Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 2
Capítulo II: Temor




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/28156/chapter/2


A marola da revolução morre na praia do marasmo


E eu ainda espero a ressurreição


 


Eu ainda aguardo, aguardo a cada manhã


Pois sem a Justiça, com ela morta


Quem me protegerá nas noites mais frias?


 


Pois só a Justiça trará meu futuro


Sem que eu me renda às maçãs verdes


A Justiça não me trairá


E eu ainda espero a ressurreição


 


Porque a Justiça não pode morrer


E é nisso que irei acreditar


Pois ela mais uma vez se fará sentir


Abalará o mundo como nunca abalou


 


A Justiça ressuscitará


 


- - - - - - - -


 


Capítulo II


 


“Temor”


 


Diante da calada sala de aula, a professora de cabelos grisalhos e voz rouca deu um sorriso quase materno enquanto explicava aos alunos do curso de Direito:


         O chamado “Grande Medo” foi o episódio da Revolução de 1789 no qual os camponeses da França, agitados pelo clima de rebelião e sem saberem ao certo do que se tratava, saíram pela região agrícola da nação num pânico generalizado assassinando nobres e proprietários de terras com incrível violência. Como hoje os historiadores nos revelam, essas pessoas não tinham mesmo consciência do que faziam e agiram de tal modo apenas porque acreditavam que o pouco que possuíam estava a ponto de ser perdido. Levando isso em consideração, como elas poderiam ser julgadas? Como puni-las perante a lei, e de que modo? E quais leis?


A exposição da senhora Magne até estava bem interessante aquela manhã, porém Justine simplesmente não conseguia prestar atenção em nenhuma de suas palavras. Com a cabeça apoiada numa das mãos, tinha o olhar perdido entre as janelas e o interior da classe, as árvores cobertas de neve lá fora e os alunos apáticos ali dentro compondo um cenário do qual, pelo menos naquele dia, ela queria ver-se livre o mais rápido possível.


 


Este mundo está moribundo, canceroso, podre... Ele precisa de uma nova revolução... Uma nova revolução que o restaure o quanto antes!


 


- - - - - - - -


 


O maior hospital de Tóquio estava ainda mais movimentado do que de costume, com um grande número de pessoas, as quais não eram nem funcionários, pacientes ou familiares destes, aglomerando-se na recepção. Compunham esse grupo repórteres, policiais e cidadãos curiosos que haviam se deslocado até ali por uma razão simples: era o local para aonde havia sido levado o criminoso Tuomo Sanbashi logo após seu ataque cardíaco no centro da cidade.


Era evidente, todavia, que ele já se encontrava morto. Conduzir o corpo até ali tinha o objetivo de, além do cumprimento dos procedimentos padrões, constatar, acima de tudo, qual fora a real causa do óbito. A importância disso também era óbvia: tendo um bandido de atos hediondos morrido por infarto logo após seu nome e imagem serem amplamente divulgados pela mídia, pairava a ameaça de na verdade ter sido executado... da mesma forma que Kira lidava com seus alvos. Pensar nessa possibilidade era algo tremendamente aterrador para os que o haviam condenado durante seu período de ação e para aqueles que ainda repudiavam o extermínio de seres humanos não importando o motivo.


Existiam, entretanto, aqueles que simpatizavam com os ideais de Kira e o haviam apoiado em seus julgamentos. Esses indivíduos também marcavam presença no hospital, gritando a quatro ventos que a verdadeira justiça fazia-se mais uma vez cumprir entre os homens. Era triste constatar que um assassino assim sempre teria seguidores, e isso irritava profundamente Matsuda...


O capitão aguardava num dos corredores brancos do prédio o parecer dos legistas. Odiava hospitais desde a morte de Soichiro Yagami e não o agradava nada ter de permanecer ali, mas não tinha muita escolha. Um dos oficiais o informara há pouco de que já corria em sites de Internet a afirmação de que Kira retornara e fizera sua primeira vítima. Páginas e mais páginas que haviam sido abandonadas ou fechadas depois que os assassinatos em série cessaram voltavam à ativa. Canais de TV do mundo inteiro e outros meios de comunicação também divulgavam o ocorrido, porém mantinham a conotação de dúvida a respeito do que realmente acontecera.


Será que tudo estava mesmo começando de novo?


O celular do policial tocou de repente, assustando-o. Ele levou uma das mãos dormentes ao bolso da calça em que se encontrava o aparelho e, pressionando nele um pequeno botão, levou-o até o ouvido.


