O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia escrita por André Tornado


Capítulo 24
IV.6 Acontecimentos inesperados.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/287113/chapter/24

- Olá! Está alguém em casa?

Lanch parou de limpar a metralhadora. Colocou-a cuidadosamente em cima do sofá, ao lado do pano laranja. Levantou-se e foi abrir a porta da rua. Encontrou Yamucha que, assim que a viu, abriu um grande sorriso.

- Lanch! Não esperava ver-te. Como é que estás?

Ela reparou no amigo inseparável de Yamucha pousado em cima do ombro dele.

- Koniichi-wa, Lanch-san! – Cumprimentou Puar.

- Yamucha!… Meu bandido! – Exclamou ela e afastou-se para deixá-los entrar. – Há alguns anos que não te vejo… O que fazes por estes lados?

- Uma visita a velhos amigos. – Olhou para o sofá à procura de um lugar para se sentar e viu que estava repleto de armas de todos os tipos. Pistolas, revólveres, metralhadoras.

Lanch notou como ele tinha ficado atrapalhado.

- Os meus brinquedos…Estava entretida a cuidar deles. Anda, vem sentar-te aqui.

E com o seu jeito desajeitado, Lanch indicou uma mesa alta, feita de madeira tosca, rodeada de quatro cadeiras, onde ela, Ten Shin Han e Chaozu partilhavam as refeições. Yamucha sentou-se numa das cadeiras, apoiando o braço direito na mesa. Puar sentou-se noutra cadeira.

Lanch foi até um armário buscar três copos e uma garrafa. Deixou-os em cima da mesa, abriu a garrafa e serviu a bebida. Yamucha observou-a. Os anos tinham passado desde a primeira vez que a vira, mas ela mantinha ainda o seu ar rebelde e decidido. Os olhos verdes continuavam fascinantes, emoldurados por aquela sedutora cabeleira loira. O amigo não estava mal acompanhado! Só que, existia o reverso da medalha… Lanch, para além de bela, era também uma mulher estranha quando tinha aquela personalidade. Depois de espirrar, era outra história, mas até espirrar poderiam passar-se meses.

- Estás com sorte, Yamucha – disse Lanch puxando uma cadeira para si, sentando-se. – Ten Shin Han não tem ido treinar para as montanhas, neste últimos dias. – Agarrou no copo e indicou – Tens de beber esta aguardente. É uma maravilha! Encontrei-a há dias… Tu também, Puar. Prova-a!

E Yamucha sabia que esse “encontrar” de Lanch significava “levar sem pedir autorização”. Levou o copo à boca e molhou os lábios. Puar fez uma careta quando provou a aguardente. Bebidas alcoólicas não eram com ele, mas resolveu não protestar. Era importante não contrariar Lanch, que tinha mau génio.

- E onde está ele?

- Ah, deve estar a chegar… deve estar mesmo a chegar. Foi com o Chaozu apanhar lenha.

- E que andas tu a fazer?

- O mesmo de sempre… – E apontou para o sofá onde se amontoavam os seus brinquedos.

Yamucha fez um sorriso pálido. Lanch continuava na sua vida de assaltos e de fugas mirabolantes à polícia. E ela não se sentia velha para isso? Afinal, os seus dias de juventude já tinham passado há muito e a resistência anímica já não seria a mesma. Ele sentia isso, uma espécie de peso e de preguiça, que o levava a acomodar-se e a voltar as suas atenções para interesses mais mundanos.

- Ten Shin Han passa a maior parte do tempo nas montanhas, a treinar sem parar – lamentou-se Lanch e tornou a encher o seu copo e o copo de Yamucha que estava ainda cheio. – Desaparece durante meses a fio! E depois, recusa-se a ajudar-me. Nem sei como é que continuo aqui.

Puar e Yamucha entreolharam-se, percebendo onde queria ela chegar. Ten Shin Han já uma vez conversara sobre isso – Lanch insistia para que a ajudasse nos seus esquemas, mas ele não estava disposto a participar nos assaltos que ela fazia pelo país. E tinham-se zangado muitas vezes por causa disso. Só que ela era teimosa e de cada vez que se tornavam a encontrar e reatavam a relação, ela voltava-lhe a falar dos seus planos fantásticos para serem ricos.

- Mudemos de assunto! – Exclamou ela jovial. – E que tens feito?

- Oh… Ando por aqui e por ali, divertindo-me – respondeu Yamucha molhando outra vez os lábios.

- Fazes bem. Temos que nos divertir, enquanto podemos. Eu também me divirto… Mas Ten não conhece o conceito. Para ele, a vida tem de ser sacrifício, trabalho, obrigação.

- Mas se é assim que se sente feliz…

- Mas faz os outros infelizes.

- Chaozu nunca me pareceu infeliz.

- Chaozu não se atreve a contrariá-lo. – Lanch encheu outro copo para si e observou: – Então, não bebes?

- Bebo, bebo… – Yamucha bebeu a aguardente de um trago.

