Os ares da casa de Miranda eram reconfortantes pra mim. No fim da tarde de sábado, quando eu cheguei a fazenda, Elena e Sofia já estavam aqui, com Heitor e Bonnie. Eu vim sozinho, e encontrei a casa cheia de risos. Risos que foram calados assim que passei pela porta. É ruim se sentir o estraga prazer do pedaço, e era exatamente assim que eu me sentia.

Como Heitor estava aqui Elena e eu tínhamos que fingir ser o casal perfeito. Iríamos dormir no quarto dos pais dela, por pura e total pressão de sua mãe, que insistia que era o melhor quarto da casa. Sofia e Bonnie estavam dividindo o antigo quarto de Elena e Jeremy estava pra chegar e fazer companhia a Heitor nas novas instalações da casa.

Já era noite alta na fazenda, e estávamos todos desfrutando de uma acalentadora fogueira, embalados por música bem ao estilo Gray. De certa forma eu me sentia bem como a meses. Esse lugar tinha o poder de me fazer esquecer muitos problemas, e me trazia lembranças boas, muito embora agora elas começassem a ser incômodas.

Uma agitação no portão da frente chama a nossa atenção e Sofia se sobressalta.

–Tenho uma surpresa pra você papai. Gente da sua idade. - ela pisca pra mim e um arrepio percorre meu corpo. Santo Deus! Aí vem coisa.

Ao longe eu vejo um belo casal saltar de um impala 67. Robert e Hayley. No momento que olho pra minha esposa, o olhar dela está em mim, mas de uma maneira acusadora, o que me faz, na defensiva, dar de ombros.

Ah Sofia! Ela vem até nós guiando o tia e a namorada até nós.

–Achei você. - Robert fala e logo cumprimenta a todos, e o mesmo faz Hayley.

–Sejam bem vindos! - diz Miranda.

–Obrigada! - Hayley puxa Robert e sentam ao meu lado. Elena está no lado oposto, perto da mãe. Bonnie fica me olhando tão sugestivamente que eu até sei o que ela deve pensar, o mesmo que Elena, quem sabe até Miranda. Então, de imediato eu tento deixar claro que não é bem assim.

–O que estão fazendo aqui? - pergunto ao meu irmão.

–Pai! - Sofia me fuzila com o olhar. E eu lhe devolvo um que lhe diz:"Não se meta, estou tentando me livrar do problema que você me meteu." - Ela revira os olhos.

–Sofia convidou a Hayley. - Robert diz confuso e eu encaro ela mortalmente.

–Verdade? - pergunto e ela dá de ombros.

–Tio Robert nunca veio aqui. E acho a fazenda maravilhosa demais pra não compartilhar. Além do mais são todos da família e, em breve, Hayley será minha tia. - diz triunfante.

–Ou madrasta. - Hayley fala e eu a fuzilo desta vez.

–Já sou casado. - digo.

–Eu sei. - ela sorri. - Elena sabe reconhecer brincadeiras, não se preocupe. Certo, Elena? - eu realmente desejo não ouvir mais a partir de agora.

–Mesmo não tendo seu senso de humor, eu consigo rir de você Hayley. Deve ser um bom sinal.

Alerta vermelho! Grita uma vozinha dentro de mim.

–Que tal entrarmos e acomodarmos vocês? - oferece Mirada.

–Não queremos dar trabalho, se não estávamos sendo esperados...

–Ora querido, em outra época seria de fato um problema, mas agora a casa é bem grande. Graças ao seu irmão. Você é sempre bem vindo.

–Vou com você mãe. - Elena anuncia.

–Elena, está cedo. - Sofia reclama.

–Grávidas cansam rápido.

–Com certeza. - acode Bonnie. - Por isso acho que vou com vocês.

–Sério? - Sofia birra. Mas a música está ótima.

–Acho que é hora de recolher as botas. - diz o homem com o violão. - Ainda temos coisas a fazer amanhã.

Minha filha birra, mas ao final, todos nos recolhemos. Miranda acomodou Robert e Hayley num quarto de casal do térreo da casa, Heitor continua no seu, a espera de Jeremy, que deve aparecer amanhã e Miranda, bem, eu não sei exatamente onde ela se esconde, mas ela está em algum lugar da casa.

Fico conversando com meu irmão mais velho um bom tempo antes de ir enfrentar minha fera. É suspirando que me despeço de Robert e subo até o quarto. Elena já está deitada, e ao lado da cama uma almofada e alguns lençóis me esperam. Sigo pro banheiro, tomo um banho rápido pra me livrar da fumaça impregnada em meu corpo, escovo os dentes, me visto e saio. A luz na cabeceira da cama está acesa, então concluo que ela está acordada. Me acomodo como posso no chão e deito olhando pro teto.

