Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield
Crise no sistema democrático
Onde está a justiça?
Crise no sistema democrático
Onde está a justiça?
Assassinos à solta depois de julgados
Quem punirá seus crimes?
Assassinos à solta depois de julgados
Quem punirá seus crimes?
Hey, hey, francesinha
Seja o juiz, seja o Kira!
Hey, hey, francesinha
Seja o juiz, seja o Kira!
Porque em terra de justiça cega
Quem tem um caderno é rei!
Porque em terra de justiça cega
Quem tem um caderno é rei!
Hey, hey, francesinha
Seja o juiz, seja o Kira!
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Capítulo XIII
“Falha”
Ela despertou confusa e fraca.
De início não sentiu dor, porém, conforme recuperou os sentidos, alguns focos da mesma surgiram em certas partes de seu corpo, principalmente nos membros. Não podia movê-los, devido a estarem amarrados à provável cadeira na qual fora presa, caso contrário conseguiria constatar a existência neles de alguns hematomas. Praticamente todo o seu organismo estava dormente e pesado, até mesmo mexer a própria cabeça constituindo ação penosa e difícil. No decorrer de poucos minutos, no entanto, tentou extrair forças dos pontos mais remotos de sua valente alma, empregando-os na recuperação de sua visão e audição. Assim a névoa que cobria seus olhos, dificultando a identificação do ambiente, dissipou-se de forma rápida, e seus ouvidos imediatamente conseguiram captar uma série de sons provenientes de diferentes partes do ambiente no qual fora inserida.
Primeiro notou uma voz masculina falando em sussurro, quase uma lamúria, repetindo palavras e sentenças numa língua estranha de forma que tal ladainha logo se tornou incômoda. Mais parecia um tipo de oração e, graças ao seu conhecimento de Direito, Justine concluiu que o dialeto atípico era latim. De um local mais distante se originava o ruído de uma refeição sendo preparada, o barulho de alimento fritando encharcado em óleo borbulhante levando a crer que provavelmente vinha de uma cozinha anexa ao lugar. Por fim, mais próximo da prisioneira, um radinho ligado tocava uma música em volume baixo. Tratava-se de “Dani California”, da banda Red Hot Chili Peppers.
Assim que suas pupilas se acostumaram à claridade, a jovem pôde confirmar várias das deduções que sua audição lhe permitira realizar: encontrava-se atada mesmo a uma cadeira no centro de uma sala bastante iluminada, mas que mesmo assim possuía caráter lúgubre. Não conseguia se voltar para trás e examinar o recinto em sua totalidade, tendo que se conformar a uma análise do que havia diante de si: a prece em latim provinha de uma figura usando capa e capuz de cor cinza, assemelhando-se até a um membro da temível organização Ku Klux Klan, o qual, de costas para a prisioneira, estava ajoelhado diante de uma espécie de lareira convertida em altar. Sobre ela acumulavam-se velas acesas – a cera derretida escorrendo até o assoalho – jarros e vasilhas dourados cujo conteúdo não podia ser visualizado àquela distância e, logo acima, pendurado à parede, o perceptível objeto de devoção do indivíduo a orar: uma pintura emoldurada um tanto desgastada pelo tempo, mas cuja imagem ainda nítida retratava um cavaleiro medieval, de indumentária completa e rosto oculto pelo elmo, brandindo uma espada de cuja lâmina provinha intenso e sobrenatural foco de luz.
Mas o que é isto? Fui raptada por algum tipo de seita? Serão os mesmos responsáveis pelos assassinatos no Louvre?
Perdida em pensamentos, Justine continuou observando o local. Além do pitoresco altar de adoração, existiam cerca de seis estantes de livros junto às paredes e janelas, extremamente ricas em exemplares. A universitária teria de chegar mais perto para poder conferir as capas e assim saber do que os volumes se tratavam, porém pôde perceber que alguns deles possuíam aspecto antigo e certamente se tratavam de obras raras. Notou também, a cerca de dez passos de si, uma mesa de madeira sobre a qual havia livros abertos e instrumentos de química, como béqueres, tubos de ensaio e até um destilador, vários deles contendo misteriosas substâncias coloridas. Ficou surpresa e aflita ao constatar que, aos pés do mesmo móvel, encontrava-se a bolsa que antes carregava, o zíper aberto, deixando claro que seus algozes já haviam vistoriado seu conteúdo.
