2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 78
Quando a morte chega


Notas iniciais do capítulo

Pois é, pessoal. A fanfic está nos finalmentes. Essa semana deve acabar.



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No capítulo anterior, Cascuda e sua família decidiram deixar o abrigo para tentar a sorte em outro lugar. A nave do Astronauta chega ao sistema solar e eles descobrem que a Terra mudou totalmente.

Quando a nave sobrevoou a Terra, ninguém ali acreditou em tamanha destruição. Era como se tivessem estourado várias bombas em todo planeta. Países inteiros haviam desaparecidos, outros mudaram de lugar. Continentes afundaram e outros surgiram. Aquele não era mais o planeta que eles conheciam. O único continente que eles conseguiram identificar com alguma precisão foi o africano, que tinha se elevado.
 
Nem mesmo o Brasil estava reconhecível. Grande parte do litoral foi engolida, não havia mais a América central e outros países da America do Sul também tinham desaparecido.

- Eu não acredito! – Zé Luis falou estudando o continente que parecia ter sido o Brasil um dia. – Os estados do Rio de Janeiro e Espírito santo não existem mais! Grande parte de São Paulo e Minas Gerais foram inundadas! Aliás, os estados que ficavam no litoral brasileiro não existem mais, é uma loucura!

Xabéu não conseguiu controlar o choro e Astronauta tentou confortá-la colocando uma mão em seu ombro.

- Minha família! O que foi feito deles?

Zé Luis continuou estudando a nova Terra e falou.

- Muitos países desapareceram. Nem sei mais onde fica a Europa! A Oceania não existe mais, nem a Indonésia! A Ásia ficou dividida e boa parte da América do Norte afundou!

Ele parou de falar e esfregou o rosto com as mãos imaginando que para ter causado aquela mudança, os terremotos deviam ter sido muito violentos. Sendo assim, o número de vítimas era incalculável e ele chegou a pensar que talvez a raça humana tivesse sido extinta.

- Alferes, não há uma forma de localizar o Franja e os amigos dele?
- Nos últimos dias alguém acessou o satélite da nave. Tentarei rastrear esses acessos para determinar a localização da fonte. É o que dá para fazer.
- Não podemos procurar no bairro Limoeiro? – Xabéu quis saber.
- Não há como. Pelo que estou vendo, esse bairro foi totalmente inundado! – ele apertou os lábios, imaginando o que teria acontecido com sua família. Astronauta também estava preocupado com seus pais, embora tentasse aparentar tranqüilidade. Talvez, encontrando Franja, eles pudessem ter alguma notícia dos seus familiares.

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Licurgo tentava examinar o menino, mas como não tinha nenhum conhecimento em medicina, ele não pode fazer nada. Fabinho estava com cada vez mais dificuldade para respirar e o inalador já não fazia efeito como antes.

- Ai, professor, o que eu faço? – Carmen chorava aflita ao redor do primo. Cotinha e Tonico rezavam, já que era a única coisa que podiam fazer. Será que eles iam perder mais um filho?
- Eu sinto muito. Todo o combustível acabou e eu não tenho como buscar um médico da cidade! E eles também não têm equipamentos no hospital!
- Então eu vou levar o Fabinho até lá nem que seja no dedão!

Ele balançou a cabeça.

- Totalmente desaconselhável. Há saqueadores nas estradas que não estão poupando ninguém!
- Tem que ter um jeito, eu não posso perder o meu primo!
- Acho que o único jeito é rezar... – ele murmurou também triste diante de mais uma possível perda.

Carmen olhou para os lados e viu que não tinha nenhum emissário por perto. Era por isso que ela ainda tinha esperanças. Por via das dúvidas, ela arrumou um porrete e colocou ao lado da cama. Se algum emissário aparecesse, ela ia enxotá-lo sem dó.

Do lado de fora seus amigos aguardavam por notícias.

- Ele melhorou alguma coisa? – Mônica perguntou tão ansiosa quanto os outros.
- Infelizmente não. Droga, se eu ainda tivesse gasolina, poderia tentar levá-lo a algum hospital!
(Marina) – O Franja está tentando instalar um dispositivo no carro pra que ele seja movido a energia solar. Mas ainda não tá pronto porque ele não encontra peças.
- Sei disso...

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Na garagem, Franja trabalhava no carro do Licurgo correndo contra o tempo. Se não fosse a falta de peças, talvez ele tivesse terminado.

“Droga, será que eu vou falhar outra vez?” não saia da sua cabeça a preocupação com Tikara e os outros. O que teria acontecido com eles? Será que tinham caído no mar e naufragado? Aquela dúvida o atormentava, juntamente com a culpa por ter falhado nos projetos de alteração dos motores da nave.

