Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 3
Capítulo III: Descoberta




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A marola da revolução morre na praia do marasmo

E eu ainda espero a ressurreição

 

Eu ainda aguardo, aguardo a cada manhã

Pois sem a Justiça, com ela morta

Quem me protegerá nas noites mais frias?

 

Pois só a Justiça trará meu futuro

Sem que eu me renda às maçãs verdes

A Justiça não me trairá

E eu ainda espero a ressurreição

 

Porque a Justiça não pode morrer

E é nisso que irei acreditar

Pois ela mais uma vez se fará sentir

Abalará o mundo como nunca abalou

 

A Justiça ressuscitará

 

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Capítulo III

 

“Descoberta”

 

A bordo do ônibus urbano, sentada num dos bancos mais ao fundo, Justine, totalmente alheia aos demais passageiros – e estes, engolidos por suas rotinas, também não tinham motivo para deixar de ignorar a estudante – examinava com a visão e o tato cada centímetro do caderno que encontrara em circunstâncias tão incomuns. Não sabia explicar bem, mas era agradável estar com ele em suas mãos, tocá-lo, abri-lo, fechá-lo, tornar a abri-lo... Não demorou a descobrir, na contracapa, uma lista de supostas regras para o uso do artefato, redigidas também em inglês. Segundo elas, qualquer ser humano que tivesse o nome escrito naquelas páginas morreria, e havia uma série de nuances a respeito das condições para tal e possibilidades de maior precisão, como causa e descrição da morte. As instruções também associavam o caderno a um “deus da morte” que seria seu dono original. Mas, entre todas elas, a que mais despertou a atenção da jovem, deixando-a inclusive um tanto temerosa, foi a que estava exatamente na metade da lista:

 

O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno.

 

Percebendo que estava se preocupando demais com um achado tão absurdo, Justine soltou uma risada involuntária. Aquilo não devia passar mesmo de uma brincadeira feita por alguém que possuía uma sede de justiça talvez tão grande quanto a sua, porém não sabia como saciá-la e inventava crendices como aquela. O caderno era bonito, só isso. Poderia até vir a utilizá-lo como diário ou agenda, já que andava mesmo precisando de um local para anotar coisas referentes aos estudos. Mas ele nunca seria mais que isso.

         Próxima parada, Montparnasse! – o motorista avisou aos distraídos, entre eles Clare.

Era aonde desceria. A loira colocou o Death Note entre seus livros, que carregava embaixo de um dos braços, e levantou-se para sair do ônibus. Antes que o veículo parasse diante do ponto, porém, a universitária notou de relance um garotinho de gorro e pouca idade engatinhando pelo meio das pernas dos passageiros enquanto procurava algo embaixo dos assentos. Sua mãe apanhou-o no colo logo que notou o que fazia, não poupando uma reprimenda:

         Já não falei para não colocar suas mãos no chão sujo?

         A minha maçã! – justificou-se a criança quase chorando. – O “homem-invisível” pegou minha maçã!

         Você tem uma imaginação muito grande...

O transporte então freou, parte dos ocupantes se dirigindo para fora. Justine desceu pelos degraus da porta de saída e saltou para a calçada, logo em seguida tomando o rumo de casa. Só teria que percorrer mais alguns poucos quarteirões.

Montparnasse era um bom bairro, ela gostava de morar ali. A vida artística era fértil em seus cafés e estúdios, sem contar que as pessoas em suas ruas pareciam mais cultas, letradas. Fora da Sorbonne, era o único lugar em que a garota também possuía amigos.

O céu laranja sobre sua cabeça e os telhados dos sobrados, com suas nuvens distantes e disformes, quase surreais, contribuiu para ela mais uma vez perder-se em sua mente. Viu-se novamente pensando no caderno, e acabou repreendendo-se por isso... Todavia, era algo sem dúvida intrigante. Considerando a maneira estranha como Justine o encontrara... Haveria uma chance ínfima de seu poder ser real? Realmente ser possível matar pessoas apenas registrando seus nomes em simples folhas de papel? Caso fosse mesmo verdade, e a jovem ainda relutava muito em acreditar nisso, então aquele objeto aparentemente inofensivo era uma das mais perigosas armas já existentes na face da Terra.

         Oi, Justine!

