Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 8
Uma aliada.


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora absurda para atualizar a fic, mas creio que todos os escritores do mundo passam por crises de falta de inspiração. Comigo não deve ser muito diferente.



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Andando pelos corredores do colégio, Helena nunca havia sentido tanta raiva em toda sua vida. Olhava desesperadamente por todos os cantos e já tinha perdido as contas de todos os lugares pelos quais já havia passado. A única coisa que desejava era encontrar Tommy ou Kelsey e fazer picadinho deles.

Todos aqueles momentos em que ela se remoera por dentro achando que poderia ter uma mínima parcela de culpa na separação, agora não significavam nada. Tommy alegara que nunca mais queria olhar na cara dela, mas pensou que ele também estivesse sofrendo com tudo isso. Foi aí que ela percebeu quão enganada estava. Não bastou nem um dia para que ele se lançasse aos braços de outra garota e pulasse o portão do colégio juntamente com ela, para fugir de todos os seus problemas. Ela não admitiria isso. Tommy dissera que ela traíra sua confiança, mas agora ele contradissera todas as suas palavras porque ele estava fazendo exatamente o mesmo.

Se Helena estava sentindo raiva de Paul por tudo o que o garoto causara em sua aparição psicótica, ela não conseguia encontrar palavras boas o suficiente para descrever o que estava sentindo por Kelsey, em especial, naquele momento. Desde o primeiro encontro na cantina, sabia que aquela garota causaria problemas em sua vida. Não simplesmente por ela ser uma adolescente que tinha a rebeldia como um de seus princípios éticos, mas por ter visto no olhar dela que ela significava encrenca. Ela conseguia esbanjar isso com toda arrogância que emitia.

Quando Helena estava cruzando o corredor que dava acesso à porta da biblioteca, ela viu algo negro se aproximando do outro lado. Ela congelou naquele exato momento e parou de andar, apenas encarando. Kelsey estava caminhando lentamente, olhando para o outro lado do corredor com um olhar relaxado no rosto. Vestia uma calça de couro negra que grudava à pele de sua perna, uma bota da mesma cor e uma camiseta também escura onde estava escrita com letras prateadas: “I’M GONNA KICK YOUR ASS”. Helena chegou a pensar se ela não tinha escolhido vestir aquela roupa de propósito.

— Encontramo-nos novamente. — disse Kelsey, usando um tom de voz irônico. Helena notou que o piercing no nariz vibrava à medida que ela falava — E aí, ruivinha? Qual será a grosseria dessa vez?

Helena não suportava ter que ouvir a voz daquela garota. Ela odiava tanta gente em Shavely, tantas pessoas cuja única coisa que ela queria era distância, mas Kelsey destacava-se plenamente nesse aspecto. Olhou para as mãos da garota, esperando encontrar um tubo de cigarro acesso, mas não encontrou nada que não fossem as unhas pintadas de preto. Observando ao longe, Kelsey até poderia se assemelhar a um borrão de um céu noturno.

— Tem certeza de que eu sou a grossa aqui? — Helena não entendia como ainda podia estar soando tão calma — Não fui eu que causei uma má impressão a todo mundo desde que chegou aqui. Não sei se você sabe, mas a maioria das pessoas já a considera como a garota viciada e problemática.

Helena percebeu que uma leve irritação assombrou os olhos de Kelsey. Ela uniu as mãos frente ao corpo e aproximou-se de Helena, dando alguns passos para frente.

— Eu diria que seu ex-namorado não teve uma má impressão de mim. Aliás, eu diria que foi exatamente o contrário.

Uma flecha poderia ter acertado o peito de Helena e ela teria sentido menos dor do que naquele momento. Algo estranho apossou-se de seu sangue e ela o sentiu efervescendo dentro do corpo, borbulhando de ódio e raiva. A única vontade que teve foi dar um tapa na cara de Kelsey, mas ela manteve a compostura. Baixaria o nível apenas em último caso e ela conseguiria muito bem manter o decoro naquele momento.

