Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 11
Capítulo XI: Reinício




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Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

Crise no sistema democrático

Onde está a justiça?

 

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

Assassinos à solta depois de julgados

Quem punirá seus crimes?

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

Porque em terra de justiça cega

Quem tem um caderno é rei!

 

Hey, hey, francesinha

Seja o juiz, seja o Kira!

 

- - - - - - - -


Capítulo XI

 

“Reinício”

 

Japão, manhã.

Os raios solares matinais iluminavam o interior do centro de operações do novo Caso Kira, contrastando com o ar fúnebre ali predominante. Haviam se passado três ou quatro dias desde a morte de “L”, sendo que nem os próprios integrantes da força-tarefa, atordoados pelo ocorrido, conseguiriam afirmar com certeza quanto tempo se passara. Mal haviam dormido até então. Até a serena senhora Akaike, afetada pelos soturnos acontecimentos, abandonara temporariamente o refúgio, a sala onde acontecera o óbito tendo assim permanecido intocada desde a noite do mesmo, as cartas de baralho que antes compuseram o último castelo erguido pelo detetive em vida esparramadas pelo chão após seu cadáver ter tombado sobre a mesa. Elas simbolizavam o atual estado da investigação, que igualmente desmoronara com a morte de seu líder.

No centro do recinto, sozinho e imóvel, o capitão Matsuda contemplava calado aquele miserável cenário. O corpo de Near fora removido dali poucas horas depois de seu provável assassinato, o agente Adams tendo se encarregado de um sepultamento digno. Aliás, apesar de todos os membros da equipe terem permanecido no mínimo nos arredores da estância, Ernest era o único que parecia realmente ter deixado o local, pois não era visto há dias. Estaria tomando os devidos cuidados para que a morte de “L” não fosse descoberta e providências com o intuito de logo alguém substituí-lo? Era bem possível.

         Nós não estávamos esperando por esta, não é?

A fala viera de Hoshi, que acabara de adentrar o lugar à procura de seu superior. Sua aparência denotava a mesma fadiga que vinha se abatendo sobre todos, agora maior do que nunca. Num gesto de empatia, colocou uma das mãos em cima do ombro direito de Touta enquanto afirmava:

         Não se aflija, senhor. Optimus-san morreu para capturar Kira. Ele é um exemplo a todos nós. Não podemos desistir.

Não passava pela cabeça de Matsuda, porém, a mais remota possibilidade de abandonar o caso. A questão era que, sem Near, ele agora era o único ali que tomara parte na caçada ao antigo Kira e, conseqüentemente, sabia bem mais do que todos. O que deveria fazer em relação às informações que trazia em sua mente? Guardá-las para si e compartilhá-las com os colegas somente se necessário ou já revelá-las em sua totalidade a eles? Deveria falar a respeito de Raito? E quanto a Sayu? E se ela descobrisse a verdade?

Apesar de ainda trabalhar com vários outros policiais, o capitão sentia-se naquele momento imensamente solitário.

Foi quando, como que sensibilizados por seu mal-estar, os demais voluntários da força-tarefa ganharam o interior da sala em silêncio, dispondo-se de pé, vários deles cabisbaixos, em diferentes pontos desta. Touta encarou aqueles que mantinham as faces erguidas com certa consternação. Finalmente chegara o momento de decidirem o que fazer. Já haviam adiado demais aquela reunião, e enquanto isso Kira seguia fazendo vítimas ao redor do mundo.

         Creio que todos saibam que devemos tomar alguma atitude – disse Krammer. – Com “L” ou sem ele, temos de prosseguir com as investigações. Já chegamos até aqui, não podemos retroceder!

         É aí que a senhorita se engana! – discordou Bakerton, costas apoiadas numa parede. – Será que pode me esclarecer como Kira conseguiu matar “L”? O usuário do caderno precisa do nome e rosto de suas vítimas para executá-las. Isso só me leva a crer que alguém desta central é informante de Kira, ou pior, ele próprio!

         Não descarto totalmente a hipótese de Kira ser um de nós... – ao fazer tal colocação, Eliza lançou um olhar desconfiado na direção de Matsuda e Hoshi, já que eram da polícia japonesa e as suspeitas de “L” os haviam levado justamente àquele país. – No entanto, não podemos nos desesperar. Nem que cada um de nós tenha de ser vigiado por vinte e quatro horas, o caso deve ser solucionado!