A saudação pegou-a totalmente de surpresa, e com isso parou subitamente de andar, coração acelerado. Voltou a cabeça na direção da voz, pertencente a um simpático rapaz moreno, cabelos pretos arrepiados, que, vestindo um uniforme cinza e verde, varria a calçada na frente de um mercadinho. Chamava-se Henri e trabalhava naquele estabelecimento.

         Olá... – Clare respondeu demonstrando pressa.

         Eu estou quase terminando de ler “Crime e Castigo” – informou ele, sorrindo um tanto desajeitado. – Irei devolvê-lo a você assim que puder.

         Não tenha pressa. Caso não me veja, pode deixá-lo com a Paule, e ela me entregará depois.

         O livro é ótimo!

         Certamente... Bem, tenho que ir.

         Até mais, Justine!

Apesar de Henri ter se despedido com grande amabilidade, a garota praticamente ignorou-o. Ele era um jovem interessante. Apreciava muito boas leituras e tinha assuntos relevantes nas conversas. Possuía, como era quase evidente, uma queda por Clare. Mesmo sendo alguém com chances maiores de um dia vir a namorar a moça, ela mesmo assim não lhe dava chances, tampouco esperanças. Entre trocas de livros e idéias, iam levando adiante apenas uma amizade morna e descompromissada, que talvez no futuro, ainda assim muito dificilmente, viesse a se tornar algo mais...

Vencendo mais alguns metros, Justine finalmente atingiu a fachada do sobrado onde morava. Por fora a construção, idêntica tanto externa quanto internamente às demais coladas umas às outras por todo o quarteirão, era um tanto antiga e acabada, com a pintura creme descascando e focos de umidade perceptíveis perto da singela cobertura de telhas. Também deixava a impressão de ser bastante estreita, com apenas uma porta e uma janela no térreo e outras duas vidraças embaçadas no andar superior. Por dentro, porém, era agradável e aconchegante, e a estudante, subindo pelos quatro degraus antes da entrada, preparou-se mais uma vez para penetrar naquele ambiente íntimo que lhe fazia tão bem.

Cruzando a porta de madeira, girou a chave que já se encontrava na fechadura e retirou o casaco, pendurando-o no vestíbulo. Em seguida exclamou:

         Cheguei, vovô François!

Na pequena sala de estar repleta de móveis antigos conservados, quadros de paisagens bucólicas e alguns tapetes pelo assoalho, um senhor de idade avançada, parcialmente calvo e de óculos redondos no rosto assistia a um programa na televisão sentado numa poltrona, quase dormindo. Ele esticou as pernas por um momento para se espreguiçar e então replicou, virando de leve a cabeça na direção da neta:

         Como foi a aula hoje, Justine?

         Boa, porém cansativa. Estarei no meu quarto estudando.

         Certo. Eu a chamarei quando o jantar estiver pronto.

A aluna da Sorbonne subiu pelas escadas na direção do dormitório, no qual entrou depois de atravessar um curto corredor. Acendeu a luz, fechou a porta tranqüilamente e admirou o panorama daquele que era seu espaço particular por alguns instantes como costumava fazer todos os dias ao voltar para casa. Colocou a mochila e os livros, incluindo o caderno, sobre a cama. Depois se sentou por um momento na cadeira de rodinhas diante da antiga escrivaninha que pertencera ao avô e que agora, além de local de estudos da jovem, também portava o computador que ganhara de aniversário de um dos tios no ano anterior.

Suspirando, livrou-se do cachecol e levantou-se para guardá-lo no armário perto da janela fechada. Depois pulou sobre a cama, recostou-se no travesseiro e, apanhando um livro sobre Direito Agrário entre os que carregara, abriu-o para iniciar uma das leituras que a preparariam para a aula do dia seguinte.

Dedicou-se à obra durante aproximadamente meia hora, passando pela introdução sem conseguir assimilar muito bem seu conteúdo, e então resvalando nos primeiros capítulos sem conseguir prender sua atenção em nem ao menos uma frase inteira. Achou que o baixo rendimento se desse devido ao cansaço, mas não... Era o pensamento no maldito caderno que não a deixava de modo algum se concentrar! Tentou mudar o foco por mais alguns minutos, no entanto a tentativa foi inútil. Por fim fechou o livro, colocou-o junto aos demais e pegou o Death Note, que parecia tê-la chamado por todo aquele tempo.