— Há quanto tempo você conhece Tommy mesmo? Hum, deixe-me pensar. Ah, é mesmo! Menos de três dias. Eu o conheço há anos e tenho certeza que você não é ninguém para achar que deixou uma boa impressão a ele. Você é simplesmente ridícula e garotas do seu estilo não fazem exatamente o tipo de Tommy.

— Garotas do meu estilo... — Kelsey estava passando o dedo indicador no queixo — Como seriam garotas do meu estilo? Eu digo sempre o que vem à minha mente, sei muito bem ser má quando é necessário e digo a verdade na cara das pessoas. Tudo isso com uma leve pitada de sensualidade. Você não consegue perceber algumas semelhanças entre nós, ruivinha? Acha que eu já não ouvi sobre você por aí? Aliás, já ouvi falar sobre todo o seu grupinho de amizades; as pessoas nesse colégio não são nem um pouco resguardadas. Não é à toa que seus cabelos são ruivos, a cor da explosão.

Helena não soube o que dizer naquele momento, por isso ela ficou alguns instantes em silêncio, apenas pensando. O que ela queria mesmo era estar brigando para valer com Kelsey, e não estar discutindo sobre valores internos das pessoas. Talvez ela devesse xingá-la do pior nome que estava passando pela sua cabeça, mas aquele não era o momento para isso. Ainda não.

— Não estou nem um pouco me importando para o que as outras pessoas desse colégio acham de mim. — disse Helena, dando de ombros — Eu quero mesmo é saber por que você está achando que pode ter algum tipo de relação com Tommy.

Não esperava que Kelsey fosse lançar a cabeça para trás e começar a rir desesperadamente. A garota teve que se apoiar na parede do corredor para conseguir se conter. Helena observou, com o cenho franzido, que uma lágrima estava escapando dos olhos dela.

— Ai, eu não sabia que ruivas eram tão engraçadas! — ainda havia resquícios de risadas em meio a sua voz, mas Kelsey logo se recompôs e deu dois passos à frente, ficando séria e encarando Helena com olhos vorazes — Você diz como se Tommy fosse uma propriedade sua, mas você não é mais nada dele para dizer algo parecido com isso.

— E muito menos você! — Helena exclamou — Você é só uma estranha que mal deu as caras por aqui e já está achando que é a dona do pedaço. Qual é a sua, Kelsey? O que fez para estar aqui afinal? Deu um tiro em um dos caras que rastejava aos seus pés simplesmente porque você achava que era superior?

Agora Helena e Kelsey estavam tão próximas que a garota ruiva conseguia ver as pálpebras da outra piscando com força. Ela sabia o que aquilo significava... Estava segurando a raiva, contendo-se para não expelir aquele sentimento de um jeito agressivo.

— Engraçado como a conversa desviou de direção tão rapidamente. Estávamos falando de Tommy e de repente começamos a falar de mim! Sério, ruivinha, eu teria que te matar se eu contasse o motivo de eu estar aqui.

— Contou para Tommy? — perguntou Helena, tentando encontrar todo o sarcasmo que existia dentro dela — Porque, pelo visto, vocês viraram amigos íntimos da noite para o dia.

— Como você está sabendo que estamos nos dando super bem? — rebateu Kelsey, talvez ainda mais sarcástica que Helena — Você acreditaria se eu dissesse que até agora eu não consigo entender como ele podia andar em um grupo de pessoas tão antiquado feito o seu? Francamente, ele merece coisa muito melhor e devo dizer que ele está se saindo muito bem. Ele passou no primeiro teste.

Helena não estava conseguindo controlar a raiva. Ela poderia explodir a qualquer momento.

— Que... teste? — sua voz estava entrecortada porque ela não estava conseguindo parar de cerrar os dentes.