         Pois eu me recuso a continuar fazendo parte deste time sabendo que um de meus colegas pode me matar ao seu bel-prazer! Podem me considerar fora das investigações!

Ficava claro que o inglês temia mais por sua vida do que qualquer outra coisa. Entretanto era sua decisão, e cabia aos companheiros respeitá-la. Ele limpou rapidamente sua mesa, armazenando todos os papéis que lhe diziam respeito dentro de uma pasta, e em seguida dirigiu-se até a saída. Antes, no entanto, num ato simbólico, retirou de um bolso o distintivo falso que protegeria sua identidade durante aquele caso, atirando-o em uma lixeira próxima à porta. Não mais precisaria dele.

O silêncio tornou a dominar o lugar, desconfortável, até que alguém deu um passo à frente. Zheng Wu Liu.

         Recebi ontem uma ordem vinda de meu governo para também abandonar a força-tarefa.

         Uma ordem do governo chinês? – estranhou Ricardo Souza. – E qual a justificativa?

         Kira está claramente assassinando também aqueles que o perseguem. As autoridades de meu país temem que a presença de um investigador proveniente da China na equipe que tenta capturá-lo possa fazer com que nosso povo sofra represálias. Esse assassino já mostrou que não reluta em eliminar inocentes caso ache necessário. É por isso que também estou deixando-os. Espero apenas que não me vejam como um covarde.

         Nós entendemos, Liu, não se preocupe – falou Boruanda. – De forma alguma faríamos tal idéia de sua pessoa. Você foi um valoroso membro desta equipe pelo tempo que nela permaneceu.

         Siga em paz, meu amigo! – Rivera despediu-se dele num sorriso que muito o reconfortou.

Zheng Wu se retirou com os olhos mirados no chão, passos lentos e tristes. Depositou seu distintivo falso sobre a beirada de uma mesa e cruzou a porta de saída sem pronunciar mais qualquer palavra.

         Alguém mais? – questionou Ackerman, braços cruzados.

Felizmente ninguém mais se manifestou. Os rostos cheios de desesperança evitavam fitar uns aos outros, suas pupilas achando mais seguro se perderem pelos detalhes do assoalho e dos móveis. Nisso, Matsuda deteve a visão em uma das cartas espalhadas pela sala, aquela que justamente possuía a figura de um coringa. Imaginou que, se no lugar de seu cetro espalhafatoso, a gravura portasse uma foice, poderia muito bem representar Kira. E para eles, naqueles dias difíceis, Kira agia justamente como um coringa, zombando de seus esforços e surpreendendo-os justo quando estavam mais despreparados.

         Então, além de “L”, nós temos mais duas baixas... – murmurou Yahudain. – Será que conseguiremos solucionar este caso mesmo assim?

         E-eu tenho algo a dizer! – informou de súbito Touta, erguendo um dos braços.

         O que é, capitão? – ironizou Dennegan. – Vai debandar também?

Muito pelo contrário. O marido de Sayu tomara coragem e julgara aquele ser o melhor momento... Revelaria a todos eles o que sabia.

 

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Paris, noite.

Terminando de jantar na companhia do senhor François, Justine soltou o garfo e a taça ainda contendo um restinho de vinho, empurrou o prato vazio levemente com os dedos e levantou-se da cadeira. O idoso então recolheu a louça e os talheres da mesa para lavá-los e, dirigindo-se até a cozinha, percebeu que a neta já deixava a sala de jantar rumo às escadas.

         Muita matéria para estudar hoje? – ele indagou devido à evidente pressa da garota.

         Sim, vovô... Direito Constitucional é sempre uma dor de cabeça. Boa noite.

         Boa noite – ele replicou num sorriso que, apesar de lívido, possuía um quê de preocupação.

Conforme seus pés calçando botas venciam os degraus rumo ao quarto, Clare se reprovava mais uma vez por ter se atrasado no caminho de volta para casa aquela tarde. Como planejara voltar de ônibus, permanecera mais tempo na biblioteca da universidade pesquisando livros, porém acabara perdendo o transporte devido a míseros dois minutos. Isso a obrigou a voltar caminhando até Montparnasse, consumindo no mínimo quarenta minutos de seu precioso tempo no processo. Chegara ao lar já na hora do jantar e, como sempre passava tal momento junto do avô, só agora se via livre para subir ao quarto e usar o Death Note a partir dos registros de Masuku.

