Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 5
Mente traiçoeira.




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O cérebro de Logan demorou alguns segundos para processar que deveria sair dali o quanto antes. Ficou tempo demais parado, observando aquela letra S vermelha e reluzente, brilhando frente aos seus olhos como se fosse a luz de um semáforo.

Estava sem rumo e não sabia mais para onde deveria ir. Apenas começou a andar em direção às escadas, subindo os degraus lentamente, um a um, enquanto ouvia os próprios passos ecoando como se estivesse dentro de um filme de terror. Será que ele deveria fazer alguma coisa ao invés de fugir? Se ele tivesse feito algo da última vez, quem sabe poderia ter evitado toda a tragédia. Mas, parando para pensar, o que ele poderia fazer? O ato já havia sido feito e a única coisa sensata que ele talvez pudesse realizar era chamar a atenção do colégio para tal. Pensou em chamar por Mary, mas o que a tia poderia fazer naquele momento? Ela devia estar ocupada demais com toda aquelas pilhas de papéis e atormentá-la com mais esse problema não pareceu ser uma boa ideia. Precisava absorver tudo aquilo antes de tomar qualquer atitude precipitada.

Já tinha terminado de subir todos os lances das escadas e estava no terceiro andar do colégio. Os dormitórios tinham os nomes dos alunos grafados na porta e Logan parou quando encontrou o nome da namorada estampado. Sophia. Lembrou-se novamente daquele S sangrento. Por que ele estava pensando que ela tinha alguma coisa a ver com todo aquele sangue e aquela desordem? Por que essa foi a primeira coisa que passou pela sua cabeça se, na verdade, existiam tantas outras pessoas cujo nome iniciava com a letra S? Sophia não tinha o perfil de uma pessoa responsável por aquele caos. Ele poderia pensar em qualquer outra pessoa, até mesmo em Helena, que, sem sombra de dúvidas, seria capaz de fazer coisa muito pior do que aquela cena quando ficava furiosa. Entretanto, a imagem da namorada estava lá, nítida em sua mente.

Balançando a cabeça e forçando-se a não acreditar naquilo, ele começou a andar novamente até encontrar a porta do dormitório. Abriu-a e tudo estava escuro. A janela estava fechada e não havia nenhum sinal de movimento. Dando de ombros, Logan apertou o interruptor e o cômodo encheu-se de luz. A cama de Tommy estava bem-arrumada e completamente vazia. O amigo tinha saído cabisbaixo do jantar e provavelmente devia estar em algum canto, sozinho, remoendo-se por Helena ser tão instável. Porém, a cama de Ian estava ocupada. O corpo dele estava totalmente escondido sob os edredons.

— Ian? — Logan chamou por seu nome, logo se lembrando de que ele tinha saído correndo da mesa do jantar, depois de Helena ter sido totalmente desagradável e maliciosa. Percebeu que a própria voz estava tremendo.

Não obteve uma resposta imediata. Dando de ombros, Logan fechou a porta do dormitório, foi em direção ao guarda-roupa e procurou por algo que pudesse substituir as roupas. Não estava tão tarde assim para dormir, provavelmente não devia ser mais de dez horas da noite, mas os últimos acontecimentos atormentariam sua mente de tal maneira que a melhor coisa que poderia fazer era dormir para que pudesse esquecer por algumas horas. Como não usava pijamas, pegou uma camiseta e uma bermuda velhas e substituiu a roupa que estava usando por isto. Dobrou-as e colocou-as no cesto de roupas sujas que ficava em frente à porta do banheiro. Quando voltou a atenção para o quarto, a cabeça de Ian estava descoberta e seus olhos estavam abertos.

— Você estava me observando enquanto eu trocava de roupa? — perguntou Logan, incrédulo.

Ian não exibiu nenhuma reação. À luz do quarto, os olhos do garoto estavam avermelhados. Será que ele tinha chorado?

— Não se preocupe. Eu não vi nada. — ele disse com a voz fraca e quase sussurrada.

Logan não sabia o que dizer e também não sabia explicar porque aquele momento estava parecendo constrangedor. Olhou novamente para Ian, que continuava deitado, apenas com a cabeça de fora. Ele estava levantando uma das sobrancelhas.

— É mentira. — ele disse, um pouco mais alto dessa vez.

