assim que você veio aqui, garoto? Nem ouse me chamar de senhora, Dan. Sinto-me com 80 anos, próximo aos últimos suspiros.

Ele riu e balançou a cabeça em negação.

Nossas mães pensavam que nós não notávamos o plano delas de nos tornar o mais novo casal das famílias.

Era vergonhoso. Uma pequena parte de mim até costumava ter esperanças que o plano delas desse certo, mas não sei se hoje ela ainda persiste. Não depois de... Bem, depois de tudo o que está acontecendo.

–Estou tão orgulhosa do meu trabalho que estou pensando seriamente em tirar uma foto do banheiro limpo e emoldurar para pôr na sala, o que vocês acham?

–Eu acho que pode soar metafórico uma privada na sala de estar. – Mordisquei mais um cookie.

–Não me diga que esses são os melhores cookies do mundo. – Emily entrou na cozinha como um furacão e já foi metendo as mãozinhas nos meus maravilhosos biscoitos.

Lancei-lhe um olhar gélido.

–Não briguem por comida, crianças. Vamos passar uma imagem de mortas de fome para os vizinhos.

–Fase de crescimento. – Minha irmã empurrou mais um goela a baixo.

Meus cookies!

Dan adiantou-se para se despedir.

–Nos vemos por aí. – Ele esticou-se na minha direção e me deu um beijo estalado na testa.

Minha mãe suspirou e sorriu em minha direção quando ele se foi.

–Vocês formariam um belo casal. – Pobre mamãe...

–É, mãe. Eu também pensava isso.

~*~

–Então foi isso. Ele estava dando mole na amiguinha do seu melhor amigo enquanto eu estava lá, sem poder fazer nada, apenas olhar enquanto ele se deliciava por um rabo de saia. – Lisa tagarelava aborrecida. Ainda era intervalo, então a maioria das pessoas estavam do lado de fora aproveitando o tímido sol que aparecia entre as nuvens. Enquanto isso, nós duas vagávamos pelos corredores como almas penadas. – E agora ele está arrependido e me ligando de 30 em 30 minutos.

–Você está chateada, Lis.

–Lógico que estou.

–Eu também ficaria. Mas é melhor você tratar de desculpá-lo logo antes que ele vá atrás de outro alguém.

A careta que minha amiga fez em seguida foi até cômica. Expressava quase traição.

–Eu estou falando a verdade, tudo bem? Quer doa ouvir ou não. Essa é a verdade. Aproveitei enquanto ele está ligando arrependido e se ele te faz tão feliz...

–Papai! Papai! É a Ís. ÍÍÍS!

Congelei. Prendi o ar nos pulmões. Não pisquei. Não me movi sequer um centímetro.

Pude ouvir os passinhos apressados na minha direção. Era uma risada infantil e adorável. O problema não era ela, era quem a acompanhava.

Lílian abraçou minhas pernas o mais forte que seus miúdos braços conseguiam. Seus cabelos cacheados cobriram seu rosto e os olhos de pupilas esbranquiçadas. Tive que piscar algumas vezes e lembrar que eu precisava me mover.

Peguei-a no colo meio desajeitada, mas isso a fez gargalhar alto.

Quanto mais a embalava e sacudia, mais ela ria.

–Eu acho que... – Lisa limpou a garganta, claramente desconfortável. – Tudo bem, eu já vou. A gente se vê depois.

Lis tinha um pouco de aversão a crianças. Ela tinha descoberto isso depois que seu priminho de 1 ano vomitou nela no Ano Novo.

–Tava com saudade de você, Ís. – Seus braços envolveram meu pescoço e ali ela permaneceu pendurada.

–Eu também, Líl.

–Muito?

–Absolutamente.

–Ouviu isso, papai? A Ís também tava com saudade abobilamente deu.

–Ouvi, pequena.

–E cadê meu chocoate? – Ela cobrou e foi minha vez de gargalhar.

–Lílian – David soou mandão.

–Quanto tempo você vai ficar aqui?

–A manhã tooodinha. Papai vai me encher de revitas de cololir.

–Comprarei um chocolate para você até o final do dia. – Prometi. Feliz, ela estalou um beijo na minha bochecha.

–Não precisa fazer isso. – David puxou uma garotinha relutante dos meus braços.

–Eu quero. – Dei de ombros quando minhas mãos já estavam vazias.

–O John também quer um chocoate, viu Ís?

–Dois chocolates, sim senhora.

Ela sorriu e se embalou ao pescoço do pai. Parecia bem confortável ali, entre seus braços calorosos. Eu poderia entregar minha pequena fortuna para os tê-lo envoltos de mim.

Minha vermelhidão condenou meus pensamentos.

–Nos vemos... – Ele também não estava confortável com isso. – Depois.

Observei ele se distanciar de mim rapidamente. Segurando a garota em seu colo com tanto zelo que fazia o bom e velho coração feminino romântico derreter como uma manteiga em dia de verão.

