Capítulo XVI

— O quê o Gil não pode ver? — Ju se aproximou da amiga.

— Isso — Lia disse mostrando um novo post na TV Orelha.

— As gatas do pixador — Ju falou por alto — Dá o play Lia — a garota estava preocupada.

— Tá bom — disse Lia, colocando o vídeo pra carregar.

Não demorou muito para que aparecesse a imagem de Orelha, com os seus inseparáveis fones de ouvido, sentado na cadeira do seu quarto.

Ele começou:

“E aí galera, vocês devem tá pensando: “lá vem mais um post zoando o Rafa-girl”, mas não, vamos diversificar as coisas… por que já tá ficando chato… a vítima agora é outra.

Hey pixador, achou que eu ia esquecer a suspensão que eu levei por causa do seu grafite, haha, a vingança tarda, mas nunca falha. É um prato que se come frio.

Pois então, todo mundo conhece a mãe gostosa do Gil, a nossa professora de Educação Física: Marcela. Acho que todo mundo viu também aqui na TV Orelha, um ensaio antigo que ela fez, mostrando os seus dotes físicos.”

O garoto mostrou as fotos de Marcela numa praia.

“Pois é, e depois disso a Ju fez um ensaio no seu blog inspirado no da professora Marcela. O que nos revelou uma Ju que a gente ainda não conhecia.”

Ele deu um sorriso malicioso. E as imagens de Ju de biquíni apareceram na tela do computador.

“Falando nisso, Ju quando você quiser nos presentear com outras fotos. Sinta-se a vontade. Mas, indo ao ponto principal, agora a Jujuba é namorada do pixador. E tenho que confessar que sinto um pouquinho de inveja dele. Mas, nada que não passe depois de irritar ele com esse post.

Então, vamos criar uma enquete aqui na TV Orelha: Quem é mais gostosa? A mãe ou a namorada do Gil? Então,vote, deixe seu comentário.

TV Orelha: sem filtro e sem noção. Curtiu. Curtiu. Vai ver se eu to on-line”

— A cada dia que passa o Orelha fica mais sem noção — Ju falou irritada.

— Eu tenho é pena da cara do Orelha — a loira fala — O Gil vai querer dá uma surra nele.

— É, eu sei disso Lia — a morena mantém a mesma postura preocupada — Só que isso não pode acontecer.

— Por quê?

— Por que o Gil já foi suspenso uma vez, por causa da história do grafite. E se ele brigar com o Orelha ele vai levar uma segunda suspensão, e conseqüentemente vai ser expulso do quadrante.

— Verdade. Eu nem tinha pensado nisso — Lia sentou na cama e pegou sua almofada — E do jeito que o Gil é esquentado, ele nem vai pensar nisso. E vai agir por impulso.

— Pois é. É disso que eu tenho medo — Ju se sentou em frente a amiga e pensou em como podia “resolver” aquela situação — Queria saber se ele viu esse post, por que caso ele não tenha visto, eu posso pensar em algo pro Orelha tirar do ar. Vou ligar pra ele.

— Não, Ju. Pensa amiga. Você vai perguntar se ele viu a TV Orelha, aí mesmo que ele não tenha visto, ele vai ficar bolado e vai acabar indo ver a TV Orelha de qualquer jeito.

— É verdade — a it-girl concordou com a suposição de Lia — E agora?

— Não sei, acho que o máximo que podemos fazer, é chegar amanhã bem cedo no quadrante pra tentar evitar a briga.

— Já sei. Amanhã eu vou bem cedo à casa dele pra gente ir pra escola juntos — Ju disse pensativa — Acho que dessa forma, dá pra evitar uma briga pelo menos dentro da escola.

— É parece uma boa idéia — Lia disse e o assunto foi encerrado.

…

POV Ju

Era bem cedo. Eu estava saindo de casa pronta para a escola, na verdade só não havia tomado o café da manhã, mas isso era algo que eu podia fazer na casa do Gil. Toquei a campainha da casa dele, esperando não estar perturbando ninguém, mesmo sabendo que a possibilidade disso acontecer ser muito grande.

— Ju? — Marcela atendeu a porta ainda vestida com sua roupa de dormir — Entra, você quer alguma coisa?

— Desculpa, Marcela — eu entrei e estava muito encabulada — Sei que é muito cedo, mas eu vim esperar o Gil pra gente ir para a escola juntos.

— Relaxa Ju, eu tava acordada há algum tempo já — ela sorriu — Mas, acho que o Gil ainda tá dormindo. Vou lá acordar ele.

— Marcela, será que eu posso? — eu perguntei.

Não sei por que eu propus isso, mas de certa forma eu tinha curiosidade de vê-lo dormindo. Ele já tinha me visto dormindo. Direitos iguais, certo?