Logan franziu o cenho.

— O quê?

— É mentira o que aquela menina disse na hora do jantar. Quero que você saiba que eu não sou...

Logan suspirou e interrompeu o garoto. Sua cabeça estava a mil e a última coisa que queria era ouvir satisfações de uma pessoa que ele conhecia a menos de dois dias. Naquele momento, apenas desejava jogar a cabeça contra o travesseiro e esquecer-se de tudo.

— Você não deveria se preocupar com o que Helena disse. Ela anda enfrentando alguns problemas e não consegue lidar com isso sem parecer que é uma completa idiota. E você também não precisa me explicar nada. Não me deve satisfações.

Ian ficou branco feito uma folha de papel sulfite. Logan não queria ser rude com ele, mas aquele era o único tom de voz que conseguia encontrar. Por um momento, lembrou-se de que Ian tinha saído da mesa antes dos outros terminarem a refeição. O sangue encontrado no local estava seco, o que claramente indicava que o incidente tinha acontecido antes da cena do jantar. Será que o garoto vira alguma coisa? Será que ele sabia de alguma coisa?

— Ian, — Logan chamou — depois que saiu da cantina, você por um acaso não viu nada... estranho?

A palidez de Ian logo foi substituída por um leve rubro.

— Já vi tantas coisas estranhas na minha vida que preciso de uma concepção mais abrangente para poder te responder.

Logan deu alguns passos ao lado da cama de Ian, apenas pensando se ter feito aquela pergunta aparentemente sem sentido fora uma boa ideia. Se Ian tivesse visto alguma coisa, ele não estaria calmo e sereno daquele jeito. Estaria agitado e preocupado, assim como Logan estava. Ver sangue dentro de um colégio sempre é algo que deixa as pessoas preocupadas, ainda mais se não for a primeira vez. Por que é sempre comigo?, pensou Logan. Por que sempre ele era testemunha das coisas macabras que aconteciam em Shavely?

— Esquece. Não é nada.

Logan sentiu o estômago frio como cubos de gelo. Gostaria que Tommy estivesse no dormitório, e não Ian. Seria muito mais fácil para ele dividir aquele momento estranho com o amigo. Ele com certeza o ajudaria a pensar no que seria melhor a se fazer.

— Tem certeza? — perguntou Ian — Você parece perturbado.

— Claro. Finja que eu não disse nada, certo? Vou apagar a luz para que você possa voltar a dormir.

Depois de fazê-lo, Logan não ouviu mais a voz de Ian. Pensou em procurar por Tommy para que pudesse botar para fora toda aquela angústia que estava sentindo, mas o garoto já devia estar se corroendo por dentro com os próprios problemas. Não seria legal se Logan o importunasse com mais coisas.

Utilizando o tato como o seu sentido guiador, Logan encontrou a cama de baixo do beliche e jogou-se contra o colchão macio. Quando deitou a cabeça no travesseiro, esperando encontrar paz e serenidade, um show de horrores começou a se formar em sua cabeça. É sempre nesse momento em que as sombras, as dúvidas e o terror começam a atormentar uma pessoa.

Logan voltou a enxergar o corredor maldito. A desordem tomando conta de tudo. Gotas de sangue seco pelo chão. A assustadora letra S estampada no quadro de avisos vazio. Os cabelos loiros de Sophia molhados de sangue. Uma faca prateada. Líquido vermelho pingando no chão. Um grito. Sophia gargalhando assustadoramente.

Não! Sua mente gritou. Ele estava imaginando coisas. Aquilo não podia ser verdade, era apenas uma coincidência. Sophia não podia ser uma assassina, não fazia o menor sentido. A garota ainda continuava sendo a mesma menina dócil e meiga de sempre... Ele não podia deixar se levar pelas aparências. Alguma peça estava faltando naquele quebra-cabeça e algo lhe dizia que aquele episódio era só o começo de uma onda de fatos macabros que novamente botaria em risco não só a sua vida, mas de todos que o cercavam.



Helena estava se remexendo na cama, os pensamentos inquietantes a impossibilitando de dormir. Era sempre assim quando estava tentando pegar no sono: um relatório sucinto de seu dia passava-se pela sua mente. A única coisa que ela podia concluir era que esse dia passara bem longe de ter sido bom. Sentia-se vazia toda vez em que brigava com Tommy sem motivo aparente. Era como se uma parte dela estivesse sendo arrancada, mas ela precisava fazer isso para não ser ferida pelo próprio orgulho.