Ele poderia até ser mais velho, mas agia do mesmo modo que eu: fugindo para não enfrentar os problemas.

Eu era o seu problema.

~*~

Eu dei três batidinhas fracas antes de entrar na enfermaria com um pacote de trufas nas mãos e minha mochila nas costas. O corredor ainda estava cheio, mas todo mundo estava ansioso para sair da prisão o quanto antes.

David estava sentado de frente à mesa, teclando alguma coisa em seu notebook, a expressão séria de seu rosto sumiu quando me notou. Ótimo, quase um belo sorriso.

–Vim trazer as trufas. – Apontei o pacotinho de papel nas minhas mãos esperando que ele fosse me proteger de alguma coisa. – Já estou indo embora.

–Fica. – Ele pediu e se levantou rapidamente. Ultrapassou a mesa e rodou a chave da porta.

Fico. Fico, sim. Fico, deito, rolo...

Ai meu São Longuinho, das causas perdidas, me dai forças para não agarrar esse homem novamente.

–Ela está dormindo. – Pegou o saco de chocolates das minhas mãos, elas tremiam vergonhosamente, e colocou na mesa.

–Hã...

–Nós temos que conversar, Íris.

Tremi mais uma vez.

Se eu continuasse tremendo assim, será que ele iria pensar que eram crises de convulsão?

–O que eu fiz... – Bagunçou os cabelos cacheados. Eles eram lindos. Pareciam sedosos e perfeitos. Os lindos cachinhos que eu tinha vontade de... – O que você está fazendo?

–Eu... – Afastei-me com um pulo. – Desculpe, eu sempre tive uma queda por... – Franziu o cenho. – Deixa pra lá.

Lista de coisas para fazer antes de morrer:

Afundar a mão nos cabelos do enfermeiro sonho-de-consumo (OK).

Passar as mãos em outros lugares (A PROVIDENCIAR).

–Errado.

–O que é errado? Eu trazer os chocolates? Faz mal pra eles? Posso comprar diets, se preferir. Mas eles são uma droga para crianças.

–Não, Íris. – Eu odiava quando ele falava com esse tom comigo, como se eu fosse uma criança com dislexia. Mas eu gostava quando ele segurava meus punhos para dar ênfase, eu era fraca e gostava de seu toque. – O... Que ocorreu. É errado. E não vai acontecer de novo, eu prometo e garanto isso.

Mas eu queria que acontecesse. Queria muito. Queria que fosse agora, até.

–Claro. – Puxei meus punhos dele e me afastei o quanto podia. Quanto meu corpo traidor deixava. – Errado. Essa palavra poderia me resumir.

Culpa passou por seus doces olhos castanhos.

–Eu não posso te dar esperanças, Ís. – Meu apelido saído da sua boca me derrubou por completo. – Não é só por meu trabalho. Por ser um funcionário do colégio e você uma aluna. É porque eu não posso. Eu tenho a Lílian e... Acredite, eu já tenho muito trabalho com ela para cuidar de mais alguém.

–Eu não sou uma criança, David. Eu não preciso de cuidados. – Eu tentava ao máximo não aumentar minha voz. Sabia que ali em alguma das camas para pacientes Líl cochilava, mas era quase impossível quando meu sangue borbulhava nas veias. – Muito menos dos seus cuidados. Eu sei me virar sozinha.

Ok, talvez eu não tenha me expressado da melhor maneira, seus olhos mel fizeram compreender meu erro, mas eu não voltei a trás.

–Você tem razão. – Não eu não tinha.

–Claro. Sempre tenho.

–Eu queria que isso fosse diferente. Se a situação fosse diferente, talvez... – Sua voz morreu.

–Mas não é. – Concordou com a cabeça e olhou em meus olhos. Era arrependimento? Ressentimento? – Você pode entregar as trufas, certo?

–Claro. Como quiser.

Eu nunca fui muito ajuizada. Meu lema era sempre: fazer antes, pensar depois. Gostaria só de justificar meu ato para vocês, antes de cometê-lo.

–Então acho melhor eu ir.

–Realmente. – Balançou a cabeça, mas nem parecia mais estar aqui.

–David. – Focalizou os olhos nos meus, sorri. Com o atrevimento que eu tinha, aproximei-me rapidamente dele e estalei um beijo rápido nele. – Só prometa algo que for cumprir, caro amigo.

Um grunhido saiu de sua garganta.

–Você vai me arruinar, garota.

–É uma das frases favoritas da minha mãe.


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Notas finais do capítulo

Será que eu ainda tenho meus antigos leitores? :(
Mas vejam só, eu voltei.
Ou quase isso.
Ainda tenho um monte de ideias para essa fic. Só estou num processo lento de escrevê-la. Lento, quase parando.
Mas prometi a uma leitora muito aborrecida comigo que eu iria continuá-la. Rô, eu estou cumprindo minha promessa :D
Vejo vocês em breve.