Destrancou a porta e entrou no cômodo. A lâmpada no teto estava acesa e os aparelhos eletrônicos, como de costume, ligados. O Shinigami, sentado diante do PC, terminava de colar a foto encontrada na Internet de um último criminoso no arquivo de texto que servia de guia a Justine. Logo depois falou à estudante:

         Você chegou tarde...

         Eu sei – a réplica foi seca e ausente de explicação.

A loira atirou suas coisas sobre a cama, abriu a mochila e apanhou o caderno. Rindo, o deus da morte cedeu seu lugar a ela voando até a janela. Pousou diante da mesma e pôs-se a contemplar a vista, com a Torre Eiffel projetando o famoso holofote em seu topo ao redor de si, sobre os telhados e ruas da cidade. Folheando o Death Note e examinando os dados coletados por Masuku, a jovem percebeu que ele lhe havia fornecido dezessete novos registros, não fugindo à média diária. Nunca faltavam criminosos para Clare punir, sem contar que muitas vezes ela conseguia dar cabo de vários de uma só vez, como no caso do mafioso estadunidense Ângelo Bertolucci, quando conseguira eliminar num acidente de carro tanto ele quanto seu motorista e seu guarda-costas, ambos libertados da prisão devido à influência do bandido sem que houvessem cumprido nem um terço de suas penas. A justiça divina era mesmo implacável.

Alternando os olhos entre a tela do computador e as páginas do caderno, executando por meio deste os primeiros indivíduos que achava merecedores de uma morte inesperada e cruel, algo na TV ligada atraiu a atenção de Justine. Àquela hora era transmitido um noticiário noturno, e as palavras do apresentador fizeram com que a moça voltasse sua cabeça para poder entender melhor o que era veiculado:

         Foi encontrado hoje pela manhã mais um corpo de uma estudante parisiense nas imediações do Museu do Louvre. Christine Facet tinha vinte e três anos de idade e era aluna da Universidade Pierre e Marie Curie. Foi vista pela última vez na tarde de ontem, quando saiu de casa para encontrar algumas amigas no museu. O cadáver foi descoberto num dos banheiros da estação de metrô Palais Royal – Musée du Louvre com indícios de violência sexual. Esse é o sétimo caso de estupro seguido de morte nos arredores do museu em menos de um mês, e a polícia já fala num provável serial killer, apelidado pela população de “Maníaco do Louvre”. Todas as vítimas foram mulheres entre vinte e vinte e cinco anos de idade. Medidas estão sendo tomadas para garantir a segurança dos freqüentadores da área e prender o assassino.

Mesmo com o término da notícia, Justine permaneceu com a visão fixa no televisor por mais alguns bons instantes. Masuku havia se virado na direção da loira e tomara conhecimento tanto do maníaco quanto da reação dela diante disso. Sem nem ao menos piscar, ela parecia atônita, afetada, desprovida da capacidade de efetuar qualquer reação. Por fim girou na cadeira e, tornando a focar-se no Death Note, disse em voz um pouco baixa:

         Esse psicopata tem de morrer.

         Isso está acima de qualquer dúvida, mas... – oscilou o Shinigami, aproximando-se. – Não seria melhor esperar a polícia capturá-lo para então aniquilá-lo através do caderno? Com certeza essa será uma prisão cuja repercussão irá bem além das fronteiras da França...

         Para que ele faça mais vítimas até lá? De modo algum. Vidas inocentes correm perigo. Ele deve ser morto o quanto antes. É para casos assim que justamente carrego comigo o Death Note a qualquer lugar que eu vá.

         Não acha isso arriscado? Você pode levantar suspeitas! Está agindo de forma tão cuidadosa até agora... Não deixe que suas emoções coloquem tudo a perder, Justine!

         Ele é um estuprador assassino, Masuku! – quase se descontrolando, Clare aumentou subitamente o tom de voz. – Além disso... você se lembra muito bem de quando eliminei Jean Moreau no mercado. Tudo irá parecer um acidente, e ninguém jamais suspeitará de mim.

