Nosso Pequeno Amuleto escrita por Loly Vieira


Capítulo 7
E no que você acredita?


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a causadora dos meus pulinhos, berros de 'MÃE, EU RECEBI UMA INDICAÇÃO' e também de olhares estranhos que eu recebi da minha figura materna: Rosyangel. Obrigada pela indicação ♥



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A ideia de Emily parecia mais estúpida quando eu me encontrei frente a frente com David. Mais estúpida ainda foi minha procura por sua aliança, ou o modo como eu reparei que seu cabelo estava penteado e bagunçado ao mesmo tempo e nem se fala de como eu notei que seu perfume masculino era inebriante. Viciante.


–Ela pergunta o tempo todo sobre quando você vai lá de novo. – foi a primeira coisa que ele disse.

–Obrigada por ter entregado os chocolates que eu te pedi.

–Sem problemas – ele destravou o carro. – Vamos?

Eu balancei a cabeça. E agora, por causa dos meus pensamentos, eu nem conseguia olhá-lo nos olhos. Se caso eu o fizesse, eu só conseguiria imaginar ele dizendo ‘sim’ para mim no altar. E essa era a coisa mais inocente de todas.

Tá legal. Eu sou meio precipitada. Mas há um lado bom nisso: raramente eu sou pega de surpresa. E um lado péssimo: minhas expectativas são gigantescas. E as quedas também.

–Você está bem? – me deu uma olhadela rápida e voltou a encarar a rua.

–Anham.

–Pelo o que eu me lembro, você era mais tagarela.

–Às vezes.

–E essa não é uma delas?

–Não.

Se você queria se arriscar. Não está se arriscando direito. A voz de Emily ecoava em meus pensamentos. Isso era exatamente o que ela me diria no momento.

–Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, depois de mais algum tempo.

–Nada demais. É que eu imagino nós dois na nossa lua de mel. – Falei.

Tá. Eu não falei isso. Somente pensei. Mas poderia ter falado. Ao invés disso, eu apenas respondi um...

–Eu fico meio mal humorada com fome. – respondi a primeira coisa que veio a minha cabeça e não deixando de ser verdade.

–Topa um fast-food antes? – Sugeriu. Ele estava brincando? – O quê? Você não...

–Eu só estava pensando se era uma miragem um cara tão responsável me oferecendo fast-food como almoço. Sei lá. Pensei que você me colocaria no cantinho da disciplina se eu comesse doce antes da refeição.

–Ai. Essa doeu.

–Não é nenhuma mentira.

–Não, não é. Por isso que doeu. – Ele falou numa voz falsamente sentida e eu soltei um riso frouxo. Uma olhadela pelo canto do olho e ele também esticou os lábios. – Consegui um sorriso, é um bom começo.

Você não conseguiria apenas um sorriso, benzinho.

Nós paramos no drive-thru e enquanto esperávamos nossos pedidos, conversamos sobre um tanto de coisa e nada de importante. Era uma conversa que fluía sem dificuldade nenhuma.

Ele relatava, todo empolgado, sua última viagem com a filha. Lílian tinha derrubado uma prateleira de produtos quebradiços enquanto visitavam uma loja de produtos importados. O mais engraçado que pelo ressentimento da garota, que chorava copiosamente, os funcionários da loja tentaram consola-la. Acabou que os dois escaparam de lá não pagando nadinha.

Era engraçado o modo como ele falava da Líl. David tinha um tom paternal que era banhado pelo carinho gigantesco e até certa dependência. A medida que o carro andava, eu notei que seu mundo girava em torno disso. Da pequena Lílian.

–Chegamos – ele sorriu para mim. Os cachos morenos caindo em seus olhos castanhos claros. Eu concordei, meio desencaixada do mundo real.

Andar por aqueles corredores coloridos já não parecia tão estranho para mim. Nem encontrar Lílian na sala de brinquedos, pintando distraidamente algum desenho. E acomodá-la nos meus braços já parecia um pouco mais comum.

–Uma supesa! – eu sorri com seu embolado devido a empolgação. – Papai! – ela o abraçou também e ele a firmou nos braços.

–Chocolate! – comemorou John quando me viu. Eu gargalhei. Entreguei a ele uma trufa que nós tínhamos comprado e ele pegou-a da minha mão.

–John... – recriminou o mais velho. – Como é a palavrinha mágica?

–Não fui eu! – ele defendeu-se. Mordiscando um pedaço enorme da trufa.

Eu gargalhei mais uma vez e fiz um sinal para que o assunto fosse deixado quieto. Entreguei uma trufa também a Líl e ela me agradeceu com um beijo estalado na bochecha.

O ambiente parecia leve e tranquilo até que a diretora robusta e com passos apressadinhos apareceu no batente. O olhar temeroso fez com que eu mirasse os castanhos claros de David, ele ficou tenso de repente.

~*~

O céu já estava naquela cor azulada e indecisa entre azul forte ou claro quando David me deu uma carona de volta para casa. Líl havia ficado na casa da avó por insistência da mesma que alegava saudade. Eu cumprimentei a mulher idosa com um abraço desajeitado e ela me fitou com os olhos questionadores. Cheios de desconfiança. Mas David estava muito ocupado em estar preocupado para notar que eu estava realmente envergonhada com aquilo tudo.

Permaneceu um silêncio incômodo dentro do carro já que nem ele parecia que iria abrir a boca para nada e nem o som estava ligado, foi aí que eu tive que dar com a língua nos dentes:

–Aconteceu alguma coisa?