— Um teste de aptidão que eu faço para garotos que querem entrar no meu grupo de amizades. Você sabe, eu só ando com garotos. Odeio todo aquele blábláblá de garotinhas mimadas falando sobre “a cor do esmalte que passei na unha ontem” ou “o cara gostosão da série de vampiros que passa na televisão”. — Kelsey parou de falar por um momento. Deve ter percebido que Helena estava quase começando a morder os dedos de tanta raiva — Por que está me olhando assim? Não é nada do que você está pensando. Apenas o alcoolizei e dei cigarros para ele fumar. Só para ver se ele é forte para aguentar andar comigo. E, se você quer saber, ele se saiu muito bem. Disse que quer repetir isso mais vezes.

Toda a raiva que Helena estava segurando escapou de todas as células de seu corpo como a explosão de uma estrela. Ela não soube explicar direito, mas em um segundo, suas mãos estavam no cabelo de Kelsey, puxando os fios com tanta força que eles poderiam ser arrancados do couro cabeludo da garota em uma facilidade incrível. Ela estava berrando coisas no ouvido de Kelsey:

— Não posso acreditar que você tenha feito isso! Qual é o seu problema? Não é só porque a sua vida está totalmente destruída que você tem o direito de arruinar outras!

A essa altura, as duas garotas já estavam praticamente se atracando no corredor. Kelsey também estava com as mãos esticadas, puxando os fios ruivos de Helena. Esta, por sua vez, estava tentando empurrar Kelsey para trás, para que suas costas pudessem se chocar contra a parede e ela pudesse ter controle sobre a garota.

— Você não entende! — Kelsey gritava enquanto tentava se livrar das garras de Helena — Foi ele quem me pediu o primeiro cigarro que ele fumou. E sabe por que ele fez isso? Porque ele estava de saco cheio de você! Se existe alguém que pode ter começado a arruinar a vida dele, esse alguém foi você.

Helena afrouxou o aperto no cabelo de Kelsey e a liberou. As palavras daquela garota não podiam ser sinônimas de realidade. Talvez toda vez em que Helena arranjava um motivo tolo para discutir com Tommy, ele sempre morria um pouco por dentro, se sentia mais inferiorizado do que nunca. Ela nunca havia parado para pensar desse jeito. Nunca tinha visto as coisas sob o ponto de vista dele. E aquele beijo forçado com Paul tinha sido a gota d’água. O motivo que ele precisava para acabar com tudo de uma vez.

Ela até podia entender que Tommy quisesse se manter afastado dela. Era compreensível. Também acharia aceitável se ele desejasse expandir seus horizontes, conhecer outros rumos e outras maneiras de esquecer Helena e partir para algo em que não necessitasse rachar o próprio cérebro para entender o comportamento oscilatório da companheira, mas ela jamais permitiria que ele jogasse sua vida no lixo ao servir de companhia a Kelsey. Porque ela sabia que era exatamente isso que aconteceria se ele seguisse o exemplo da garota rebelde. Onde ela estava agora? E o que ela era? Helena não sabia nada sobre Kelsey. E muito menos Tommy. E ela gostava demais dele para permitir que se entregasse a uma estranha.

— Você não vai tirar Tommy de mim. — sussurrou Helena, enquanto apertou fortemente os ombros de Kelsey e a jogou para trás.

A garota descreveu o trajeto que Helena quis e bateu com as costas na parede. Rapidamente a segurou e permitiu que toda a raiva que estava sentindo — por Kelsey ser uma estranha, por ela estar influenciando Tommy a fazer coisas das quais ele poderia se arrepender quando fosse tarde demais, pelo ex-namorado ser tão idiota a ponto de preferir a companhia de alguém que ele conheceu a alguns dias do que a de seus amigos que ele conhecia há anos, por Kelsey estar a olhando com aquele ar de superioridade que ela sempre trazia no rosto — e lhe deu um tapa na cara. O rosto de Kelsey virou e ela ficou imóvel por uns bons dez segundos. O piercing no nariz estava tremendo de tal maneira que ela conseguia até ouvir a vibração do metal prateado. Helena sabia o que estava por vir...

