O cheiro asséptico de álcool invadiu as minhas narinas e eu acordei em um salto.

“Hey loira! Calminha ae...” Shelby me deitou de volta em uma cama. Estava em um quarto branco. Parecia com o do hospital, mas tinha cômodas e era decorado.

“Onde estou?”

“Quarto de hóspedes dos Lopez” Ela falou dando de ombros. “Logo depois do que aconteceu ontem você foi trazida, com muito custo devo dizer, para cá à pedido de Alma Lopez.”

Flashes da noite passada vieram na minha cabeça e eu tremi.

“Onde está Rachel, Shelby?”

Shelby ficou calada durante alguns minutos e os olhos dela marejaram levemente.

“Está em casa. Ainda desacordada, mas já está fora de perigo. Cassandra atirou um bala de prata nela, mais um pouco, bem...mais um pouco nós estaríamos nos preparando para um funeral.”

Engoli seco. Queria água e então Shelby me trouxe um copo. Estava tentando absorver as memórias da noite passada: Cassandra gritando, o tiro, Rachel sangrando, minha transformação, o ataque à Cassandra, o baque e tudo escuro.

“E Cassandra?”

“Está em observação no hospital. Pelo visto ela fraturou duas costelas, teve hemorragia interna mas agora o quadro dela é estável. Não era pra menos, afinal não é todo dia que uma massa de pelos brancos de quase 150 kg cai sobre você.”

O gosto de bile subiu a minha garganta. Cassandra me mataria assim que ficasse boa. Foi aí que eu me lembrei de Marley. Rachel havia batido com força na sua cabeça e ela desmaiou.

“Marley está bem?”

“Hum...ela está. Pelo que eu sei ela agora tem uma marca.”

“Uma marca?”

“Com a patada, Rachel cortou o rosto de Marley. Uma linha pequena que sai da base da orelha. E tem menos de 2 dedos de comprimento.”

“Preciso sair daqui...” Me levantei e uma leve tontura.

“Mas que teimosia! Deita aí garota...vou pedir pra Ramon vir aqui ...” Ela ia saindo quando perguntei.

“Shelby?”

“Sim?”

“Agora todos sabem que você está aqui não é?”

Ela suspirou e assentiu triste.

“O que irão fazer...?”

“Até agora não decidiram nada, Leroy está em choque por Rachel. E até onde estou sabendo haverá uma reunião hoje, para ver o que fará a respeito dela.”

“Como assim?”

“Pelas leis de uma alcateia, Rachel deverá ser punida. Ela atacou um humano sem nenhum motivo aparente. Só existem duas punições para isso. O exílio completo ou a morte...”

“O QUE?!!?” Praticamente pulei da cama e tive que me escorar no criado mudo. O choque daquela notícia fez meu corpo se arrepiar por inteiro.

“Você não sabe ficar quieta garota? Duvido que Leroy aceite que alguém ao menos cogite qualquer uma dessas hipóteses, mas na atual situação eu realmente não sei o que esperar. Meu coração se aperta só de pensar nisso.”

“O seu coração aperta?? tenta imaginar o meu! Onde estão minhas roupas Shelby?”

Era a segunda vez em Lima que eu acordava em um quarto estranho e vestindo uma roupa que não era minha. Tava quase pensando se isso viraria rotina.

“Onde pensa que vai? Tem noção da quantidade de tranquilizante que tinha naquela flecha? Eu tenho quase certeza que Cassandra sabia que iria precisar te controlar de algum jeito...”

“Eu estou indo falar com Leroy! Rachel é a alfa disso aqui, ela não pode ser simplesmente mandada embora daqui por uma coisa que aconteceu quando ela estava fora do normal! Ela estava amaldiçoada não teve culpa!”

“Não mesmo! Você não está em condições físicas ou emocionais pra reclamar nada. Primeiro você precisa saber o que aconteceu e depois pode tirar suas próprias conclusões.”

“E quem é que vai me explicar isso Shelby?” sentei na cama me sentindo derrotada.

“Isso só Rachel é quem vai poder te explicar.” e saiu.

Logo depois que Shelby saiu, eu fiquei remoendo a noite anterior na cabeça. Não tinha sentido! E então um clique na porta me fez parar com aquela divagação e fiquei espantada ao ver quem estava lá. Santana Lopez. Eu me aprumei, não tinha motivos para espanto, afinal eu estava na casa dela. Ela parecia nervosa e passou direto para a cadeira ao lado da cama. Os olhos negros dela faiscavam. Ela abriu a booca para falar algo, mas fechou logo em seguida.

“O que foi Lopez?”

“Você tem ideia da vontade que eu tenho de te esganar nesse momento?” Ela só disse isso. Eu arregalei os olhos.

“Você não se atreveria...”

“Não porque se você morresse, Rachel me mataria e penduraria meus pedaços em estacas no descampado.”

“E então o que foi?”