Ele parou de trabalhar um pouco e ficou olhando o resultado, que tinha se transformado em algo bem steampunk e visualmente nada bonito. Se pelo menos andasse, valeria à pena.

“Eu preciso de mais fios, esses aqui estão muito enferrujados!” ele também precisava de mais vidros para os painéis solares, células, silicone para colar tudo e um controlador de carga não seria nada mal. Também faltavam resistores e capacitores também. Aliás, faltava tudo e ele não conseguia pensar em como ia conseguir terminar aquilo a tempo.
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À medida que o dia foi avançando, o estado de Fabinho foi piorando também. Tonico e Cotinha ajudavam Carmen a tomar conta do menino e a mulher não conseguia segurar o choro. Eles tinham se apegado tanto aquela criança! Por que a vida estava sendo tão cruel com eles?

De noite, Carmen saiu para jantar enquanto os dois cuidavam do garoto. Do lado de fora, cada um estava com o seu prato comendo em silêncio.

(Magali) – Como ele tá, Carmen?
- Tá piorando! Ai, eu não sei o que vou fazer! Ele foi o único parente que me sobrou!
(Mônica) – Isso é tão triste... e a gente não tá podendo fazer nada!

Eles voltaram a comer, embora Carmen estivesse sem fome. O seu maior temor nem era um emissário da morte aparecer, porque bastava enxotá-lo. Mas se D. Morte viesse pessoalmente, ela não teria como espantá-la dali. E depois de tudo o que tinha acontecido, Carmen viu que ela não poupava ninguém e achou um grande milagre ela ter salvo sua vida e a de Cascuda.

Quando terminaram de comer, eles ficaram em volta de uma fogueira. Apesar de não estar fazendo muito frio, o fogo ajudava a dar algum conforto para eles. Os casais se aconchegaram um nos outros e os solteiros tinham que se virar como podiam. Titi sentou-se perto da Carmen como quem não queria nada e tentou puxar conversa.

- Você já pensou em levar ele pra cidade?
- O Licurgo falou que tem saqueadores na estrada.
- Se é assim, eu posso ir junto pra ajudar.
- Obrigada... eu vou esperar mais essa noite. Se o estado dele piorar, eu vou arriscar mesmo. Não posso deixar ele morrer sem fazer nada!
- Caramba, como você ficou tão forte assim? – ele perguntou impressionado ao ver como aquela patricinha fresca, metida e fútil tinha mudado tanto. Se não fossem os longos cabelos loiros, ele sequer a reconheceria.

Ela deu um suspiro e respondeu simplesmente.

- De tanto levar pancada, a gente vai aprendendo a bater.
(Cascão) – Será? Então por que o Cebola apanha até hoje?

O riso foi geral apesar da careta do Cebola. Por que aquele sujeito tinha que ser tão sem noção?

Não muito longe dali, Quim passeava com Raquel e viu a turma em volta da fogueira. Sua vontade era de se juntar a eles, mas os dois tinham se tornado “persona non grata” e ninguém os queria por perto. Ele por ter abandonado Magali e Raquel por causa da sua antipatia.

Outras pessoas do acampamento estavam ficando insatisfeitas por causa da forma como ela administrava a cozinha havia até um grupo pensando em tirar o trabalho dela. Muitas pessoas ali poderiam cozinhar e cuidar da cozinha muito bem. Talvez fosse até melhor que essa tarefa não fosse tão centralizada.

De onde estava, ele viu Magali e Cascão abraçados. Quando soube do namoro dos dois, seu primeiro impulso foi o de procurar sua ex-namorada para reatar o namoro e acabar com aquela palhaçada. Ele só não fez por medo de enfrentar seu pai. Mesmo não gostando, ele teve que se controlar e engolir o ciúmes ao ver os dois andando de mãos dadas e trocando beijos. Nunca em sua vida ele imaginou Magali beijando outro rapaz. Em sua cabeça, os dois iam se casar um dia e formar uma família. Mas por um revés do destino, tudo mudou e seus sonhos tiveram que ser modificados.

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Tonico saiu para jantar e Cotinha ficou ao lado do Fabinho vigiando seu sono. De repente, ela sentiu um vento gelado na nuca, arrepiando sua pele de cima a baixo. No início ela pensou que fosse apenas uma corrente de ar, mas quando os arrepios ficaram mais fortes ela olhou para os lados e um grito apavorado saiu da sua garganta quando ela percebeu que tinha mais alguém no quarto.
 