Ela ouviu um berro estrondoso e Kelsey estava com os dentes arreganhados, olhando para Helena como se ela fosse algo que estivesse prestes a devorar. Com os braços esticados, Kelsey espalmou as mãos no peito de Helena, empurrando-a e fazendo com que a garota caísse no chão.

— Você sabe o que aconteceu com a última pessoa que deu um tapa na minha cara? — perguntou Kelsey, apalpando o bolso e retirando um objeto prateado — Você sabe o que uma garota que foi criada na malandragem é capaz de fazer? Você acha que eu comecei a beber e a fumar porque eu quis? Ninguém nunca quer isso, Helena. Ninguém nunca quer ter a vida destruída, mas há certos momentos em que devemos nos entregar à loucura. Se ninguém me quis por perto por eu ser do jeito que sou, eu farei com que as pessoas certas estejam ao meu lado.

Estreitando os olhos, Helena pôde ver que Kelsey estava segurando um canivete. Suas pupilas dilataram-se no mesmo momento e ela sentiu um pânico aparente tomando conta de todo o seu corpo.

— Você é louca! — Helena gritou a plenos pulmões — O que vai fazer? Me matar?

Para surpresa de Helena, Kelsey começou a rir e, logo em seguida, guardou o canivete de volta ao bolso.

— Eu não seria tão tola a ponto de te matar em plena luz do dia no meio do corredor de um colégio onde alguém pode aparecer a qualquer instante. — ela disse, dando alguns passos para trás, mas sem tirar os olhos de Helena — Apenas estou lhe alertando do que posso fazer se você continuar no meu caminho. Não quero que se intrometa mais na minha relação com Tommy. Você já estragou demais a vida dele. Agora é a vez dele de escolher os próprios caminhos. E ele tem que fazer isso sozinho.

Com um sorriso no rosto, Kelsey virou o rosto e contornou o corredor, deixando Helena sozinha naquele ambiente, sentada no chão e com as lágrimas banhando os olhos. Não se permitiu chorar na frente daquela garota odiosa, mas agora que não havia mais ninguém ali, o líquido salgado escorria de seus olhos sem controle algum.

Que droga! Ela sentia falta daquela garota forte e decidida que não se abalava tão facilmente. Que raramente chorava. Mas, agora, ela era praticamente uma fonte de lágrimas, sempre expelindo seus pesares através dos olhos. Ela não queria acreditar que Kelsey tivesse um pingo de razão, não queria que uma estranha ditasse os sentimentos de Tommy.

Helena fechou os olhos e divagou. Estava pensando nos beijos que dava em Tommy, nas carícias que eles trocavam quando ninguém estava olhando, nas palavras bonitas que ele lhe dizia e que ela simplesmente respondia com um sorriso. Era raro ela dizer que o amava, enquanto ele repetia isso diversas vezes para quem quisesse ouvir. Um sentimento de remorso tomou conta do coração dela, corroendo tudo aquilo de bom que ela sempre guardara. Ela fez tudo errado. Agiu como uma adolescente mimada e agora estava perdendo Tommy para alguém que ele mal conhecia. Para uma garota que fumava, bebia e que andava pelos corredores do colégio com um canivete no bolso.

— O que está fazendo sentada no meio do corredor? — Helena ouviu uma voz e quando abriu os olhos deu de cara com Fanny. Ela a olhava com interesse, embora uma desconfiança escapasse de seus olhos castanhos. — Eu ouvi gritos vindos dessa direção...

Ah, não. Agora não.

— Não é nada! — Helena gritou, levantando do chão com toda sua rapidez — Por que você sempre quer saber tudo sobre a minha vida? Por que você não me deixa em paz?

Fanny gaguejou algo que Helena não conseguiu entender. E nem se preocupou em tentar. Apenas queria ficar o mais longe possível daquela garota e foi por isso que ela correu na direção contrária, deixando Fanny parada no meio do corredor, com uma cara de boba no rosto.



