Apocalyptica escrita por LiKaHua


Capítulo 6
Capítulo 5 - Condenada


Notas iniciais do capítulo

Olha gente, eu simplesmente AMEI esse capítulo *-* ficou exatamente como eu queria superando as minhas próprias expectativas! Acabei de escrever JÁ! Acho que vocês vão gostar muito, fechei o conto com chave de ouro! Consegui terminar tranquilamente e espero que vocês gostem tanto quanto eu.
LEIAM AS NOTAS FINAIS!



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Abraçados. Era assim que Guilherme e eu estávamos e passamos basicamente todo o dia anterior, ele tentava evitar, em vão, que eu ouvisse os gritos, que eu me preocupasse com a escuridão, com a minha alma. A verdade é que nada estava de longe bem, a mãe dele tentou fazer com que comêssemos alguma coisa, mas era quase impossível, parecia que cada segundo que se passava era pior e o fim parecia cada vez mais perto.

Eram 08h do dia 23, já havia três dias que a escuridão tomara a cidade e, provavelmente, o mundo. Aquilo simplesmente não se explicava, estava acontecendo sem que tivéssemos o menor controle ou mesmo comunicação com quem estava longe de nós, queria a certeza que a minha família estava bem, mas tudo com o que podia contar eram as lanternas da casa de Gui e a fé que parecia cada vez mais frágil. Os gritos eram agora ainda mais constantes como se acontecessem em todos os lugares simultaneamente.

- Quando será que isso vai acabar?

- Multiplique o número de ceifeiros pelo número de pessoas no mundo e você possivelmente terá uma base.

- Pelo amor de Deus acho que eu não consigo fazer nem uma soma de terceira série e você quer que eu faça uma conta dessa?!

- A gente vai sair dessa...

- Eu já não estou mais tão otimista...

Por um momento tudo ficou no mais absoluto silêncio, eu me perguntava se preferia a agonia dos gritos ou o pavor mortal do silêncio. Eu nunca fui a fã numero um de clima de cemitério, sempre gostei de barulho, e dificilmente passava mais que cinco minutos sem ouvir música. Talvez em parte por isso eu estivesse surtando no meio daquela situação. A mãe e a irmã de Gui estavam em seus respectivos quartos, ninguém tinha cabeça para nada, estávamos exaustos daquela situação e ao mesmo tempo com medo. Eu estava estranhando o silêncio mortal, não havia mais gritos, barulhos, nada.

Me aproximei de Guilherme que estava sentado na cama e o abracei com força encostando a cabeça no seu peito, eu tremia involuntariamente, o pavor agora parecia maior que em qualquer outro momento. A lanterna dele iluminava a cama onde a gente estava eu o olhei por um segundo, temendo ser o último e sem medos ou receios toquei o rosto dele com carinho, sentindo a pele macia sob meus dedos.

- Não precisa ter medo... - Ele falou calmamente enquanto me olhava.

- Nem você...

Falei pressionando meus lábios nos dele ainda me perguntando mentalmente de onde eu tirara coragem para tanto, ele passou o braço com mais força em volta do meu corpo correspondendo ao beijo com mais intensidade do que eu esperava, eu imaginei aquele momento tantas vezes, provavelmente eu era a única boca virgem aos vinte e dois anos. E não podia negar, era verdade o que todo mundo dizia, era mágico, lindo e bom... Muito bom. Minha mão subiu aos cabelos dele enquanto meu corpo se colava ao dele, parecia que o mundo havia desaparecido a nossa volta, como se fôssemos sobreviventes em meio a uma catástrofe. Sem fôlego nos afastamos mantendo os olhos fechados e as testas encostadas naquele abraço intenso:

- Agora eu posso morrer em paz... - Falei respirando rápido.

- Eu não vou te deixar morrer... - Ele ergueu meu rosto me olhando nos olhos. - Ouviu bem? Eu não vou deixar você morrer...

Ele pressionou os lábios contra os meus novamente e me surpreendi com sua atitude, correspondendo imediatamente parte de mim pensava em levar aquilo adiante, e se eu só tivesse aquela chance de descobrir como era? Não. O barulho forte na sala fez com que meus pensamentos se esvaíssem imediatamente, o grito de Amanda congelou minha espinha, sem consegui raciocinar Gui e eu corremos porta a fora até a sala iluminando com a lanterna a figura paralisada de Amanda que fitava algo que provavelmente eu desejaria não ver. A lanterna dela iluminava a criatura mais estranha que eu sequer teria imaginado, não, os ceifeiros não tinham nada a ver com aqueles homens enrugados com roupas parecidas com as do Pe. Cícero que apareciam em Sobrenatural, pelo menos não este.

Seu rosto era indescritível, parecia um animal com feições humanas, os olhos brancos que cintilavam na escuridão eram o destaque da aparencia medonha, nas mãos garras enormes e afiadas sujas de sangue, toquei involuntariamente o meu braço onde sob a gase estava a pele dilacerada por aquelas garras, ele havia me marcado. O corpo era forte e estranho, não tinha estrutura humana e nem de nada que eu pudesse imaginar agora. Aquilo não veio do céu, era uma criatura demoníaca, eu tinha certeza.