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- Fia, ocê já jantô? – Tonico perguntou chegando perto de Carmen.
- Já. E a Cotinha?
- Tá lá oiando o mininu. Mió ocê i oiá ele pra mode ela cumê tamém.
- Eu já vou.

Um grito histérico chamou a atenção de todos e eles viram Cotinha correndo feito maluca entre as pessoas e fazendo vários nomes do pai por segundo. A mulher estava com os olhos arregalados, o rosto branco como cera e a beira de um desmaio.

- O qui foi, muié? – Seu marido perguntou assustado com aquela gritaria.
- Valha-me nossa sinhora! Aquela muié di preto tá lá no quarto cum Fabinho! Ela vai levá ele!

O medo foi geral, pois todos sabiam que se tratava da D. Morte. Carmen levantou-se depressa.

- Ocê vai lá? – Cotinha perguntou chorando apavorada.
- Vou! Ela não vai levar o meu xodozinho assim de graça não!

Os outros a seguiram e ficaram do lado de fora do quarto porque nem a Mônica teve coragem de entrar junto com ela. Quando Carmen entrou, deparou-se com D. Morte ao lado da cama de Fabinho olhando para ele com um olhar distante.

- Espera, o que você tá fazendo? Não pode levar ele não!
- Ele está muito mal, respira com dificuldade e não irá passar dessa noite.
- Ah, não vem com essa conversa não, tá? Ele ainda é criança!
- Eu não escolho idade.

Carmen começou a chorar.

- Por favor, você já levou minha família inteira e vai levar ele também?
- E você acha que eu quero fazer isso, sua tonta? – D. Morte falou encarando-a visivelmente chateada por ter que levar o menino. – Não, eu não quero, mas é o meu trabalho!
- Espera um pouco! Eu posso tentar arrumar um médico, fazer alguma coisa!

A morte balançou a cabeça.

- Se fosse atendido, ele teria chances de sobreviver, mas o hospital da cidade não tem condições de atendê-lo. Os remédios acabaram e os equipamentos não funcionam por falta de luz. Um médico por si só não pode fazer nada.

Ela começou a andar de um lado para outro chorando apavorada. Será que seu destino era perder toda sua família e ficar sozinha no mundo? Não, aquilo não era justo. Seus familiares morreram sem que ela pudesse fazer nada porque D. Morte tinha dito que não havia esperanças para eles. Agora ela dizia a mesma coisa para o Fabinho. Carmen deu um longo suspiro e falou olhando-a bem nos olhos.

- Eu deixei minha família pra trás e não fiz nada pra salvar eles. Fui embora sem lutar. Você pode falar o que quiser, mas eu não vou desistir de lutar por ele, tá?
- E o que você pretende fazer? – A morte falou sustentando o olhar da moça. – Você sabe que não pode me vencer.
- Humpt! Eu venci uma vez, não venci?
- Você está viva apenas porque eu não quis te levar. Não se iluda, de mim ninguém escapa!
- Não adianta me olhar com essa cara de bunda, eu não tenho medo de você e não vou te deixar levar o meu xodozinho!

D. Morte acabou achando graça. Ou aquela garota era muito corajosa ou era ingênua demais para achar que podia lhe enfrentar. Ela não era tão fraca e inofensiva quanto aparentava ser.

- Pirralha, - ela falou segurando a moça pelo pescoço para fazê-la olhar em seus olhos. – não tente me enfrentar porque você não tem condições para isso e eu não quero te machucar!
- Então me dá uma chance! Não leva ele agora não, ele pode acabar melhorando!
- Isso só iria prolongar o sofrimento dele. Por acaso você quer ver essa criança sofrendo desnecessariamente?
- Eu vou ficar do lado dele e fazer o que puder pra ele não sofrer muito. Por favor, você não é má, por que não dá uma chance pra ele?
- Então você não acha que eu sou má? – ela perguntou surpresa.
- Você podia ter deixado eu, o Fabinho e os pais do Chico morrer lá, não podia? Mas não deixou!
- Eu não fiz nada. – ela disse soltando o pescoço da moça.
- Fez sim, você me deu conselhos!
- Não teriam valido de nada se você não tivesse seguido.
- E você também ajudou a Magali! Se você não tivesse falado sobre o copo de suco, ninguém teria adivinhado! E depois salvou eu e a Cascuda! Viu? Você não gosta de levar as pessoas!
- Claro que não, pirralha! Já falei isso mais de uma vez!
- Então dá uma chance pro Fabinho!