         Mas como você pretende se aproximar desse tal maníaco? Lembre-se que precisa do nome e rosto dele para poder matá-lo...

         Não sou idiota, sei muito bem disso. O noticiário informou que as jovens mortas tinham entre vinte e vinte e cinco anos... Estou com vinte e um, logo me encaixo no padrão até o momento...

         Espere aí... Não vá me dizer que...

O deus da morte então compreendeu o possível plano de Justine, arregalando os olhos. Seria ela realmente capaz de encarar tamanho risco para fazer justiça? Parecia evidente que sim. Apesar de todas as demonstrações já dadas pela garota relativas a cumprir seu propósito, Masuku continuava involuntariamente subestimando-a. Mas tinha de se esforçar para não mais fazer isso. Ela era simplesmente... perfeita!

         Nenhuma outra mulher padecerá nas mãos desse desequilibrado... – afirmou, determinada. – Eu encerrarei sua onda de crimes antes que possa fazer mal a mais alguém!

E, sorrindo, o Shinigami percebeu que pela primeira vez os olhos de Clare compartilhavam do mesmo brilho vermelho dos seus...

 

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É manhã, mas a luz solar mal penetra no quarto através das persianas fechadas. Num dos cantos, como sempre, a figura alada permanece de pé, imóvel como uma gárgula removida do telhado de alguma catedral e ali colocada para servir de sinistra decoração. Sobre a cama, a mulher, sentada, fala em voz baixa com alguém através de seu celular. Concluída a conversa, ela se despede num discreto “Sayonara”, virando-se na direção do ser misterioso. Ela encara aqueles olhos que mesmo não sendo mais humanos ainda tanto a atraíam e, depois de respirar fundo, diz sem pestanejar:

         Chegou a hora de agirmos.

A criatura nas sombras se limita a assentir movendo ligeiramente a cabeça.

 

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Death Note – Histórico:

 

 No final do ano de 2003 d.C., um Death Note foi encontrado pelo estudante colegial japonês Raito Yagami. Após testar o poder do caderno, ele resolveu utilizá-lo para eliminar todos os criminosos de alta periculosidade do planeta, almejando se tornar “Deus do Novo Mundo” com a criação de uma nova sociedade, no seu ponto de vista, ideal.

 

No entanto, as autoridades mundiais, desejosas de capturarem e punirem o responsável pelos assassinatos em série de meliantes, logo alcunhado de “Kira”, recorreram àquele considerado o maior detetive vivo: “L”.

 

Teve início então um intrincado embate entre “Kira” e “L”, um duelo de mentes geniais como nunca houvera até então sobre a face da Terra.

 

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Matsuda terminou sua exposição quase sem fôlego. Fora uma fala extensa, sendo que os colegas não o haviam interrompido para fazer perguntas, certamente preferindo deixar todas para o final. No entanto, conforme revelara o que sabia, pudera notar as mudanças nas expressões faciais de todos. Transitavam entre surpresa, inconformismo, compreensão e até mesmo raiva. Esta última era mais explícita em Dennegan, que foi o primeiro a tomar a palavra:

         Então você fez parte da força-tarefa que encurralou o primeiro Kira, tendo inclusive já trabalhado junto com “L”! Até quando pretendia esconder isso de nós?

         Perdoem-me, mas eu não sabia se era prudente expor tudo isso sem que “L” ordenasse – replicou Touta. – Além disso, há outras coisas envolvidas...

         O que pode ser mais importante do que prender Kira? – Krammer indagou, também desapontada.

         Minha esposa... é irmã de Raito Yagami. Ela nunca soube que ele era Kira. Peço que compreendam... Sayu já passou por experiências terríveis, como um seqüestro e a morte do pai... Se ela descobrir que alguém que amava tanto fora capaz de tamanha barbárie... não creio que suportaria!

Os semblantes relaxaram. Agora compreendiam melhor os motivos do capitão para ter mantido seus segredos guardados, mesmo isso atrapalhando as investigações. Dentre todos ali, Hoshi era certamente o mais espantado. Trabalhava junto com Matsuda já há algum tempo e nunca suspeitara que ele estivera envolvido no Caso Kira. Como uma pessoa que lhe era tão próxima de repente se assemelhava a um completo desconhecido?

         O antigo Kira era então esse estudante japonês, Yagami... – murmurou Souza.