–Eu tinha um sapo quando era pequeno. – ele falou, sem nexo nenhum. Eu fiquei com um enorme ponto de interrogação. – Eu queria algo diferente, todos tinham gatos ou cachorros... Daí eu quis um sapo.

–Bem... – Se era para acompanhá-lo nesse momento ‘esquecer o que lhe teme’, eu iria fazê-lo. – Eu tive por duas semanas um porquinho da índia - ri sem humor.

–O que aconteceu com ele? – perguntou, mais para passar o tempo, do que por interesse.

–Ele viajou.

David parou num sinal e me encarou.

–Foi o que minha mãe falou, tá legal?

–A viagem pro céu deve ter sido boa.

–Hey! – o repreendi com um olhar mal humorado.

–Você não acha que ele foi para a Suíça na primeira classe né?

–Eu era uma criança.

–Você é uma criança. – corrigiu-me se achando o rei da cocada preta, ou melhor, o pé-na-cova.

–Tá legal, vovô.

–Respeito aos meus cabelos brancos, por favor.

–Quantos anos você tem? - ele não pareceu achar problema na pergunta.

–Vinte e três. Não sou tão velho assim, você que é muito nova.

–Nem vem. Você só é... - contei nos dedos mesmo, assumo minha deficiência matemática – Seis anos mais velho.

–Seis anos fazem muita diferença.

Ele estacionou na frente da minha casa.

–Talvez não. É questão de ponto de vista de alguns ângulos.

Ele acabou levando sério o que eu falei. E a primeira regra para quem me conhece seria nunca levar a sério demais as coisas que eu falo. Não sabia ao certo se deveria me decidir entre me despedir e simplesmente abrir a porta e sair ou esperar. Foi o que me pareceu mais sensato, a última opção.

–Os médicos pediram para que Miguel, o amigo da Lily, fosse para casa, disseram que seria justo com ele passar os últimos tempos num lugar onde ele poderia estar mais... feliz. – Confessou num tom baixo. Como se aquilo estivesse preso na sua garganta. – Ele tem metástase.

Parou. Respirou fundo. Eu sabia que a palavra “metástase” estava longe de obter um bom significado. O câncer já atacava outras partes do corpo do garoto.

–Nesse momento eu te daria uns quarenta e... dois anos.

–E eu te daria uns dois.

Fiz uma careta.

–Sabe... - eu brincava com meus dedos entrelaçados - Quando meu pai foi morto... Há um tempo... Eu só conseguia associar a imagem dele a última vez que eu o vi. O último episódio onde ele estava vivo. Mas ele foi muito mais que isso. Muito mais que uma cena de 5 minutos trágica. Eu acredito que você está aqui por uma causa, que eu estou falando isso, que eu geralmente nem gosto de pensar, por uma causa enorme.

–Seu pai ser morto foi o destino? - O tom de voz sarcástico.

–Todos os dias da minha vida eu me pergunto por que Deus possibilitou que os homens amassem se criou a morte. Mas não se pode impedir a morte, David.

–Isso é se acomodar.

–Não é como se eu estivesse dizendo para parar o tratamento e esperar que Deus faça um milagre.

–Eu não aceito - falou decido, sustentei seu olhar por 10 segundos até notar que seus olhos marejados me causavam maior aflição interna do que eu imaginava. - Isso aqui não é um jogo. Não se pode punir um jogador só porque ele teve o azar de tirar números ruins no dado.

–Os dados de Deus são viciados.

–Você não faz o estilo crente do mês.

–E não sou. Mas você acredita que depois daqui, depois de pele, carne e osso existe ainda algo esperando pela gente?

–Talvez.

–Eu acredito que sim. - falei com a voz convicta, decidida. 

Ele mordeu o lábio inferior e eu notei isso já que olhava diretamente para seus lábios. Meu coração estava adepto a esportes radicais no momento e ele rodopiou algumas vezes quando notei que David também me fitava na mesma direção.

Foi tão urgentemente rápido que no segundo seguinte ele já me puxava pelas laterais do rosto, massageando minha bochecha com o polegar e grudando nossos lábios.

Foi uma sensação tão diferentemente... boa. Afundei minhas mãos em seus cabelos cacheados e ignorei o fato que eu estava numa posição totalmente desconfortável dentro do carro.

David tinha a “pegada” perfeita, devo confessar. Era carinhoso mas ao mesmo tempo sabia ser sexy a medida certa. Calmo no começo e urgente depois. Abri os olhos, ainda entorpecida, assim que o beijo foi finalizado.

–Eu acredito que você deve ter mais que dezessete anos. - sussurrou no pé da minha orelha fazendo com que eu me arrepiasse e corasse em seguida.

Grudou nossas testas e eu voltei a abrir os olhos. Seus olhos castanhos encaravam-me. Soltou um suspiro.

Afastou-se. Foi aí que eu achei que era a hora de eu me mandar dali.

–Íris... – chamou-me antes que eu desse duas passadas para longe do carro. – Não conte pra ninguém, tudo bem?

E por alguma razão, eu assenti como uma menininha obediente.

Não, eu não contaria a ninguém.


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Notas finais do capítulo

Eu demorei, mas compensei. Certo?
Tava na hora de engrenar de vez na história. Apertem seus cintos, esperem as balinhas e se tiver suspeita de acidente... Mãos para o alto e aproveite os últimos segundos.
Obrigada +qd+ as minhas leitoras: carol, Luu Amorim, MissJulia, Marina e Rosyangel.
Alguma suspeita do que vai acontecer daqui pra frente na história?