         Alô!


         Sou eu, Matsuda – a voz de Near, madura e que ao mesmo tempo remetia a uma criança, fez-se ouvir do outro lado. – Estou enviando um de meus homens ao hospital.


         Está? – surpreendeu-se Touta, que não havia sido informado ainda do fato. – Como? E onde devo encontrá-lo?


         Chegará de helicóptero em poucos minutos. E não se preocupe: ele encontrará você.


 


De fato, pouco depois uma aeronave civil pousou discretamente num dos heliportos do edifício, longe da atenção da imprensa e população. Dois seguranças vieram receber um intrigante personagem de cabelos castanhos curtos, óculos escuros, sobretudo bege e uma maleta cinza na mão direita que, depois de saudado por cada um com um aperto de mão, foi guiado de modo cortês para o interior do hospital.


Matsuda, por sua vez, ainda estava de pé no mesmo corredor aguardando alguma pessoa que pudesse ser aquela enviada por “L”. Cada instante de espera aumentava sua angústia, já que, além de ter de lidar com a expectativa da morte de Sanbashi ter sido ou não causada por um novo Kira, também estava ali sozinho preparando-se para recepcionar alguém cuja figura nem fazia idéia qual era. Foi quando a dupla de seguranças surgiu por uma porta acompanhando o indivíduo já descrito. Encarado pelo capitão, o trio parou diante dele, ao que este indagou:


         Está me procurando?


         Sim, senhor Matsuda – respondeu o desconhecido, apertando uma das mãos do oficial japonês. – Sou Ernest Adams, agente do FBI. Tenho minhas credenciais aqui no bolso, mas, como conhece a pessoa que me enviou, creio que não será necessário que eu as mostre...


         De maneira alguma, senhor Adams! Parece-me ser de confiança...


         Os legistas já concluíram os exames?


         Ainda não, mas... Acredito que logo o terão feito. Eles estão nesta sala aqui ao lado e...


Matsuda foi interrompido pelo som da porta mais próxima sendo aberta, a mesma que conduzia ao interior da sala que acabara de mencionar. Um dos médicos que averiguavam o cadáver de Sanbashi, em seus trajes azuis, colocou a cabeça para fora, dizendo enquanto acenava com a mão esquerda:


         Terminamos. Podem entrar.


         O senhor primeiro, capitão Matsuda! – Adams apontou o caminho.


Touta seguiu à frente, o estadunidense acompanhando-o depois de ajeitar de leve seus óculos escuros. A porta fechou-se atrás deles e os dois seguranças permaneceram de guarda no corredor.


Na sala de autópsia, onde os dois recém-chegados se uniram a três legistas, o corpo do criminoso fora deitado, nu, sobre uma fria mesa metálica. Encontrava-se visualmente intacto e Matsuda, que não compreendia muito bem tais procedimentos, concluiu que se os doutores haviam feito alguma incisão ou abertura para verificá-lo internamente, já havia sido muito bem fechada. O agente do FBI andou até uma pequena prateleira e sobre ela abriu sua maleta, que se revelou na verdade um notebook. Ligou-o e, poucos segundos depois, na tela voltada para os presentes, uma letra “L” em bonita grafia surgiu num fundo branco.


         Ele está ouvindo – falou Adams. – Podem começar.


         Bem... – um tanto sem jeito, um dos médicos tomou a palavra. – Analisamos o corpo e os antecedentes da vítima... E Sanbashi nunca foi uma pessoa saudável. Vivia acima do peso e com colesterol alto. Os próprios meliantes presos com ele mencionaram o quanto se alimentava mal e não praticava exercícios, vivendo quase o tempo todo naquele esconderijo subterrâneo. Era um homem extremamente propício a enfartar, senhores, e acreditamos que a tensão do momento contribuiu para isso. Foi algo natural, sem sombra de dúvidas.


         O desgraçado até teve sorte de ir para o outro mundo justo quando estava prestes a passar o resto da vida na cadeia! – riu um outro legista.


         Portanto não precisam se preocupar – completou o terceiro especialista. – Isso não me parece obra de nenhum Kira!