— Claro, que pode. Acho que ele vai preferir mil vezes ser acordado por você do que por mim — sorriu.

Eu me dirigi até o quarto dele, sem fazer muito barulho abri a porta e adentrei o local. Fui surpreendida pela sua cama toda arrumada e vazia. Rapidamente voltei a sala e encontrei Marcela.

— Ele não tá lá — eu disse surpresa.

— Sério? — ela também pareceu pasma — Então ele deve ter ido pro quadrante ou pra sua casa te buscar e vocês acabaram se desencontrando.

— Então, eu vou indo Marcela — digo apressada.

— Peraí Ju, aconteceu alguma coisa?

— Não — eu minto — Tchau Marcela.

— Tchau — ela diz preocupada.

…

Gil estava em frente ao quadrante esperando pelo Orelha. O garoto estava muito irritado e esperava acertar as contas com o nerd.

Não demorou muito para que o mesmo aparecesse. Gil não pensou duas vezes.

— Orelha, seu babaca. Vou quebrar a sua cara — o garoto partiu pra cima do nerd, mas foi impedido por Fera, que acabara de chegar — Fera, me solta cara.

— Calma Gil — o surfista ainda tentou acalmá-lo — Brigar não vai resolver nada.

— Tenho certeza que ele vai pensar duas vezes antes de tentar me irritar, depois que eu quebrar a cara dele — ele disse enraivado.

Nesse momento Ju chegou apressada e outros alunos também se aglomeraram na porta da escola, entre eles Lia, Dinho e Fatinha.

— Oh Gil, não cai na pilha dele. Não tá vendo que é isso que ele quer — a namorada do garoto segurou os ombros dele.

— É, eu também quero — gritou irado — Esse moleque tá precisando de uma lição.

— Gil, a gente tá na frente do colégio. Quem vai acabar se ferrando vai ser você — Ju interveio — E lembra que você não pode ser mais suspenso, senão é expulsão em seguida.

Gil tentou se acalmar. E aos poucos foi ficando menos exasperado.

— Tá bom. Você tá certa. Pronto, me solta, Fera — disse o grafiteiro — Não vou perder meu tempo com esse moleque. Mas, você vai ter que tirar o post do ar.

— Haha, nem em sonho — Orelha deu uma risada irônica.

— Relaxa, Gil. Ele vai tirar do ar agora mesmo — Dinho se intrometeu na conversa.

— O quê? Tá brincando com a minha cara Dinho? — o nerd não estava entendendo o rumo da conversa.

— Bora, cara — Dinho disse, puxando o garoto pra dentro da escola — Você é meu melhor amigo, mas tem que aprender a maneirar às vezes.

Assim que os outros alunos adentraram a escola, Ju e Gil continuavam do lado de fora.

— Tá mais calmo? — Ju perguntou apreensiva.

— Mais ou menos — Gil deu uma longa respiração — Não entendi o Dinho tentando ajudar. Será que ele consegue fazer o Orelha apagar o post?

— Não sei. Mas, se existe alguém que pode convecer o Orelha a fazer isso, essa pessoa é o Dinho. Eles são melhores amigos desde pequenininhos.

— Não sei não…

…

Dinho estava sentado num local mais isolado na hora do recreio, quando foi surpreendido pela presença de uma pessoa.

— Gil?

— E aí, cara — ele disse meio encabulado — Olha, eu vim agradecer por você ter feito o Orelha tirar o post do blog dele. Não sei como você conseguiu, mas isso não importa. Valeu mesmo, cara.

— Sem problema. Sei como essas postagens dele, na maioria das vezes são inconvenientes.

— Sei que a gente não se dá bem. Por motivos bobos e tal. Mas, mesmo assim você pediu pra que ele tirasse o vídeo do blog…

— Era o certo a se fazer — Dinho deu de ombros — Falando nisso, acho que a gente pode tentar pelo menos ser amigos, né? Amigos? — ofereceu um aperto de mão.

— É, pode ser. Amigos — ele apertou a mão do garoto.

…

~Alguns dias depois~

Ju liga sua webcam e começa o post do seu blog.

— Hey todo mundo. E aí, sentiram a minha falta? Ah, tenho certeza que sim. Mas, sabe quem é o culpado do meu sumiço? O Gil.

— Ih pára, vai me culpar agora? — diz o garoto que está no outro lado do quarto.

— Ai, eu to zoando — ela vai até ele, aperta sua bochecha e em seguida o abraça — É que a gente tá tão grudadinho, mas tão grudadinho que não tá rolando tempo de fazer vídeo pro blog. Então eu resolvi juntar as duas coisas numa só. Hoje, o Gil vai me ajudar a fazer o vídeo.