Oh, não... O Death Note!
Procurou manter a calma – desesperar-se nunca era a melhor saída. Talvez aqueles que a seqüestraram não houvessem aberto o caderno, tampouco lido as instruções. Caso houvessem, poderiam crer que se tratava de uma tolice, sandice de uma estudante desequilibrada. No entanto, se conferissem os nomes... constatariam que todos ali registrados pertenciam a pessoas que realmente morreram. O que já teriam feito? Será que chegaram a testar o achado com alguma vítima inocente?
Num suspiro de impotência, Clare lamentou-se novamente por seu descuido no museu e arrependeu-se em relação a trazer o Death Note consigo. Pensara antes em apenas carregar fragmentos do caderno, já que estes possuíam os mesmos efeitos que ele em si, porém a insegurança em achar que sempre poderia acabar precisando de mais pedaços do que trouxera a levaram a portar o artefato inteiro. Agora percebia que, ao invés de precaução, tal postura mostrara-se imenso erro. E tal falha podia agora custar-lhe, além da vida, a perda dos poderes com os quais pretendia tornar o mundo um lugar melhor.
Erguendo de novo os olhos, avistou, num dos cantos da sala, uma divisória que parecia levar a uma cozinha, metade de um fogão, com uma panela sobre uma de suas bocas acesas, podendo ser identificada. Realmente alguém preparava nele uma refeição, presumivelmente o jantar, já que através das janelas constatava-se ser noite. Por fim, disposto no chão, com o fio ligado a uma tomada perto de uma das estantes, um pequeno rádio estava sintonizado numa estação parisiense, a música tendo terminado e cedendo lugar à previsão do tempo para o dia seguinte.
Justine voltou a baixar os olhos. Deveria manifestar-se ou não? O fato de não ter sido amordaçada permitia entender que os seqüestradores desejavam manter certa linha de diálogo com a prisioneira. Malditos sádicos...
Ela respirou fundo... e resolveu falar:
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O homem que rezava em frente ao quadro pareceu ignorá-la por completo, sequer alterando sua posição ou interrompendo a ladainha. Deveria estar imerso no transe que geralmente arrebata os seguidores de cultos religiosos. Da cozinha, porém, originou-se mudança, quando mais alguém pôde ser visto em seu interior. Trajava capa idêntica à do sujeito ajoelhado, mas o capuz estava retraído, deixando a cabeça à mostra. Os cabelos loiros e porte atlético não deixavam enganar: era René, ou ao menos o rapaz que se identificara com esse nome. Destinou sua atenção à panela por alguns instantes e então, com um sorriso nos lábios, encaminhou-se até a sala, olhos fixos em Clare.
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A voz dele era carregada de um tom de superioridade e malícia. Justine se mexeu sob as cordas, incapaz de se soltar. Apesar de tentar ao máximo manter sua firmeza e coragem, naquele momento a moça se sentiu verdadeiramente ameaçada pelo criminoso, sua aproximação lhe causando terríveis calafrios. A poucos passos de si, ele inclinou-se sobre seu tronco, apoiando as mãos no encosto da cadeira e, com a face quase colada à sua, deu a impressão de que iria beijá-la. No entanto não o fez, limitando-se a encarar Clare durante dez segundos, até que, como se repelido pela dureza no olhar da jovem, recuou, ainda sorrindo.
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Alquimia? Agora o aparato para experiências químicas fazia sentido. Quem eram aqueles dois afinal? Ele tinha de descobrir mais o quanto antes.
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Droga!
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Mas do que é que ele está falando?
Sem compreender nada, Clare viu René voltar a chegar perto de si, estendendo uma das mãos... Ele tocou a pequena balança dourada na extremidade do colar que a garota trazia ao pescoço, seus dedos em seguida insinuando deslizarem até os seios... Mas logo se afastaram, demonstrando o aparente temor que o rapaz sentia em relação a ela e não queria reconhecer.