A única coisa que você fez foi fingir que não se importa com nada. Foi agir como se fosse uma durona e tentar achar coisas que não existem apenas para mostrar que você sempre estaria por cima.

Ah, se Tommy soubesse o quanto aquelas palavras lhe tinham machucado. Ela não negaria, era verdade, porém ninguém compreenderia o modo Helena de ser. Ninguém entenderia que aqueles atos não eram o que o seu coração queria, e sim um modo de fugir da própria irritação. Como Tommy poderia pensar que ela quisesse brigar com ele todos os dias? A única coisa que ele precisava entender era que ela não era como Sophia... Não era romântica, não era melosa e estava pouco se lixando para relações tradicionais de relacionamento. Helena não era nada cerimonial.

Arrancada de seu sono por seus próprios pensamentos, a garota ruiva levantou da cama e desceu a escadinha do beliche. Sophia estava dormindo na cama de baixo, as mãos unidas em baixo de seu rosto. Teve quase a impressão de que os lábios da garota esboçavam um sorriso enquanto dormia.

O quarto estava levemente iluminado porque Fanny parecia ter a irritante mania de deixar a janela entreaberta. Um feixe de luz prateada iluminava todo o quarto e Helena não precisou se esforçar para alcançar a porta do banheiro, que estava completamente cerrada.

Quando a abriu e acendeu o interruptor, levou um susto tão grande que temeu que o grito que escapou de sua boca acordasse o colégio inteiro. Respirando mais fortemente e quase ofegando, ela se apoiou no batente da porta, fechando os olhos por alguns segundos e tornando a abri-los em seguida.

Ela encarou Fanny parada ao lado do vaso sanitário, usando uma camisola inteiramente branca que chegava até a altura dos seus pés descalços. Com aquela roupa, a pele parecia ainda mais pálida, ambos os tons quase se misturando e dando a leve impressão de que a garota estava nua.

— Qual é o seu problema? — perguntou Helena, com a mão no peito, sentindo o coração que estava acelerado — Você costuma ficar sozinha no banheiro escuro com muita frequência?

Fanny apenas deu um sorriso. Os dentes brancos e lustrosos ficaram à mostra.

— Eu apenas queria conversar com você.

— E para isso você precisa ficar parada que nem uma assombração dentro de um banheiro escuro? Por que não ficou na cama? Ou, melhor, por que não esperou amanhã? Podíamos tomar café da manhã juntas e, apesar de eu detestar a ideia, você poderia conversar comigo sobre o que quisesse.

Fanny não disse nada imediatamente. Ela apenas fez um aceno com a cabeça que indicava que Helena deveria sair do banheiro. Dando de ombros, a garota ruiva obedeceu. Fanny passou por ela e foi em direção à cama, que estava com os lençóis bagunçados. Ela sentou sobre o colchão e bateu com a palma da mão ao seu lado para que Helena sentasse ali.

— Eu apenas queria provar que posso me assemelhar a você em alguns aspectos. — Fanny deu de ombros — Bem, isso me parece uma coisa que você faria.

Então Fanny tinha a impressão de que Helena era uma sádica que gostava de ficar escondida em banheiros escuros apenas para dar sustos nas pessoas? Que bom.

— Bem, eu... — Helena começou a dizer depois que sentou ao lado de Fanny, em um tom de voz que não era nada sussurrado.

Fanny cobriu a boca dela com o dedo indicador.

— Shhh! Não quero que Sophia acorde e escute a nossa conversa.

Helena suspirou. Sua primeira impressão de Fanny também não tinha sido agradável e tratou de deixar isso bem claro. Porém, agora ela estava ali, praticamente implorando para que elas tivessem uma conversa que Helena nem suspeitava do que pudesse se tratar.

— Seja lá o que for que você tem para me dizer, Fanny, diga logo. Todos nós temos que acordar cedo amanhã.

Fanny assentiu com a cabeça e começou a dizer:

— Eu queria dizer que você consegue me surpreender em todos os aspectos. Gostei do que você disse para o garoto durante a mesa do jantar. Só uma pessoa assim como você exporia o que pensa sem medo das consequências. Sabe, você não é como os outros. Você destaca-se naquele seu grupinho de amizade.

