Tariq continou sua narração de minha infância agora direcionado a Mikael. Eu ouvia suas palavras, suas descrições do anjo que me atormentava todas as noites, todas as histórias que antes saíam da boca inocente de uma garotinha que alertava os pais sobre sua terrível criação, porém as frases proferidas pelo cientistas ecoavam por meus ouvidos inutilmente, sendo afogadas pelas inúmeras memórias que voltavam avidamente à minha memória.

Meus pais, os momentos tranquilos que passávamos antes de tudo começar, as histórias de fantasia que mamãe me contava, os contos engraçados que meu pai reproduzia, seus sorrisos, suas vozes, tudo voltava rapidamente para mim em uma velocidade nostálgica, até que as lembranças escureceram e os pesadelos se iniciaram.

Revivi a maldosa careta que o anjo fizera em uma de suas visitas, encarei novamente os olhos preocupados de minha professora na escola, senti novamente o pânico de perceber que eu era um alvo para ser morta. E então, como se para dar à minha mente uma última punição por todo aquele tempo de esquecimento, eu olhei novamente para meus pais enquanto eles me deixavam a porta de uma casa, onde agora eu lembrava que uma tia distante morava.

A face de minha mãe era triste, as lágrimas que ela tanto tentava esconder marejavam seus olhos. Ela me deu um último abraço e olhou para mim por um longo momento, sua expressão transmitindo todas as desculpas que uma criança da minha idade na época não poderia entender.

Meu pai estava logo atrás dela, seu rosto encarava o asfalto escuro à sua volta, não me permitindo ver a expressão que denunciava a dor que ele estava sentindo. Suas mãos estavam dentro dos bolsos, o que agora eu sabia que era uma tentativa de esconder o tremor dos dedos quando ele estava nervoso.

– Você ficará bem, querida - minha mãe disse, os cabelos claros caindo levemente sobre seus olhos, não sendo afastados por suas mãos que ainda me seguravam com firmeza, como se quisessem se certificar de que eu estava ali - Nós voltaremos para te buscar.

Ela sorriu tristemente para mim, e com um último abraço demorado ela afastou-se de meu corpo, deixando-me na escada que de repente ficara extremamente fria, enquanto ela se distanciava amparada por meu pai que agora mostrava-me seu rosto coberto por lágrimas. Em seus olhos escuros, uma última promessa reluzia como uma pequena esperança.

A de que eles voltariam para mim.