Capítulo 30 - Absolutamente nada

Estiquei meu corpo na cadeira de madeira esfregando os olhos para tentar espantar um pouco do sono. Não eram nem sete horas da noite e eu estava acabada.

– Depois de cento e quinze questões de álgebra eu nunca mais quero ver um número na minha vida - Gemeu Milla com o rosto afundado entre os braços apoiados na mesa.

– Pelo menos nós fizemos juntas e temos a sorte de ter a Sophie e a Melody como amigas pra resolverem esses exercícios do demônio - Violette era a que parecia mais animada.

Nosso professor substituto de álgebra tinha passado uma lista pra acabar com qualquer um para todos as turmas, até eu tinha ficado com preguiça de resolver todos aqueles exercícios sozinha. Violette sugeriu no final da aula que fôssemos para minha casa fazer juntas e as outras duas concordarem imediatamente.

Quando indaguei porque minha casa, ela respondeu na cara dura:

– Porque sua casa é legal, é enorme.

Nós almoçamos em um restaurante do subúrbio - subúrbio! - e eu liguei para John nos buscar. Nem preciso dizer que elas ficaram empolgadas desde o instante em que a limousine virou a esquina até o momento em que chegamos na minha casa.

Passamos o dia na parte de fora da casa, onde Ashley tinha planos de construir uma piscina. Por enquanto o local era apenas grama, um jardim bem cuidado com algumas cadeiras e mesas com guarda sol.

Ninguém tinha vindo nos incomodar, então presumi que Ashley e David não estava em casa. Blake eu não sabia, ele não era do tipo que chegava para me irritar quando outras pessoas estavam presentes, mas também não tinha o visto chegando da escola.

– Cadê o seu irmão gato, Sophie? - Violette ergueu as sobrancelhas maliciosamente e nós rimos.

– Não sei, se ele ainda não chegou deve estar se drogando por aí.

Elas riram novamente.

– Já são quase sete horas - Melody disse olhando em seu celular.

– Acho melhor nós irmos embora.

– Eu falei que se vocês quisessem dormir aqui, tudo bem.

– Minha mãe vai me matar se eu não chegar lá antes das oito.

– Eu tenho que sair com meu pai para ver umas coisas do novo apartamento - Violette falou enquanto arrumava seus materiais.

– Eu combinei de sair com Nate - Milla sorriu sem graça.
Violette fez barulho de tosse forçada.

– Aproveite a noite com Nate - disse para Milla arqueando as sobrancelhas quando elas já estavam saindo pela porta da frente.
Depois que elas foram embora fui tomar banho e vesti uma roupa confortável.

Sorri para a televisão, contente com a maratona de Grimm que passava na NBC. Afundei no sofá em meio aos travesseiros e a coberta, acompanhada de um saco de pipoca amanteigada que eu mesma tinha preparado.

Sim, eu preparei minha comida. Tudo bem que era pipoca de microondas, mas se quer saber eu fiquei tediosos minutos vendo os segundos passarem no marcador do microondas.

Era a primeira vez desde que eu me mudara pra Londres que eu ficava com a casa toda só para mim. Sempre tinha algum empregado ou Blake, mas ele parecia que não voltado mesmo.

A porta abriu com tudo e eu pulei no sofá vendo Blake chegar girando a chave da moto no dedo.

É só falar, no caso pensar, no diabo que ele aparece.

– Onde você estava? - perguntei apertando os olhos.

– Oi Sophie, tudo bem com você? Comigo está tudo ótimo, obrigado por perguntar - Sorriu sarcasticamente caminhando em direção a cozinha.

Revirei os olhos.

– Estava com alguém?

– E por que isso seria do seu interesse? - falou alto para que eu pudesse escutar.

– Estava com a Lizzie?

Ele reapareceu no meu campo de visão, saindo da cozinha terminando de mastigar alguma coisa. Deu aquele sorrisinho irritante e se sentou do meu lado se jogando com tudo no sofá.

– Ei! - Reclamei quando a pipoca quase caiu.

– O que você está assistindo? - falou, ignorando a minha pergunta.

Cruzei os braços e voltei a prestar atenção na TV.

– Não me ignore.

– Você me ignorou primeiro! - falei como uma criança mimada.

– E se eu estivesse com ela?

– Você estava? - Virei para olhá-lo, minha irritação aparente. - Blake, voc-

Em um segundo eu gritava com Blake e no outro ele tinha encostado sua boca na minha com força. No susto deixei o balde de pipoca cair no chão e tudo esparramou-se pelo carpete.

– Deus! Só assim pra você calar a boca. - Falou pegando o controle da TV

Fiquei um tempo parada apenas absorvendo o que acabara de acontecer até Blake mudar o canal.

– Ei! Eu estava assistindo.

– Cara eu amo esse filme. - Disse me ignorando mais uma vez e aumentando o volume da TV.

Olhei para o chão e vi a pipoca, fruto do meu trabalho, esparramada pelo carpete.

– Idiota! Olha o que você fez, eu não vou limpar isso. - Falei apontando para a bagunça.

– Você que estava com o balde na mão, você limpa. Mas pense pelo lado positivo, a Ashley vai ficar louca quando ver essa mancha de manteiga no carpete. - Falou sem desviar os olhos da televisão.

Ri de seu comentário e me aconcheguei melhor no sofá para assistir o filme que já estava na metade. Eu olhava para Blake e via seus olhos brilhando com as cenas de guerra e morte. Passados uns vinte minutos eu não aguentei.