- Katheryne.

A voz pronunciou meu nome quase em um rosnado, estremeci. Dei um passo a frente, as luzes das três lanternas estavam sobre aquela coisa, Guilherme me impediu de dar mais um passo se colocando na minha frente novamente, a mãe dele desesperou-se segurando no braço do filho:

- O que você quer? - Ele perguntou quase gritando.

- Eu tenho de levá-la.

- Me dê uma boa razão!

- Guilherme! - A mãe dele interveio. - Por favor.

- Ela tem contas a acertar.

- E quem é você pra julgar alguém?

- Eu sou a lei.

- A lei de quem?! Até agora as pessoas só estão morrendo sem sequer terem chance de se defender, isso é a lei de quem afinal de contas? Eu sinto muito, mas levá-la está fora de questão! Terá de me matar também.

- Você não tem contas...

- E o que ela pode ter feito de tão grave para merecer isso?

Eu não sabia com o que estava mais assustada, com a coragem de Gui enfrentar aquela coisa ou com o controle absurdo que aquele ser tinha. De qualquer maneira aquela conversa certamente não acabaria em boa coisa. O ceifeiro mantinha os olhos brancos fixos em mim, Amanda continuava estática incapaz de qualquer movimento, e a mãe de Gui entrava em um desespero cada vez maior:

- Ela tem que vir! - O ceifeiro falou quase em fúria.

- Já falei que nela você não toca! - Guilherme falou me mantendo atrás dele.

- Gui... - Finalmente consegui falar. - Não faça isso... A sua família...

- Você também tem para onde voltar, ninguém pode ser julgado assim, não é como funciona, não é como está escrito!

Um vento forte soprou para dentro da casa e em um segundo vários olhos brancos pareciam a espreita por todos os lugares, o pavor tomou conta de todos nós, Gui ainda tentava me manter a salvo mais parecia impossível, os olhos da mãe dele estavam marejados e assustados, ela assim como Amanda, não conseguia mover um músculo, eu não podia deixar que eles fossem machucados por minha causa, e agora sim eu estava realmente arrependida de ter ido para lá, se eu soubesse jamais teria colocado a vida deles em risco. Em um ponto Raul tinha razão, quem eles pensavam que eram para me condenar daquela maneira? Eu não podia ser julgada daquela forma, não era justo.

Eu me posicionei na frente dele e virei de costas para aquela coisa, segurei o rosto dele com as mãos olhando fixamente em seus olhos, a expressão de Gui era de dor, medo e aquilo me fez bem de certa forma, o fato de saber que ele não queria me perder me deixava feliz, ele se importava e isso já era tudo pra mim. Dei um beijo suave em seus lábios nem me importando com as presenças da mãe e da irmã dele ali, as lágrimas caíram pelos meus olhos, eu estava com medo sim. Segurei com força a mão dele e falei baixo.

- Eu amo você...

Antes que eu pudesse terminar a frase senti algo forte atravessar as minhas costas saindo bem rente ao peito uma dor aguda tomou o meu corpo inteiro paralisando-o imediatamente, eu consegui ouvir o grito apavorado de Amanda e sua mãe e o grito gutural e desesperado de Gui. As garras do ceifeito haviam atravessado o meu peito, senti o sangue me subir a boca transbordando e aos poucos os sons do meu coração foram ficando baixos, os movimentos lentos, os olhos de Guilherme me fitavam com dor e desespero, silêncio, mais escuridão.

***

A morte é diferente do que dizem... No meu caso, ao contrário do que eu queria foi bem mais dolorosa, mas até rápida. Eu não me lembro de muito que aconteceu, mas é como se ainda conseguisse sentir aquela dor aguda atravessando meu corpo, os braços de Gui me envolveram e os gritos da mãe e irmã dele ainda pareciam audíveis.

- Eu... Me condeno tanto por não ter conseguido... Me perdoa... Eu sei que agora pode ser tarde também... Eu nunca demonstrei, acho que no fundo eu não conseguia acreditar que uma garota como você pudesse mesmo sentir alguma coisa por mim... Você me conquistou mesmo Katheryne... Eu me apaixonei por você. Me perdoa se não consegui te dizer isso...

A voz de Gui, desesperada e sufocada, estava longe... Perto o bastante para que eu pudesse ouvir e distante o bastante para não parecer real. Não havia luz, não havia dor, não havia nada. Só a leveza estranha do meu corpo e o choro distante dele. Não importa o que os filmes mostram sobre céu, inferno,túnel, tudo não passa de uma ilusão. Naquele momento eu estava simplesmente presa no nada. Em um súbito as imagens começaram a passar, era como se a minha vida estivesse sendo exibida em um enorme telão. Não consegui conter as lágrimas ao ver ali minha irmã, o David, minha mãe, o Julio, Shirllene... Tantas pessoas importantes pra mim... Tantos momentos inesquecíveis da minha vida, bem ali diante dos meus olhos.