O livro de biologia já estava aberto sobre a cama, mas a mente de Logan não estava conectada aos grupos taxonômicos. Ele pensava em coisas que ultrapassavam os limites que ele impôs para aquela tarde. Queria esquecer um pouco tudo de estranho que estava acontecendo, mas ele simplesmente não conseguia. Sua mente não parava de divagar.

Ao seu lado, Mel exprimiu um muxoxo de insatisfação. Depois que o período vespertino de aulas terminou, Logan e a garota rumaram para o quarto dela, onde ele estava cumprindo a promessa de ajudá-la em suas dificuldades com biologia. Porém, ele parecia não estar se saindo bem, já que a sua última tentativa de explicar a diferença entre reino e filo se tornou uma sucessão de palavras gaguejadas.

— Logan, em qual planeta você está? — Mel perguntou — Marte? Ou quem sabe viajando pelos anéis enigmáticos de Saturno? Quando você disse que ia me ajudar com minhas dúvidas, pensei que se mostraria um ás biológico.

Logan nunca viu a si mesmo como um ás biológico, mas ele não tinha tantas dificuldades assim com biologia. Sempre fora uma matéria na qual se dera bem, mas agora ele não estava conseguindo expressar todo seu conhecimento de uma maneira que fizesse Mel entender com perfeição. Ele estava pensando no sangue do corredor, na possibilidade da existência de um zumbi antropomórfico novamente infiltrado em meio ao colégio e em Sophia...

Ele já tinha excluído aquela ideia de que o S que encontrou estampado no quadro de aviso pudesse ser uma prova de que a namorada tinha algo a ver com todo aquele caos. Era outra coisa que estava o incomodando. Uma coisa tola, para variar um pouco, mas ele estava tendo que lidar novamente com o ciúme de Sophia. Ela estava se mordendo de raiva porque Logan preferiu ajudar Mel com biologia a passar o resto da tarde com ela na sala de estar. Mas não era como se ele tivesse escolha, sendo que ele já havia prometido para Mel antes mesmo de Sophia ter dito sobre qualquer coisa.

— É a sua namorada? — Não pela primeira vez, Logan se perguntou se Mel realmente não conseguia ler pensamentos — Ela está chateada por você estar aqui com uma estranha? Aliás, no quarto de uma estranha.

— Não, é só que... — Logan estava prestes a falar sobre o incidente com o sangue no corredor. Ele tinha uma confiança tão grande em Mel que não conseguia explicar a necessidade que ele sentia de dividir isso com ela. Era quase como se ela precisasse saber e o fato de ela saber fosse precursor para Logan poder começar a entender o que estava acontecendo.

— Ora, vamos! — Mel deu-lhe um cutucão — Se você quiser, eu converso com ela. Eu posso dizer que você apenas está me ajudando na matéria escolar e que eu não estou interessada em você do jeito que ela está pensando.

Logan sentiu o sangue aquecendo todas as veias de seu rosto. Ele desejou esconder-se atrás das mãos para que Mel não pudesse ver o estado de vermelhidão em que ele se encontrava.

— Não se preocupe, realmente não é necessário. — Logan a tranquilizou — Sophia é assim ciumenta mesmo. Depois eu converso com ela.

Mel deu um sorriso e apontou para a página do livro que estava aberta. Havia uma tabela em forma de pirâmide com todos os termos taxonômicos.

— Então vamos lá! Sobre o que você estava falando mesmo? Que reino é o grupo taxonômico mais abrangente que existe e que engloba seres que contém os mesmos atributos...

— Mel...

Ela parou de falar e o encarou. Logan estava prestes a relatar tudo o que aconteceu naquela fatídica noite. Inclusive, mesmo ele achando que não fosse necessário, perguntaria se ela sabia de algo sobre um surto de insônia generalizado. Ele sabia que Mel não tinha nada a ver com isso, mas precisava saber se ela tinha esbarrado com Kelsey ou Fanny naquela noite — as outras duas garotas que também vagaram pelo colégio quando as provas do incidente foram eliminadas.