         Exatamente. Mas, apesar de ser o principal proprietário, ele não foi o único a utilizar um Death Note nesse período...

         Como assim? – sobressaltou-se Ackerman. – Houve mais de um Kira agindo ao mesmo tempo?

         Eu me lembro de algo na época apontando para a existência de um segundo Kira... – interveio Rivera. – Porém, creio que tenha se limitado somente a isso.

         Na verdade não, houve um número maior de indivíduos – revelou Matsuda. – Alguns dos usuários apenas substituíram Raito em ocasiões nas quais não poderia utilizar o caderno devido a suspeitas sobre sua pessoa, mas num determinado ponto dos acontecimentos houve sim dois Death Notes neste mundo. Eles chegaram a ser trocados, tiveram sua posse abdicada... Enfim, tudo parte do jogo de Kira para não ser descoberto.

         Quantas pessoas afinal fizeram uso dos cadernos? – inquiriu Boruanda.

         Cinco, pelo que me recordo. Além de Raito, houve uma jornalista chamada Kiyomi Takada, um seguidor de Kira de nome Teru Mikami, um executivo do Grupo Yotsuba conhecido como Kyosuke Higuchi e, é claro, a famosa modelo Misa Amane.

         Misa Amane? – exclamou Hideo de súbito. – Minha nossa, eu era fã dela!

Os demais lançaram um olhar reprovador na direção do jovem policial, já que seu comentário havia sido um tanto desnecessário. Touta não pôde deixar de se lembrar de quando fora um rapaz igualmente espontâneo e ingênuo durante a caçada ao primeiro Kira, e agora testemunhava a situação se repetir com seu comandado. Era quase certo, porém, que aquele desgastante caso o amadureceria assim como amadurecera a si próprio no passado.

         Voltando ao seu relato, você disse que, logo após “L” morrer dias atrás, ouviu uma risada do lado de fora e correu para lá com o intuito de identificar seu dono, deparando-se com o Shinigami que foi responsável por Raito Yagami ter adquirido seu Death Note – lembrou Yahudain. – O nome dele é Ryukuu, certo?

         Exatamente – o capitão confirmou. – Eu cheguei a tempo de vê-lo indo embora.

         E por que nós não escutamos nada? – Dennegan continuava provocador. – Será que seus ouvidos são melhores que os nossos?

         Não se lembra das regras? – Krammer rebateu o compatriota. – Apenas quem tocar o Death Note que pertencia a um determinado deus da morte poderá notá-lo. Matsuda era integrante do time que desmascarou o antigo Kira e assim teve contato com o caderno de Yagami, que antes era propriedade desse Ryukuu. Assim é capaz de vê-lo e ouvi-lo.

         Será que Ryukuu foi o assassino de “L”? – cogitou Günter. – A atitude dele me parece bem suspeita!

         É possível – ponderou Scott. – Pelo que sabemos, Shinigamis podem visualizar o verdadeiro nome de um humano só de olharem para seu rosto. Isso tornaria muito fácil executar “L”. A questão é: se foi mesmo esse Ryukuu, por que fez isso?

         Vocês se lembram da hipótese que “L” levantou antes de falecer? – perguntou Izabela. – Todos os humanos que utilizam o Death Note podem acabar se tornando Shinigamis depois de morrerem. Tomando isso como verdade, Raito Yagami também não pôde escapar a esse destino. O que o impediria de retornar a este plano como um deus da morte e conceder a alguém um caderno para que pudesse continuar com a missão de Kira?

         É uma idéia assustadora, porém coerente – emendou Ricardo. – Tornando-se um Shinigami, Yagami poderia sem dúvida fazer isso. E levando em conta que foi Ryukuu quem lhe concedeu o Death Note quando humano... Ele pode ter regressado a este mundo junto com Raito para ajudá-lo!

         E fez isso eliminando “L” para atrapalhar nossas investigações e nos amedrontar – falou Hoshi. – Enquanto isso, o “Raito-Shinigami” deve estar instruindo o novo Kira em suas ações.