Eu tenho que falar!

–Vai ficar tudo bem?

–O quê? - ela responde depois de um tempo.

–Você e a Hayley aqui.

–O que tem? - bufo.

–Vamos lá Elena... Você não vai muito com a cara dela.

–Está tudo bem.

–Eu só queria saber o motivo que tanta implicância, ela é...

–Está tudo bem, Damon! - ela enfatiza quase gritando, e fecho meus olhos enquanto respiro fundo.

–Percebo. - digo e de viro, ficando de costas pra cama. - Boa noite, Elena!

–Boa noite! - diz em tom impaciente. Depois de uns minutos a luz no quarto diminui e leva mais alguns pros meus olhos se fecharem.

...........................

–Você está mal humorada esta manhã. - minha mãe fala especulativa.- Não dormiu?

–Algo no colchão.

–Hum! Vou mandar trocar. Damon passou aqui hoje cedo se queixando das costas. e agora você.

–Mãe, você sabe que Damon está dormindo no chão. Você pode arrumar algo pra ele ficar confortável se quiser, quanto a mim, vai melhorar. É só questão de tempo.

–As costas ou o seu ciúme? - a encaro impaciente e ele ergue as mãos em gesto rendido enquanto termina a louça do primeiro grupo que tomou café. Damon, Hayley, Heitor e Robert.

–Onde eles estão?

–Passeio a cavalo. A moça foi com o seu. Ela monta bem.

–E canta. - ela me olha risonha. - Não fala nada.

–Eles vão cantar juntos mesmo?

–Damon não canta, mas toca.

–E toca bem?- suspiro. É muito lindo!

–Sim!

–Miranda, eu esqueci de pegar... - ele paralisa quando me vê. - Bom dia, Elena!

–Bom dia. - falo sem olhar pra ele.

–Está aqui, querido. - minha mãe fala e passa pra ele um copo cheio com uma vitamina bem reforçada.

–Obrigado! - ele diz e começa a beber o líquido diante de nós.

–O sol vai ficar muito quente... - Hayley entra neste minuto dá uma boa gargalhada. - Meu Deus, você acabou de comer. - ela diz.

–Vitamina nunca é demais. - Damon e eu falamos juntos e vejo os olhos deles arregalar, como provavelmente o meu está. Minha mãe tenta prender o riso, mas falha e nós a encaramos.

–Lembro da época que seu pai detestava o fato de você completarem as frases um do outro. Se falar em você toda cuidadosa quando a vitamina do Damon.

–Agora parece que esta é sua função mãe. - falo com o intuito de ferir e acho que consigo, encaro Damon e ele está com o cenho franzido. - Vou acordar aquelas duas, estou faminta. - digo antes de sair. O dia está só começando.

........................................

–Ela acordou de mal humor, não liguem. - Miranda defende e eu suspiro.

–Dá pra você terminar logo esta vitamina? O sol vai ficar muito quente. - Hayley insiste.

–Porque você é tão insuportável? - pergunto.

–Pelo menos eu não costumo dever aos outros.

–Ah, e o que eu te devo?

–Um Armani, primeira linha. - sorrio.

–Ok, ponto pra você. - Miranda está nos olhando confusa.

–Estraguei um vestido dela uma vez. - explico.

–Na verdade ele me deu um banho de suco de laranja. - sorrimos.

–Bom, isso é bem sério, Damon. Você deve a moça um vestido. - elas piscam cúmplices.

–Acho que sim.

–Vamos logo! - Hayley me puxa pelo braço.

–Obrigado Miranda!

–Disponha!

Do lado de fora Robert nos espera com os cavalos, ao lado de Heitor e um capataz.

–Por onde a gente começa? - Heitor quer saber animado.

–Vamos pro rio.

...........................

–É quase hora do almoço. Onde estão aqueles dois? - Sofia pergunta ao namorado. Robert e Heitor voltaram do passeio matinal, mas Damon e Hayley não.

–Bem, eu estou faminta e grávida. Não vamos esperar mais.- falo emburrada e todos me olham como se eu fosse um e.t.. - Você podem esperar os dois, eu estou com fome. -falo.

–Elena tem razão. Vamos comer. - minha mãe diz.

Todos sentamos à mesa e comemos, ao final do almoço nem sinal dos dois, é apenas perto das duas da tarde que ouvimos os cavalos se aproximarem. Todos estávamos na sala quando os dois entraram.

–O que aconteceu com você? - Sofia pergunta enquanto encara um Damon e uma Hayley com cabelos molhados e roupas meio encharcadas.

