O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia escrita por André Tornado


Capítulo 25
V.1 Ultrapassado e derrotado.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/287113/chapter/25

Trunks escancarou a boca num enorme bocejo, os olhos meio fechados de sono. Devagar, puxou uma cadeira e sentou-se. Nem conseguia levantar os braços e deixou-os pendurados ao longo do corpo. Uma força desconhecida impedia-o de deitar a cabeça na mesa e dormir.

Ohayo, Trunks-chan!

A voz da mãe soou-lhe distante, como se viesse do outro lado da cidade.

Ohayo’kaasan

Os estudos para os exames estavam a matá-lo lentamente. Bocejou mais uma vez. Já não aguentava mais. Naquele momento, não seria capaz de abrir um livro, ler um parágrafo, resolver um exercício, escrever um apontamento que fosse. Já não se achava capaz de memorizar definições, de decorar matérias, de raciocinar e compreender o que lhe era solicitado. O cérebro, naquele estágio, não passava de uma massa confusa, incapaz de pensar de tão cansada. Estava farto daquilo e ainda lhe faltavam três exames.

Bulma deixou em cima da mesa uma travessa cheia de panquecas perfumadas, que formavam uma torre dourada. Trunks nem reagiu.

– Estiveste a estudar ontem à noite? – Perguntou, voltando à bancada da cozinha onde preparava o pequeno-almoço.

Hai, ’kaasan

– Passaste a noite em branco, não foi?

Hai, ‘kaasan.

– Há quantas noites não dormes?

– Acho que três. Mas ontem dormi um pouco… Não me lembro bem.

Uma chávena enorme cheia de café quente apareceu à frente de Trunks. Bulma passou-lhe a mão pelos cabelos. Ele não se mexeu.

– Então é melhor que bebas isto, para despertares – disse ela com meiguice. – Vais ter algum exame hoje?

– Não – Trunks espreitou o líquido preto que oscilava dentro da chávena.

– Então, podes aproveitar para descansar.

– O exame é amanhã e a matéria é muita. Ainda não a revi toda. Hoje tenho de estudar também.

– Não aguentas outra noite em branco.

– Sou um saiya-jin

– E os saiya-jin não dormem?

Bulma sorria-lhe, deixando na mesa uma travessa repleta de pãezinhos doces e o frasco da compota. Trunks respirou fundo e o aroma forte do café penetrou-lhe pelas narinas, misturado com o das panquecas. Não se podia deixar abater. Se Goten estava a sobreviver àquela provação, ele haveria também de sobreviver. Bebeu um gole do café, sem açúcar. Fez uma careta e espetou um par de panquecas com o garfo, trazendo-as para o seu prato. Regou-as com mel, focando a mente no futuro, no dia em que faria o último exame. Para comemorar, haveria de se divertir até cair, numa saída noturna, daquelas que faziam história. Talvez convidasse para sair aquela rapariga morena, dos olhos azuis, que era da turma de Goten. Achava que se chamava Candy…

A porta abriu-se e Vegeta apareceu na cozinha, sério e com as mãos enfiadas nos bolsos das calças. Bulma cumprimentou-o:

Ohayo. – E deixou no lugar dele uma chávena de café.

Não respondeu, nunca o fazia e Bulma tornou à bancada. Ela já não se importava por ele não lhe devolver os cumprimentos. Nos primeiros tempos, ficava incomodada, achava-o de uma má criação sem igual, mas depois habituou-se ao seu feitio reservado.

Vegeta dirigiu-se para a cabeceira da mesa, em frente ao lugar onde Trunks barrava agora um pãozinho com compota, mas deteve-se ao ouvir uns passinhos pelo corredor e uma voz a chamar por ele.

Otousan!

Bra apareceu na cozinha a saltitar.

Ohayo, ’tousan!

Bra parou ao pé de Vegeta, com os braços abertos. Ele agarrou na filha ao colo, que o abraçou e lhe depositou um ruidoso beijo na face. Vegeta sorriu. Ao ver a cena, Trunks, de boca aberta, deixou cair o pãozinho.

Bulma colocou no lugar de Bra uma tigela com leite e cereais e sentou-se na sua cadeira. Trunks olhou para a mãe, à espera de a ver reagir, mas nada.