Ela encheu-lhe novamente o copo. Puar franziu o sobrolho. Ela bebia a aguardente como se fosse água e, não tardaria muito, estaria bêbeda.

Escutaram-se passos lá fora. Lanch levantou-se foi guardar a garrafa de aguardente no armário.

- Já chegaram – anunciou.

A porta abriu-se e entraram Ten Shin Han e Chaozu. Nas mãos dos dois havia grandes feixes de lenha boa para arder.

Depois de ter pousado a sua carga, Ten Shin Han abraçou Yamucha.

- Meu bom amigo!

- Que bom voltar a ver-te, depois de todo este tempo.

Ten pediu-lhe que esperasse um pouco, enquanto ia arrumar as carradas de lenha na arrecadação da casa, dizendo a Chaozu que lhes fizesse companhia. Lanch voltava aos seus brinquedos que deixara no sofá, agarrando no pano laranja e numa metralhadora da impressionante coleção de armas.

Regressado à cadeira, ao lado de Puar, Yamucha começou a brincar com o copo. Chaozu acercou-se de um pequeno fogão a lenha que existia num canto da sala. Mexeu-se com destreza na exígua cozinha, separando as ervas para a infusão, misturando-as com especiarias. Quando a água ferveu e a tisana estava pronta, agarrou na chaleira fumegante e deixou-a sobre a mesa. Levantou os três copos sujos, retirou cinco chávenas do mesmo armário onde Lanch escondia a garrafa da aguardente.

Yamucha observava Chaozu, o eterno companheiro de Ten Shin Han. Nele não se notava a passagem do tempo. Quantos anos tinham sido? Vinte e cinco, trinta? Talvez… Yamucha já não se recordava com exatidão. Fora naquele torneio em que ele partira a perna direita… Fora então que os conhecera, Chaozu e Ten Shin Han. Apesar das rivalidades que tinham existido no início, tornaram-se amigos. Muito amigos. O tempo e os combates tinham ajudado a cimentar essa amizade.

Chaozu serviu o chá dizendo:

- Esta mistura foi inventada por mim. Espero que seja do vosso agrado.

- Hum! Cheira muito bem – elogiou Puar na sua maneira delicada de falar, observando o líquido castanho-escuro que fumegava na chávena.

Chaozu foi buscar um prato que encheu de bolos de arroz.

Distraído com o pequeno Chaozu, Yamucha lembrava-se do passado, das aventuras. Apesar de parecer eterno, Chaozu já tinha morrido, em duas ocasiões. A primeira tinha sido quando Piccolo Daimao quisera tomar o mundo. A segunda vez tinha sido no combate contra os terríveis saiya-jin, Nappa e Vegeta. Yamucha sentiu uma dor nas entranhas, a mesma ferroada incendiária que experimentara nessa ocasião. Também ele tinha perdido a vida no combate contra os saiya-jin. Mas Shenron e Porunga tinham-lhes devolvido a vida, com a ajuda das bolas de dragão. Depois desse combate contra os saiya-jin, só durante o torneio do Cell tinha voltado a utilizar as suas artes marciais. Nunca mais o fizera, ao lado de Son Goku. A sua força já nada representava, por comparação a ele. Claro que era um homem forte em relação à maioria dos lutadores do planeta, mesmo em relação à lenda, Mr. Satan. Chegara a participar em alguns campeonatos menores de artes marciais, que davam algum dinheiro e sempre se distraía. Mas deixara-se disso há alguns anos. Sentira-se, de repente, velho e ultrapassado.

Uma mão pousou-lhe no ombro.

- Então, companheiro? Perdido nas memórias?

Ten Shin Han sentava-se numa cadeira, ao seu lado. Sentiu-se melindrado por ter sido surpreendido em devaneios mais profundos e Yamucha atirou, aspirando o aroma apimentado do chá:

- Acho que é das coisas que vêm com a idade. As memórias…

Lanch escolheu finalmente a metralhadora que queria, agarrou em dois pesados cinturões de munições, colocou-os a tiracolo e anunciou:

- Como sei que têm muito que conversar, vou dar uma voltinha. Estou lá fora, a praticar a pontaria.  

Fechou a porta atrás de si com estrondo. Chaozu, agarrado à chávena com ambas as mãos, suspirou.

- Ela não irá mudar nunca – apontou Ten, abanando a cabeça.

- A velha Lanch… Pelo menos, já sabes com o que contar.

- Temos os nossos problemas. Os de sempre, o que chega a ser aborrecido, pois acabamos por repisar os mesmos erros. Afasto-me, mas ela regressa, implorando-me que acredite que finalmente mudou. Não me importo de partilhar com ela o mesmo teto, mas ela importa-se que eu não a queira seguir nos seus esquemas diabólicos. Depois, embirra com os meus treinos.

- Ela falou-me, há pouco, dos teus treinos – confirmou Yamucha.