“É justamente sobre ela que eu quero falar. Eu conheço essa maldição, Fabray. Mas aqui ninguém leva muito em consideração. Você sabia que depois dos Fabrays, os Lopez são uma das famílias mais tradicionais do meio oeste e que todas as lendas, mitos, rituais, são passados de pai para filho. Eu sei da maldição graças à Abuela. Mas Rachel não conhecia. Rachel não tinha ideia. E quando começou a ter sensações estranhas ela achou que tivesse algo a ver com o fato dela ser uma alfa. Mas não tinha. Eu notei algo errado. A palidez na lua cheia, as dores incomuns, os sumiços e depois a falta de memória. No dia seguinte ao ataque de Unique, encontrei Rachel se desmanchando em lágrimas, pensei que ela deveria estar emocional por conta do que tinha acontecido. Mas não, agora eu vejo que era um grande arrependimento.”

Eu parei após ouvir tudo aquilo. Porque inferno todo mundo sabia? Eu percebia as coisas mas eu não conseguia unir as ideias. O cheiro, o jeito dela...mas parecia pra mim, que Rachel e o lobo eram duas coisas distintas. Só eu via isso.

“Você sabia então?”

“Desconfiava Fabray...desconfiava.”

“Mas isso não faz sentido! Vocês estavam em Cleveland quando Wade foi atacado...”

“A bagunça em Cleveland aconteceu por volta das 19 horas e o ataque à Wade era quase meia noite. Nós não estávamos em Cleveland. Digo nós: Eu, Rachel, Brittany, Sam e Mercedes. Voltamos porque o Sr Schuester não achou seguro manter Rachel lá depois do que havia acontecido. Teve medo do que poderia acontecer se caso o resto da sua família soubesse. Então voltamos. E bem, o resto você já sabe..”

Eu estava em choque. E a única coisa que eu fiz foi me levantar em silêncio da cama, vestir as minhas roupas enquanto Santana vinha atrás de mim.

“Fabray aonde pensa que vai?!”

“Vou falar com Rachel e quero ver quem vai me impedir‼” disse do alto da escada.

Atravessei a sala dos Lopez furiosamente e literalmente marchei até a casa dos Berry. Bati na porta e um Hiram assustado veio me receber.

“Quinn?!”

“Hiram eu preciso falar com Rachel! Agora!”

“Quinn, você..-uh-..não pode...ela ainda está descansando...” estava arranjando uma desculpa e parou de falar assim que ouviu passos. Olhei na mesma direção que ele. Minhas pernas fraquejaram ao vê-la.

“Papai? Pensei ter--” Ela parou de falar ao me ver. “Quinn..” meu nome saiu em um sussurro. “Deixe ela entrar papai.”

“Filha, se seu pai souber....ele não..”

“Papai, deixa...eu converso com ele...” Hiram assentiu e me deixou entrar. Ele saiu em direção a cozinha. Aí voltei minha atenção para Rachel. Ela estava pálida. E seu ombro direito até metade do antebraço estava enfaixado. Balas de prata deixam cicatrizes. Por mais rápida que fosse a regeneração, as marcas ficariam. Ela notou que eu estava olhando as ataduras. Ela estendeu a mão esquerda pra mim e disse 'vem'.

Eu segurei e apenas assenti. Ela me conduziu por aquele mesmo corredor no qual nos havíamos nos trombado. Ela abriu uma porta e descemos uma escada no escuro, até ela acender as luzes.

“Seja bem vinda a sala do Oscar.” disse Rachel com um sorrisinho.

A 'Sala do Oscar' era um cômodo enorme que de um lado havia um grande sofá branco, de frente a uma Tv de tela plana. Do outro, havia um palco e ao lado um piano de parede rosa. Sorri ao ver a cor do piano.

“Sente-se Quinn...” Ela já estava sentada no sofá e eu me sentei de frente a ela. Ela suspirou e o semblante se fechou. Eu estava decepcionada com a ideia dela não ter me dito nada, mas eu não conseguia imaginar o que se passava na cabeça de Rachel.

“Rachel, eu preciso conversar sério com você...sinto como se tivesse colocada às escuras em uma coisa que todos parecem saber.”

“Quinn...eu-..eu não sei nem por onde começar...”

“Comece do começo Rachel, quando foi que você percebeu que havia algo de errado..” eu esperava que aquilo não tivesse soado de uma forma grosseira, mas Rachel pareceu fazer menção de dizer algo, mas sacudiu a cabeça e começou.