A morte virou de costas para a moça e andou um pouco pelo quarto como se estivesse pensando em algo. Aquela garota era mesmo teimosa. Por outro lado, era um dos poucos humanos a não achar que ela era um monstro. Carmen voltou a falar.

- Só essa noite, por favor vai! Se não der pra salvar a vida dele, então tá, você pode levar ele que eu aceito numa boa! Mas pelo menos dá uma chance pra ele!

“Céus... eu e esse meu maldito coração mole!” ela pensou mordendo o lábio inferior com força.

- Está bem, pirralha. Eu prometo que vou esperar até o nascer do sol se você prometer não fazer oposição caso eu precise levá-lo.
- Tá bom, eu prometo.

Carmen sentou-se na beirada da cama do primo, que dormia na parte de baixo de um dos beliches e D. Morte sentou-se na cama de baixo de outro beliche para esperar. Aquela noite prometia ser longa.

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- Como é que é? – Licurgo teve um sobressalto quando Cebola lhe falou que a morte estava no quarto da família de Carmen. – Aquela aberração está aqui?
- Tá sim! Acho que ela vai levar o menino!

O louco saiu dali correndo e entrou no quarto de Carmen bufando de raiva e encarando D. Morte com os olhos faiscando.

- Por acaso você já não levou pessoas o suficiente? Tem que levar mais um?

Ela permaneceu impassível, fingindo que a hostilidade das pessoas não a machucava.

- Como pode fazer isso? – Ele voltou a falar. – Ele é só uma criança, é tudo o que sobrou pra essa moça! Você é mesmo um monstro!
- Professor, pára! – Carmen falou tentando acalmá-lo.
- Parar? Esse mostro está prestes a levar o único parente que te sobrou no mundo!
- Não é assim, ela vai dar mais tempo pra ele! Se ele melhorar essa noite, ela vai deixá-lo viver.
- Humpt! E você acredita nisso?
- Acredito. Se ela quisesse levar ele, teria levado. Só que não, ela tá esperando, viu?

Ele procurou se acalmar um pouco, ainda olhando para a morte com hostilidade. Como Carmen conseguia ficar tão a vontade diante daquela coisa sendo que toda sua família tinha sido morta por ela?

- Você sabe que ela não poupa ninguém. Se tiver que levar o seu primo, ela vai levá-lo sem se importar com o sofrimento que irá te causar.
- Não fala assim, ela não faz isso por maldade. É o trabalho dela!
- Ah, sei, igual aos nazistas dos campos de concentração?

Por pouco D. Morte não esbofeteou aquele sujeito. Como ele ousava compará-la com aquele tipo de ser humano? No entanto, tudo o que ela fez foi virar o rosto para o outro lado para mostrar que aquilo não a afetava.

- Não, é muito diferente! Dá uma chance, vai! Ela é legal!

Licurgo disparou a rir e depois encarou Carmen muito sério.

- Não se iluda com essa coisa, mocinha. Ela não tem coração e nem sentimentos.
- Tem sim! O Ângelo sempre falou bem dela e eu acredito! Se você não acredita em mim, então acredita nele!

Fabinho tossiu alto e Carmen correu até ele para tentar socorrê-lo. Como não queria continuar aquela discussão ali por causa do menino, Licurgo resolveu sair do quarto. Antes, ele falou muito sério.

- Você é muito ingênua, mocinha. Não esqueça de que ela é a morte.

Após certificar de que Fabinho não tinha piorado mais ainda, Carmen olhou para ele e apenas respondeu.

- Não é não.

Ele ficou parado na porta por um tempo tentando entender o que Carmen queria dizer e depois saiu dali com a cabeça dando voltas. Como assim aquela criatura não era a morte? Se ela matava as pessoas e as levava para o outro lado, então obviamente ela era a morte. Não tinha outra opção.

- Você tá bem?
- Acha mesmo que isso me atinge? Até parece! Estou velha demais pra me importar com essas coisas.
- Ih, você tá parecendo a Mônica, viu?
- Como é?
- Ela vive se fazendo de durona mas é manteiga derretida por dentro.

Ela engasgou um pouco, engoliu ruidosamente e deu um puxão no cabelo da Carmen para disfarçar o embaraço.

- Não facilita comigo ou eu corto esse cabelo fora, pirralha!
- Ai meu santo! Meu lindo cabelo não, tudo menos isso!

Carmen correu para colocar um lenço na cabeça e foi vigiar seu primo sem dizer mais nada. Com o silêncio que se fez, D. Morte ficou pensando no que aquela moça queria dizer ao falar que ela não era a morte.


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