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Como resposta, o bandido subitamente fechou o rosto e levou veloz a mão direita à cintura da capa, o membro logo reaparecendo... agora segurando uma afiada faca de combate. Encostou de imediato a lâmina da arma à garganta da prisioneira, por pouco não lhe cortando a pele. A moça permaneceu imóvel, sem nem ao menos piscar ou respirar, enquanto ouvia o ameaçador oponente dizer num tom tão calmo que chegava a ser perturbador:
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Ela não respondeu. Passaram-se alguns segundos e René, tornando a sorrir, sussurrou junto ao ouvido da jovem:
–
Logo depois o carrasco se afastou, piscando para Clare enquanto esta, deixando seu estado estático, continha ao máximo o desespero que sentia. Manteve o semblante frio e o olhar longínquo, determinada a de modo algum evidenciar fraqueza. Não sabia como o loiro confundira o Death Note com um livro de Direito, porém ao menos seu segredo estava seguro... por enquanto. Tinha de encontrar uma maneira de fugir dali e reaver o caderno para entender o que se passara. Caminhando de volta à cozinha, René guardou a faca na discreta bainha em seu cinto e, detendo-se por um instante junto ao homem que orava diante do altar, indagou-lhe:
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Ao mesmo tempo em que o repentino clarão de um relâmpago era observado através das janelas, o rapaz atlético, assoviando, passou a cuidar novamente da panela na qual fritava algo.
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O quarto de Justine Clare.
Atento tanto à TV quanto ao computador ligados, a única iluminação no recinto provindo dos dois aparelhos, Masuku seguia registrando os nomes e dados de criminosos conforme a nova proprietária de seu Death Note ordenara. Sabia muito bem que ela já deveria ter retornado e que sua missão poderia ter apresentado complicações – pois passava da meia-noite – porém o Shinigami mantinha uma tranqüilidade atípica para as circunstâncias. Concentrado em sua tarefa, podia ouvir o avô François caminhando inquieto pela casa, incapaz de dormir devido à ausência da neta. Tentara inclusive entrar no quarto dela várias vezes, manuseando a maçaneta insistentemente. Todavia, graças à precaução de Justine de sempre trancar a porta, não conseguira e acabara não mais tentando.
O deus da morte terminava de colar no arquivo de texto a foto de mais um meliante, quando ouviu repentinos sons no cômodo. O agitar de asas era inconfundível e, olhando para trás de relance, conseguiu ver a silhueta alta e alada junto a um canto do quarto, sua figura sempre imponente, mesmo quando oculta nas sombras.
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Masuku esboçou um leve sorriso, imperceptível ao visitante, enquanto explicava:
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Nise calou-se por poucos instantes, antes de tornar a falar ao conhecido e provável aliado, tom um tanto provocador:
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Seguiu-se um breve período de silêncio, que terminou com o ruído contínuo de dedos inumanos digitando no teclado do computador. E, mais uma vez, apenas uma criatura de asas se fazia presente no escuro e mórbido quarto...
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Death Note – Histórico:
Dando prosseguimento às investigações, “L” concentra suas suspeitas em Raito Yagami. Chega a instalar câmeras e escutas na casa do estudante para sondá-lo, porém ele consegue escapar à vigilância e inclusive utilizar o Death Note sem ser percebido para despistar o detetive.
Ingressando na Universidade de Too, Raito passa a ser abordado por um misterioso e excêntrico garoto de nome Hideki Ryuuga, na verdade “L”, que logo se revela ao rapaz e o convida a integrar a equipe de investigações.
Incapacitado de agir devido às circunstâncias e sentindo-se acuado, Raito assiste ao súbito aparecimento de um novo personagem que, enviando fitas de vídeo à TV Sakura e alegando ser Kira, poderá ser o meio para o verdadeiro conseguir eliminar “L” sem causar suspeitas.
Essa nova variável na equação logo é denominada, de acordo com as deduções de “L”, como “Segundo Kira”. Aparentemente ainda mais poderoso que o original.