“A mais ou menos 6 meses atrás...eu comecei a sentir dores de cabeça toda vez que eu me transformava. Eu ficava nervosa e tinha lapsos de memória, a raiva, às vezes parecia estar fora de mim. Às vezes me transformava e quando voltava ao normal eu estava no bosque sem saber como havia ido parar ali. Ninguém sabia. Eu não contava. Finn não percebia e nem meus pais. E isso voltava a acontecer toda noite de lua cheia. Essas falhas na memória é que eram a pior coisa. Eu não lembrava o que tinha feito ou onde estive. E eu tinha medo. Até o dia do ataque com Unique. Eu me lembro, de tudo. Fico enjoada só de pensar que fiz aquilo.” Ela fechou os olhos, inspirou profundamente e continuou. “Depois do ataque eu fiquei arisca e terrivelmente emocional, Santana até me amparou mas eu não tive coragem de contar a ela. Quando soube que estava vindo uma caçadora pra cá e ela trazia uma Fabray, piorei. Meus surtos de raiva aumentaram e as dores de cabeça mais frequentes, e te ver Quinn, foi a coisa mais incrivel mas ao mesmo tempo a mais dolorosa. Depois daquele pequeno 'susto de boas vindas' eu tive febre e todas as vezes que você se aproximava de mim eu me sentia mal. Então pesquisei a respeito e descobri sobre a maldição. Queria muito ir falar com Abuela mas tive medo da reação dela então deixei quieto. Quando soube que você era a minha parceira e que já sabia da maldição, pensei que havia sido descoberta e que me linchariam por descobrir que eu carregava um monstro em mim.” Lágrimas já corriam pelo rosto de Rachel e eu sentia meu coração apertar ainda mais. Eu estendi a mão e limpei as lágrimas dela. Ela segurou a minha mão contra o rosto e eu fiquei com ela lá fazendo carinho, e então ela continuou. “O que me deixou mais aflita foi o cheiro. Eu sempre disfarcei muito bem o meu cheiro e você foi a única que conseguiu rastrear. Eu fiquei com medo quando você disse ontem...eu estava tão feliz que eu esqueci e você sentiu, não queria que associasse uma coisa à outra mas por azar do destino Cassandra July já havia feito isso...e bem, o resto da história você viu...”

Ela acabou e baixou a cabeça. Eu me aproximei e levantei o rosto dela e disse

“Seria muito estranho se eu dissesse que quando te vi pela primeira vez me senti mal e hoje sinto que você é a pessoa que mais me faz bem aqui?” Eu estava tentando fazê-la sorrir em meio a tensão. E ela sorriu. “O que acontece agora Rachel? Porque Sh..porque me disseram que você pode ser expulsa ou até mesmo morta e isso eu não posso permitir e não irei permitir e-..”

Ela me interrompeu, colando os lábios aos meus em um beijo casto. Quando afastou disse:

“Quinn, como alfa eu poderia reverter isso, mas não posso. Não quero conviver com a ideia de ter que ficar inocente por uma coisa que eu cometi. E eu estou muito feliz com o fato de você estar aqui e de que vai ficar aqui comigo...” eu a abracei com força, queria passar segurança, mas estava nervosa. “Hey..vem aqui..”

Nós levantamos e fomos em direção ao piano. Ela sentou e eu sentei logo ao lado dela. Ela começou a dedilhar uma canção e cantar:

There's so much craziness surrounding me
There's so much going on, It gets hard to breathe
When all my faith has gone, you bring it back to me
You Make it real for me
When I'm not sure of my priorities
When I've lost sight of where I'm meant to be
Like holy water washing over me
You make it real for me

And I
I'm running to you baby
You are the only one who saved me
That's why I've been missing you lately
Cause you make it real for me

When my head is strong, but my heart is weak
I'm full of arrogance and uncertainty
But I can't find the words you teach my heart to speak
You make it real for me

And I
I'm running to you baby
Cause you are the only one who saved me
That's why I've been missing you lately
Cause you make it real for me

Oh, everybody's talking in words I don't understand
You've got to be the only one who knows just who I am
You shout it in the distance, I hope I can make it through
Because the only place I want to be is right back home with you

I guess there's so much more
I have to learn
But if you're here with me
I know which way to turn
You always give me somewhere,
somewhere I can run
You make it real for me

And I
I'm running to you baby
Cause you are the only one who saved me
That's why I've been missing you lately
Cause you make it real for me

You make it real for me

Quando ela terminou de cantar, nós estávamos chorando. Eu estava pensando em quão rápido tudo aquilo estava sendo. Em tão pouco tempo aconteceram coisas que nos definiriam para o resto da vida e eu não tinha tanta certeza assim de todas. A única que eu conseguia ver é que eu estava gostando de Rachel e com certeza ela estava gostando de mim. Me aproximei ainda mais dela e ela disse passando a mão no meu rosto.

“Quinn, eu estou com medo...eu posso ter estragado não só a minha vida, mas a sua também...” ela disse baixo, em tom de confissão.

“Estragado a minha vida? E como foi que você estragou a sua..? Rachel você estava sob uma maldição quando atacou Wade..eles têm que levar isso em consideração caso te julguem!”

“Quinn, provavelmente Cassandra vai ficar ressentida com o fato de você ter atacado ela para me defender, fora que ela está no hospital agora e não poderá caçar por um bom tempo. Posso ter tirado de você a identidade que criou nos últimos tempos. Eu não sei se eles considerarão a lenda, a maldição. Além disso tem mais um porém: a sua família.”

“O que é que eles têm a ver com isso?”

“Eles virão atrás de você agora que se transformou. E provavelmente não serão agradáveis.”

“Eu abdiquei da minha família Rachel. Ela agora é quem me tratou bem: Cassandra, Marley e você.”

“Mas no seu sangue, corre o sangue do clã Fabray e o sangue sempre fala mais alto Quinn.”