 

Só há mesmo uma maneira de saber e me livrar dessa incerteza...

 

Levou o caderno até a escrivaninha e em cima dela o depositou, ao mesmo tempo em que ligava com um controle remoto o pequeno aparelho de TV sobre uma mesinha ao lado esquerdo. Fizera isso apenas para tentar distrair a mente com alguma outra coisa, sem suspeitar da utilidade que aquela ação acabaria tendo dentro de poucos segundos. Sentando-se de novo na cadeira, Justine mais uma vez principiou a manusear o artefato de várias maneiras, até que o jornalista de um noticiário transmitido naquele momento informou:

         Continua aumentando o número de vítimas do genocídio realizado pelo general Eliah Bantu no Mali. Autoridades internacionais estimam que os mortos já passem dos setecentos mil. A ONU continua impondo sanções ao governo ditatorial, mas o fracasso de tais medidas gera a discussão sobre uma eventual intervenção armada no país nas próximas semanas. Os Estados Unidos já se pronunciaram a respeito e...

Era isso. Um ditador homicida sanguinário. Alguém cuja morte seria um presente à humanidade. Alguém que não faria falta alguma. A pessoa perfeita para o teste do Death Note.

Sem pestanejar, livrando-se de todos os receios e desconfianças, Justine abriu uma gaveta da escrivaninha e de dentro dela retirou uma caneta-tinteiro. Sua favorita. Abriu o caderno, permanecendo estática por alguns instantes enquanto encarava a primeira página, totalmente em branco, apenas esperando que a jovem nela escrevesse.

         O jantar está pronto! – o senhor François avisou-a do andar de baixo.

         Obrigado, vovô. Logo descerei.

Estava decidido. Escreveria o nome. Se o caderno funcionasse, o que era praticamente impossível, Justine teria feito um grande favor à espécie humana livrando-a de um de seus mais vis representantes. Caso contrário, ficaria registrado naquela folha apenas o intento da moça de um dia ter desejado aniquilar o general africano, e ela então converteria aquele achado numa agenda. Certo. Ela estava pronta.

Moveu a caneta até o topo da página e, com sua bonita caligrafia, levou a cabo a ação.

 

Eliah Bantu

 

Logo depois fechou o Death Note num movimento brusco, como se o súbito arrependimento de ter feito aquilo a houvesse dominado. Não sabia se deveria se culpar mais por ter dado crédito a algo absurdo como aquilo ou por ter realmente tido o ímpeto de assassinar um indivíduo. Trêmula, arremessou o caderno dentro da mesma gaveta de onde tirara a caneta e fechou-a com força. Depois, ainda um tanto desnorteada, desligou a TV e deixou o quarto, seus passos imediatamente ecoando pela escada enquanto se reunia ao avô para a refeição.

 

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Death Note – Como usar:

 

5 – Depois de se escrever a causa da morte, os detalhes da mesma devem ser escritos nos próximos 6 minutos e 40 segundos.

 

6 – Este caderno se tornará propriedade do Mundo Humano assim que tocar o solo ao adentrar o mesmo.

 

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Matsuda acordou surpreendentemente otimista na manhã seguinte. Levantou-se da cama disposto e animado, vestindo-se rapidamente para o trabalho. Entrando no quarto depois de já ter preparado o café da manhã, Sayu viu que o marido como de costume cumpria a tarefa de modo um tanto desajeitado, amassando o terno conforme tentava colocá-lo no corpo e, rindo, aproximou-se para ajudá-lo. Endireitou a roupa do capitão em seu tronco e, enquanto o auxiliava a dar o nó na gravata vermelha que sempre trazia ao peito, exclamou:

         Você parece bem melhor hoje!

         Estou sim, querida – sorriu o dedicado policial. – Espero continuar assim!

         Com certeza irá!

A mulher levou a boca até os lábios do amado e deu-lhe um breve, porém dotado de carinho indescritível, beijo matinal. Em seguida deixou o cômodo. Enquanto Matsuda terminava de se arrumar, lembrou-se das circunstâncias nas quais decidira passar o resto de sua vida com aquela companheira tão doce e amiga...

Na verdade, ele se lembrava como se tudo houvesse acontecido no dia anterior...