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Louis permaneceu em sua posição de prece, a qual não havia abandonado desde que Justine recobrara a consciência, parecendo não ouvir as palavras do amigo. O loiro, por sua vez, aparentou não ligar muito para o fato, colocando o jantar em cima da mesa com o aparato químico enquanto sua atenção retornava para a figura da moça. Apanhou uma ou duas batatas com a mão direita e, após mordê-las, dirigiu-se a ela:
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Justine deduziu que o tal grão-mestre deveria ser o pai de Louis. Se ele fosse tão devoto àquele culto doentio quanto o filho demonstrava ser, então ela deveria estar mesmo em apuros. E que conversa era aquela a respeito de “ser oferecida em sacrifício”? Qual seria o intuito desse crime, provavelmente apenas mais um entre os vários já cometidos por aquele grupo? Somente um fanatismo distorcido a um deus sanguinário?
Mais um relâmpago brilhou através das janelas, seguido, poucos instantes depois, de um estrondoso trovão. Uma grande tempestade romperia a qualquer momento.
Foi quando Justine ouviu batidas atrás de si. Alguém desejava adentrar o lugar, e concluiu que a porta do mesmo se encontrava às suas costas. René apressou-se até a suposta entrada, o som de uma chave liberando a fechadura sendo percebido. Depois, passos, a madeira do chão rangendo sob o que pareciam botas. A universitária viu então surgir, à sua esquerda, um terceiro homem de capa e capuz, não podendo visualizar seu semblante devido a ele estar voltado para o altar. Assim permaneceu por vários segundos, aproximando-se do Louis ajoelhado e efetuando uma rápida reverência diante do quadro do cavaleiro. Em seguida baixou o capuz, revelando cabelos ligeiramente grisalhos, a face, no entanto, ainda oculta, devido a não se virar para a prisioneira. O mistério cercando o recém-chegado começava a se tornar angustiante para ela, que sentia um estranho pressentimento a respeito de sua pessoa.
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O personagem incógnito finalmente se voltou para Justine e, ao encará-la, ambos ficaram temporariamente petrificados. O reconhecimento mútuo foi imediato, o espanto intenso, apesar de não muito evidenciado nas expressões físicas. O caráter surreal do encontro logo foi substituído pela amarga certeza de que estavam realmente diante da pessoa que menos esperavam ver naquele momento, ainda mais ali. Partiu do homem a iniciativa de abrir um sorriso e dizer, de modo perverso e ao mesmo tempo sereno:
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Quem diria! Logo um dos mais respeitados docentes da universidade, que se mostrava tão ético e íntegro, defensor da democracia, da liberdade... na verdade um assassino ocultista sem a mínima compaixão por suas vítimas. Lá no fundo, a estudante sempre soubera. Pasquale era uma pessoa podre, do mesmo tipo das demais que ela pretendia eliminar do mundo utilizando o Death Note. O típico ser humano mesquinho e cruel que não faria falta alguma deixando o convívio de seus semelhantes.
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O rapaz loiro, confuso, trocou um rápido olhar com a prisioneira e, tornando a fitar o grão-mestre, perguntou-lhe:
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Após dizer isso, Pasquale aproximou-se de Clare a passos lentos, mãos atrás da cintura, seu olhar vistoriando-a de alto a baixo. Logo depois se curvou sobre ela e, acariciando de leve seus cabelos, ao que a moça tentou repeli-lo sacudindo a cabeça, falou:
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Caminhando pela sala, Pasquale parou perto de seu filho, ainda imerso no transe causado por sua adoração ao estranho deus daquela seita e, apontando para a pintura do guerreiro de armadura acima da lareira, começou a explicar:
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Pasquale aproximou-se mais uma vez de Justine antes de prosseguir com sua fala:
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Quase colando seu rosto ao da órfã para beijá-la, esta já se preparando para cuspir nele em defesa, o professor foi contido pela advertência do próprio filho, que interrompeu de súbito sua oração:
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O pai de Louis hesitou por um momento, mas acabou assentindo com a cabeça, caminhando até os dois garotos. Foi então que, de costas para Justine – e observados o tempo todo por ela – deram início à bizarra cerimônia do culto ao Grande Juiz. Primeiramente cada um apanhou um dos recipientes dourados depositados sobre o altar, entre jarros e vasilhas, despejando o líquido neles contido sobre suas mãos para assim as lavarem. Clare constatou com espanto que a substância vermelha utilizada com esse fim era sangue, provavelmente das vítimas anteriores dos assassinos, várias gotas pingando sobre o assoalho. Tendo os membros assim banhados de forma macabra – e, na visão daqueles homens, eles estariam agora purificados – prosseguiram com uma espécie de invocação ao cavaleiro medieval, em língua francesa:
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Justine, calada e pensativa, continuava testemunhando o ritual.