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Helena, incapaz de formar um raciocínio próximo a lógico depois de ouvir aquilo.

— Me identifiquei muito com você e eu não me importei com o fato de você ter me odiado na primeira vez que conversamos. Estou aqui desde o final do ano passado e nunca tive a oportunidade de falar com você, mas saiba que eu te observava de longe.

Helena sentiu o estômago revirar.

— Você me... observava?

— Não me entenda mal. — disse Fanny, quando percebeu que o olhar de Helena estava assustado — Eu apenas estava tentando descobrir se você poderia se encaixar ao que procuro para construir uma amizade. Você se assemelha comigo. Durona, introspectiva e, você sabe, cheia de segredos.

Segredos. Helena nem ao menos sabia se ela tinha segredos. Apesar de seu passado nunca ter sido um livro aberto para os amigos, ela estava com a consciência limpa quanto a isso. Não tinha nada a esconder. Porém, Fanny parecia exatamente o contrário. À luz da lua, os olhos dela estavam brilhando, olhando para Helena atenciosamente, talvez esperando por uma resposta.

— Um dos seus segredos seria o motivo de ter ficado tão nervosa quando chegamos ao quarto ontem e vimos você mexendo no armário?

Helena esperava que Fanny esboçasse algum traço de nervosismo, mas não foi o que aconteceu. Ao invés disso, ela sorriu.

— Há mais mistérios entre o céu e a terra do que crê a nossa vã filosofia. — ela disse — Sim, essa é a uma frase feita, mas se adepta perfeitamente ao que eu quis dizer. Você não precisa saber dos meus segredos e eu não preciso saber dos seus. Pelo menos, não por enquanto.

— Eu não estou entendendo aonde você quer chegar...

Fanny deu um tapa na própria testa. Aquilo fez Helena se sentir ainda mais idiota e ridicularizada.

— Helena, deixe de ser tola! Apenas estou querendo ser sua amiga. Não acha que podemos nos divertir juntas? Ou você prefere ser amiga dessa sonsa da Sophia que acha que a vida é feita de romance, borboletinhas coloridas e passarinhos que voam em volta da janela e cantam “Bom dia mundo!” quando o primeiro raio de sol nasce por detrás das montanhas?

Helena olhou para a cama onde a amiga estava dormindo. Ela nunca se importou por Sophia ser praticamente o oposto e também nunca pensou em como seria se tivesse uma amiga que fosse parecida consigo mesma em alguns aspectos. Porém, conhecia Sophia há quanto tempo? Ela nem lembrava mais. Ainda era uma criança quando chegara a Shavely e fora bem-recebida por aquela garotinha loira com a voz fina e aguda, convidando-a para brincar de casinha na sala de estar. Helena suspirou. Agora não tinha mais nenhuma criança pequena em Shavely. Várias pessoas que hoje estudavam lá cresceram no internato, sob a custódia de Janeth, porém, depois de certo tempo, não se permitira mais a matrícula de crianças com menos de 12 anos de idade. Talvez por falta de estrutura do colégio ou por Janeth, na época, ter ficado velha demais para aturar crianças pidonas e birrentas.

— Eu não sei se é uma boa ideia, Fanny. — disse Helena — Conheço Sophia a mais tempo do que consigo me lembrar. Conheço você a menos de três meses. Essa diferença é crucial. Quem sabe, ao longo dos dias, você possa me mostrar que é uma pessoa que realmente vale à pena.

Fanny sorriu.

— Obrigada, era o que eu queria ouvir para essa noite.

Esperando que a garota fosse pedir para Helena levantar da cama e ir para a própria porque ela queria deitar para dormir, Fanny esticou a perna para fora da cama e levantou-se em um sobressalto, deixando todo o corpo magro ereto sobre o chão. Ela começou a caminhar em direção à porta.

— Aonde você vai? — perguntou Helena, com a testa franzida.

— Eu estou sem sono. Não vou conseguir dormir agora. Vou dar uma volta para ver se consigo pensar em coisas calmas que possam me dar vontade de dormir. Acha que ficar sentada no gramado lá fora observando as estrelas é uma boa ideia?