 

O céu estava totalmente fechado, escuro, transformando a tarde em noite. Trovões eram ouvidos ao longe, um vento intenso estremecendo as árvores, todo o clima combinando com o pesar e a dor dominando os corações daqueles de pé no cemitério. Concentravam-se ao redor de uma sepultura nova, recém-fechada. Um túmulo que nenhum deles gostaria que estivesse ali.

Nele repousariam eternamente os restos mortais de Raito Yagami. Kira.

Junto à lápide, uma fotografia retratando-o no período em que era conhecido apenas por ser o melhor estudante do Japão. E todos ali teriam tido uma vida muito mais feliz se ele houvesse continuado apenas dono dessa conquista.

Matsuda, com as mãos nos bolsos, ainda não se conformara. Por quê? Como um rapaz tão inteligente deixara-se corromper daquela maneira? Desde a revelação no galpão, ainda não conseguia expressar em palavras sua perplexidade, sua tristeza. Ele efetuara os tiros que acabaram por levar Raito à morte em sua fúria, e não sabia agora se sentia algo como arrependimento ou não. Desejava apenas que as coisas tivessem sido diferentes... Bem diferentes...

Além de si, os demais policiais remanescentes da força-tarefa, Aizawa, Mogi e Ide, também se encontravam ali, assim como a mãe e a irmã de Raito: Sachiko e Sayu. Até onde Touta sabia, elas ainda não tinham conhecimento de que o ente querido morto era Kira, e talvez nunca devessem saber. O que mais abalava Matsuda era o estado lastimável de Sayu, que era abraçada pela mãe enquanto chorava ininterruptamente. Mal acabara de se recuperar do seqüestro do qual fora vítima algum tempo antes e da morte do pai, e agora mais uma tragédia fazia sua existência desabar. Ela não merecia tanto sofrimento, principalmente por ser tão jovem. Tinha toda uma vida para viver, e esta já ficava marcada por tanta penúria!

O Death Note destruíra a família Yagami. Mas Matsuda desejava salvar ao menos a inocente Sayu. E ele iria.

Vencendo seu estado de inconformismo, caminhou até a irmã do falecido e tocou-a no ombro. Ela soltou-se dos braços de Sachiko por um momento e fitou Touta com os olhos marejados, vermelhos, cansados de ver tantas coisas que a feriam. O policial sentia-se culpado pela morte de Raito, não necessariamente pelas balas que partiram de sua arma, mas por não ter descoberto a tempo, o impedido antes que atingisse aquele terrível destino. E então a abraçou com força, sentindo o coração esquartejado da garota batendo junto ao seu, querendo dar-lhe ao menos um pouco de alento naquele momento tão cruel.

         Eu sinto muito, Sayu.

         Meu irmão, Touta... Meu irmão... Raito-kun...

         Acalme-se... Agora tudo ficará bem. Eu prometo.

E, massageando as costas da jovem com uma das mãos, sentindo as lágrimas dela pingarem sobre sua pele, jurou a si mesmo protegê-la daquele dia em diante, afastá-la de toda e qualquer fonte de sofrimento, evitar que a dor que sentia voltasse a assolá-la no futuro... Jurou fazê-la a mais feliz mulher do mundo, dar tudo de si para isso.

         Eu te amo, Sayu.

 

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Da mesma forma que o brilho do luar antes o fizera, agora os raios de sol matinais também invadiam o interior do refúgio de Near pelas janelas. Ele encontrava-se ainda sentado na mesma posição diante do notebook. Na tela deste, várias janelas abertas e dispostas em mosaico, algumas divulgando informações em texto, outras por forma de imagem, e as demais em vídeo. Eram reportagens, notícias, boletins... Tudo exibido ao mesmo tempo. E Near, com o olhar fixo no monitor, sem nem ao menos piscar, parecia conseguir assimilar todas as informações transmitidas com extrema facilidade.

Entre o espectador e a máquina havia, espalhados pelo chão encerado, vários bonequinhos “Lego” representando personagens das sagas “Star Wars” e “Indiana Jones”.

As horas seguiram, o astro-rei deslocou-se pelo céu... Até que, num dado momento, a porta do recinto foi aberta e passos se propagaram pelo ambiente. Sem se virar para trás e tampouco tirar os olhos do notebook, Near indagou:

         É você, agente Adams?