— Sim, por livre e espontânea pressão. Já vou avisando que dessa vez eu não vou tirar a camisa. To de casaco…

— Para de ser bobo — Ju sorri e bate de leve no braço dele — E hoje a gente vai fazer uma coisa que você gosta e muito… A dica de hoje é: Como grafitar a sua camiseta em casa.

A it-girl continua.

— É, e não é por que é meu namorado não, mas o Gil manda muito no grafite — a garota se derrete — Então eu chamei ele pra me dar uma força.. Primeiro você vai precisar de uma camiseta lisa, que nem essa aqui — ela mostra para a câmera uma regata branca.

— Também vai precisar de uma cartolina, pra colocar dentro da camisa, que é pra tinta não passar pro outro lado — a morena continuou — E pra fazer o molde, a gente pode usar aquela técnica… como é o nome mesmo?

— Stencil — o grafiteiro respondeu.

— Isso, stencil — ela disse — Pois é, então você vai precisar de uma radiografia velha. E de uma canetinha, daquelas de escrever em cd, que não borram. Pra poder fazer o desenho em cima da radiografia. Vai aí Gil — entregou a caneta para o namorado.

Não demorou muito para que ele terminasse o desenho.

— Então, terminado o desenho, agora é a hora de usar o estilete pra cortar o desenho. E é bom você colocar um papelão pra não arranhar a mesa toda…

— Licença — Gil tirou o estilete da mão de Ju, que fez uma cara de desentendida — Brigado…

O garoto cortou o molde do desenho e mostrou o mesmo para a webcam.

— Pronto. Agora você vai precisar de tinta spray pra grafite, da cor que você quiser… — a garota continuou — Mas, mesmo que a tinta seja tranqüila. O melhor é usar luva pra não estragar as unhas…

— Ai como é fresquinha mesmo… — Gil ironizou enquanto ele colocava as luvas.

— Fresca nada… Agora, por ultimo é só colocar a radiografia em cima da blusa e tacar a mão no spray.

Não demorou muito para que o grafite tivesse finalizado.

— Pronto — disse enquanto vestia a camiseta — Ficou muito show…

— Você manda bem mesmo Ju — Gil disse surpreso — Fiquei impressionado…

— Cê tá me zoando né? — o garoto negou com a cabeça — Gente, se eu consegui qualquer um consegue…

— E dá pra usar uma estampa em cima da outra. É só usar a criatividade e sair colocando — o garoto acrescentou.

— Ih, olha ele, já tá todo todo na frente da webcam — brincou — E aí gente, curtiu? Compartilha aí. Agora, deixa eu aproveitar um pouquinho o meu personal grafiteiro. BeiJú…

Gil se virou de costas para a câmera, abraçou Ju e lhe deu um beijo. Em seguida puxou a para o lado — onde poderiam ficar fora do foco da webcam.

— Pronto, pode desligar a webcam — o garoto disse — Tá, o que a gente vai fazer agora?

— To com vontade de tomar sorvete — Ju falou por alto — Que tal a gente ir na sorveteria?

— Por que só você escolhe? O seu aniversário é só amanhã…

— Tá bom chato. Você escolhe.

— To brincando — ele ri e puxa a garota pra perto dele — Adoraria ir até a sorveteria com você…

— Acho bom — um sorriso aparece no seu rosto e ela não pensa duas vezes em recompensá-lo com um beijo.

…

POV Gil

Deitado na minha cama, mirando o teto. Olhando para o vazio. Eu me sentia estranho, e já havia algum tempo que me sentia assim. Mas, não era um estranho ruim. Era uma sensação boa, me sentia mais vivo, mais feliz, mais completo. Tudo parecia estar perfeito. E isso me fazia bem.

Amor? Será que é isso que eu to sentindo? Será que é isso que faz com que eu me sinta mais vivo, mais feliz? Uma coisa era certa: nunca havia gostado tanto de uma garota como gosto da Ju.

Por falar nela, era por isso que eu ainda estava acordado. Amanhã era o aniversário dela, quer dizer hoje — por que já passou da meia-noite, e eu precisava resolver umas paradas.

Levantei da minha cama sem fazer muito barulho, peguei a minha mochila com os sprays e coloquei nas costas. Saí de casa de fininho, com o capuz do meu casaco levantado, pra tentar dificultar o meu reconhecimento na rua.

Assim que cheguei ao muro branco da sorveteria, coloquei minha bolsa no chão e retirei todo o material necessário. E rapidamente começo a grafitar a parede. E sinto que estou colocando a minha alma neste desenho.

Depois de algumas horas eu havia terminado. Afasto-me um pouco pra trás, para poder ver o grafite por inteiro e me surpreendo com o resultado. De longe era o grafite mais bonito que eu já havia feito.

Fico parado admirando-o por alguns minutos. E só sou acordado do “transe” pelo barulho de uma sirene que ecoa pelo bairro.

…