         “L” pensava também na existência de dois Kiras... – Moshe observou. – Um deles pode na realidade ser Ryukuu. Quem sabe não foi ele quem eliminou Sanbashi? Quanto às outras mortes, foram causadas por esse novo Kira que Yagami gerou, provavelmente uma pessoa de ideais similares aos seus. Eliah Bantu pode ter sido apenas um teste, assim como fora suspeitado, e os assassinatos seguintes já fazem parte de forma efetiva do plano insano de livrar o mundo do mal!

Matsuda estava um pouco trêmulo, apesar de ninguém perceber. Será que Raito voltara mesmo como um deus da morte? Céus, aquilo era horrível! De modo repentino testemunhou em sua mente a cena de Sayu reencontrando o maligno irmão com a aparência deformada pela transformação num Shinigami. Nem mesmo Touta desejava ver de novo o rapaz no qual confiara tanto e que o decepcionara, ainda mais de maneira tão grotesca! Foi um pouco pela vontade de afastar essa possibilidade que acabou dizendo:

         Esperem um pouco. Não se esqueçam de que no mínimo cinco pessoas escreveram em Death Notes durante o Caso Kira. Quem garante que não foi algum outro usuário, ao invés de Yagami, que retornou como Shinigami?

         A ressalva do capitão Matsuda faz todo o sentido.

A última afirmação viera por parte de uma voz conhecida por todos, apesar de até então não se encontrar presente. Voltaram-se na direção da porta e, surpresos, viram o agente Ernest Adams ganhar a sala com sua maleta cinza – o notebook com o qual já estavam familiarizados – numa das mãos. Caminhou em silêncio até uma mesa vaga, a mesma ocupada antes por Bakerton, e em cima dela colocou o computador, abrindo-o diante dos policiais. O aparelho foi ligado rapidamente e logo apareceu no monitor a imagem de uma letra estilizada na cor preta com um fundo branco. Todavia, o caractere não mais era um “L”, e sim um outro componente do alfabeto...

         Bom dia. Eu sou “R”.

“R”? Que tipo de brincadeira seria aquela? A voz proveniente das caixas de som do laptop era propositalmente distorcida para que não pudesse ser identificada, assim não sendo possível saber se pertencia a um homem ou uma mulher, a alguém jovem ou velho. Confusos e intrigados, os voluntários fixaram suas visões na tela ao mesmo tempo em que ouviam a misteriosa comunicação.

         Sei que estão passando por dias difíceis, já que “L” perdeu a vida. Não duvido de sua competência e coragem, porém não podemos deixar que a morte dele nos impeça de agir. Sob minha orientação, daremos continuidade ao caso.

         Quê? – exclamou Mark. – Está assumindo o lugar de “L” assim do nada? Nós nem sabemos quem você é!

         Com o tempo nós nos conheceremos mutuamente. Peço desculpas pela falta de esclarecimentos no início, mas isso se dá devido a termos muito pouco tempo. Quanto mais discutimos, mais vidas são ceifadas por Kira.

         Adams, o que significa isto? – Krammer questionou ao colega do FBI.

Ernest, no entanto, permaneceu impassível, como se nem houvesse escutado a indagação da mulher.

         Conto com o máximo de esforço de cada um de vocês nesta investigação – continuou “R”. – Já tenho em meu poder todos os arquivos do antigo Caso Kira e irei analisá-los conforme trocarmos idéias para descobrir onde está esse novo assassino e quem é. Nos manteremos atentos também às notícias e a qualquer indício, por mínimo que seja, que possamos considerar uma pista. Quando se trata de Kira, não podemos deixar passar nada. Nada.

         “L” também se propôs a isso, e agora ele está morto! – Dennegan não poupava as críticas. – O que vai diferir seu plano do dele?

Depois de uma breve pausa, a misteriosa pessoa perguntou através do notebook:

         Até que ponto estão dispostos a ir para prenderem Kira?

         Nós já abrimos mão de nossas próprias vidas! – replicou Rivera. – Corremos um risco imenso a cada segundo!

         Abrir mão de suas vidas não significa nada.

         Como assim? – agora era Ackerman quem se enfurecia.

         O que realmente importa é como vocês abrem mão de suas vidas. O que quero dizer é: estão dispostos a fazer o que realmente é preciso para capturarem Kira?

Todos trocaram olhares de dúvida, inclusive Matsuda, pego igualmente desprevenido pelo surgimento do incógnito “R”. Coube a este esclarecer seu ponto de vista por meio de um exemplo:

         Já ouviram falar de Eliot Ness?