Ohayo, Bra-chan. Senta-te e come o pequeno-almoço. Tens de ir para a escola.

Trunks semicerrou os olhos ao observar como Bra escorregava do colo de Vegeta e tomava o seu lugar à mesa, em frente a Bulma. Estava a passar-se alguma coisa na sua casa e ele, alheado por causa dos exames, não sabia o que era. Mas tencionava descobrir, antes de terminado aquele pequeno-almoço.

– Como é que te estão a correr os exames?

A pergunta de Bulma fez Trunks desviar a sua atenção de Vegeta que acabava de se sentar.

– Estão a correr bem – respondeu Trunks, enfiando as panquecas na boca.

– E Goten? Os exames dele também lhe estão a correr bem?

– Não se tem queixado muito – completou, mastigando. – Tem recebido a ajuda de Gohan-san.

– E tu não vais com ele?

– Estudar para a casa de Gohan-san?

– Claro! – Bulma misturou um pouco de leite no seu café. – Gohan tem uma autêntica biblioteca na casa dele. De certeza que terá na sua coleção livros interessantes para o que estás a estudar. Os professores valorizam os alunos que estudam para além da matéria que ensinam nas aulas. Apreciam as inovações. Ser diferente dos demais é o que faz um excelente aluno.

– Sim, vou pensar nisso… – Trunks reparou que Vegeta não se interessava minimamente pela conversa. – O próximo exame, depois do de amanhã, é de matemática e acho que poderei contar com a ajuda dele.

Bulma agarrou na chávena com ambas as mãos. Os olhos ficaram vagos ao lembrar-se do pequeno Gohan.

– Quem diria que um dos filhos de Son-kun iria ser, um dia, um grande matemático.

Vegeta resmungou qualquer coisa. Trunks olhou para o pai. Era raro Vegeta meter-se nas conversas, muito menos quando parecera tão desinteressado.

– Ora bem, há quem não concorde – suspirou Bulma, pousando a chávena de café. – Um saiya-jin deve dedicar-se a tarefas mais nobres e mais úteis que estudar.

– Um saiya-jin não deve estudar? – Perguntou Bra confusa.

– Isto não te diz respeito – avisou Trunks.

– Deve dedicar-se a treinar e a combater – continuou Bulma com ironia. – Deve passar dias inteiros enfiado numa câmara isolada para se tornar mais forte.

Vegeta franziu a testa zangado. Não gostara da indireta.

– Nunca se deve descurar a forma física – respondeu. – Nunca se sabe o que o futuro nos reserva. Vê o que aconteceu depois do torneio do Cell. Além disso, é um desperdício, quando se é… quando se era o maior guerreiro do Universo em potência.

Trunks parou de mastigar o pãozinho que lhe enchia a boca ao escutar o elogio do pai. Mesmo que tivesse sido de uma maneira insinuada, era um acontecimento, pois era raríssimo Vegeta elogiar alguém, muito menos alguém ligado a Goku.

– E o que interessa ser o maior guerreiro do Universo – perguntou Bulma escolhendo um pãozinho –, em tempo de paz? Pelo menos a estudar, Gohan está a fazer aquilo que mais gosta e não aquilo a que se sente obrigado.

Vegeta cravou um olhar cortante em Trunks. Este enfiou duas panquecas na boca para evitar responder a alguma coisa. Bulma percebeu o que Vegeta estava a insinuar. Corou de tão irritada.

– Trunks estuda porque quer estudar e não porque está a ser obrigado.

– É assim, não é? – Perguntou Vegeta.

Trunks tremeu. Tinha a boca cheia de panquecas, mas a maneira como Vegeta o olhava implicava que teria de responder. Gaguejou:

– Eh… Hai… Eu acho que…

’Tousan, tenho uma surpresa para ti! – Interrompeu Bra com alegria.

A irmã salvou-o e Trunks respirou de alívio, engolindo as panquecas quase inteiras. Para ajudar a empurrar, bebeu o café de seguida. Ainda bem que Bra era tão inoportuna e intrometida.

– É mais um presente – explicou Bra. – É um desenho que fiz na escola ontem. Ficou muito bonito.