Matsuda sentiu uma ponta de alívio. Aquilo poderia ter sido mesmo apenas um incidente isolado, um susto que já havia passado. Suas vidas poderiam avançar normalmente, o pairar de uma nova ameaça no final dissipando-se de suas vistas... Mas no fundo o capitão sabia que ainda não era hora de se tranqüilizar, e tal impressão materializou-se assim que “L” se pronunciou, sua voz tornada irreconhecível devido à distorção providenciada pelo computador:


         Ainda não podemos baixar a guarda. As circunstâncias em que essa morte ocorreu favorecem demais nossa desconfiança. Mesmo Sanbashi já sofrendo de problemas cardíacos, ele morreu segundos depois de ter seu nome e rosto registrados pelos jornalistas, e devo lembrá-los de que o primeiro assassinato feito pelo antigo Kira ocorreu de modo quase idêntico. Se houver algum novo Kira agindo, ele pode ter descoberto com antecedência a respeito da saúde precária de Sanbashi e resolveu matá-lo justamente para não causar suspeitas imediatas nas autoridades e ao mesmo tempo dar um sutil sinal aos entusiastas de suas ações. Um episódio ambíguo, que pode ser interpretado tanto como fruto do acaso ou de um propósito maligno.


         Mas sendo assim, nem mesmo a autópsia serviu para elucidar a questão! – exclamou Matsuda.


         O resultado da averiguação do corpo reduziu sim a probabilidade da morte ter sido causada por um Kira, capitão, porém ela ainda existe.


         E como devemos agir frente a isso?


         Peço que a polícia japonesa permaneça em alerta durante alguns dias, e também gostaria que a mídia ficasse o mais longe possível de ocorrências de crimes e prisões durante esse tempo. Sei que é impossível mantê-la totalmente afastada, mas algumas medidas de sigilo podem ser adotadas. Não podemos arriscar. Se houver mesmo um novo Kira, é quase certo que ele se encontra no Japão. Caso não ocorram novas mortes, então o infarto de Sanbashi terá sido mesmo apenas uma coincidência infeliz que logo será esquecida.


         Torcemos para que essa última hipótese seja a verdadeira – afirmou um dos médicos.


         Com sorte, tudo será esclarecido em pouco tempo. Talvez menos de uma semana. Eu manterei contato constante com a Agência Nacional de Polícia e a Interpol. Quero salientar que toda esta cautela é extremamente necessária, mesmo que ao final não haja nenhum assassino. Os acontecimentos de anos atrás nos deixaram a lição de que não podemos deixar absolutamente nada passar despercebido quando o assunto é Kira.


         Nós entendemos perfeitamente, “L” – murmurou Matsuda. – Agradecemos muito seu auxílio.


         Fiquem atentos.


A transmissão foi encerrada com o desligamento automático do notebook, que em seguida foi fechado pelo agente Adams. Um severo silêncio dominou a sala por vários instantes antes do capitão da polícia e o estadunidense acenarem com a cabeça para os legistas e deixarem o recinto calados.


 


- - - - - - - -


 


Death Note – Como usar:


 


2 – O caderno não surtirá efeito a não ser que quem esteja escrevendo tenha a face da pessoa em sua mente quando escrever o nome dele ou dela. Dessa forma, pessoas possuindo o mesmo nome não serão afetadas.


 


3 – Se a causa da morte for escrita até 40 segundos depois de se escrever o nome da pessoa, ela assim ocorrerá.


 


4 – Se a causa da morte não for especificada, a pessoa simplesmente morrerá de ataque cardíaco.


 


- - - - - - - -


 


Era noite, o brilho do luar penetrando pelas janelas do recinto e dando um aspecto fantasmagórico ao assoalho do mesmo. A única outra fonte de luz no escuro cômodo provinha do monitor ligado do notebook, que exibia, com áudio quase mínimo, a gravação da morte de Tuomo Sanbashi feita por uma das emissoras de TV japonesas aquele dia.


Sentado diante do aparelho, descalço e sempre usando seu traje alvo, Near enrolava os cabelos olhando para o nada, tendo diante de si uma pequena caixa de madeira trancada por um ainda menor cadeado. Passou minutos nesse estado de profundo raciocínio, até que finalmente sua atenção voltou-se para o recipiente que algum tempo antes trouxera até ali. Levando a mão direita a um dos bolsos da calça, apanhou uma minúscula chave dourada contendo a letra “N” gravada em alto relevo, e com ela destrancou o cadeado. O pequeno fecho solto caiu silenciosamente sobre a madeira do chão, o detetive então erguendo a tampa da caixa e fitando seu conteúdo...