Helena teve que pensar por dez segundos antes de conseguir responder.

— Sei lá. Quem sabe?

Fanny apenas balançou a cabeça, desejou “boa noite” para Helena e saiu, batendo a porta do quarto levemente.

Quando ficou sozinha, a única coisa que conseguiu pensar era que Fanny realmente tinha sérios problemas mentais.



Na quarta-feira de manhã, Logan tinha acordado decidido a ir encontrar com Mary e contar para a tia tudo o que estava acontecendo. Ela era a pessoa que ele mais confiava dentro daquele colégio.

O sol tinha acabado de raiar e ele já tinha substituído o pijama por uma roupa mais apresentável. Ian e Tommy ainda estavam dormindo em suas devidas camas. Logan tinha demorado para adormecer, porém não tinha escutado quando o amigo voltara para o quarto.

Faltava mais ou menos uma hora para o café-da-manhã ser servido, mas ele tinha certeza de que a tia já tinha acordado. Desceu os vários lances de escadas até o térreo rapidamente, apenas escutando o silêncio de Shavely. Quantos alunos ainda estavam dormindo dentro dos próprios dormitórios?

Aproximando-se do labirinto de corredores, logo no primeiro Logan esbarrou com alguém que vinha no sentido contrário. Ouviu palavras de baixo calão saindo da boca da menina com a qual tinha tropeçado e Logan a reconheceu da cantina. Era Kelsey, a menina revoltada.

— Você não olha por onde anda, não, babaca? — xingou Kelsey, o piercing no septo nasal pulsando, um fato que poderia indicar que ela estava com raiva.

Logan observou atentamente Kelsey e percebeu que ela estava usando uma roupa inteiramente preta. Não parecia algo que alguém usaria pela manhã.

— Já está mal-humorada?

Kelsey o fuzilou com o olhar, algo que teria o matado caso ela tivesse visão de raios-X.

— É claro que estou mal-humorada, seu vadio desgraçado. Como se não bastasse não ter conseguido pregar o olho a noite inteira e ter vagado por essa porcaria de colégio tentando encontrar algo que me fizesse sentir algum pingo de sono, ainda tenho que olhar para essa sua cara horrorosa logo cedo.

Vadio desgraçado. Como ela é delicada e meiga.

— Já experimentou fumar um cigarro? — perguntou Logan — Ou quem sabe você deva tomar uma garrafa inteira de vodka com apenas um gole. Essas coisas parecem acalmar pessoas como você. A escolha é sua.

Kelsey exibiu o que parecia ser um rugido. Ela começou a andar, furiosa, em sua direção e esticou o braço, deixando à mostra a tatuagem reluzente estampada em sua pele.

— Você e aquela sua amiguinha ruiva são os meus primeiros inimigos nesse colégio. Se a vir por aí, diga a ela que ainda não me esqueci do modo como ela se dirigiu a mim no nosso último encontro.

Elevando as duas sobrancelhas como se estivesse convidando-o para um desafio e esbarrando em um de seus ombros propositalmente, Kelsey contornou o corredor e desapareceu de vista, indo em direção às escadas da qual Logan tinha saído.

Dando de ombros e pensando que aquele seria um longo e suado dia, Logan continuou o seu trajeto pelos corredores. Contornou a biblioteca e o laboratório de ciências com os pensamentos a mil. Onde estaria Sophia agora? Logan conseguia visualizá-la perfeitamente, deitada em sua cama, dormindo com se fosse um anjo. Ele queria poder estar lá e confortá-la, mas algo o impedia de estar por perto. Algo o dizia que ele deveria se manter afastado até que pudesse resolver todo aquele empecilho.

Quando já estava a alguns corredores próximos à sala da diretoria, Logan viu uma figura sentada no chão, perto da entrada da cantina. Aproximando-se lentamente, ele percebeu que era Mel. A garota estava com os braços abraçando os joelhos enquanto fitava algo que parecia não existir. Havia manchas negras em volta de seus olhos, que estavam murchos. Talvez não tivesse problema se ele sentasse ao lado dela, apenas para conversar por alguns minutos.

— Olá. — ele disse, sentando-se ao lado de Mel. Ela olhou para o lado, um pouco assustada a princípio, mas logo sorriu quando encontrou o olhar de Logan. — O que uma garota tão simpática faz sentada aqui sozinha, a essa hora da manhã?