Bra ia levantar-se da mesa, mas Bulma ergueu um braço.

– Não, depois do pequeno-almoço. Primeiro, acabas de comer.

– Mas eu queria mostrar o desenho onde estamos os dois a brincar!

– Depois.

– Brincas muito com o pai? – Perguntou Trunks em surdina.

– Todos os dias.

– Todos os dias?! – Admirou-se, elevando a voz com a surpresa.

Vegeta escondeu um sorriso com a chávena que levou à boca, mas Trunks reparou no ar divertido do pai. Franziu o sobrolho.

– E brincam a quê?

– Brincamos aos saiya-jin!

Trunks estranhou. Olhou para o pai e não o conseguiu visualizar a brincar com a irmã, uma menina mimada de sete anos. Depois recordou-se daquela noite em que tinha estado com a Maron e com Goten, em que a rapariga lhes contara que Bra brincava com Pan, a filha de Gohan-san, e que brincar significava lutar. Tornou a olhar para o pai que bebia descontraído o café e perguntou-se se Vegeta teria concordado, num dia sem exemplo, em lutar com… Bra? Nem conseguiu imaginar a cena corretamente.

Bulma disse:

– Sabes quem encontrei ontem no centro comercial, Vegeta?… A Maron!

– Hum…

– Quando é que a Maron-san vem outra vez brincar comigo? – Perguntou Bra.

– Não sei. Talvez quando o teu pai se decidir a convidar-me para sairmos.

Vegeta engasgou-se.

– Convidar-te para…?

Hai. Porque será que sou sempre eu a convidar-te?

– Ora… Porque…

– Eu também gosto que se lembrem que existo – interrompeu Bulma, sem olhar para ele, cortando um pãozinho ao meio.

– Tenho saudades da Maron-san – lamentou-se Bra.

Trunks notou como o leve rubor que subira à cara de Vegeta desapareceu quando disse:

– Está bem. Para a próxima, serei eu a convidar-te.

– Espero que seja ainda este ano – atirou Bulma sarcástica.

– Descansa, que não faço os meus inimigos esperar tanto tempo.

– Ah! – Foi a vez de Bulma corar. – Que descaramento! Desde quando somos inimigos?

– Desde sempre, acho eu.

– Gostei muito de brincar com a Maron-san naquela noite – continuou Bra afundando os cereais no leite com a colher. – Foi tão divertido, com o nii-chan e com Goten-san…

Ao ouvir aquilo, Trunks espirrou o café que tinha na boca. Vegeta e Bulma olharam para ele ao mesmo tempo. Ao ver o que o filho fizera, Bulma explodiu furiosa:

– Trunks-kun! Mas que bicho te mordeu?

Gomen nasai, ’kaasan… – pediu Trunks com humildade, encolhendo-se no lugar, pois a mãe era perigosa quando estava irritada.

Nii-chan!

Voltou-se para a irmã, mostrando os dentes:

– Cala-te!

Bulma indignou-se:

– Mas o que raios se passa aqui? Estás a ameaçar a tua irmã, porquê?

Bra desatou a choramingar. Vegeta suspirou enfadado. Detestava discussões familiares, eram demasiado insignificantes para merecerem a sua atenção. Recostou-se na cadeira, bebericando o café, alheando-se da confusão.

– Trunks-kun está a ser mau para mim – queixou-se Bra. – Só porque eu contei que ele e Goten estiveram a brincar comigo, naquela noite em que foste ao cinema com o pai.

Trunks bateu com a mão na testa. As coisas só estavam a piorar.

– Tu estiveste cá em casa, nessa noite? – Indagou Bulma admirada. – Mas eu chamei a Maron porque tu não podias cuidar dela. Tinhas ido estudar com Goten-kun, não foi?

– A Bra está a fazer confusão – tentou explicar Trunks.

Mas a miúda insistiu:

– Não estou nada a fazer confusão! Tu estiveste cá em casa, com Son Got…

– Cala-te!

– Não me calo!

– Se não paras de falar, conto o que andas a fazer com a Pan!

Bulma olhava alternadamente para os filhos, com uma expressão aparvalhada de quem não estava a perceber nada. Vegeta estava de olhos fechados.