Mas as palavras que saíram de sua boca foram completamente diferentes:

— Lembra quando nos conhecemos na porta da sala da minha tia? — ele percebeu tarde demais que o tom de sua voz estava inocente — Por que Mary falou para você sobre mim? E o que você quis dizer quando disse: mais uma semelhança entre nós?

Os questionamentos pareceram pegar Mel de surpresa. Ela fechou o livro que estava entre eles e suspirou profundamente, encarando Logan com aqueles olhos escuros. A pele dela estava brilhando com os últimos raios solares que entravam pela janela aberta.

— Você sabe que todos os adolescentes que estão neste colégio têm um motivo para estarem aqui, não sabe?

Logan acenou afirmativamente com a cabeça.

— Eu sei, mas isso ficou na minha cabeça. Eu também não deixei de pensar quando encontramos com a minha tia no corredor e você a chamou de Mary. Sendo uma novata, pensei que você dirigiria a ela simplesmente como diretora.

Mel deu uma leve risadinha.

— Eu a chamei de Mary, e não de diretora, pelo mesmo modo que eu me dirijo à mulher da biblioteca como Sra. Strauss e não como Mulher da Biblioteca. Imagine que estranho: “Ei, Mulher da Biblioteca, acho que hoje eu vou querer ler Memórias de um Sargento de Milícias”. — O sorriso de Mel fez Logan se sentir um idiota por estar fazendo perguntas tão bestas — Mas eu entendo porque você está querendo saber essas coisas. Não sei se ainda posso dividir com você as coisas que eu sei, e também não sei até onde você sabe sobre tudo isso, mas quero que saiba que não estou em Shavely para estudar e para ser acolhida.

O cérebro de Logan deu um nó. Ele olhou para Mel com certa desconfiança, mas respirou fundo antes de começar a falar.

— Então está aqui por qual motivo?

— Estou aqui por causa de um acordo. — Mel olhou para os dois lados, como se estivesse se certificando de que ninguém invadira o quarto e estava escondido ouvindo a conversa deles. Ela aproximou-se de Logan e segurou em suas mãos escorregadias — Sua tia me disse que você já teve contato com zumbis antropomórficos.

O coração de Logan deu um pulo dentro de seu peito. Como ela podia saber da existência dessas criaturas? E por que Mary contaria uma coisa dessas para um novato do colégio? Logan não estava entendendo mais nada.

— Eu não...

— Você não precisa me dizer nada, assim como eu também não estou preparada para te contar tudo o que sei. Não ainda. Mas, já que você queria saber, essa é a maior semelhança entre nós: você e eu já enfrentamos zumbis antropomórficos e sabemos como essa praga pode ser destrutiva.

Logan não sabia o que dizer. Poderia esperar qualquer coisa como resposta àquelas perguntas, mas não o fato de que ela já teve contato com zumbis antropomórficos. Nada de concreto se passava em sua mente, apenas o fato de que a loucura estava dominando o cérebro de todos. Ele se sentiria melhor se estivesse em um hospício, jogado em uma cadeira de rodas e envolto por uma camisa de forças, do que se estivesse envolvido em tantas coisas estranhas e sobrenaturais.

Ele olhou para Mel e percebeu que ela estava esperando que ele dissesse alguma coisa. A única coisa que se passou pela sua mente foi o que ele queria dizer desde o começo daquela tarde.

— Acho que há um zumbi antropomórfico infiltrado no colégio. Eu encontrei sangue em um dos corredores há duas noites e tinha uma letra S escrita com o mesmo líquido estampada no quadro de avisos. Na manhã seguinte, eu descobri que tudo estava limpo e que três pessoas tinham ficado com insônia e vagaram pelo colégio durante a noite toda: Fanny, Kelsey e... você.