         Sim, sou eu – o estadunidense respondeu, aproximando-se lentamente. – Espero não estar atrapalhando.

         Tenho verificado sites de jornalismo há horas. Pelo menos entre as notícias liberadas ao público, não há nada indicando novas mortes que remetam a Kira.

         Isso é um alívio, “L”. Pode significar que na verdade o ocorrido a Sanbashi tenha sido mesmo natural.

         Exato, mas mesmo assim isso não me tranqüiliza. É muito cedo para concluirmos que realmente não há um novo assassino praticando seus primeiros crimes. Podem ter ocorrido novas mortes de criminosos por parada cardíaca e a imprensa mundial não as está divulgando com medo de causar euforia entre os seguidores de Kira. Estive examinando também algumas páginas e grupos de mensagens deles. Desde o infarto de Sanbashi, o acesso a esses endereços cresceu trezentos e cinqüenta por cento. Não havia movimento tão alto desde os últimos dias do antigo Kira.

Nisso, o celular de Adams tocou. O agente apanhou o telefone e, identificando no visor o nome da pessoa que o ligava, afastou-se de Near e atendeu ao chamado num dos cantos da sala, falando relativamente baixo. Permaneceu conversando com a misteriosa pessoa do outro lado da linha por cerca de sete ou oito minutos, até desligar o aparelho e voltar para junto do detetive de cabelos brancos. Este, enrolando-os com os dedos, perguntou assim que percebeu a reaproximação do aliado:

         Era ela, não?

         Sim. Vejo que não devo nunca subestimar seu poder de dedução.

         E eu vejo que ela ainda reluta em se revelar a mim... Porém é compreensível. Ela sabe que o “L” não é mais o mesmo. Confiava na competência e nos julgamentos de meu predecessor, e não nos meus. E, considerando tudo que aconteceu... Entendo que ela não queira se mostrar a qualquer um. Não depois de ter encarado a morte tão de perto como ela encarou.

         Acredito que muito em breve ela se sentirá pronta para conhecê-lo pessoalmente. É uma mera questão de tempo.

         Com isso vindo de você que é tão íntimo dela, senhor Adams, posso apenas crer que seja mesmo verdade. E é algo que me felicita.

Os dois então permaneceram em silêncio, o integrante do FBI também voltando sua atenção para a tela do computador, na qual uma imensa carga de notícias surgia a cada instante, em várias línguas e de variadas maneiras.

 

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         Boa noite, Justine! – despediu-se Paule num aceno, tendo acompanhado a amiga até a frente de seu sobrado naquele final de tarde.

         Até mais – Clare replicou um tanto friamente.

Subiu mais uma vez pelos degraus diante da porta, cruzou-a e ganhou o interior da casa. Como sempre, pendurou o casaco no vestíbulo e andou sem pressa até a sala de estar. O avô François adormecera em sua poltrona favorita, o jornal vespertino tampando-lhe o rosto e tremulando conforme respirava. A neta sorriu pela situação e, tranqüila, venceu as escadas até o andar de cima... ignorando completamente a manchete do periódico, voltada para o outro lado do cômodo:

 

Kira retorna?

 

Passou de novo pelo pequeno corredor, que continha também as entradas do quarto do idoso e do banheiro da residência, e adentrou seu dormitório. Admirou o cenário por bons segundos, respirou fundo e colocou os livros sobre a cama; logo ia estudar. Mas antes, instigada por algo no fundo de seu ser, resolveu ligar a TV. Tentava negar o real motivo que a levara a tal ação, porém isso não a impedira de executá-la. Acomodando-se na cadeira de rodinhas, pegou o controle remoto e sintonizou um noticiário, que naquele momento transmitia novidades sobre a Seleção Francesa de Futebol. Aquilo não a interessava, mas mesmo assim não trocou de canal, aguardando alguma coisa... A solução de um mistério, a revelação que ela tinha certeza que viria.

 

Eu preciso saber... Eu preciso saber!

 

Também estava impelida a abrir a gaveta da escrivaninha... Porém conteve-se. Ainda via-se dominada pelo encanto do caderno! Poderia vencê-lo? Concluía cada vez mais que não. Pensara o dia todo no Death Note, mal conseguira se concentrar nas aulas. Aquilo a consumia totalmente. Ela precisava mesmo saber... Só assim sua agonia chegaria ao fim.