Tratava-se dos pequenos bonecos que Near utilizara durante sua participação no Caso Kira para esquematizar as teorias e hipóteses que levantava. Observando cada um deles rapidamente, logo pegou a pequena figura mascarada usada para representar o assassino, inserindo-a pela abertura na extremidade inferior em um de seus dedos indicadores. Assim passou a encará-la fixamente, suas reflexões se centrando em todas as coisas que haviam ocorrido em tão poucas horas.


 


Kira... Será que realmente voltou? Seu legado terá mesmo levado outra pessoa à perdição de acreditar que está fazendo um bem ao mundo eliminando pessoas dessa maneira? Todos os antigos Death Notes foram destruídos... Será possível que um novo caderno ou algum existente há tempos e ignorado esteja sendo utilizado por alguém em alguma parte do planeta neste exato momento?


Kira... Não me assuste!


 


- - - - - - - -


 


No apartamento do capitão Matsuda, este e a esposa Sayu encontravam-se um diante do outro à mesa de jantar, alimentando-se para repor parte das energias perdidas por ambos ao longo do dia. O desgaste do policial, porém, era obviamente maior, e a mulher sabia disso. Mal haviam se falado desde a chegada do marido e ela evitava ao máximo tocar no assunto referente ao trabalho deste, por mais que ele fosse principal tópico de conversa nas ruas, casas e televisão.


Comiam em pleno silêncio, cabisbaixos, até que Touta resolveu iniciar um diálogo:


         Sei que sua mãe nunca gostou de falar sobre coisas como essa durante as refeições e que você herdou essa postura, mas... Não consigo mais deixar de compartilhar o que houve!


         O criminoso morto... Foi mesmo um novo Kira, como todos estão dizendo?


         Há sim uma chance, porém Sanbashi já sofria de problemas cardíacos e seu infarto pode realmente ter sido natural. Aliás, é nisso que quero acreditar. Mas...


         Mas? – Sayu ergueu uma das sobrancelhas, notando uma espécie de culpa no esposo.


         Os legistas também concluíram que o nervosismo do momento em que foi preso pode ter sido decisivo para o coração de Sanbashi parar de bater. Pouco antes de meus homens retirarem-no do prédio, eu o havia abordado de modo um tanto ameaçador... Não pude evitar, afinal o maldito traficava crianças com fins sexuais, mas... Posso ter acabado contribuindo para a pressão que supostamente o matou...


         Querido... – a mulher soou doce e amável como nenhuma outra no mundo, ao ver de Matsuda, conseguiria soar. – Você não teve culpa alguma! Estava apenas fazendo seu trabalho, e há situações em que não se consegue mesmo manter a calma! Aquelas crianças estão salvas, a quadrilha presa e você não tem nada a ver com o infarto daquele homem. Fique tranqüilo, está bem?


         Hai.


Ele sabia que não conseguiria ficar totalmente aliviado durante algum tempo, mas, para fazer jus ao enorme carinho que recebia de Sayu, dispôs-se ao menos a tentar. Continuaram a comer, com a diferença de que agora o capitão esticara um dos braços sobre a mesa, na direção da esposa... E esta, com todo carinho, cobriu-lhe a mão com seus dedos delicados e pequenos. Um simples gesto de amor que significava muito.


 


- - - - - - - -


 


A tarde principiava a terminar, o sol já ensaiando se pôr dentro em breve.


A temperatura subira um pouco, permitindo que os jovens alunos da Sorbonne retirassem ao menos parte de suas roupas de frio. Andando lado a lado, Justine Clare e Paule Delacroix saíam da área da universidade após mais um cansativo dia de aula. A primeira ainda conservava o casaco e o cachecol, mas guardara o gorro, deixando os longos cabelos loiros, presos num rabo de cavalo, caírem por suas costas até pouco abaixo dos ombros. Os lindos olhos esverdeados que possuía tinham um brilho pitoresco, esperançoso, retratando a estranha ansiedade que tomara a moça nas últimas horas. Acreditava que fosse somente a vontade de chegar depressa em casa e descansar para, logo mais à noite, dedicar-se como de costume inteiramente aos livros.


Já Paule tinha na cabeça, cobrindo-lhe parte dos curtos cabelos castanhos, uma graciosa boina azul. Também usava um cachecol ao redor do pescoço e o tronco estava coberto por blusa e casaco, além das mãos enluvadas. Era sabido que a melhor amiga de Justine possuía uma sensibilidade bem maior em relação ao inverno do que esta. Talvez Clare já fosse fria por natureza, segundo diziam...


         Você vai voltar de ônibus hoje? – perguntou Paule.


         Sim, estou cansada e, não sei por que razão, um pouco aflita... Quero chegar logo em casa. E você?