Por um momento, Mel não disse nada. Ela apenas se levantou, cruzando as duas mãos atrás do corpo, e começou a andar em círculos.

— Você pode ter certeza de que não sou uma zumbi antropomórfica. Não consigo me metamorfosear até que meus olhos fiquem inteiramente pretos e minha pele acinzentada e enrugada. E, aliás, o que o faz pensar que o fato de ter sangue em um dos corredores é um indício de que há um zumbi antropomórfico no colégio?

Logan percebeu que ela conhecia mesmo os detalhes principais da aparência de um zumbi antropomórfico. Agora, ele não sabia se se sentia seguro por causa disso ou completamente apavorado. Talvez fosse bom ter mais uma aliada ao seu lado, uma pessoa que tinha conhecimentos suficientes em uma criatura que foi responsável por quase destruir a sua vida.

— Houve um ataque no ano passado. O nome dele era Kofuf e assassinou quatro pessoas enquanto estava por aqui. Uma delas era a antiga diretora. Eu e meus amigos descobrimos que o fogo era a única coisa capaz de destruir a essência dele e consegui matá-lo em um incêndio que provoquei na antiga sala da diretoria. Agora, eu estou achando que o bando dele quer vingança e que esse sangue no corredor é o começo de uma matança.

Mel coçou o queixo com o dedo indicador. O olhar dela evidenciava que as engrenagens de seu cérebro estavam trabalhando a todo vapor.

— Zumbis antropomórficos são vingativos, mas isso não está me cheirando a simplesmente uma vingança. Sabe, Logan, eu conheço muito bem esse tipo de criatura e sei que do que eles são capazes. Se isso fosse parte de uma matança, teriam encontrado o corpo de quem quer que esteja morto em situações deploráveis de mutilação. É isso que esses zumbis fazem. Comem, absorvem a energia vital das vítimas e deixam o corpo à mercê dos vermes. Eu estou preocupada. Acho que houve uma mudança na ordem natural das coisas.

— Por que você sabe tanto sobre eles? — perguntou Logan — O que eles te fizeram?

O olhar de Mel esbanjava preocupação e amargura e Logan rapidamente percebeu que aquele assunto não lhe fazia bem. Era algo que ela queria esquecer e ele sabia o que isso significava. Passara pela mesma coisa quando alguém lhe perguntava onde estavam os seus pais e porque ele tinha Shavely como sua única casa. Era difícil aceitar que era órfão, mas agora ele conseguia lidar melhor com isso. Queria que Mel também aprendesse a lidar com o que quer que fosse que a atormentava tanto. Ele queria poder ajudá-la a se sentir melhor...

— Agora não é hora disso. Eu prometo que lhe conto quando eu achar que eu estiver preparada e quando todos notarmos que chegou a hora de lutar. As coisas só estão começando, Logan, e se o que eu estou pensando for realmente verdade, vai ser o início de uma guerra.

Logan estremeceu e agarrou-se fortemente ao lençol da cama. Será que as coisas poderiam ficar ainda mais graves? Quantas mortes teriam que acontecer até que ele pudesse ter finalmente paz? O significado dessa palavra soava tão vazio.

— Gue-guerra? — ele gaguejou, esperando que Mel dissesse que aquilo era uma brincadeira de mau gosto.

— Sua tia também está com medo, Logan. Ela pediu para que eu olhasse por você e que me certificasse de que você estaria bem. Eu estou com você nessa luta e quero que saiba que pode contar qualquer coisa para mim. Estou disposta a ajudar de todas as maneiras. Também quero que essa raça maldita seja abolida da face da Terra. Eles não merecem dividir o mesmo planeta que nós.

Logan nunca tinha ouvido alguém falar com tanta raiva reprimida. Talvez Mel pudesse envenená-los simplesmente se cuspisse sua saliva salpicada de palavras corrosivas.

— O que faremos agora?

Mel apenas sorriu.

— Tenha um pouco de fé. A princípio, isso é suficiente.


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