– Não contas, não!

Bra pôs-se em cima da cadeira, com os cabelos que se desprendiam do rabo-de-cavalo eriçados. Olhava ameaçadora para o irmão, exibindo o punho direito fechado, o braço esquerdo preparado, em posição de ataque.

– Bra! Senta-te! – Ordenou Bulma autoritária.

Em vez da miúda se sentar, foi Vegeta que se levantou.

– Tu não me dás ordens! – Exclamou Trunks levantando-se também. – Não passas de uma fedelha de sete anos!

– Não sou nenhuma fedelha!

– Não me respondas. Deves-me respeito, sou o teu irmão mais velho.

– Não me fales assim. Não gosto quando me falas assim! E tu também me deves respeitar.

– Eu? Porquê?

– Porque sou tão forte como tu!

– Não me faças rir, fedelha. E acho melhor que te cales, pois estás a aborrecer-me a sério.

– Não me mandas calar!

– Trunks! Bra! Acabem com a discussão e sentem-se imediatamente – ordenou Bulma de braços abertos, como se quisesse separar os filhos que se entreolhavam zangados. – O que é que se passa entre a Bra e a Pan, Trunks?

– As duas lutam uma com a outra.

– Cala-te!!

O berro de Bra foi tão estridente que Bulma tapou os ouvidos com as mãos. Sentiu os tímpanos a vibrar loucamente, mas Vegeta percebeu muito mais que um grito. Ao mesmo tempo que berrava, uma fina aura invisível desprendeu-se do pequeno corpo de Bra, um aumento súbito de ki, igual ao que Gohan fazia quando tinha a mesma idade.

– Hum… Isto está a ficar interessante – comentou.

E o segundo reflexo de Bra, após o berro, foi atirar-se para cima de Trunks. Ele não estava à espera de um ataque e ficou petrificado a olhar para a irmã que dirigia o punho fechado para a cara dele, de dentes cerrados com a ira. Trunks não se mexeu um centímetro. Depois, quando achou que devia ter reagido, foi tarde demais. Bra estava demasiado perto e desferiu-lhe um murro nos queixos com toda a força. Trunks gemeu com o impacto e voou pela cozinha fora. Só parou quando encontrou a parede. Bateu nesta e caiu com espalhafato.

– Trunks! – Gritou Bulma aflita e ia correr para junto do filho, não fosse o braço de Vegeta tê-la impedido.

– Deixa-o estar – disse, seco.

Trunks sentou-se, meio atordoado. O golpe fora bem colocado e com a potência suficiente para o derrubar. Levou uma mão à cara dormente e saboreou o sangue que lhe corria do lábio inferior. Encarou a irmã, furibundo. A seguir, a irritação deu lugar à surpresa ao ver Vegeta juntar-se a Bra. Os dois, como num movimento sincronizado, cruzaram os braços e ficaram a olhá-lo de cima. E Trunks, sem saber bem porquê, não se conseguiu mexer mais e deixou-se ficar sentado.

Bra riu-se.

– Eu treino-me e sou forte e já não sou uma fedelha – disse ela.

Nani?

E explicou:

– Treino-me com o otousan, Trunks-kun. Todos os dias! Estou a aprender a ser uma verdadeira saiya-jin… Ah, e quanto às minhas brincadeiras com Pan-chan… Ele já sabe. Ele e a mãe. Vês? O meu segredo… Deixou de ser segredo há três semanas atrás!

Trunks estava capaz de a esganar. Não gostara do tom presunçoso com que lhe falara, mas não ousara responder, pois via atrás de Bra a presença silenciosa e imponente de Vegeta.

Bra aproximou-se e sussurrou-lhe triunfante:

– Ganhei eu!

Depois deu meia volta, agarrou na mão de Vegeta e perguntou com os olhos faiscantes de alegria:

– Vais levar-me à escola hoje, ‘tousan?

Hai.

Os dois saíram da cozinha, de mão dada. O sangue escorria do lábio de Trunks, um fiozinho sem importância que lhe soube amargamente a derrota.

Não conseguiu dizer nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Lutando para sobreviver.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.