Ninguém respondeu. Mesmo alguns ali conhecendo tal nome, estavam nervosos demais naquele momento para se lembrarem do que exatamente se tratava.

         Ness foi um agente do chamado “Bureau de Proibição”, que zelou pelo cumprimento da Lei Seca na primeira metade do século XX nos Estados Unidos. No final dos anos 20 e início dos 30, ele se dispôs a cumprir uma meta difícil e perigosa: colocar atrás das grades o gangster conhecido como Al Capone, enfrentando toda a corrupta estrutura da cidade de Chicago no processo. Para isso, Ness somou forças a alguns homens de valor inquestionável, indivíduos que não podiam ser comprados, amedrontados ou desestimulados. Eles se tornaram “Os Intocáveis”.

“R” fez mais uma pausa e prosseguiu:

         Agindo dessa maneira, sem medo de muitas vezes desobedecerem a posturas colocadas como “politicamente corretas”, Ness e seus homens conseguiram incriminar Capone. E é nos tornando Intocáveis assim como eles que iremos pegar Kira.

         Explique melhor – pediu Boruanda, interessado.

         Primeiramente, insisto em utilizarem seus nomes e distintivos falsos ao longo de toda esta investigação, assim como recomendo o uso de óculos escuros ou qualquer outro ornamento que lhes oculte as faces sempre que deixarem este centro de operações. Para matar, Kira necessita do nome e semblante das vítimas. Não podem fornecer nenhum desses dados a ele. Conseguindo nos ocultar, Kira ficará impossibilitado de nos atingir.

         Isso se refere à proteção, mas e quanto à ação? – quis saber Souza.

         Nos guiaremos a partir de agora por um esquema que consistirá em sempre superar os atos e raciocínios de Kira. Para cada uma morte que não conseguirmos associar diretamente a ele, dez outras terão de estar ligadas à sua pessoa com o máximo de certeza. Para cada um movimento dele que não conseguirmos prever, no mínimo dez outros terão de ser cogitados por nós e devidamente detalhados. Para cada uma vez que o desgraçado conseguir nos surpreender... nós o surpreenderemos dez vezes. O deixaremos totalmente apavorado, sem saber o que fazer. E será numa dessas ocasiões em que se sentir acuado que finalmente o deteremos.

         É fácil falar, difícil é fazer... – resmungou novamente Mark.

         Por isso mesmo a partir de agora não seguiremos ordens ou instruções de mais ninguém. Não abandonaremos planos ou estratagemas devido a protestos da Interpol, opinião pública ou o governo e instituições de qualquer nação. Agiremos se for preciso até mesmo na ilegalidade e, caso necessário, usando de força letal mesmo com outras opções. Kira não respeita nada e ninguém para agir. Logo, nós que o caçamos também não devemos respeitar se quisermos realmente vê-lo fora de ação. Considerem este um reinício das investigações. E posso lhes garantir: o reino de terror de Kira terminará muito em breve.

Apesar do receio quanto à parte de violarem leis em seu trabalho, os investigadores sentiram-se bastante revigorados com tais instruções. Sim, eles se tornariam Intocáveis. Não falhariam, não desistiriam. Seriam o flagelo de Kira.

Agora sim, sob os auspícios de “R”, poderiam seguir em frente.

 

- - - - - - - -

 

O inconformismo me domina

A indignação me impele

Este mundo está caótico

O mal domina livremente

 

Liguei hoje a TV

Mais um maníaco solto

Pena das vítimas que fará

Raiva do sistema que o favoreceu

 

Madame Guilhotina, faça justiça!

Reestruture este mundo de ponta-cabeça

Puna quem mereça, Madame Guilhotina

Sua justa lâmina está sedenta!

 

Madame Guilhotina, você me ouve?

Meu clamor impele seu mecanismo

Puna a todos, Madame Guilhotina!

O mundo lhe está pedindo socorro

 

- - - - - - - -

 

Prévia:

 

Preciso eliminar esse pervertido que mata mulheres...

 

Não tenho medo de usar a mim mesma como isca.

 

Acha-se tão poderoso, não é mesmo, Maníaco do Louvre? Será que sobrevive ao caderno da morte?

 

Próximo capítulo: Alvo


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