— Você vai achar completamente esquisito da minha parte, mas sempre acontece isso quando durmo em lugares novos. — ela apontou para os olhos cansados — Ou seja, na verdade, eu não durmo. Maldita insônia. Passei a madrugada inteira na frente do computador, jogando jogos on-line. Até que foi divertido. Agora estou esperando abrirem a porta da cantina para que eu possa encher meu estômago.

O que tinha acontecido naquele colégio durante essa noite? Surtos de insônia? Primeiro Kelsey e agora Mel, ambas não tinham conseguido dormir e passaram a noite toda fora da cama. Aquilo era, no mínimo, estranho.

— Mas, você, pelo visto, parece que dormiu bastante! Seu rosto está até corado.

Logan tocou levemente as bochechas. Olhou para Mel e naquele momento percebeu que dentre todos os rostos novos que já vira dentro daquele colégio, ela era a única em que ele confiava plenamente. Não sabia explicar o motivo. Apenas confiava. Foi por isso que ele disse:

— Na verdade, não dormi muito bem, não. Tive vários pesadelos com uma coisa estranha que vi ontem. Uma coisa que está me fazendo ficar com o pé atrás com uma das pessoas que mais gosto aqui dentro.

Logan achou que não precisava dar a satisfação de que tinha uma namorada. Mel olhou para ele com um sorriso no rosto.

— É óbvio que você não vai me contar o que é essa coisa estranha, mas pode ter certeza de que está falando com a pessoa certa. Também estou aqui por causa de coisas estranhas.

Logan não gostou da ênfase que ela deu às últimas palavras. Tinha algo sombrio e rancoroso no seu tom de voz, algo que ele nunca tinha ouvido sair da boca de Mel.

— Estou com medo. Acho que as coisas estão voltando a ser como eram antes.

— E como elas eram antes? — perguntou Mel.

A palavra certa demorou algum tempo para surgir na mente de Logan. Utilizar outra poderia significar amedrontar Mel, o que era a última coisa que ele desejava.

— Bizarras.

Mel trocou de posição, sentando de perna de índio sobre o chão que estava um pouco gelado. Logan olhou desconfortável para ela, que estava sorrindo.

— Coisas bizarras sempre me atraíram.

Logan foi poupado de responder quando a figura de Mary ficou visível no corredor. Os cabelos estavam soltos e esvoaçavam-se freneticamente à medida que ela caminhava com pressa. Quando seus olhos encontraram o sobrinho, ela exprimiu um suspiro de alívio.

— Logan! Era você mesmo que eu queria conversar.

Logan rapidamente se levantou, passando a mão pela camiseta para desamassá-la. Ele olhou para Mel, que continuou sentada, encarando Mary com um olhar divertido.

— Também quero conversar com você.

Mary acenou para Mel, que retribuiu com um sorriso de orelha a orelha.

— Fico feliz que esteja andando com Melissa. Ela é uma ótima garota.

Logan ia repreender a tia por tê-la chamado de Melissa, mas Mel falou em seu lugar:

— Obrigada, Mary. Seu sobrinho também é encantador.

Mary. Não diretora, como qualquer outro aluno, ainda mais um novato, teria a chamado, pelo menos na frente dela. Logan queria poder entender porque, a cada dia que passava, as coisas pareciam mais distantes da realidade.

— Enfim, querida, não se importa se eu roubá-lo um pouquinho de você? — perguntou Mary — Prometo que já o devolvo.

Mel balançou a cabeça.

— Tudo bem, eu só estava aqui esperando a cantina abrir.

Mary assentiu e segurou na mão de Logan, forçando-o a caminhar ao seu lado. Quando estavam do outro lado do corredor, onde Mel era apenas um pontinho solitário, Logan encarou a tia.

— Estou procurando incessantemente por Pierre. — ela disse — Ele não veio à aula particular ontem à noite e ele aparentemente não dormiu no quarto. Estou ficando preocupada. Você não o viu por algum lugar?

Logan nem ao menos sabia quem era esse tal de Pierre e a tia estava perguntando se ele tinha notícias sobre o seu paradeiro. Realmente, algo estava muito errado naquele colégio.

— Eu nem o conheço, tia. Tenho certeza de que não consigo sequer descrevê-lo.