- Você amou Katheryne?

Uma voz suave e imperativa ecoou pelo lugar, uma sensação de susto me tomou quando finalmente, no último telão apareceu a imagem de Gui me abraçando no quarto dele, a sensação dos braços dele me envolvendo, em outro telão o sorriso da minha irmã enquanto me irritava, ainda em outro a alegria de Bel, das minhas amigas de faculdade, a gargalhada da minha mãe, a minha alegria de criança, as imagens do David.

- Sim. - Falei com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. - Ainda amo.

Em um mínimo momento todas as imagem cessaram. A escuridão foi quebrada por um único telão. E nele eu consegui ver meu corpo sendo atravessado pelas garras do ceifeiro enquanto Gui me olhava desfalecer em desespero, toquei meu peito naquele momento e vi que estava intacta, voltando os olhos para a tela eu fitei ele acolhendo meu corpo banhado em sangue enquanto pronunciava palavras sem som pra mim. Em um mínimo minuto os lábios dele tocaram meus lábios sujos de sangue, e eu por algum motivo desconhecido senti, senti aquele toque nos meus lábios ali mesmo onde estava, naquele vácuo, foi quando o telão desapareceu, e novamente, tudo ficou escuro.

***

- Isso é impossível! - Falou a voz feminina surpresa.

- Katheryne... Meu... Deus... - Outra voz feminina gaguejava por alguma razão.

- Eu te amo.

Essa era a voz de Gui. A sensação estranha de escuridão tomava conta de mim, mas por um lado, depois de três dias sem o menor resquício de luz que não viesse daquelas lanternas, já nem me assustava de certa forma. Abri os olhos, Gui me olhava atentamente e assustado, os olhos vermelhos e ainda cheios de água, minha visão ficou turva por um segundo, mais escuridão.

Quando finalmente consegui acordar, reconheci o quarto de Gui, olhei a janela do lado esquerdo e vi a claridade intensa, o sol havia voltado. Como assim? Eu me lembrava vagamente do que havia acontecido, passei os olhos pelo quarto e encontrei os olhos de Gui finalmente se surpreendendo em me ver:

- Oi... - Ele falou sorrindo.

- Oi... - Falei desnorteada.

- Como se sente?

- Não sei...

- Pensei que...

- Eu tinha morrido... É, eu também.

- O que aconteceu?

- Eu não sei... Só me lembro de muitas imagens e... Da pergunta...

- Que pergunta? - Ele perguntou calmo.

- “você amou?”- Falei como se ainda ouvisse aquela voz novamente.

- E o que você respondeu?

- Sim.

- E por isso está aqui.

Só então eu pude notar a presença da mãe de Gui no quarto.

- Como assim? - perguntei.

- Você não devia tanto assim Kate, seja lá o que achavam que você tinha de grave, a única coisa que importa realmente é que você tem amor verdadeiro no seu coração. Isso é maior que tudo Kate, as pessoas hoje em dia não tem mais amor. Deus não condena ninguém... Que não mereça realmente condenação.

Senti uma leveza suave me acometer. Ouvi vozes do lado de fora e logo entraram meus pais e minha irmã. Se aproximaram me abraçando colocando fim aquele pesadelo. Muitas pessoas morreram, a dor em muitas famílias era grande, e nós nos compadecemos disso, mesmo assim, eu acredito que nada foi em vão, não porque eu estava viva, havia um motivo para isso, mas imaginava que aqueles três dias de dor e trevas foram apenas uma resposta aquele tempo de escuridão que nós vivíamos às claras. As mortes que aconteceram podem ter sido mínimas perto de tantas mortes que pareciam naturais, chacinas em escolas, filhos que matam pais e pais que matam filhos, crianças violentadas, guerras sem motivos... Sim, havia um propósito... Uma razão.

Eram três e meia da tarde, o sol estava majestoso no céu, ao lado de Guilherme e de nossas famílias reunidas contemplamos o começo daquela nova etapa das nossas vidas, daquela nova etapa do mundo. Fitei a imensidão azul anil procurando, em algum lugar, a resposta daquela voz que me perguntou se eu amei, na esperança que ela falasse que finalmente, ficaria tudo bem.


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Notas finais do capítulo

Quero dedicar esse conto para minha querida amiga Claray que é uma amante da ficção.
Agradeço a Kayleena Everdeen, Amanda Ragazzi e Dentes de Leão por terem lido esse meu pequeno conto.
Espero agora me livrar de uma vez por todas dessa chatice de fim de mundo dia 21 ¬¬' mas pelo menos para isso serviu essa leseira toda, eu tive uma ideia legal :)
Meninas obrigada pelos reviews e pela força em cada capítulo! Um grande beijo. E recomendem *U*