–Pergunte a essa maluca. - Damon começa.

–Nem venha me culpar.

–Onde vocês se meteram?- interrompo a promissora briga estudantil dos dois.

–O seu cavalo se assustou com uma cobra e fomos atrás dele. Estava tudo muito bem até que...

–Até que você se perdeu, nós caímos num poço de lama, ficamos parecendo duas estatuas de barro, fomos até o rio tomar um banho e depois fomos atrás do cavalo.

–Eu não me perdi.

–Ah claro.

–Você caíram? - Robert pergunta.

–Tomaram banho no rio, juntos? - Sofia provoca sorrindo pra mim. - Você deixa tio?

–Sofia! - Damon relha com a filha.

–Bem, vocês devem estar famintos.

–Sim, estamos. - Damon diz.

–Eu queria voltar depois de um tempo, mas Damon insistiu que achássemos o bicho, garanto que aquele cavalo conhecia o lugar melhor que nós dois e voltaria sozinho de boa. Mas ele ficava repetindo "é o cavalo da Elena."

–Damon sabe como eu dou importância aquele cavalo. - falo acidamente ele me encara. Levanto e ando até o quarto, sem deixar de ouvir o "shii, ferrou!" da Sofia.

Quando bato a porta sou seguida segundos depois por um Damon cheio de explicações pra dar.

–Não podia deixar o cavalo na mata.

–Ela tem razão sabia? Ele podia voltar até sozinho.

–O que eu devia fazer?

–Voltar pra cá, e não deixar todos nós preocupados.

–Você não estava preocupada, estava era pensando bobagem sobre ela e eu.

–Olha só quem fala, o senhor seguro de sí.

–Eu não quero discutir isso com você.

–Nem eu.

–Preciso trocar de roupa. - ele caminha até o banheiro e sai de lá minutos depois com uma roupa seca. - Vou descer pra almoçar.

–Bom proveito. - digo.

–Obrigado! - ele passa e bate a porta. Argh!

Banho no rio? Era mesmo necessário? Ir atrás de um cavalo que eu odeio. Era tudo desculpa. Ele queria isso, um tempo com ela, só os dois. Ela faz bem a ele, como um dia ele já disseque eu fazia.

Sinto meu estômago embrulhar e uma imagem de um casal se beijando na beira de um rio começa a circundar minha cabeça, me sinto tonta e resolvo deitar, mal percebo quando o sono me atingiu.

....

Acordo com um barulho de chuva. Damon está ao lado da cama, sentado olhando no seu computador.

–Que horas são? - pergunto olhando pro tempo barulhento lá fora.

–Pouco mais de dez. - minha boca abre.

–O quê?

–Você caiu num sono pesado.

–Onde estão todos?

–Depois que o Jeremy chegou nós jantamos e quando o tempo fechou e melhor escolha foi todos irem dormir cedo. Sofia está com o namorado e Jeremy resolveu dormir com Bonnie.

–Nossa!

–Se estiver com fome avise, eu vou descer e pegar o que sua mãe reservou.

–Não precisa, sei o caminho da cozinha. - falo e ele não me encara.

–Você que sabe. - diz simplesmente e isso me irrita. Ele que está fazendo tudo errado, não eu.

–Você é um idiota, sabia? - ele me olha surpreso enquanto me levanto e me envolvo com meu roupão, saio do quarto o ouço passos atrás de mim.

–Pode me dizer porque exatamente?

–Me poupa, Damon! - desço as escadas com pressa e chego até a cozinha, ele no meu encalço.

–O que eu fiz? - puxa meu braço.

–Nem vem! - faço um esforço pra me soltar, mas ele prende mais.

–Me fala! - diz severo.

–Olha eu até entendo você querer ir atrás do cavalo, mas depois de cair ir até um rio e tomar um banho? Você queria mais tempo com ela.

–Talvez! - ele diz e me solta, fico o encarando. - Ela é minha amiga, gosto dela, sua companhia me faz bem. Se eu ficar perto de você só fico me sentindo mal, me perguntando o que eu fiz ou o que devo fazer. É sufocante, irritante e incômodo. - ele finaliza alterando um pouco a voz.

–Ótimo! Pelo menos admite!

–Admito o que?

–Que você ficou com ela até aquelas horas rondando pelas terras por que quis.

–E qual o problema, Elena? Não haja como se isso te incomodasse, você já deixou bem claro que não se importa mais. Qual o problema?

–O problema é um certo contrato que você assinou, o qual não te permite ter este tipo de atitude. Se você quer estar com alguém além de mim que se case com ela. - estamos frente a frente, discutindo forte, tentando ganhar dos ruídos da chuva.