Imbecis... Falam seus nomes completos com tamanha facilidade... É como se oferecessem os próprios pescoços à forca. Se eu ao menos pudesse me libertar destas amarras e usar o Death Note!
Em seguida o trio de fanáticos iniciou uma rápida e alta ladainha em latim, o fato de todos falarem ao mesmo tempo e de modo veloz contribuindo para que a prisioneira não conseguisse compreender quase nenhuma palavra. As preces se tornavam mais intensas a cada segundo, os membros da seita passando a se debater no decorrer do processo. Em meio ao frenesi, René chegou até a pegar novamente um dos jarros contendo sangue, despejando todo o líquido em cima de sua cabeça sem pestanejar. Tendo os cabelos e o rosto empapados de rubro, deu um berro de êxtase e retomou as doentias orações ao Grande Juiz.
A neta de François nunca desejou tanto se libertar de uma situação. Aqueles crápulas mereciam morrer. Não conseguia mais tolerar aquilo tudo, tampouco a vida de Pasquale e seus comparsas naquele culto maldito. Se ao menos pudesse agir de algum modo... Eles estavam de costas para si, totalmente à sua mercê... Se possuísse os meios...
Foi então que, sem mais nem menos, percebeu que as cordas que atavam suas pernas haviam caído sobre suas botas... Soltas. Misteriosamente soltas, como por mágica. Tentando ao máximo ocultar sua surpresa, Justine tentou inclinar o corpo para frente com o intuito de ver melhor, quando notou que os braços também estavam bem mais móveis do que antes. Fitando os pulsos, constatou que as amarras que os prendiam à cadeira também haviam sido rompidas.
O que houve?
Após um momento inicial de incompreensão, uma hipótese plausível para o atípico fenômeno despontou na mente da jovem. Sim, era provável que ele surgira para ajudá-la. Nesse caso, não poderia ter aparecido um pouco antes? Clare correra risco suficiente até então!
Certa de que os três religiosos não a ouviriam, envolvidos como estavam em sua ladainha, ela indagou em voz relativamente alta, enquanto se preparava para deixar o móvel que lhe servia de prisão:
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Ninguém lhe respondeu, entretanto. Cautelosa, Justine levantou-se da cadeira e logo em seguida abaixou-se junto à mesma, olhando ao redor na esperança de topar com a figura do aliado Shinigami ou ao menos ter o vislumbre de suas asas. Mas nada viu. Quem a houvera libertado então? Não importava, ao menos não naquele momento. Precisava agir de forma rápida se quisesse viver e ao mesmo tempo se vingar de seus inimigos.
Engatinhou até os pés da mesa contendo utensílios de química, apanhando sua bolsa sem causar barulho. Vistoriou brevemente o interior; o Death Note nele ainda se encontrava. Apanhou o caderno esperançosa, mas, assim que o folheou, constatou a desesperadora verdade: apenas a capa do artefato continuava a mesma, tendo as instruções aparentemente desaparecido e o miolo sido substituído por um dos livros de introdução ao Direito Penal que a aluna da Sorbonne possuía. Agora compreendia a razão de René não ter descoberto a real natureza do objeto e deduzido por meio dele que a moça não estudava belas-artes. Contendo a raiva e a frustração, Justine logo chegou a uma teoria a respeito de como aquilo poderia ter ocorrido...
Masuku... Você fez mesmo isto? Como pôde, seu maldito? Como pôde?
Certa de que o Shinigami trocara as capas do caderno e do livro como uma precaução secreta e tola, Clare via-se à beira de um ataque de nervos, quando algo deslizou para fora das páginas centrais do falso volume. Intrigada, constatou ser uma folha em branco, dividida em linhas e margens. Reconheceu a aparência de imediato: pertencia ao verdadeiro Death Note! Masuku ocultara fragmentos dele em meio ao livro para serem usados em caso de emergência! Apesar de ainda furiosa com o deus da morte, a órfã foi tomada por delicioso alívio. Olhou para o altar, o trio ainda distraído com a preparação para o sacrifício. Logo depois tateou o interior dos bolsos de sua calça, concluindo, para sua felicidade, que a caneta-tinteiro fora mantida dentro de um deles.