Súbito, uma nova notícia foi informada pelo âncora no televisor:

         E atenção para algo urgente vindo diretamente de nossos correspondentes no Mali: apesar das autoridades do país terem tentado encobrir o fato nas últimas vinte e quatro horas, as mesmas já estão confirmando que o general Eliah Bantu morreu. Repito, o ditador Eliah Bantu está morto. O antigo braço-direito do falecido e chefe interino da nação, major Phillip Kibota, afirmou que os rebeldes que lutam contra o atual governo revolucionário foram os responsáveis pelo ato, acusando-os de terem envenenado Bantu. O caos tomou conta das ruas da capital, e especialistas acreditam que, sem o comando do general morto, a ditadura no Mali caia nos próximos dias. Voltaremos com novas informações a qualquer momento.

As mãos de Justine ficaram dormentes, seu corpo inteiro passou a tremer, tomado por um forte e repentino calafrio. Seria coincidência? Não, não era. O caderno da morte funcionava!

Clare fez de tudo para manter o foco. Apesar do choque, não podia perder a firmeza. Ela havia assassinado Eliah Bantu. Não havia como negar isso. Inquieta, ergueu-se da cadeira e andou em círculos pelo quarto, esforçando-se para colocar o raciocínio no lugar. Notou que seus olhos ficaram molhados, a intensidade do momento parecia querer forçá-la a verter lágrimas, e não saberia dizer se representavam alegria, tristeza ou medo. Talvez um misto dos três.

Até que sua atenção centrou-se na escrivaninha. Na gaveta. Abriu-a. O Death Note se encontrava nela, intacto, do mesmo jeito que ela deixara no dia anterior. Não ousou tocá-lo, todavia. Naquele instante, aquele objeto aparentemente inofensivo lhe causou tamanho terror, tamanho repúdio, que Justine caiu sentada no chão do quarto. Sem saber como reagir, o que fazer em seguida, a estudante não teve nem tempo de se levantar, quando ouviu uma sinistra voz dizer:

         Agora você tem a prova de que o caderno funciona!

Já temendo o que ia ver, a jovem virou-se para trás... Deparando-se com algo difícil de descrever em palavras, ainda mais com o calor do momento. Um monstro? Seria talvez a definição mais sensata. Era uma criatura alada, suas duas grandes e imponentes asas negras tomando quase todo o espaço do quarto. O corpo era um tanto magro, porém relativamente proporcional, coberto por um terno cinzento aos frangalhos, uma gravata chamuscada e calças também bastante rasgadas. A cabeça tinha um quê de humana, mas com contornos retos demais, quase retangulares. Era provida, no entanto, de boca, nariz, orelhas e olhos, e estes, por sua vez, eram extremamente aterradores, dominados por um brilho vermelho intenso, demoníaco. Os cabelos da criatura eram também rubros, mas num tom mais escuro, compridos e lisos, caindo por seus ombros e em franjas sobre parte da face. Para completar, carregava uma espécie de suporte junto à cintura, feito de elásticos... No qual, bem visível, estava preso um outro Death Note.

Diante de tal imagem fantástica, bizarra, improvável, Justine encontrou coragem e levantou-se devagar do assoalho, visão fixa no misterioso ser. Já sabia a razão de ele, um deus da morte, ter vindo até ela logo que comprovou o poder que o caderno que encontrara possuía. E, julgando-se pronta para enfrentar todas as conseqüências, resolveu falar...

 

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Aguardando a Justiça

Eu quero quebrar com o marasmo deste mundo

Com a inércia das pessoas

Com a preguiça das maçãs verdes

 

Eu me tornarei luz

O sol da humanidade cega e tola

Eu me tornarei luz

E irei guilhotinar os maus

 

Eu posso conduzir a Justiça em minhas mãos, eu sei

Eu sei que posso trazer a luz a este mundo

Eu sei que posso amadurecer estas maçãs

 

Eu sei que posso fazer a ressurreição

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Você é um Shinigami, certo? Veio atrás de mim por causa do caderno?

 

Um artefato assim ter caído em minhas mãos só pode ter sido obra do destino... Agora o poder de Deus de punir os maus é minha responsabilidade.

 

O mundo deve ser limpo!

 

Próximo capítulo: Ímpeto


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