– Que filme horrível. Só tem gente se matando e sangue voando pra todos os lados.

– Deixa de ser fresca Sophie.

– Não estou sendo fresca. Isso é que é ridículo.

– Isso não é ridículo, isso é Esparta.

Apenas revirei os olhos e decidi arrumar aquela bagunça no chão.

Ainda tive que aguentar as reclamações da criatura quando e me direcionei à cozinha e passei na frete da TV.

– Você ainda não respondeu minha pergunta. - Gritei da cozinha.

– Por que esse interesse todo em saber com quem eu estava? Até onde eu sei você tinha se dado bem com a Lizzie.

– Então você admite que estava com ela? - Disse colocando minha cabeça pra fora do cômodo.

– Eu não estava com a Lizzie. Eu estava com a turma, o que inclui a Lizzie.

– Você estava com a Lizzie!

– Por que esses ciúmes agora Sophie, você tem medo que ela possa me agarrar?

– Eu sei que ela não vai te agarrar, já não posso dizer o mesmo de você. - Disse já subindo as escadas.

– Sabe Sophie, ao contrário de você, eu não saio beijando qualquer um.

Parei no meio da escada e virei para encara-lo.

– O que quer dizer com isso?

– Você já ficou com o Jason e nem por isso eu fico fazendo drama quando vocês dois se encontram, até porque nós não temos nada - falou finalmente voltando sua atenção para mim.

Fiquei parada por um tempo tentando absorver o choque de suas palavras. Não é como se eu não soubesse que não tínhamos alguma coisa, mas ele não precisava jogar na cara.

– É você tem razão, nós não temos nada - disse tentando soar confiante subindo o resto dos degraus em direção ao meu quarto.
Já deitada na cama pude ouvir o barulho da TV sendo desligada e o som da porta do quarto de Blake batendo.

A semana passou arrastando, dando a impressão de ter sido a mais lenta do ano. Faltavam apenas algumas semanas para o recesso de Natal e sinceramente eu não via a hora de um descanso para me acalmar da correria que eu estava vivendo nesses últimos meses.

Então eu me lembrava que eu passaria o feriado com Ashley, David e Blake e a ansiedade pelo feriado diminuía quase totalmente. Esse Natal seria no mínimo desastroso.

Eu vinha pensando diversas vezes na hipótese de passar o Natal em Doncaster com Annie e Dallas. O grande porém que impedia isso era conseguir a aprovação do meu pai.

Desci as escadas apressadamente, tinha demorado muito penteando meu cabelo. Arregalei os olhos ao cruzar a porta e ver Ashley e David tomando café da manhã calmamente, como se não tivessem sumido por uma semana dizendo estarem muito ocupados com o trabalho.

Sentei no meu lugar de costume, em frente Blake que também não parecia à vontade.

– Bom dia - murmurei sem olhar para nenhum deles.

Arrisquei olhar para David que bebia café. Eu não sabia quando eu o veria de novo, aquela era minha oportunidade para perguntar se eu podia ir para Doncaster, mas com a Ashley ali não dava.

– Hum, pai...?

E o meu medo dele me ignorar como estava fazendo desde nossa última discussão?

– Sim, Sophie.

Olhei para baixo quando vi que todo mundo na mesa me encarava. Respirei fundo e levantei minha cabeça.

– Eu posso conversar com o senhor quando terminar seu café? Só nós dois.

– Para?

– Por favor, pai - supliquei sabendo que se eu falasse que era pra pedir alguma coisa ele já iria ficar com o pé atrás e Ashley iria inventar uma desculpa para não conversarmos.

A vi franzir a testa curiosa e irritada.

Meu pai ergueu a sobrancelha e deu um aceno com a cabeça voltando a comer.

Quando acabou de beber seu café, levantou-se e fez um sinal para eu ir junto. Dei uma última olhada para trás vendo Ashley me fuzilando com o olhar.

– Então? - disse ainda de costas para mim.

Estávamos na sala e eu sabia que se falasse em um tom alto Ashley e Blake conseguiriam nos escutar.

– Eu sei que não estamos em nossa melhor fase, pai - Desviei o olhar quando ele virou-se para mim. - queria dizer que você ainda é uma das pessoas mais importantes da minha vida.

– Sophie, eu nunca duvidei disso - Ele se aproximou com a testa franzida.

– Vai parecer forçação de barra, mas eu poderia, por favor, passar o Natal em Doncaster com Dallas e Annie?

A expressão de preocupação fraternal em seu rosto ficou severa e eu prendi o ar.

– Esse é o primeiro Natal que vamos passar com nossa nova família, não posso deixar que você vá para Doncaster. Não esse ano.

Suspirei derrotada. Pelo menos não tinha sido um desastre como pensei que seria, papai tinha conversado comigo de uma forma delicada até.

– Tudo bem - Não estava nada bem.

Virei para pegar meus materiais antes de ir pra escola.

– Filha.

– Sim, pai?

– Eu te amo, sabe disso, certo?

Depois desses meses eu tinha minhas dúvidas quanto a esse amor, mas não queria brigar e sentia falta da minha amizade com David.

– Claro que sei.

Antes de sair dei um beijo em sua bochecha.

Aspirei o ar gelado da manhã sentindo como se o peso da Terra tivesse saído das minhas costas.