Justine apanhou-a, sorrindo. Gostaria de dar aos seqüestradores uma morte lenta, sanguinolenta e dolorosa, mas a situação exigia medidas rápidas. Focando sua atenção na página solta, registrou nela sem demora os nomes dos adoradores de Sir Jealous...
Em seguida, guardou a folha de volta entre as páginas da obra de Direito, colocou esta, por sua vez, novamente no interior da bolsa e, sem fechá-la, pendurou-a a um dos ombros. Então se ergueu em silêncio do chão, olhos fixos nos ocultistas. Nada haviam percebido. Clare resolveu apanhar o relógio de bolso que pertencera ao avô e, acompanhando cada fragmento de centímetro percorrido pelo ponteiro marcando os segundos, aguardou que o fim dos criminosos tivesse início.
Foram os quarenta segundos mais longos de sua existência. Tensos, dolorosos, intermináveis.
E, justo quando voltou a cabeça para trás e notou que algo errado acontecera, René, o primeiro a ter o nome escrito pela universitária, sentiu uma mortal fisgada em seu peito.
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Tendo os olhos arregalados e boca bem aberta devido ao grito, o loiro desabou de joelhos em frente à lareira, ainda emitindo alguns espasmos e gemidos antes da vida finalmente deixar seu corpo. A cabeça toda pintada de vermelho garantia aspecto ainda mais aterrador ao cadáver, como se o banho de sangue antes tomado pelo morto houvesse funcionado como algum tipo de rito preparatório.
Jacques e Louis, raivosos, tentaram correr na direção de Justine e detê-la, porém poucos segundos transcorreram antes que a foice inescapável da morte fizesse sua segunda vítima na sala. O filho do professor, surpreendido por igual destino, tombou para trás após a última batida de seu coração, os óculos lhe voando do rosto ao mesmo tempo em que caía em cima das tábuas do assoalho como um saco de maçãs. Não berrou, aparentando até não ter sofrido durante os breves instantes de suplício que atravessara.
Restava o velho Pasquale. Apavorado, ele deduziu, apesar do minúsculo intervalo de tempo, que teria a mesma sorte dos dois rapazes. Desistiu de correr, acuado. Olhou ao redor e a última coisa que mirou antes de desfalecer foi o rosto lívido, mas sério, de Justine. Então gemeu de dor, girando sobre as pernas com ambas as mãos sobre o tórax, e por fim precipitou-se em cima da mesa com o equipamento químico, espatifando-o e chegando a se ferir com alguns dos cacos dos recipientes. Vencido e ensangüentado no chão, ainda consciente, fitou a aluna mais uma vez, pupilas dilatadas, enquanto afirmava com voz sumida:
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Uma expressão frustrada dominou o semblante do docente no momento em que ele fechou eternamente os olhos. Em seguida um fúnebre silêncio dominou o ambiente, acompanhado de um avassalador trovão. Justine permaneceu mais alguns instantes contemplando os corpos, saboreando a revanche, a realização por ter cumprido sua missão, mesmo depois de tantos contratempos. Fechou a bolsa e, sem se preocupar com a chuva que começava a cair, deixou correndo o local através da porta destrancada.
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O inconformismo me domina
A indignação me impele
Este mundo está caótico
O mal domina livremente
Liguei hoje a TV
Mais um maníaco solto
Pena das vítimas que fará
Raiva do sistema que o favoreceu
Madame Guilhotina, faça justiça!
Reestruture este mundo de ponta-cabeça
Puna quem mereça, Madame Guilhotina
Sua justa lâmina está sedenta!
Madame Guilhotina, você me ouve?
Meu clamor impele seu mecanismo
Puna a todos, Madame Guilhotina!
O mundo lhe está pedindo socorro
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Prévia:
Masuku!
Você me deve esclarecimentos a respeito de ontem! O que tinha na cabeça? Está agindo a meu favor ou contra mim?
Quem afinal me libertou das cordas no cativeiro? O que está escondendo?
Próximo capítulo: Desconfiança
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