–Joga outra vez na minha cara aquela coisa ridícula que você me fez assinar, eu não me importo. Não estou quebrando nenhuma clausula daquilo, mas acredite, quando eu resolver quebrar não serão as que você está pensando.

Ficamos nos encarando, estamos bem perto um do outro agora.

–Será que você pode parar de bobagem e tentar relaxar, curtir a viagem, estamos aqui pra isso. Pra você relaxar. - ele diz suavizando a voz.

–Como você está relaxando? - ele revira os olhos e me dá as costas mexendo no cabelo exasperado.

–Qual é? Facilita, Elena!

–Talvez eu deva sair por aí com o Robert e tomar um banho no rio juntos. - ele me encara com uma fúria que eu conheço bem. Ele vem até bem perto de mim, e, instintivamente recuo pra perto da pia, ele me olha fixo nos olhos e depois encara minha boca, depois volta seu olhar ao meu e diz:

–Por hora eu acho melhor você comer. - fala e me dá as costas voltando pro quarto. Sinto meu corpo inteiro vibrar e quase me desequilibro.

Tento normalizar a minha respiração, depois até consigo comer, porque eu estou faminta. Quando eu volto ao quarto ele está no banheiro, depois de uns minutos ele sai, recolhe as roupas de cama e caminha até a porta.

–Pra onde você vai? - quero saber.

–Já que você não faz a mínima questão de não se mostrar irritada comigo pros demais, então não será surpresa pra eles me ver acordando no sofá da sala amanhã. Além do mais o clima lá é mil vezes melhor que o deste quarto. Minha coluna e sanidade já sofreram demais. - ele bate a porta forte. Suspiro! O que estamos fazendo?

......

É uma noite barulhenta, e eu estou inquieta. A discussão, a agitação, e ele não está aqui. Certo, não dormimos juntos a um tem, mas está chovendo forte, uma tempestade, na verdade, e eu não quero estar só. Olho no relógio 3:15 da manhã.

Me remexo na cama por mais uns minutos intermináveis. 3:30. Não adianta!

Me remexo na cama, e finalmente levanto. Me visto e desço. Na sala ele está vendo TV. Arquivo X.

–Perdeu o sono? - ele pergunta sem olhar pra trás.

–A chuva está forte e há alguma coisa errada com o bebê. - ele se vira pra mim se mostrando preocupado.

–Sente alguma coisa?

–Não, ele só está agitado. Deve ter sido algo na comida da mamãe. O tempero diferente, mas forte, não sei. - falo sentando ao seu lado no sofá.

–Hum! - ele apenas resmunga. - Quem sabe um chá? - oferece.

–Talvez!

–Vou fazer. - ele diz e levanta. - Já volto!

Me acomodo nas almofadas do sofá e puxo o lençol dele para mim, seu cheiro está nele e é divino. Eu fecho os olhos e me permito relaxar enquanto me aconchego.

Minutos depois ele volta com duas xícaras fumegantes de chá.

–Tudo bem? - hesita ao me estender uma. Arrumo minha postura sento no sofá pegando a xícara com cuidado, ele sente ao meu lado.

–Sim. - digo.

Damon está vestindo calça moletom preta e uma camisa cinza, ele senta relaxadamente no sofá e estica seus pés repousando eles no centro. Ficamos em silêncio e ele volta a prestar a tenção no seriado a nossa frente. Fico olhando pra ele de canto de olho e então eu paro no seus pés.

–Você tem pés grandes. - digo e ele me encara com uma expressão confusa.

–O que tem? - quer saber, intrigado.

–Ah, você sabe o que dizem sobre pés grandes. - ele ergue a sobrancelha e me desafia ainda mais confuso.

–Não, não sei. O que dizem? - sorrio e dou mais um gole no meu chá.

–Pés grandes.... - hesito tentando ser enfática e deixando o tom solto no ar. - Sapatos... Grandes... - ele sorri. Um riso tímido e contido, que imediatamente se torna seu melhor riso irônico.

–Presta a tenção no seriado, ou cala a sua boca. - diz risonho e eu encaro a TV.

Não me pergunto que espécie de loucos nós somos para brigarmos em um minuto e em outro estarmos rindo sobre piadas de duplo sentidos sobres pés.

Apenas sinto que a noite está só começando, e agora, mal posso ouvir a chuva lá fora, só meu coração, que de uma hora pra outra voltou a bater dois tum, após semanas batendo um tum só. Acertei o seu compasso. A verdade é que Damon é o melhor marca-passo pro meu coração.