Mary exprimiu um muxoxo de insatisfação.

— Ai meu Deus, onde será que ele se enfiou?

Logan apenas levantou os ombros e comprimiu a boca, como se quisesse dizer: Não faço a mínima ideia. Mary suspirou e encarou o sobrinho com olhares preocupados.

— Bom, se ele não aparecer em menos de 24h, vou ligar para os pais dele. Mesmo que eles não queiram saber do filho, pelo menos precisam ser avisados do suposto desaparecimento dele. — Mary fez uma pausa e deu de ombros, percebendo a falta de expressão de Logan — E você? Queria me contar alguma coisa?

Logan reuniu toda a coragem que existia dentro dele naquele suspiro. Tinha que falar o que estava acontecendo pelo menos para a mulher que ele mais confiava. Aquele colégio agora era dela e Mary supostamente gostaria de saber caso algum assassinato ocorresse sob os tetos que ela supervisionava.

— Eu... eu encontrei sangue ontem à noite. — disse Logan, com a voz trêmula — Estava no chão do corredor do bebedouro. E também, havia uma assinatura. Uma letra S escrita com sangue estampada no quadro de avisos.

Mary ficou pálida naquele mesmo instante, as rugas de expressão ficando mais visíveis em sua pele.

— O quê? — ela sussurrou — Tem certeza disso, Logan?

Ele segurou na mão da tia e começou a puxá-la em direção ao corredor onde tudo tinha acontecido.

— Acho melhor você ver com os seus próprios olhos.

Porém, quando alcançaram o corredor, não havia nenhum sinal de balbúrdia. O bebedouro estava repousado onde sempre esteve, a torneirinha fechada e nenhum fio de água escapando. O quadro de aviso estava intacto, todos os papéis pregados em suas devidas posições. O chão estava limpo, sem nenhum indício de que estivera todo impregnado de sangue seco. O S assustador não estava mais ali.

— Tem certeza de que não imaginou isso, querido? Acho que você ainda continua impressionado com Kofuf. Às vezes, a mente pode ser traiçoeira.

Logan olhou piedosamente para a tia.

— Eu tenho certeza! Eu vi com todas as cores. Tia, por favor, não estou ficando louco.

Mary analisou meticulosamente todos os pontos daquela sala. Todos os pontos que estavam em perfeita ordem, quase brilhando de tão arrumados. Logan podia jurar de pés juntos e dedos cruzados que não tinha imaginado aquilo. Já tinha se livrado da esquizofrenia pós-traumática. Lembrava-se da época em que tinha alucinações, ataques de fúrias e conexões mentais, mas agora ele estava livre. Tinha plena certeza de que vira tudo. O bebedouro derrubado. Papéis jogados para todos os lados. Sangue seco incrustado no chão. A letra S no quadro de avisos...

— Ainda é cedo, querido. — ela disse, afagando os cabelos de Logan — Deve ter dormido pouco essa noite. Vou pedir para abrirem a cantina. Tome um belo gole de café preto e coma um pedaço de pão. Você vai se sentir melhor.

Mary sorriu para o sobrinho, que não retribuiu o ato. Virou o corpo e deixou Logan ali sozinho, com os próprios pensamentos.

Se aquilo não fora uma alucinação, então alguém estava tentando fazê-lo acreditar que fosse. Não foi difícil concluir que alguém tinha arrumado toda a bagunça e limpado toda a sujeira sangrenta antes do sol raiar. Alguém estava apagando as evidências, fingindo que nada acontecera, mas então, por que fizeram isso justamente depois de Logan ter visto tudo? Por que sempre queriam que ele fosse a testemunha?

Naquele momento, um pensamento atormentador aqueceu sua mente.

Kelsey e Mel. As duas garotas alegaram ter ficado com insônia durante a noite, perambulando pelo colégio. Será que uma delas poderia ter algo a ver com isso? Será que essa suposição finalmente poderia tirar aquela sensação macabra de que Sophia estava envolvida em todo esse mistério? Mas, então, como explicar a letra S? Os nomes de Kelsey e Mel não se iniciavam por essa letra. Já o de Sophia... Logan precisava descobrir o que estava acontecendo, antes que os indícios aparentemente sem sentidos o levassem a um completo grau de insanidade.


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