- É uma mulher impossível. – Ten Shin Han recostou-se na cadeira, pensativo. – Mas quando espirra, torna-se completamente diferente e… e até chega a ser uma excelente companhia.

- Por isso, voltas. Gostas dela, pelo menos quando deixa de ser loira.

Ten corou. Chaozu sorveu um pouco do chá, indicando que o assunto aborrecia-o. Puar reparou, mas Yamucha não. Perguntou, para mudar de assunto:

- Ainda continuas a treinar como antes?

- Nunca deixarei de treinar. Os treinos são muito importantes, tanto para o corpo, como para o espírito.

- Se calhar, são – disse Yamucha envergonhado.

- Continuas a descurar os treinos.

- Nunca mais me treinarei como antes. Não vale a pena. Os meus dias de glória já lá vão.

- É uma forma de te manteres ocupado, com algum objetivo.

- Os meus objetivos já não se relacionam com as artes marciais.

- E quais são os teus objetivos?

Encolheu os ombros.

- Vou andando por aí… Visitando os amigos. Namoriscando, divertindo-me.

- Não me percebas mal, amigo – explicou Ten Shin Han sério. – Um dia, há muito tempo atrás, treinava-me para ser o maior lutador de artes marciais do mundo. Acho que o cheguei a ser, quando ganhei o Grande Torneio. Agora, continuo a treinar-me, mas com outro objetivo, que não considero menos importante.

- E qual é?

- A perfeição espiritual.

- Invejo-te, Ten Shin Han. Ainda acreditas nas artes marciais e no seu poder.

- Se não o fizer, a minha vida perde o sentido.

Em seguida, não disseram mais nada e ficaram os quatro calados, cada um a olhar para o fundo das suas chávenas vazias. Chaozu levantou-se a dizer:

- Vou servir-vos mais chá.

Nisto, um berro cortou o ambiente, vindo do exterior.

- Ten!!

Ten Shin Han levantou-se preocupado.

- É Lanch!

Yamucha também se levantou e olhou para a porta da rua.

- Sim, é a voz de Lanch – disse. – Mas o que terá acontecido para ela…

- Ten!!! Ten!!

Os gritos aflitos dela soaram mais alto e ele calou-se, arrepiado.

Deveria ser alguma coisa realmente grave para Lanch gritar daquela maneira, pensou Yamucha, pois aquela mulher não se assustava com nada e fazia frente a qualquer perigo sem pestanejar. A não ser, claro, que tivesse espirrado e se tivesse transformado na adorável morena que mexia com os sentimentos do amigo.

Ten Shin Han abriu a porta de par em par e saiu a correr. Yamucha foi atrás na mesma correria, tão ou mais intrigado do que ele com os gritos de Lanch.

- Ten!! Vem cá depressa!

Na orla do bosque, junto a alguns arbustos, Lanch agachava-se, ainda com os cinturões de munições a tiracolo e com a metralhadora pousada no chão. Ten juntou-se-lhe. Ela não tinha espirrado, verificou Yamucha, ao reparar na cabeleira loira e ondulante dela, pelo que o mistério daquela berraria adensou-se. Parou ao lado de Ten Shin Han que perguntou:

- O que foi? Porque é que estás a gritar assim?

Chaozu e Puar juntaram-se a eles, ofegantes.

A cara de Yamucha crispou-se quando viu, no meio dos arbustos, um vulto enegrecido, estendido na folhagem que forrava o solo castanho.

- Mas o que… – Chaozu sufocou um grito quando viu o que Yamucha vira.

Ten Shin Han também olhava sem articular palavra, assim como Puar. Lanch disse:

- Está aqui alguém.

- Temos de o ajudar. – Ten ajoelhou-se perto do vulto, todo enrolado, deitado assente no lado esquerdo. – Está muito ferido. Se o deixarmos aqui, poderá morrer.

- E não estará já morto?

- Não sei…

- Olhem! – Exclamou Yamucha apontando para o que lhe pareceu ser a cabeça do vulto. – Mexeu-se!

- Tens a certeza?

- Se se mexeu, então não está morto – concluiu Lanch.

Ficaram à espera que se mexesse novamente, mas não voltou a acontecer. O corpo permaneceu imóvel durante longos segundos, em que se escutou apenas o marulhar do vento nas árvores e o bater dos corações de cada um.

- Vamos, não podemos perder mais tempo – disse Ten Shin Han. – Temos de o levar imediatamente para casa, senão não sobrevive. Ajuda-me, Yamucha! E tu também, Chaozu.

Chaozu obedeceu e sem pestanejar aproximou-se de Ten e de Lanch. Yamucha correu para o sítio onde estava a cabeça do rapaz. Agora que observavam melhor, percebia-se que não passava de um rapaz.

- Eu também ajudo – anunciou Lanch decidida.

Assim que o levantaram, o vulto gemeu. Estava muito queimado e muito ferido, com inúmeras chagas por todo o corpo. Não lhe deviam restar muitas forças.

E foi assim que Toynara foi salvo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Ultrapassado e derrotado.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.