         Eu irei a pé... Quero passar pelo café no caminho.


         Já consigo imaginar a razão... – Justine sorriu de forma maliciosa. – Pierre, certo?


         É! – a apaixonada ficou com as bochechas vermelhas. – Ele é uma graça! E acho que está começando a me notar. Ontem paramos para conversar um pouco, falou que quer me ver mais vezes...


         Bonne chance!


         E você, Justine? Não tem nenhum gatinho em vista?


         Meu tempo é precioso demais para ser perdido com essas bobagens.


         Ora essa! Fala assim só porque ainda não se apaixonou de verdade! Quando a pessoa certa aparecer, você irá...


         Paule... Poupe-me do papo sobre flerte e namoricos, OK? Aliás, esta é minha esquina. Até amanhã!


         Até! – já habituada com o jeito um tanto grosso da amiga, Delacroix acenou sorrindo enquanto continuava caminhando em linha reta pela rua.


Justine, por sua vez, contornou a virada e prosseguiu na direção do ponto de ônibus dois quarteirões à frente. Durante o trajeto, observou as pessoas e situações à sua volta com uma atenção que há tempos não tinha. Viu um casal de namorados discutindo junto à entrada de um restaurante, uma mãe mimando o filho que insistia para que ela lhe comprasse um gibi numa banca sendo que não havia dinheiro para pagar, dois senhores de idade com cartelas na mão debatendo sobre suas apostas na loteria, o dono de uma quitanda berrando com um freguês acusando-o de ter roubado uma maçã do local, e o outro se defendendo ao acusar o comerciante de maluco...


Humanos. Criaturas caóticas. Seres que precisavam urgentemente de um guia. E a opinião de Justine a respeito disso jamais mudaria.


Bocejando, a estudante de Direito sentou-se num dos bancos do ponto. O ônibus que a levaria até o bairro onde morava deveria chegar dentro de poucos minutos. Pensou em abrir um dos livros que trazia consigo e adiantar ao menos uma das leituras para a aula do dia seguinte, porém preferiu manter os olhos na rua. Viu carros passarem, entre eles uma viatura da polícia em baixa velocidade, contendo dois oficiais visivelmente desmotivados a cumprirem seu dever: com suas barbas por fazer, olheiras nas faces e expressões de completo desânimo, pareciam incapazes de proteger qualquer cidadão.


 


Este mundo está mesmo podre.


 


Foi quando Justine sentiu um rápido vento gelado e cortante atingi-la pelas costas e, quase de imediato, notou um objeto caindo de alguns metros acima da via até colidir com o asfalto junto à sarjeta. Olhou assustada para o alto, mas não viu nada ou ninguém que pudesse ter soltado o artefato. Dominada pela curiosidade, Clare levantou-se do assento e avançou poucos passos, ajoelhando-se sobre a beirada da calçada. Pôde então visualizar de perto o que havia despencado bem diante de si: era um caderno negro, um tanto fino, que com o impacto se abrira sobre o meio-fio. Estendendo as duas mãos, ela apanhou-o, fechou-o e voltou a capa para diante de si, lendo em voz alta a solitária inscrição em inglês que nela existia:


         Death Note!


Sem conseguir tirar os olhos verdes daquelas duas palavras, Justine, imóvel, esfregava a ponta dos dedos pela textura do caderno num exame inconsciente para verificar se era mesmo real. Por fim ergueu as pernas, o achado ainda firme em suas mãos, e folheou brevemente suas páginas brancas, vazias, extremamente convidativas.


De alguma forma a jovem sabia que, daquele momento em diante, sua vida mudaria para sempre.


 


- - - - - - - -


 


Aguardando a Justiça


Eu quero quebrar com o marasmo deste mundo


Com a inércia das pessoas


Com a preguiça das maçãs verdes


 


Eu me tornarei luz


O sol da humanidade cega e tola


Eu me tornarei luz


E irei guilhotinar os maus


 


Eu posso conduzir a Justiça em minhas mãos, eu sei


Eu sei que posso trazer a luz a este mundo


Eu sei que posso amadurecer estas maçãs


 


Eu sei que posso fazer a ressurreição


 


- - - - - - - -


 


Prévia:


 


Caderno da morte? A idéia é criativa, mas acho que não passa de uma brincadeira.


 


A não ser que eu o teste...


 


Será que existe a chance do poder atribuído a este caderno ser real?


 


Próximo capítulo: Descoberta


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!